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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.36 no.91 São Paulo jul. 2016

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

 

As vulnerabilidades dos cuidadores de idosos hospitalizados

 

Caregivers' vulnerabilities in caring for hospitalized elderlies

 

Vulnerabilidades de los cuidadores de adultos mayores hospitalizados

 

 

Maria das Graças Felix da Cunha1; Ana Claudia N. S. Wanderbroocke2; Maria Cristina Antunes3

 

 


RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo principal discutir a vulnerabilidade individual, social e programática, vivenciada pelos cuidadores familiares de idosos durante o período de hospitalização. Participam 15 cuidadores, sendo 11 mulheres e 4 homens, com idade entre 29 e 71 anos e que estavam cuidando há mais de 15 dias de um idoso internado em um hospital público. Os dados são coletados por meio de entrevista semiestruturada e o método das práticas discursivas foi utilizado na análise dos dados de três categorias teóricas citadas. Os dados apontam para o risco de sobrecarga relacionado ao tempo de permanência do idoso no hospital, vivenciar a possibilidade de perda do familiar, as demandas em torno das questões de gênero e falhas dos serviços de saúde em atender as necessidades dos cuidadores durante e após a hospitalização daquele. Discute-se a importância de que as necessidades dos cuidadores sejam reconhecidas.

Palavras-chave: Cuidador de idoso, vulnerabilidade, prevenção, assistência hospitalar.


ABSTRACT

The main objective of this research was to describe and to discuss the individual, social and programmatic vulnerability experienced by family caregivers of elderly during hospitalization. Participants were 15 caregivers, 11 women and 4 men, aged between 29 and 71 years and who were caring for more than 15 days of a hospitalized elderly in a public hospital. Data were collected through semi-structured interviews and the method of discursive practices was used to analyze the data organized around three theoretical categories: individual, social and programmatic vulnerability. The data pointed to the risk of overload related to the length of stay in hospital, experiencing the possibility of loss of a family member, the demands on questions of gender and the failure of health services to meet the needs of caregivers during hospitalization and after. It discusses the importance of recognizing the needs of caregivers.

Keywords: Elderly caregiver, vulnerability, prevention, hospital care.


RESUMEN

Este estudio tuvo como principal objetivo describir y discutir las vulnerabilidades individuales, sociales y programáticas experimentadas por los cuidadores de adultos mayores durante periodos de hospitalización. Participaron 15 cuidadores, 11 mujeres y 4 hombres, con edades comprendidas entre 29 y 71 años, que estaban cuidando de un adulto mayor internado en un hospital público por más de 15 días. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semi-estructuradas y se utilizó el método de las prácticas discursivas para analizar los datos, estos se organizaron en torno a tres categorías teóricas: la vulnerabilidad individual, vulnerabilidad social y vulnerabilidad programática. Los datos señalan el riesgo de sobrecarga en relación a la duración de la estancia en el hospital, experimentando la posibilidad de pérdida del familiar, las demandas en el torno de las cuestiones de género y las fallas del servicio de salud para satisfacer las necesidades de los cuidadores durante y después de la hospitalización. Se discute la importancia que estas necesidades de los cuidadores sean reconocidas.

Palabras clave: Cuidador de ancianos, vulnerabilidad, la prevención, la atención hospitalaria.


 

 

Introdução

A vida humana tem se prolongado ao longo das últimas décadas, como resultado dos avanços da medicina, melhora dos cuidados em saúde, transformações socioeconômicas e tecnológicas (Figueiredo, 2012). Associado ao avanço da perspectiva de vida que vem ocorrendo no Brasil (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2013), há um aumento da prevalência das doenças crônicas relacionadas ao envelhecimento, o que acarreta na elevação do número de idosos dependentes, como também o índice de internações hospitalares (Souza 2014). Como consequência, o cuidador familiar do idoso passa a ser um elemento chave na promoção da qualidade de vida da pessoa em situação de dependência, inclusive quando há necessidade de hospitalização.

As definições de cuidador familiar apresentadas pela literatura são múltiplas, no entanto, a mais aceita define os tipos: cuidador principal, aquele que tem maior responsabilidade nos cuidados diários ao idoso dependente, ainda que este se encontre no ambiente hospitalar, e o cuidador secundário, que serve de suporte ao cuidador principal. Esta cooperação pode passar pela prestação direta de cuidados ou por apoio financeiro, em atividades de lazer e atividades de âmbito social. (Rocha & Pacheco, 2013; Ramos, 2012; Gil & Bertuzzi, 2007).

Figueiredo (2012) destaca que apesar das alterações, tanto estruturais como funcionais, que a família tem passado nos últimos tempos, ainda se verifica que na maioria dos casos de cuidadores familiares, se sobressai a presença do sexo feminino, indicando que são as mulheres que geralmente apoiam e cuidam do idoso dependente, assumindo assim o papel de cuidadoras. O autor também sinaliza que o cuidar é fato comum em todas as culturas, mesmo que suas formas de expressão variem, continua sendo a família a cumpridora desse papel.

Segundo Vieira, Fialho Freitas & Jorge (2011) o cuidar envolve prazer e contentamento, quando o cuidador familiar desenvolve de forma bem-sucedida suas tarefas e consegue bons resultados. Porém, cuidar de um familiar idoso hospitalizado é uma tarefa complexa e única, devido à incerteza de sentimentos e as diversas formas de compreensão do cuidado. Neste sentido, Grelha (2009) observa que quando o tempo de cuidados se prolonga, o cuidador familiar é exposto a situações que podem causar perturbações à sua saúde e a tarefa de cuidar do idoso e de si próprio, pode ficar comprometida.

Algumas pesquisas (Pereira & Carvalho, 2012; Ferreira, Alexandre & Lemos, 2011; Pereira, 2011) têm estudado a qualidade de vida dos cuidadores de idosos e os efeitos adversos que esta atividade pode acarretar. Entre eles pode-se citar: cansaço físico, esgotamento, dor, diminuição da força e resistência, nervosismo, irritabilidade, insônia, humor depressivo, ansiedade, entre outros. Assim, o cuidador familiar principal, bem como o secundário de idosos pode ver-se exposto a uma elevada carga física e psicológica diante do processo do cuidar.

Quando se trata de cuidar do idoso hospitalizado, Mendes, Miranda & Borges (2010), apontam para o fato de ser uma tarefa cansativa, pois na maioria das vezes essa condição é conferida a uma pessoa que geralmente atua fora do contexto hospitalar e que termina por conciliá-la com os demais trabalhos. Além do que, uma porcentagem significativa desses cuidadores não recebe um preparo ou orientação para desempenhar a tarefa, o que pode ter impacto na qualidade de vida e dos cuidados oferecidos.

Diante desse contexto, Anjos, Boery & Pereira (2014) assinalam que muitos cuidadores familiares, ao assumirem a responsabilidade de cuidar do idoso dependente hospitalizado, reconhecem essa tarefa como exaustiva e estressante, uma vez que o cotidiano desses cuidadores passa por mudanças drásticas, fazendo com que os mesmos passem a ter restrições relacionadas às suas próprias vidas. Nesse pressuposto, Gil e Bertuzi (2007), afirmam que muitos cuidadores familiares renunciam suas próprias necessidades e afazeres, para acompanhar o idoso no caso de internação. Situação que pode desencadear uma sobrecarga aos familiares, contribuindo para o aparecimento, prejudicando a capacidade de resposta dos que cuidam.

Em relação ao exposto, Figueiredo (2012) ressalta que a necessidade de acompanhar o idoso no hospital. Frequentemente, ocorre de forma súbita e inesperada, não oportunizando tempo para o preparo do cuidador, aspecto geralmente negligenciado. Neste sentido, Cabral e Nunes (2015) concordam que o cuidador familiar apresenta necessidades que precisam ser reconhecidas pela equipe multidisciplinar da saúde, bem como pelas políticas públicas, visando a efetivação de estratégias de cuidados durante o período da internação do idoso.

Com base no exposto, parte-se do pressuposto de que o cuidador do idoso hospitalizado pode encontrar-se em situação de vulnerabilidade uma vez que permanecer no hospital demanda de sua saúde física e psicológica. Além disto, assume um papel construído socialmente ao qual nem sempre quer ou pode se esquivar e não se beneficia de apoio de políticas públicas eficientes que o apoiem no desempenho deste papel.

Uma vez reconhecida a complexidade do cuidar de um familiar idoso no contexto hospitalar, esta pesquisa tem como objetivo principal descrever e discutir a vulnerabilidade individual, social e programática vivenciada pelos cuidadores. Utiliza o construcionismo social em interface com o conceito de vulnerabilidade. A perspectiva construcionista social adota uma postura não representacionista da realidade, ou seja, entende que o mundo em que vivemos é construído socialmente por meio da linguagem. Nesta perspectiva, a linguagem constrói realidades e diferentes formas de viver porque é uma prática social e as maneiras a partir das quais os fenômenos sociais são descritos, direcionam as ações sociais (Gergen & Gergen, 2010).

O conceito de vulnerabilidade implica as noções de fragilidade, situação de ameaça ou possibilidade de sofrer dano (Feito, 2007, p. 9). Ayres (1999) consideram três planos interdependentes de vulnerabilidade: primeiro, a vulnerabilidade individual, relacionada ao comportamento pessoal, grau e a qualidade da informação que os indivíduos dispõem sobre os problemas de saúde, sua elaboração e aplicação na prática; segundo, a vulnerabilidade social, relacionada às influências do contexto social onde a pessoa se insere e que avalia a obtenção das informações, o acesso aos meios de comunicação, a disponibilidade de recursos cognitivos e materiais e o poder de participar das decisões. Por fim, a vulnerabilidade programática, que considera os programas de atendimento à saúde ou as políticas públicas para combater determinado agravo à saúde, além do grau e qualidade de compromisso das instituições, dos recursos, da gerência e do monitoramento dos programas nos diferentes níveis de atenção (Ayres, 1999).

Dessa forma, entende-se que agir sobre os fatores que aumentam a vulnerabilidade potencializa a capacidade de enfrentamento das pessoas. No entanto, ao analisar a origem dos problemas de saúde em sua complexidade, as saídas possíveis extrapolam as propostas individualizantes. Portanto, seguindo o raciocínio dos autores supracitados, trabalhar nessa perspectiva significa desenvolver respostas sociais aos agravos e viabilizar a participação ativa da população na procura solidária de estratégias e encaminhamentos aos problemas e necessidades em saúde.

 

Método

Para melhor descrever os fatores que expõe os cuidadores à condição de vulnerabilidade, optou-se pela realização de uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva exploratória e um delineamento transversal.

O estudo teve como campo de pesquisa um hospital público de uma cidade de grande porte, no sul do Brasil. A pesquisa foi realizada nas unidades de internação Urgência e Emergência, Neurologia e Unidade Cirúrgica e nos Serviços de Neurocirurgia, Urologia e Cirurgia Geral. As unidades escolhidas para a pesquisa foram as que admitiam pacientes adultos em tratamento clínico ou cirúrgico e que concentravam maior número de idosos internados. Os cuidadores participantes da pesquisa encontravam-se em enfermarias de 1 ou 6 leitos. Todas as unidades deste hospital ao internarem idosos permitiam a permanência de seus acompanhantes em período integral, dando o direito ao revezamento, fornecendo refeições ao cuidador que permaneça durante todo período em companhia do hospitalizado, bem como uma poltrona para descanso, não disponibilizando local para banho ou armários para guarda de pertences.

Os participantes foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: ser cuidador familiar principal ou secundário, em tempo integral ou parcial, de ambos os sexos e responsável há mais de 15 dias pela prestação de cuidados do idoso hospitalizado.

Foram selecionados 15 cuidadores familiares, sendo 11 do sexo feminino e 4 do sexo masculino. Quanto aos laços parentais com o idoso hospitalizado, das 11 cuidadoras, 5 eram filhas, 2 eram cônjuges, 1 irmã, 1 nora, 1 sogra e 1 neta. Dos cuidadores, 3 eram filhos e 1 era irmão. Quanto à idade, a mínima foi de 29 anos e a máxima 71 anos, sendo a média de 50 anos. Três cuidadores (as) estavam aposentados (as), 2 desempregados (as), 3 não trabalhavam, 4 eram autônomos, 1 era cuidadora, 1 empregada doméstica e 1 técnico em enfermagem. A maior parte dos cuidadores (as) possuía filhos adultos, apenas um tinha 2 filhos menores de 10 anos. Quanto ao grau de escolaridade, 7 estudaram até o curso fundamental (primeira fase), 8 concluíram o ensino médio e um não era alfabetizado.

Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, gravadas em áudio e conduzidas por meio de um roteiro de perguntas que abordou as seguintes temáticas: cuidados prestados ao idoso, motivações para cuidar do idoso durante a hospitalização, aspectos psicossociais envolvidos no acompanhamento ao idoso hospitalizado e as condições oferecidas pela instituição para a permanência do cuidador familiar. É importante ressaltar que o roteiro de entrevista serviu como um instrumento norteador. Assim, na medida em que o diálogo ia se estendendo, as perguntas davam liberdade para expressão dos pensamentos, buscando atender o objetivo principal do estudo.

A pesquisa seguiu as normas regulamentadoras de investigações com seres humanos, conforme a Resolução 466 (Brasil, 2013). Para a sua realização foi solicitado inicialmente a autorização da direção do hospital e em seguida o projeto foi submetido à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa recebendo parecer favorável sob o número CAAE 38384014.8.0000.0103. Uma vez em campo, uma das pesquisadoras se aproximou dos cuidadores e os expunha os objetivos da pesquisa, convidando-os a participar. A entrevista foi agendada para acontecer em salas reservadas, dentro das unidades de internamento. Antes de começarem as entrevistas, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e após a sua leitura foram entregues duas vias para assinarem e oficializarem a participação. Durante o tempo das entrevistas, os cuidados aos familiares idosos, ficavam sob a responsabilidade da equipe de Enfermagem, conforme escala de rotina do setor. Cada entrevista teve uma duração média de 45 minutos.

A análise dos dados foi baseada nas Práticas Discursivas proposta por Spink (2004), formulada a partir da perspectiva do Construcionismo Social e de acordo com essa proposta, os passos da análise consistiram de: transcrição de todas as entrevistas realizadas; leitura flutuante, curiosa e reflexiva das transcrições visando a correspondência do material de análise às categorias de estudo (vulnerabilidade individual, social e programática); identificação dos repertórios interpretativos; análise dos repertórios identificados, buscando compreender os posicionamentos adotados pelos participantes durante as entrevistas e suas implicações.

A fim de preservar a identidade dos participantes seus nomes foram substituídos pelos códigos E1, E2, E3, .... E15, sendo que cada número corresponde a um participante.

 

Resultados e Discussão

Vulnerabilidade Individual

Essa categoria aborda a relação de atividades realizadas pelos cuidadores aos idosos hospitalizados. Por meio dos relatos dos participantes foi possível identificar diferentes formas de prestação de cuidados, sendo que os mais comumente oferecidos foram: higiene, alimentação, mobilização, companhia e elo entre cuidadores e equipe, exemplificados pelas narrativas a seguir.

Olha na verdade a gente tá aqui pra auxiliar ele em tudo, [...] é comida, é agua [...] levar ele até o banheiro (né), botar na cadeira (né) porque não é fácil né? E13

[...] é pra ajudar ele a levantar da cama, ajudar a tomar um banho, na hora da alimentação, então eu tenho que estar sempre acompanhando e ajudando, auxiliando ele. E3

Ah, eu fico com ele, apesar de que as enfermeiras cuidam muito bem, mas eu fico pra conversar com ele, reanimar ele, sabe? Pra passar os dias, mais fácil, as horas assim, alegrar ele.E7

Percebe-se pelos repertórios utilizados, que o ato de cuidar é descrito pelos cuidadores como uma tarefa difícil, pois é uma atividade diária e contínua, e na maioria das vezes, é realizado de forma solitária, exigindo paciência, carinho e dedicação especial ao idoso, assim como encontrado por Anjos, Boerg e Pereira (2014).

Nos repertórios que seguem, podemos notar que os cuidados oferecidos não são meramente instrumentais, mais do que isto, cumprem diferentes funções junto ao idoso, equipe hospitalar e família como podemos observar na fala de E13.

Ah, dando apoio assim, no que ele precisa, no que ele chama, de repente eu vejo que ele acorda na madrugada, ou alcançar o papagaio pra ele e a manobra da cama, do inclinamento (né) e na medida do possível - ah, o que a gente puder ajudar os enfermeiros (né)? E13

Outro aspecto a ser salientado na participação do cuidador E9 é o elo que estabelece entre a equipe e a família, no sentido de manter a comunicação entre os envolvidos. Ao cuidar de seu familiar direta e continuamente, se habilitava a observar e comunicar alterações sobre o estado de saúde do idoso que poderiam passar despercebidas. Neste sentido, faz-se necessário que os profissionais vejam os familiares como um agente participativo do cuidado ao idoso, permitindo o compartilhamento de informações e um cuidado congruente às necessidades do idoso e do familiar cuidador.

[...] verifico o banheiro, o estado que tá pra ela tomar banho, ajudo na troca de roupas, e fico de acompanhante aqui ajudando, conversando, não deixando ela sozinha. Vendo também o que os médicos todos os dias vem com a notícia pra passar para os filhos dela.E9

A presença do cuidador familiar também se mostra fundamental no hospital junto ao idoso, pois este pode auxiliar a estabelecer certa continuidade entre o ambiente hospitalar e o doméstico com a sua presença, trazendo informações ou mantendo hábitos familiares. Portanto, e com base nos dados ora apresentados, entende-se que a permanência do cuidador junto ao idoso no contexto hospitalar não deve ser entendida como secundária, tendo em vista a importância da tarefa executada, que além de prática cumpre funções de elo e de apoio entre os diferentes atores envolvidos.

Destaca-se ainda, que o desempenho destas tarefas por período prolongado e/ou somado aos cuidados domiciliares, pode levar a sobrecarga, quando se sobressaem alterações no estado de saúde física e/ou emocional (Grelha, 2009). Indícios desta sobrecarga, será ilustrado nas narrativas a seguir, indicando aspectos da vulnerabilidade individual do cuidador diante do cuidar.

Os exemplos demostram que o cuidar do idoso pode ser considerada tarefa resultante dos vínculos afetivos construídos ao longo do tempo e que é perpassada pela ameaça da perda, devido a fragilidade da pessoa idosa neste momento.

Um sentimento grande de medo, ao mesmo, ao mesmo tempo uma esperança enorme, o cansaço nessa hora a gente já não, não penso muito nisso né? Mas é isso, no momento é isso [...] a gente tá ciente da situação que é difícil e tal mas a esperança sempre é a última que morre (né) [...] E8

Olha, eu cheguei num ponto assim que parece que eu não ia conseguir ver ela daquele jeito, ali naquele estado, não é? Daí eu... nossa, eu... A gente ficou meio balançado, né? Nisso, né? De ver ela naquela situação, né? Chegou um ponto de dizer: ah, eu não quero mais ver ela! Eu não quero mais ir, cheguei a falar para os meus irmãos: arrumem uma outra pessoa pra ficar ali porque eu não aguento mais ver ela daquele jeito. E10

[...] a gente se dividindo assim, né? Ajuda, dá pra minimizar, amenizar o cansaço, né? Que a gente fica aqui, que imagina ficar três dias trancada aqui é complicado, né? A gente não descansa bem aqui […] E10

[...] O emocional? O físico? Ah, é o cansaço mesmo, que, às vezes, dá vontade de sentar no meio-fio e ficar! Epa! Pera lá! Tenho que continuar [...] E11

[...] É um sentimento de querer fazer mais, querer fazer a pessoa .... sabe? Agir, reagir, conseguir andar, que é tão difícil. Então, um sentimento assim de você querer ajudar e não conseguir. E5

A partir dos relatos fica nítida a importância do suporte familiar e da rede de apoio psicossocial nesses momentos de prestação de cuidados. A experiência de E10 contrasta com as demais, pelo fato de poder dividir os cuidados e assim, poder se proteger de uma sobrecarga ou esgotamento, diminuindo sua condição de vulnerabilidade individual.

Sobre isso, Fratezi e Gutierrez (2011), afirmam que os sentimentos negativos relatados se assemelham à sensação de impotência diante do quadro estabelecido entre cuidador, a fragilidade do familiar cuidado e o ambiente onde decorrem as narrativas, denotando com isso a importância de um suporte externo adequado e equilíbrio emocional, uma vez que estas alterações podem causar problemas psicológicos, necessitando de cuidados especiais.

A partir dos dados apresentados, pode-se afirmar que o cuidador do idoso no contexto hospitalar, uma vez que contribui para o bem-estar do idoso e também da equipe assistencial, precisa ser um ator com suas próprias necessidades de cuidado reconhecidas, como também foi ressaltado por Cabral e Nunes (2015). O primeiro passo, para que isto aconteça, passa pela conscientização dos profissionais da saúde que o cuidador de idosos é um dos atores no processo de atenção integral e que é envolto por fatores físicos e emocionais que o colocam em situação de vulnerabilidade individual.

Vulnerabilidade Social

No cuidado do idoso dependente, a sociedade tradicionalmente institui que este seja realizado por um familiar, ainda que esse cuidar seja no ambiente hospitalar, fato observado nesta pesquisa.

Ah, pra mim, que sou esposa, eu acho que é minha obrigação, e apesar da minha obrigação, eu faço com o maior carinho [...]E3

[...] porque ele é meu esposo, não é? E eu tenho que dar o melhor que eu posso pra ele. Eu tenho que dar [...] porque eu o amo, é meu marido! E4

O relato de E4 direciona para uma interpretação de que o fator relacionado para assumir o cuidado ao marido está ligado ao afeto que pré-existente à situação de doença e dependência, ou seja, é um caso típico de vínculos formados pelo que antes foi compartilhado, favorecendo que o cuidar seja uma oportunidade de demonstrar afeto e realização de um compromisso de reciprocidade assumido pelos cônjuges por ocasião do casamento.

O cuidado familiar nas palavras de Queiroz (2013), tem o sentido de dever e reciprocidade no campo das relações intrafamiliares, por ter sido o cuidador favorecido com o cuidado em algum momento da vida, correspondente as ações passadas praticadas pelo idoso das quais foram testemunhas, significando a possibilidade de proporcionar retribuição afetiva no adoecimento.

Ah, é pai, né? É pai! Não, pra mim sem problema, uma gratificação, o pai, o cuidado do pai tem que ter, pela idade e tudo. E14

Eu posso dizer é que a gente ama, porque é da família, então a gente cuida. E6

Porque a gente tem aquela responsabilidade, não é? Se não forem os filhos, quem é que vai fazer? Não é? Então eu acho que é maior a responsabilidade. E5

[...] família é tudo na vida, então a gente cuida. Não tô perdendo nada, eu tô aqui... do lado dele, ele não tá sozinho, não é? E6

O fato de os filhos terem sido alvo de cuidados no passado parece ser um fator determinante para que esse cuidador se comprometa com o cuidado, no presente ou em um futuro próximo. Para Augusto, Silva e Ventura (2009), a responsabilidade dos cuidados é transferida para os filhos quando há a impossibilidade de o cônjuge desempenhar este papel. Neste caso, também existe uma relação de obrigação, procedente de valores impostos pela cultura familiar, ou seja, o cuidar é uma obrigação moral: na infância, os pais cuidaram dos filhos e agora quando os pais estão dependentes, os filhos cuidam dos pais, e esse sentimento persiste através das gerações.

Entre as narrativas, destacam-se, também, os vínculos afetivos, construídos pela vivência familiar, presente nos repertórios utilizados pelos entrevistados como o carinho e o amor na relação com o idoso. Desta forma, percebe-se que a permanência próxima ao mesmo, no decorrer da hospitalização, quando envolvida por esses fatores, facilita a participação no cuidado, principalmente, quando a relação entre o familiar e o idoso é permeada por sentimentos positivos e relação de cuidado entre as gerações.

Sobre a construção do lugar do cuidador, Rios (2009) assinala que esse fator, "diz respeito ao imaginário cultural, aqui definido como conjunto de representações forjadas historicamente que compõem a identidade cultural do cuidador para o paciente e para o próprio profissional dentro de uma mesma época e lugar" (p.49), ou seja, nesta cultura não se costuma questionar quem cuidará, mas espera-se que um familiar o faça.

Mais precisamente espera-se que uma mulher assuma os cuidados, seja pelo vínculo conjugal ou filial, o que demonstra claramente as tradicionais regras de gênero, delegando o cuidado ao papel feminino. Nesta pesquisa, entre os cuidadores entrevistados no hospital, 11 eram mulheres e apenas 4 homens. O relato da entrevistada E2 expõe a expectativa de a pessoa idosa ser cuidada por uma mulher.

Ah, eu acho muito importante, porque a necessidade de ter alguém da família [...] o fato de ter alguém, eu, no caso, sou filha, estar junto, eu acho, assim, muito importante. Porque ele já tá num lugar estranho, no hospital, pessoas estranhas toda hora chegando. Então, o fato de ter alguém da família eu acho, assim, muitíssimo importante. E2

Sobre o papel da mulher no contexto do cuidado, Beuter e outros (2009), assinalam que esta ainda é considerada a principal cuidadora quando um membro da família adoece e afirma que a ação de cuidar transpõe o âmbito domiciliar, expandindo-se ao espaço hospitalar. Entendendo-se assim que a construção da identidade de gênero é socialmente determinada, cabendo à mulher o cuidado com a casa, com os filhos, com o cônjuge e com os doentes.

Situações vivenciadas por alguns dos entrevistados nos fazem pensar que valores socialmente construídos podem também colocar o cuidador em uma condição de vulnerabilidade, como no exemplo a seguir em que a cuidadora precisa se dividir entre cuidar dos pais idosos e dos filhos pequenos.

Olha, eu tô no pico. Que eu acho que se eu parar, acho que desmancho. Mas eu sei que eu tenho que chorar quietinha e tenho que pensar que tenho criança em casa e tem os meus velhinhos que precisam de mim. E11

Ah, mudou bastante, porque eu tenho uma neném pequena de três anos que mama no peito, eu tive que deixar ela em casa, né? E tudo, eu tive que [...] a gente largou a casa pra cuidar dela, mas isso é independente, a gente estaria do mesmo jeito, mas só isso. Mudou o fato de eu ter uma criança pequena, né?E1

Então, assim, tanto o trabalho, quanto ao meu marido, e outras coisas que eu faço, igreja que eu vou, tudo isso fica de lado. Assim, a dedicação tem que ser 100% pro meu pai no momento. Trabalhava, tinha o meu emprego, tive que deixar do meu serviço, tive que deixar da minha casa própria [...] não digo casa própria, mas eu pagava um aluguel, morava sozinha, daí tive que deixar da minha vida, mudar totalmente a minha rotina, minha vida, e dedicar totalmente ao meu pai, à minha mãe. E2

Assim como a cuidadora E1 estava dividida entre cuidar de um idoso e de seus filhos, também é possível que se dividam entre o cuidar e o trabalho ou a rotina de vida, como E2. É prudente afirmar que a sobrecarga ocorre, quando os cuidadores familiares relegam suas próprias necessidades a um segundo plano e reorganizam suas vidas em função do familiar idoso hospitalizado. Sobre isso, Seima, Lenardt & Caldas (2013) advertem que quando o cuidado envolve, em maior grau a vida do cuidador, quando ele se vê e é visto apenas como o familiar que cuida e não mais como um indivíduo com identidade e aspirações próprias, sua tentativa é dar conta de preservar os vínculos formados anteriormente no seio familiar, o que lhe gera muitos conflitos. O risco nestas situações é de que, quando cuidadores estão sobrecarregados, tendem a se sentir mais tensos, logo, a exercerem suas funções abaixo de suas capacidades, o que resulta numa situação de cuidado ineficiente, normalmente acompanhada por resultados insatisfatórios.

Ao refletirmos sobre os fatores culturais presentes nas cenas do cuidar de uma pessoa idosa, novamente gostaríamos de salientar a importância de que as equipes de saúde considerem os fatores de vulnerabilidade social dos cuidadores, quando acionam as famílias para exercer a tarefa. Concordamos que a presença de familiares durante o período de internação hospitalar do idoso foi uma conquista, porém conhecer a realidade daqueles que cuidam é uma maneira de atuar no sentido de prevenir danos à saúde física e mental do cuidador.

Vulnerabilidade Programática

Além da vulnerabilidade individual e social presentes no contexto de cuidados, os cuidadores familiares estão sujeitos também à vulnerabilidade programática, aquela que dizem respeito aos programas de atendimento à saúde ou às políticas públicas para combater determinado agravo à saúde, além do grau e qualidade de compromisso das instituições, dos recursos, da gerência e do monitoramento dos programas nos diferentes níveis de atenção (Ayres e outros, 1999).

Com base nos relatos dos participantes desta pesquisa, podem-se evidenciar alguns fatores com potencial para aumentar a vulnerabilidade do cuidador. A primeira questão relatada foi a atenção dispensada aos cuidadores pela equipe de saúde.

Assim, eu sei que não sou eu que tô internada, eles cuidam do meu pai, dão remédio toda hora e coisa, mas, assim, eu sou apenas como se eu fosse uma pessoa a mais ali, um móvel, uma coisa assim [...] não me sinto acolhida, digamos. É mais uma chegando apenas, não me sinto acolhida. E2

[...] eu cheguei aqui próximo de umas 4 horas, ninguém veio perguntar se já jantou, tem janta e tal. Daí, quando foi um pouquinho mais tarde, umas 7 horas, 7 horas e 30, perguntei pra uma enfermeira ‘Não tem uma bolachinha, um chazinho pra tomar?' Ela falou ‘não, a janta foi 5 horas, 6 horas, por aí.' Eu: ‘Mas ninguém me falou nada'. E2

Pelo relato de E2, fica nítida a deficiência no diálogo entre a cuidadora e equipe hospitalar, desta forma, reitera-se a importância de que a equipe de saúde reconheça o cuidador familiar como um dos atores no processo de cuidar do idoso hospitalizado, uma vez que na maioria das vezes, contribui com a equipe de saúde. Henrique e Cabanas (2013), ao se referirem ao acolhimento, assinalam que esse serve de apoio, pois é uma escuta mais atenta às necessidades e anseios de quem recebe a assistência em saúde. O acolhimento deve ser feito com a finalidade de facilitar o vínculo entre os profissionais, os pacientes, os cuidadores e as famílias, facilitando o processo de hospitalização e proporcionando uma minimização de suas angústias.

As narrativas dos cuidadores indicaram também para as limitações estruturais do hospital para receber os cuidadores. Trata-se de um aspecto desfavorável quanto a ambiência hospitalar, que significa o tratamento dado ao espaço físico, social, profissional e de relações interpessoais, que está diretamente envolvido com a assistência à saúde e que precisa oferecer atenção acolhedora, resolutiva e humana (Peres & Lopes, 2012).

O hospital em si, o espaço físico é o que eu poderia dizer 90% é ótimo sabe! Mas em relação ao cuidador é precário (né) [...] é, por exemplo: você tem que descansar 12 horas do dia numa cadeira e às 12 horas noturna numa cadeira, ou seja, na mesma cadeira no período todo (né) [...] não tem, não oferece nada, nem banheiro não tem, entendeu? E1

O banho também eu ficaria bem constrangida de tomar banho no mesmo banheiro ali que os pacientes estão tomando, até porque ali não tem uma chave na porta, a porta fica o tempo todo sem uma chave, sem nada. Como eu já fui no banheiro, e de repente abriram a porta, e nisso eu acho bem constrangedor [...] E9

No momento (é) como vou dizer, se falar da pessoa do acompanhante não vou dizer que é uma maravilha né? É [...] Assim [...] Peço muitas vezes quando eu tô dormindo aqui; a gente pede uma água, não tem água, a gente pede um travesseiro, não tem um travesseiro, é [...] dormimos numa poltrona, a poltrona hoje no quarto que a gente tá, ela tá quebrada, é, é você vai se encostar ela cai pra trás, então assim é um pouco difícil (né). E8

As narrativas revelam que o hospital em questão oferece o mínimo de condições para a permanência dos cuidadores, sendo o descanso realizado em poltronas reclináveis que não são adequadas para períodos de permanência prolongados, isso quando não estão quebradas ou mesmo indisponíveis, forçando-os a passar o dia e a noite em cadeiras convencionais. Os relatos também demonstram pouca preocupação da equipe em orientar os cuidadores quanto ao direito de receber as refeições e os horários das mesmas. Além disto, faltou orientação quanto à disponibilidade de sanitários para o uso dos cuidadores, a fim de evitar constrangimentos durante a permanência dos mesmos nas enfermarias hospitalares. A presença dos cuidadores requer planejamento da equipe de saúde, pois muitos estão distantes de casa e precisam de informações para estabelecer alguma rotina de descanso, higiene e alimentação fora do hospital, compatível com o orçamento familiar.

Costa, Fernandes & Nascimento (2013) afirmam que o hospital, por ser o lugar cuja função precípua é zelar pelo bem-estar, conforto, confiança e segurança ao doente internado, enquanto receptor dos serviços prestados, tem por dever elaborar estratégias que sejam capazes de responder positivamente aos anseios dos que se encontram na situação de fragilidade e adoecimento. Tais estratégias devem ocorrer dentro dos parâmetros humanitários de solidariedade e cidadania, considerando que o acesso e acolhimento são elementos essenciais, para que se possa incidir sobre o estado de saúde do indivíduo e da coletividade, beneficiando a reorganização dos serviços e a qualidade da assistência prestada avaliando para que se possa incidir sobre a saúde do indivíduo.

Ontem à noite eu fui para casa, mas eu não consegui dormir. Eu estava preocupada com ele. Eu pego um ônibus para vir para cá, pego ônibus para voltar, né. Mas como a gente mora muito longe é cansativo e custoso. E4

A falta de ambiência hospitalar pode contribuir para o ressentimento dos cuidadores, a medida que potencializa o cansaço a que estão expostos diariamente e se sentem vítimas do sistema de saúde.

Sentimento de (pausa), sentimento de dor, sentimento de raiva, de humilhação e sentimento por ser um usuário (né), a gente depende dessa droga que é o sistema de saúde [...] É tenso (pausa), a gente fica ansioso, a gente fica cego diante da ação, de mãos atadas diante de tudo e de todo o sistema [...] E13

Um dos entrevistados, E13, mostrava indignação pela falta de diagnósticos precisos e da falta de estrutura hospitalar que no seu entendimento, atrasava a recuperação do estado de saúde do seu pai. Este participante em especial nos ajuda a perceber que o hospital, embora se estabeleça como um espaço de cuidado pode incorrer em práticas de descuido, submetendo os usuários do sistema a sentimentos negativos e desgaste emocional.

Mas não é somente a hospitalização a responsável por aumentar a vulnerabilidade programática dos cuidadores. A perspectiva de receber alta, e cuidar de um idoso fragilizado em domicílio, também foi apontada como um dos fatores.

Eu fico muito emocionada, eu fico nervosa, e daí às vezes o que aconteceu com ela eu fico pensando, sei lá, como que vai ser cuidada depois, mais com ela, assim, ela vai precisar muito da nossa ajuda, daí toda hora a gente se emociona com isso, né? E1

Outro entrevistado, E1, traz à tona a questão dos cuidados pós-alta hospitalar, que podem demandar muito dos cuidadores, dependendo das complicações e fragilidade do idoso. Neste sentido, aponta para a deficiência do sistema pública de saúde em oferecer atendimento domiciliar, para a maior parte dos idosos que necessitam deste tipo de assistência, sendo os cuidadores familiares responsabilizados por isto, na maior parte das vezes, sozinhos.

Cabe lembrar que embora a Constituição Federal (Brasil, 1988) e a Política Nacional do Idoso (Brasil, 1994) apontem a família como responsável pelo o atendimento às suas necessidades, na prática não vemos um delineamento de um sistema de apoio às essas famílias e nem a definição das responsabilidades das instâncias de cuidados informais. Vemos sim, que o sistema de saúde público não está preparado para atender nem a demanda de idosos, crescente em nosso país e nem a de seus familiares deixando, portanto, esses cuidadores expostos a situações que podem desencadear o adoecimento.

 

Considerações finais

Esta pesquisa buscou discutir os fatores relacionados à vulnerabilidade individual, social e programática de cuidadores familiares de idosos hospitalizados em um hospital público de grande porte no sul do Brasil.

Entre os fatores presentes no cuidar de um idoso hospitalizado que potencializa a vulnerabilidade individual do cuidador, foram mencionados o tempo prolongado de permanência no hospital, o desgaste físico e os fatores emocionais associados tanto às tarefas desempenhadas pelo cuidador, em função do vínculo afetivo e de ter que lidar com o risco de morte do idoso.

Entre os aspectos associados à vulnerabilidade social, discutiram-se as construções sociais em torno dos cuidados oferecidos pela família e pelas mulheres, destacando-se a questão de gênero na expectativa de quem desempenhará o papel de cuidador. A partir das questões colocadas pela cultura, muitas mulheres cuidadoras se veem na obrigação de conciliar o cuidar com atividades domésticas, laborais, de criação de filhos, entre outras, o que leva ao risco de sobrecarga.

Quanto à vulnerabilidade programática, os dados apontaram para falhas da infraestrutura e dos serviços hospitalares para o acolhimento do cuidador do idoso. Os cuidadores também citaram as dificuldades que envolvem o pós-alta hospitalar, revelando a escassez de serviços públicos de amparo domiciliar a essa população.

Os dados desta pesquisa contribuem para que a atenção dispensada aos cuidadores de idosos hospitalizados seja repensada e que se reconheça que os cuidados oferecidos não são meramente instrumentais, pelo contrário, cumprem diferentes funções junto ao idoso, equipe hospitalar e família. Portanto, os cuidadores precisam ser incluídos como agentes participativos do cuidado, mas também com as suas necessidades reconhecidas. Assumir as dimensões individuais, sociais e programáticas da vulnerabilidade do cuidador do idoso representa também um investimento em prevenção primária, para que o cuidador não se torne o próximo a necessitar dos serviços de saúde.

Indo além, reconhecer a vulnerabilidade dos familiares é fazer valer o Estatuto do Idoso (Brasil, 2003), no capítulo IV, artigo 16, quando diz que: "Ao idoso internado ou em observação é assegurado o direito a acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar condições adequadas para a sua permanência em tempo integral, segundo critério médico". Neste sentido, os dados desta pesquisa convidam a pensar sobre e reivindicar as "condições adequadas" para a permanência dos mesmos junto aos idosos.

A pesquisa realizada a partir da perspectiva construcionista social, trouxe à tona a realidade vivenciada pelos cuidadores de idosos hospitalizados, subjugados a uma situação potencialmente geradora de sofrimento físico e psicológico. A realidade descrita é o resultado de construções de atores sociais e só poderá ser transformada pela consciência da necessidade de se criar novas formas de cuidar do idoso, reconhecendo, valorizando e respeitando o seu cuidador. O construcionismo pressupõe que a pesquisa gera novas compreensões que possibilitam abertura para novas ações, possíveis por meio da interação dialógica de atores sociais interessados na construção de um mundo melhor.

Uma vez que esta pesquisa se limitou ao contexto de cuidados oferecidos em um hospital público, se reconhece a necessidade de que mais estudos sejam realizados em outras instituições de saúde, tanto públicas como privadas para que a condição do cuidador de idosos hospitalizados seja mais amplamente discutida.

 

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Recebido: 27/09/2016 / Corrigido: 09/10/2016 / Aceito: 11/10/2016.

 

 

1 Mestranda em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), e-mail: gracascunha8@hotmail.com, Endereço: Rua Sydnei Antônio Rangel Santos, 238 -Santo Inácio, CEP: 82010-330, Curitiba, Paraná/Brasil
2 Docente do Mestrado em Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), e-mail: anawdb@gmail.com, Endereço: Rua Sydnei Antônio Rangel Santos, 238 - Santo Inácio, CEP: 82010-330, Curitiba, Paraná/Brasil
3 Docente do Mestrado em Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP,- e-mail: mcrisantunes@uol.com.br, Endereço: Rua Sydnei Antônio Rangel Santos, 238 - Santo Inácio, CEP: 82010-330, Curitiba, Paraná/Brasil

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