Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versão impressa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.38 no.94 São Paulo jan./jun. 2018
TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS
Experiência paterna frente a diagnóstico de malformação fetal
Paternal experience facing the diagnosis of fetal malformation
La experiencia paterna frente al diagnóstico de malformación fetal
Sinara Santos1; Charles Francisco Ferreira2; Cláudia Simone Silveira dos Santos3; Maria Lúcia Tiellet Nunes4; Antônio Azevedo Magalhães5
RESUMO
O objetivo do presente artigo foi examinar os relatos paternos sobre suas experiências no diagnóstico da malformação fetal, buscando compreender o significado desse evento em suas vidas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa-descritivo e como opção de coleta de dados, foi utilizada a técnica de observação direta intensiva, através de entrevista semiestruturada. Os pais foram entrevistados individualmente e o exame do material resultante das entrevistas foi realizado por Análise de Conteúdo. Foram selecionadas 6 entrevistas consideradas de maior relevância e conveniência para o estudo e surgiram 5 categorias. Os achados indicaram que o acometimento de uma gestação com diagnóstico de malformação é vivido intensamente e gera grande impacto emocional paterno. Portanto, torna-se importante que as equipes de atendimento adotem medidas preventivas evitando danos psíquicos ao pai, acolhendo seus sentimentos, incluindo-o ativamente no acompanhamento à gestação, estimulando a manifestação de suas expectativas e frustrações, ajudando-o a ajustar-se ao bebê real.
Palavras-chave: malformação fetal, anormalidades congênitas, paternidade, gestação.
ABSTRACT
This study aimed to examine the paternal reports about their experiences in the diagnosis of fetal malformation, seeking to understand the meaning of such event in their lives. It was a qualitative-descriptive research, with intensive direct observation, through a semi-structured interview as the choice of data collection. The fathers were individually interviewed, and the examination of the resulting material from the interviews was performed by Content Analysis. 6 interviews of greater relevance and convenience for the study were selected, grouped into 5 categories. The findings showed that the involvement of a gestation with diagnosis of malformation is lived intensely and generates great emotional paternal impact. Therefore, it is important that service teams take preventive measures to avoid psychological damage to the fathers, welcoming their feelings, actively including them in the follow-up to pregnancy, stimulating the manifestation of their expectations and frustrations, helping to adjust themselves to the real babies.
Keywords: fetal malformation, congenital abnormalities, paternity, pregnancy.
RESUMEN
El objetivo del presente artículo fue, examinar los relatos paternos sobre sus experiencias en el diagnóstico de la malformación fetal, buscando comprender el significado de este evento en sus vidas. Se trata de una investigación cualitativa-descriptiva y como estrategia de recolección de datos se utilizó la técnica de observación directa intensiva, a través de una entrevista semiestructurada. Los padres fueron entrevistados individualmente y el análisis del material resultante de las entrevistas mediante el Análisis de Contenido. Se seleccionaron 6 entrevistas consideradas como de mayor relevancia y conveniencia para el estudio, se identificaron 5 categorías. Los hallazgos indicaron que el acontecimiento de una gestación con diagnóstico de malformación es vivido intensamente y genera gran impacto emocional en el padre. Por lo tanto, es importante que los equipos de atención, adopten medidas preventivas evitando daños psíquicos al padre, acogiendo sus sentimientos, incluyéndolos activamente en el seguimiento de la gestación, estimulando la manifestación de expectativas y frustraciones, ayudándolos a ajustarse al bebé real.
Palabras clave: malformación fetal, anormalidades congénitas, paternidad, gestación.
Introdução
O presente estudo propôs conhecer como os pais experimentam a situação de uma gestação com diagnóstico de malformação fetal, sendo o foco da investigação suas reações, sentimentos, pensamentos, atribuições de causas e tomada de conhecimento do diagnóstico constatado.
A formação do conceito de um filho ocorre muito antes da concepção, foi por muito tempo associado pelos pais à realização e felicidade. Durante a gestação, os pais preparam-se para os novos papéis que irão assumir frente ao bebê e às suas exigências. Tornar-se pai carrega consigo uma gama de profundas mudanças na vida do homem, que passa a assumir um novo status social e uma série de novas responsabilidades (Jager e Bottoli, 2011; Gonçalves et al., 2013; De Souza Beraldo e Trindade, 2016).O planejamento do nascimento do bebê não se restringe à concepção. Fazem parte deste projeto motivações conscientes e inconscientes que incluem a continuidade da dupla marital e da espécie, a prolongação familiar, o legado de normas culturais e históricas intergeracionais, entre outras. Do filho são esperados comportamentos e projetos que correspondam às expectativas dos pais, como sendo um prolongamento narcísico (Souza e Da Cruz Benetti, 2009),
Coexistem na mente dos pais três bebês: um fantasiado, um imaginário e o real. O bebê fantasiado é aquele que acompanha o casal durante toda sua vida, é o bebê ideal. O bebê imaginário é construído na gestação, é o resultado do desejo de maternidade/ paternidade (Guedeney e Lebovici, 1999). A constituição do bebê real torna-se mais intensa no terceiro trimestre de gravidez, quando os movimentos mais intensos do feto indicam a sua real existência (Maldonado, 2013). A partir do diagnóstico pré-natal é possível detectar alguns aspectos concretos que podem ser previstos durante a gestação. Desta forma, os pais vão se preparando, gradativamente, para o bebê real (Caron et al., 2000).
Tradicionalmente, o pai era encarregado em envolver-se com aspectos que proporcionassem proteção e conforto à dupla mãe-bebê (Krob et al., 2009; Beltrame e Bottoli, 2010; Jager e Bottoli, 2011). Porém, percebe-se atualmente, que as políticas de igualdade de gênero, além dos avanços no campo profissional, entre outras conquistas, as mulheres passaram a possibilitar uma maior participação dos companheiros nos cuidados com os filhos, e estes ao experimentar o prazer que esta relação íntima proporciona, mostram satisfação e também buscam essa proximidade com o filho (Prati e Koller, 2011).
Para o homem, a transição para paternidade, envolve uma série de transformações em nível social, biológico e psicológico. A gestação torna-se um período em que ele inicia a sua adaptação para as imposições que este novo papel exige. Dentre as suas responsabilidades estão os cuidados com a sua companheira. Ele deve protegê-la para que ela possa ocupar-se de seu bebê com tranquilidade, sem preocupar-se com exigências externas. Porém, este pai pode sentir-se excluído da relação íntima entre a mãe e o feto, pois diferente da mãe ele não sente o filho crescer, mexer-se, não experimenta as mudanças corporais e seu desenvolvimento dentro do seu corpo (Prati e Koller, 2011).
Porém, o pai pode exprimir seus sentimentos, em alguns casos, com sintomas físicos como, por exemplo, enjoo, apetite alterado, tensão, nervosismo, entre outros, que são semelhantes aos da companheira, o que, psicologicamente, denomina-se Síndrome de Couvade. Ela é entendida como expressão somática da ansiedade que envolve o processo da gestação, tendo relação com diversos fatores emocionais presentes neste período. Esta síndrome é vista atualmente como uma preparação, de forma proativa e construtiva, para a paternidade, pode ser considerada como reações normais e fazendo parte do processo reprodutivo (Brennan et al., 2007; Ferreira et al., 2010; Navas et al., 2017). De qualquer forma, notadamente, nos tempos atuais, ele não deixa de dividir as preocupações e alegrias da gravidez, acompanhando ativamente o nascimento e desenvolvimento do filho ((Brennan et al., 2007; Ferreira et al., 2010). Ter um filho perfeito, que confirme as expectativas e sonhos dos pais, é o desejo da maioria dos casais, porém quando se encontra algum problema, ocorre a frustração de um grande sonho, o que dificulta a adaptação dos pais ao nascimento, podendo representar um ataque à integridade psíquica do sujeito ou do casal, além de provocar sentimentos de perda e inadequação (Machado (Irvin et al., 1992; Machado, 2012).
As malformações fetais são defeitos na estrutura e/ou função de órgãos, células ou componentes celulares presentes antes do nascimento e surgidas em qualquer fase do desenvolvimento fetal. Essas anomalias decorrem de fatores originados antes do nascimento, genéticos, ambientais ou desconhecidos; portanto, qualquer alteração no decorrer do desenvolvimento embrionário pode resultar em malformações, que podem variar em graus de comprometimento (Belfort et al., 2006; Pereira et al., 2011).
No momento em que surge uma malformação na gestação, ela passa a ser vivida de forma traumática e desestruturadora, acarretando desequilíbrio na organização familiar.
Com o crescimento tecnológico, a possibilidade de detecção de anormalidades na gestação está cada vez mais precisa na avaliação pré-natal. Com isso os diagnósticos que colocam em risco a saúde do feto e da gestante realizados pela medicina fetal tiveram um avanço importante (Pereira et al., 2011).
Assim como a chegada de um filho com deficiência resulta em distúrbios emocionais, a revelação de uma malformação fetal pode causar uma série de reações que geram depressão, rejeição e rompimento de vínculo, seja temporário ou permanente. Em estudo realizado por (Santos et al., 2014) o diagnóstico de malformação incompatível com a vida no pré-natal pode trazer grande sofrimento e uma série de implicações para a gestante, seu companheiro e demais familiares, dentre outras: sentimento de frustração, culpa, incapacidade e perda; crises no sistema familiar e isolamento social.
Sabe-se que a gestação se constitui de um momento sensível, permeado por fantasias angustiantes sobre a saúde do feto, porém, nos momentos de espera por resultados de exames é que a ansiedade parental se exacerba (Machado, 2012). Assim, a avaliação das condições do feto, que ocorre na ultrassonografia, constitui-se, do ponto de vista emocional, numa espécie de prova. Se o feto examinado é considerado normal, resta ao casal aprender a desempenhar as tarefas específicas de pais e vincular-se a seu filho, tendo esta certeza tornam-se seguros de sua própria condição de genitores/geradores de vida. Por outro lado, se há constatação de problemas com o feto, isto pode representar um ataque à integridade psíquica do sujeito ou do casal, além de provocar sentimentos de perda e inadequação (Vasconcelos e Petean, 2009).
A identificação da existência de problemas tende a despertar respostas emocionais semelhantes às desencadeadas em processos de luto. Trata-se de um fato que marca o início de um período de grande estresse físico e emocional para os casais (Irvin et al., 1992; Santos et al., 2014).
Fatores relacionados com a gravidade da malformação fetal, da constituição psíquica do casal e de seus familiares, os cuidados de saúde especializada dispensados a eles, incluindo assistência psicológica, são requisitos indispensáveis na preparação do casal para lidar com o diagnóstico adverso (Sarmento e Setúbal, 2012).
É notório que os pais necessitam de apoio durante a gravidez, pois não são preparados para enfrentar a malformação de filho. Eles necessitam de amparo tanto de suas parceiras e redes de apoio, quanto de profissionais de saúde, pois demonstram o desejo de receber informações, de serem envolvidos e respeitados (Jardim e Penna, 2012; Do Nascimento Semente et al., 2016).
No estudo realizado por (Gage e Kirk, 2016), concluiu-se que os homens, durante a gestação de suas companheiras, esperam ser orientados na preparação para a paternidade que deve envolver informações claras e honestas, só assim será possível ao pai desenvolver estratégias de enfrentamento para a nova função a ser desempenhada. Segundo (E Alvarez, 2013), com informações e apoio emocional, os pais se sentem mais capacitados e fortalecidos para suportar a situação que estão vivendo, com isso ocorre a diminuição de fantasias e uma visão mais fundamentada na realidade. Desta forma, os pais são ajudados na elevação de autoestima e autoconfiança, no promovendo o enfrentamento de crises, na aprendizagem de novos comportamentos, entre diversos outros recursos.
Portanto, a atuação dos profissionais de saúde é fundamental, principalmente, quando conseguem identificar nas famílias os seus recursos emocionais, com suas vulnerabilidades e carências, conseguindo fornecer meios para que elas superem melhor a situação (Da Silva et al., 2016). Muitos profissionais conseguem fornecer informações de forma simples e realista, satisfazendo uma boa parte das carências de assistência dos pais e dando-lhes recursos para desenvolverem sentimentos de futuro para o filho, como potencialidades intelectuais e físicas de seu desenvolvimento (Klaus e Kennell, 1993).
Aceitar os comportamentos de negação ou rejeição, ou ainda, de esperanças, mesmo que descabidas, dos pais em gestações com malformação fetal, deve fazer parte da postura da equipe profissional que acompanha o casal, pois entende-se que cada indivíduo necessita de um tempo diferente de assimilação da realidade e, consequentemente, preparação para a situação real (Neder e Quayle, 1996). A justificativa deste estudo centra-se na importância de avaliar a relação do pai de feto com diagnóstico de malformação, saber o que ele pensa, o que sente, entender as associações que faz e a forma como recebeu a informação e, enfim ouvir este homem. Outra consideração importante, deve-se ao fato de haverem poucas publicações sobre paternidade, na literatura nacional e aqueles que discorrem sobre paternidade e malformação fetal são mais escassas ainda. (Poh et al., 2014).
Método
Instrumentos
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, com caráter descritivo e exploratório, cuja elaboração procurou atender as recomendações dos Critérios Consolidados de Relato de Pesquisa Qualitativa (CO-REQ), que consiste de uma lista de 32 itens que são julgados importantes no relato da pesquisa, tais como relacionamento com os participantes, referencial teórico, desenho do estudo, análise dos dados, e outros (Tong et al., 2007). Periodicamente, durante o processo desta pesquisa, foram realizadas checagens em todo material visando manter o método coerente com os critérios estabelecidos pelo COREQ. O objetivo desta ferramenta é melhorar a transparência dos aspectos da investigação qualitativa, fornecendo modelos claros para levantamento dos dados de pesquisa. O objeto de estudo e as questões que o pesquisador deseja responder definem o método, e no estudo ora proposto, o testemunho de pais entrevistados a respeito da condição de seus filhos, leva à escolha de um estudo essencialmente qualitativo-descritivo (Jacques, 1993). A entrevista foi composta por dados sociodemográficos (idade, profissão, escolaridade, tempo de relacionamento atual, número e idade dos filhos) e por um roteiro de entrevista semiestruturada composta por questões que procuraram identificar nos pais a reação inicial ao diagnóstico, o que pensa sobre o diagnóstico, o que ele sente neste momento, a que associa a causa do diagnóstico e como ficou sabendo do diagnóstico.
Participantes
A coleta de dados se deu com 12 sujeitos, que acompanharam suas parceiras, ao realizarem exame pré-natal vinculado à equipe de Medicina Fetal de um hospital terciário. Foram incluídos na amostra os pais expectantes de fetos com diagnóstico de malformação congênita fetal, independente do tipo de malformação, da idade gestacional e tempo de relacionamento do casal. Foram excluídos os casos em que os pais eram menores de 18 anos. Desta amostra, foram selecionadas 6 entrevistas consideradas de maior relevância e conveniência para o estudo, considerando-se aqueles que trouxeram maior volume de verbalizações e que demonstraram maior facilidade em expressar suas ideias. A mostra é caracterizada por 5 casais procedentes do interior do Rio Grande do Sul e 1 do interior de Santa Catarina, a escolaridade máxima é de nível médio completo, e representada, predominantemente, por pais jovens e de baixa renda. A maioria das gestantes iniciou o acompanhamento na equipe do serviço de medicina fetal no terceiro trimestre de gestação (tabela 1).
Quanto à delimitação do número de entrevistados a metodologia define, que o critério de representatividade da amostragem na pesquisa qualitativa não é numérico como na pesquisa quantitativa. A quantidade de pessoas entrevistadas deve, no entanto, permitir que haja a reincidência de informações ou saturação dos dados, isto é, quando nenhuma informação nova é acrescentada com a continuidade do processo de coleta (Bardin, 1979).
Procedimentos
Incluído no Sistema Único de Saúde (SUS), este hospital é referência em casos de gestações de alto risco. As pacientes são encaminhadas de postos de saúde ou unidades básicas de saúde de Porto Alegre, região metropolitana e interior do Rio Grande do Sul, além de pacientes oriundas de outros estados. A equipe de medicina fetal, deste hospital, é multidisciplinar, isto é, trata-se um conjunto de profissionais especializados, cada um em sua área, que buscam em equipe, o melhor atendimento ao paciente. O grupo é composto por ultrassonografistas, ginecologista e obstetra, pediatra cirúrgico, geneticista, urologista, patologista, psiquiatra, cardiologista, psicólogos, enfermeiros e biólogos, além de residentes médicos e estagiários. Estes profissionais reúnem-se semanalmente para discussão e planejamento terapêutico dos casos. No primeiro atendimento, realizado pelo médico ultrassonografista, pode-se confirmar ou não o diagnóstico de malformação fetal, neste momento o médico da equipe fornece todas as informações ao casal referentes ao que foi identificado no exame e faz encaminhamentos aos demais profissionais, se necessário. É importante mencionar que há sempre um psicólogo acompanhando esta consulta da gestante e seu companheiro, posteriormente é marcado atendimento psicológico a eles, que serão acompanhado até o período de puerpério. Nos casos confirmados de diagnóstico de malformação fetal, quando da presença do pai, foi realizado o convite a ele para participação no estudo, sendo o projeto explicado de forma breve. Após a concordância do participante, foi marcada a entrevista, com intervalo de uma semana, onde foi firmado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Cabe apontar que poucos pais, apenas dois, dos que foram convidados não compareceram na data marcada para entrevista e foram descartados do estudo. As consultas médicas e psicológicas destas gestantes seguem um padrão semanal e seus companheiros são estimulados a acompanhá-las em todas as consultas e exames, incluindo participação no parto e puerpério, enquanto internadas ou em ambulatório após o parto, o que facilitou sobremaneira o contato com os pais. O local escolhido para as entrevistas foi um dos consultórios do ambulatório do hospital, sem a presença da gestante, e tiveram duração média de 30 minutos. A coleta de dados durou dois meses, compreendendo julho e agosto de 2015. Os casos foram selecionados conforme a demanda da agenda de atendimentos com a equipe de medicina fetal (Ultrassonografista). Foi tomado todo o cuidado para garantir o sigilo no que se refere à identidade dos entrevistados e daqueles que foram citados. O projeto recebeu Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) de nº 45673815.5.0000.5327 e aprovado conforme parecer nº 1.152.432 através da Plataforma Brasil, pelo CEP da instituição vinculada ao estudo. O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
Análise dos dados
A análise de conteúdo é um método que permite examinar com rigor científico o material das entrevistas, transformando-o de bruto em categorias temáticas para que possam ser tratadas cientificamente, uma vez que tal análise é um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a discursos, oriundos das entrevistas. A escolha deste método deve-se pelo fato de tratar-se de uma das abordagens mais reconhecidas para analisar material oriundo de métodos qualitativos (Bardin, 1979; Morgan et al., 2013). Esse tipo de análise de conteúdo se desenvolve em três fases: pré-análise, execução de recortes e tratamento de dados.
A pré-análise que consiste na exploração do material e o tratamento dos resultados, objetivando a organização do material através de ações não estruturadas, abertas por oposição à exploração sistemática dos documentos. Pelo uso da intuição, inspiração e liberdade no exame do material obtido, o pesquisador realiza a chamada leitura flutuante, passa pela formulação provisória de hipóteses, preparando o corpus, ou seja, o montante do material a ser utilizado, quando então são definidos indicadores, que são seguidos pela fase de recortes/assinalamentos no texto, em unidades de significado ou unidades de registro, o que permite a codificação e posterior categorização dessas unidades para análise.
O segundo passo, então, é aquele da execução de recortes do texto de cada uma das entrevistas em unidades de significado ou unidades de registro comparáveis, seguindo um critério de ordem semântica. Essas unidades inicialmente recortadas de cada entrevista, num movimento vertical, de modo que depois possam ser combinadas para, num movimento horizontal, no qual os sujeitos desaparecem, o fenômeno se desvela. A fase de exploração do material consiste nas ações de codificação e identificação das unidades de significado já recortadas. Nessa etapa, o pesquisador começa a categorizar os recortes - criando agrupamentos de dados a partir daquilo que é comum desde o ponto de vista semântico. Ou seja, a classificação se dá por semelhança ou analogia, originando categorias temáticas.
A terceira fase consiste no tratamento de dados, quando então o pesquisador pode interpretar o material resultante da análise até esse ponto, o que se dá através da inferência: o pesquisador deduz os símbolos e valores, a partir da análise das categorias, utilizando a interpretação. A síntese necessita ser coerente e consistente com a teoria ou literatura de escolha para base de todo o estudo. O processo de análise e classificação dos dados foi submetido ao exame de dois juízes, com o objetivo de verificar a concordância das categorias encontradas pela pesquisadora. Este procedimento atribui ao trabalho de pesquisa consistência teórica e metodológica, trata-se de um procedimento de checagem de fidedignidade, conferindo cientificidade ao estudo (Nunes, 2004).
Resultados
No momento do convite para participação no estudo, que ocorreu na mesma data em que foi dada a notícia de confirmação do diagnóstico de malformação fetal, os pais mostraram-se disponíveis.
A verbalização dos pais com referência a este fato foi:
Pai 1: "Estou aqui para apoiar minha esposa, não sei como ela pode reagir e eu quero estar junto".
Pai 3: "Eu participar? Eu que vou vir com ela [companheira] nas consultas, pode contar comigo, no que eu puder ajudar, eu ajudo".
Pai 5: "Sempre que posso, não perco nenhuma consulta, ela [companheira] tem que ter alguém com ela e eu sou o pai, né!".
Levando-se em conta o conteúdo das respostas dos pais à entrevista e a literatura sobre paternidade foram identificadas 5 categorias de análise. A seguir, apresenta-se cada uma delas, ilustrando-as com vinhetas dos relatos dos pais.
Categoria 1 Reação do pai ao diagnóstico
Esta categoria refere-se ao momento inicial do recebimento do diagnóstico de malformação fetal, isto é, no instante do resultado da ultrassonografia com a confirmação do diagnóstico, que é marcado pelo confronto do bebê idealizado e o bebê real. Foram identificadas as subcategorias choque e tristeza, que tratam de respostas adaptativas a uma situação de risco, significando um estado transitório que geralmente tem duração de poucos dias, considera-se uma reação normal a estes tipos de eventos (Eizirik et al., 2015),
Subcategoria Choque
Pai 1: "Olha, eu acho que foi choque, porque fiquei muito assustado".
Pai 3: "foi um choque emocional forte, grande".
Subcategoria Tristeza
Pai 2: "Muito triste, bastante"
Pai 3: "Na verdade é mais tristeza do que raiva"
Pai 5: "O sentimento se baseia em tristeza profunda, é uma tristeza que não cabe dentro do peito"
Categoria 2 o que o pai pensa sobre o diagnóstico
Refere-se ao pensamento que é um recurso que permite ao sujeito organizar suas experiências, processando-as e possibilitando alterar seu mundo interior e exterior, sendo a linguagem fundamental, pois forma, organiza e comunica o pensamento (Bergeret, 2015). Destaca-se nesta categoria o surgimento de 2 subcategorias: resignação e esperança.
Subcategoria Resignação
Pai 2: "Olha eu acho que, assim tu [pai] fica né, na verdade, sem saber no começo, mas agora com o tempo, com essas vindas para cá, eu fiquei mais tranquilo sabe? ".
Pai 4: "É no fundo a preocupação ainda fica né, no fundo ainda fica, mas a gente [pai e companheira] tem que levantar a cabeça e enfrentar, por que se não fosse para eu enfrentar essa situação, não vinha para mim".
Pai 5: "É uma fase muito difícil de se passar, mas nós [pai e companheira] temos que passar né, não adianta, são coisas que o destino prega na gente, né... Se tivesse alguma coisa ao nosso alcance de fazer, mas infelizmente não está né, nossa parte é só rezar e ela [companheira] se cuidar bastante".
Subcategoria Esperança
Pai 1; "Bom, logo que eu fiquei sabendo achei que era sentença de morte para a criança e eu me preocupei também com a Tati [companheira, nome fictício] né, mas agora penso que tem alguma chance de o nenê ficar bem e com ela [companheira] não vai acontecer nada por causa disso".
Pai 2: "Eu sei que vai ter solução e que vai dar tudo certo né, que tem profissionais capacitados para isso aqui né, então a gente [pai e companheira] ficamos bem mais tranquilos".
Categoria 3 o que o pai sente sobre o diagnóstico
Nesta categoria o sentimento predominante foi o de medo da perda que surge como uma reação antecipatória ao processo de luto propriamente dito, o que é esperado nestes casos, pois esses indivíduos estão vivenciando a possibilidade real de perda (Cunha et al., 2016). As verbalizações mais significativas foram as seguintes:
Subcategoria Medo em relação a perda do filho(a)
Pai 1: "Agora que eu [pai] tenho mais conhecimento, né, que vocês me explicaram tudo, sei que vai ser muito difícil, que ela [filha] pode nascer e nem sobreviver (choro), assim, pode não dar para fazer nada por ela [filha], a cirurgia é grande, a médica disse que o problema é bem grande [malformação fetal], né? ".
Pai 5: Como eu [pai] estou me sentindo agora é como eu estava me sentindo no início né [momento da confirmação do diagnóstico], claro que muitas coisas acontecem no meio do caminho, é uma oscilação né... Daqui a um pouco estou desesperado, aí procuro força onde não tenho, logo já consigo recuperar aquela força perdida... Em função da própria Helena [nome fictício da companheira], em função da nenê também né, porque eu como pai, tenho que me manter de pé mesmo desesperado, mesmo profundamente triste, mas eu tenho que me manter de pé pra poder dar um suporte pra elas [companheira e filha].
Pai 6: "Cada vez está mais difícil, cada noite está ficando mais longa, ah... (choro) não sei o que pode acontecer se pode acontecer alguma coisa hoje ou amanhã, ou né..., será que poderá completar toda gestação e ele [filho] nascer, passam várias coisas, vários pensamentos todos os dias, muita coisa passa pela cabeça".
Categoria 4 A que o pai atribui a causa do diagnóstico
A quarta categoria descreve a que esses sujeitos atribuem a causa do diagnóstico de malformação fetal, buscando verificar quais informações objetivas o pai tem sobre a doença do filho/feto. Emergiu nesta categoria o relato de desconhecimento da causa e atribuição a fatores relacionados ao acaso.
Subcategoria Desconhecimento
Pai 1: "Olha não faço nem ideia porque, o que pode ter sido isso daí [malformação fetal], em momento algum, assim, do que gerou [causa] isso daí [malformação fetal], não faço nem ideia".
Pai 5: "Olha, a gente [pai e companheira] fez todo o possível né... É claro que, como todo casal, a gente passou por alguns momentos de stress, coisas que acontecem no cotidiano da vida né, mas eu [pai] não associo a nada [malformação fetal]".
Pai 6: "Não sei nada, nunca teve nenhum problema [malformação fetal] na minha família [pai] nem na dela [companheira]".
Subcategoria Acaso
Pai 1: "Olha, de cara pensei nas brigas que a gente teve no início da gravidez, a gente [pai e companheira] nem sabia ainda da gravidez, e as brigas podiam ter causado isso, sei lá..., ela [companheira] ficava muito irritada, ela [companheira] é brabinha, vocês não sabem, mas ela [companheira] é uma fera e chorava muito. Eu pensei se ela [companheira] ficou nervosa pode ter afetado o coração da nenê [filha]. Mas agora entendi que não teve nada a ver isso [malformação fetal], que isso pode acontecer sem a gente querer, assim da natureza mesmo".
Pai 3: "Na verdade eu pesquisei muito né, na verdade tem várias coisas que a gente [pai e companheira] pensou no começo, "ah caiu, foi alguma coisa comigo ou contigo", mas na verdade foi um caso, uma doença rara, não tem culpado"
Pai 4: "Não sei o que pode ter acontecido, a gravidez dela [companheira] estava sendo bem tranquila, eu também procuro não incomodar ela [companheira], acho que faz parte né, tem coisa que tem de acontecer [malformação fetal]".
Categoria 5 como o pai tomou conhecimento do diagnóstico
A última categoria demonstra a forma como receberam a notícia do diagnóstico e evidencia a dificuldade em obter maiores esclarecimentos quanto a gravidade e como proceder na busca de atendimento adequado.
Subcategoria Dificuldade em obter maiores esclarecimentos sobre o diagnóstico
Pai 1: "Foi na consulta, no eco [ultrassonografia fetal] lá da minha cidade, o médico começou a olhar, eu [pai] estava junto, ele [médico] olhava e mostrava o rostinho da minha filha, que era menina, a mãozinha, aí ele [médico] parou de falar quando olhou o coração, explicou que era o coração, "aquilo ali pulando é o coração" e não falou mais nada, mudou a expressão dele [médico], aí no final ele nos disse que ia nos encaminhar para cá [hospital] que tem mais recurso que ele [médico]. Aí me tremeu as pernas, não consegui nem perguntar nada para ele. Foi assim, quando chegamos aqui a gente já sabia que tinha problema [malformação fetal cardíaca], mas não sabia se era muito sério. Aqui [hospital] que a gente foi entendendo mais".
Pai 3: "Foi um baque e me deixou triste, me deixou sem chão né, saber que meu filho estava com problema, e a gente [pai e companheira] nem sabia o que era, pesquisou na internet vários casos, várias coisas e cada um apontava uma coisa, não dava para dizer ao certo o que era, se tinha cura ou não tinha [malformação fetal]".
Subcategoria Busca de atendimento adequado
Pai 2: "ele [médico] explicou para nós, que ele [filho] criou uma bola de água, segundo ele [médico] poderia crescer e afetar outros órgãos, então ele [médico] disse para nós buscarmos recurso imediatamente. Então a gente [pai e companheira] já fomos na hora, já saímos de lá [consultório], já buscamos, fomos lá na nossa região [interior do RS] ficamos um mês correndo lá e ninguém resolveu, até que a secretaria de saúde da minha cidade encaminhou para cá".
Pai 3: "A gente [pai e companheira] foi num posto, foi aqui, foi ali e ninguém falava nada, todo mundo via [profissionais de saúde], o pessoal conversava, mas a gente [pai e companheira] não sabia o que era, eles [profissionais de saúde] não diziam".
Discussão
Foi verificado no momento do convite para participar do estudo que os pais se sentiram valorizados quando convidados a falar de seus sentimentos, alguns mostraram perplexidade, imaginando que participariam apenas como expectador no acompanhamento às consultas, atuando somente como protetor e acolhedor das ansiedades de suas companheiras. É pratica neste hospital a inclusão dos pais em todo processo de pré-natal, parto e puerpério. O nascimento de um filho é um evento único e deve-se considerar o homem como um personagem fundamental em todos momentos, não apenas para apoiar a companheira, mas para ele próprio aproximar-se do filho e desenvolver o vínculo pai-bebê. Este processo participativo do pai favorece uma transição mais tranquila para a parentalidade (Perdomini e Bonilha, 2011).
Sentimentos de choque mostram a perplexidade do homem, que é marcado pelo confronto do bebê idealizado e o bebê real. Tem relação direta com a alteração abrupta das suas expectativas e a vivência inevitável da mudança e o desconhecido. É um momento em que há dúvida de que a adaptação a este novo contexto será satisfatória. Após este primeiro impacto, surge a adaptação à notícia, isto é, ela é processada e entendida como uma situação inevitável, trazendo com ela a tristeza(Petean, 2005).
Deve-se considerar que nesta fase é comum surgirem fantasias em relação à criança e sua deficiência, portanto os profissionais envolvidos nos atendimentos devem estar atentos para o aparecimento destes fenômenos, mostrando disposição para ouvi-los e tratá-los com seriedade, aceitação e de forma esclarecedora (Cunha et al., 2016). A gestante e seu parceiro esperam da equipe uma postura de acolhimento, relação de respeito mútuo, o que gera naturalmente empatia, favorecendo a elaboração de fantasias do casal (Sarmento e Setúbal, 2012). Uma equipe preparada e especializada facilita que recursos internos dos pais sejam fortalecidos (Machado, 2012).
Os pais, deste estudo, mostraram sentimentos de aceitação (resignação) ao diagnóstico de malformação fetal e esperança de que ao nascimento possa ocorrer a recuperação dos problemas ou que o(a) filho(a) possa ter um desenvolvimento próximo da normalidade. Conforme estudo de (Brunhara e Petean, 1999), a resignação é o sentimento mais comum encontrado em pais de gestações com malformação fetal. A expectativa de o diagnóstico não se confirmar no nascimento não é questionada, mas, por outro lado, a aceitação está relacionada à qualidade de vida e na esperança de desenvolvimento adequado dos potenciais do(a) filho(a).
A resignação está sustentada na crença de que não se pode fazer nada a respeito do problema e que apenas deve submeter-se à situação. O maior perigo relacionado a esta fase é a ideia de que não há mais nada a fazer pela criança (Sarmento e Setúbal, 2012). A resignação frente às adversidades da vida, com comportamentos de revolta ou a habilidade em enfrentar as situações adversas, são formas diferentes de lidar com o problema, uma refere-se à fragilidade emocional, a outra à resiliência. Quando se refere à resiliência, é reportar-se à capacidade de enfrentar estas situações e minimizar seus efeitos negativos, enfrentar e reagir de forma positiva aos eventos que possuem grande potencial de risco (Andrade e Valente, 2009).
A categoria que sobre o que o pai sente sobre o diagnóstico está relacionada com o medo da perda do filho que é vivida como um pesadelo, dor desmedida, irreparável, inexprimível para os pais. Todos os pais se mostraram muito emocionados neste momento da fala, inclusive com bastante dificuldade em expressar seus sentimentos. A perda desfaz todos os sonhos, planos e projetos desestabilizando a dinâmica familiar, pois a construção dessa relação já estava estabelecida com o novo membro (Carvalho e Azevedo, 2009). A morte não é encarada como parte da vida, ela é rejeitada pela nossa consciência, nosso investimento é focado na construção da vida. A morte representa o limite, dor, sofrimento e o fim (Rezende et al., 2000).
Os pais verbalizam, de forma bastante enfática, o desconhecimento das causas da malformação fetal, atribuindo o evento ao acaso, o que pode estar relacionado a um mecanismo de defesa para sentimentos de incapacidade e culpa, pois se há constatação de problemas com o feto, isto pode representar um ataque à integridade psíquica do sujeito ou do casal, além de provocar sentimentos de perda e inadequação (Vasconcelos e Petean, 2009). É neste momento que os pais dão início ao processo de luto do filho perfeito, tentam buscar elementos em suas vidas que possam explicar o que provocou a malformação, evidenciando o sentimento comum nesta fase, que é a culpa (Cunha et al., 2016). A experimentação do luto é essencial para que a família possa se readaptar a uma nova realidade, integrando novos hábitos e situações do dia-a-dia, promovendo uma melhor aceitação dessa criança (Bazon et al., 2004). A culpa que os pais sentem por assumirem a responsabilidade em ter gerado um filho malformado, pode desencadear atitudes de superproteção à criança, o que pode tolher seu desenvolvimento (Família, 2008).
Fica claro, nas falas dos pais, o descontentamento em não terem recebido informações claras e objetivas no momento da suspeita da malformação fetal, a maioria refere que as primeiras informações recebidas não foram suficientes ou bem compreendidas. Esse achado está de acordo com aqueles encontrados por (Glat, 2003), que demonstram a dificuldade de alguns profissionais em comunicar o diagnóstico, e faz com que a experiência dos pais se torne mais desesperadora ainda. Contudo, algumas vezes, as informações dadas podem ser distorcidas pelos pais em razão do choque sentido por eles (Rezende et al., 2000; Lucca e Petean, 2016). Foi verificada a importância dos esclarecimentos da situação real da saúde do feto no momento em que a equipe médica noticia o diagnóstico para os pais, eles chegaram para atendimento muito assustados e com muitas dúvidas, nem sempre verbalizadas, mas percebidas pela pesquisadora, percepção ocorrida no momento do convite para participação da pesquisa. A possibilidade de a entrevista ter sido realizada uma semana após a confirmação do diagnóstico trouxe tempo para o casal tentar compreender melhor o diagnóstico do filho e identificar sentimentos despertados, como tristeza, frustração e incapacidade de gerar um filho perfeito (Brunhara e Petean, 1999; Lucca e Petean, 2016).
Em relação a busca de atendimento adequado, foi referido pelos pais, o descontentamento com os profissionais que fizeram os primeiros exames e a dificuldade em encaminhar o casal a um local de atendimento especializado para estes casos. Eles demonstraram desamparo, sem orientações para tomarem as devidas medidas para atendimento de suas companheiras. Sentem-se vulneráveis, pois percebem a perda de seus direitos de assistência à saúde. Portanto, não sofrem apenas com o diagnóstico, mas também com a falta de acesso às instituições e serviços, assim suas companheiras também são afetadas em sua dignidade e seu direito à vida (Sierra e Mesquita, 2006).
Cabe salientar, que a dificuldade destes encaminhamentos pode estar associada aos locais de residência. Todos os pais entrevistados são procedentes do interior de seus estados, locais que não possuem instituições de saúde especializadas para estes casos, o que pode justificar o fato das gestantes chegarem para atendimento especializado com as gestações bastante adiantadas.
Conclusões
As reações paternas, ao receberem as notícias de diagnósticos de malformação fetal, foram carregadas de sentimentos difíceis, e estes os acompanharam por todo o processo. Os pais chegaram para atendimentos muito ansiosos em relação à saúde de sua companheira e filho (a). Fica clara a importância de um acolhimento adequado por parte dos profissionais de saúde, objetivando proporcionar a eles uma melhor atitude frente à situação. Este estudo demonstra que esses pais se envolveram efetivamente e vivenciaram intensamente as gestações de filhos com malformações fetais. Este envolvimento pode estar associado à reestruturação dos papéis familiares que vem ocorrendo nos últimos anos, com a mulher mais atuante na sociedade, dividindo mais espaço com o homem nos afazeres domésticos e nos cuidados com os filhos. A participação paterna, atualmente, não se restringe apenas ao sustento financeiro da família, hoje com o ingresso da mulher no mundo do trabalho e as transformações associadas a um novo conjunto de expectativas, crenças e atitudes de cada gênero no contexto familiar, impulsionam este "novo homem" a um envolvimento mais intenso na gestação de suas companheiras. Embora este estudo indique estes resultados listados anteriormente, algumas limitações devem ser consideradas. Primeiro, trata-se de um estudo inicial avaliando a experiência paterna frente ao diagnóstico de malformação fetal, sendo que estes resultados necessitam de replicação em estudos posteriores. Em segundo lugar, a amostra atual é bastante homogênea. Pesquisas futuras também devem examinar populações mais heterogêneas em termos de suas características sociodemográficas. Em terceiro lugar, o presente estudo usou dados relatados por pais que acompanharam as gestantes durante as consultas pré-natais. Desta maneira, estudos posteriores deveriam também observar os pais que não acompanhavam as suas companheiras durante as consultas, na tentativa de verificar o real envolvimento destes com a gestação de malformação fetal. Finalmente, alguns resultados podem também ser devidos aos métodos específicos utilizados nesta pesquisa (por exemplo, o pesquisador que conduziu a entrevista estruturada e a análise de conteúdo não foi mantido cego durante estas análises, não havia um grupo composto por pais sem diagnóstico de malformação fetal para com-relacionamento conjugal (e não apenas pela perspecparações). Entretanto, apesar destas limitações, não tiva materna) que são influenciados pelo diagnóstico se esgotam as questões que envolvem os pais que re-de malformação fetal. Por isso, é fundamental que cebem um diagnóstico de malformação fetal durante outras pesquisas sejam feitas para que se expanda o pré-natal. Ressaltamos, desta maneira, a impor-cada vez mais a compreensão e efetiva intervenção tância da observação dos aspectos relacionados ao terapêutica com esses casais.
Referências
Andrade, L. O., & Valente, M. J. C. (2009). 4-Saúde Mental e Resiliência. A Saúde Mental e Vulnerabilidade Social, 34. [ Links ]
Bardin, L. (1979). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. In. [ Links ]
Bazon, F. V. M., Campanelli, E. A., & Blascovi-Assis, S. M. (2004). A importância da humanização profissional no diagnóstico das deficiências. Psicologia: teoria e prática, 6(2), 89-99. [ Links ]
Belfort, P., Braga, A., & Freire, N. S. (2006). Malformação arteriovenosa uterina após doença trofoblástica gestacional. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, 112-121. [ Links ]
Beltrame, G. R., & Bottoli, C. (2010). Retratos do envolvimento paterno na atualidade. Barbarói(32), 205-226. [ Links ]
Bergeret, J. (2015). A Personalidade Normal e Patológica-3: Artmed Editora. [ Links ]
Brennan, A., Marshall‐Lucette, S., Ayers, S., & Ahmed, H. (2007). A qualitative exploration of the Couvade syndrome in expectant fathers. Journal of reproductive and infant psychology, 25(1), 18-39. [ Links ]
Brunhara, F., & Petean, E. B. L. (1999). Mães e filhos especiais: reações, sentimentos e explicações à deficiência da criança. Paidéia, 9(16), 31-40. [ Links ]
Caron, N., Fonseca, M., & Kompinsky, E. (2000). Aplicação da observação na ultra-sonografia obstétrica. A relação pais-bebê: Da observação à clínica, 178-206. [ Links ]
Carvalho, P. R. A., & Azevedo, N. S. G. d. (2009). Quando quem morre é a criança. Santos FS. Cuidados paliativos: discutindo a vida, a morte e o morrer. São Paulo: Atheneu, 165-179. [ Links ]
Cunha, A. C. B. d., Pereira Junior, J. P., Caldeira, C. L. V., & Carneiro, V. M. S. d. P. (2016). Diagnosis of congenital malformations: Impact on the mental health of pregnant women. Estudos de Psicologia (Campinas), 33(4), 601-611. [ Links ]
da Silva, E. H. P., Girão, E. d. R. C., & da Cunha, A. C. B. (2016). Enfrentamento do pai frente à malformação congênita do filho antes e depois do nascimento. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 16(1), 180-199. [ Links ]
de Souza Beraldo, G., & Trindade, E. (2016). Novos Pais, Novos Homens? Paternidade e Identidade Masculina no Contexto Pós-Moderno. Pretextos-Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, 1(2), 56-75. [ Links ]
do Nascimento Semente, P. A. S., Macedo, V. F., Fernandes, E. R. L., Teixeira, G. A., de Araújo, M. G., & de Carvalho, J. B. L. (2016). Vivências de homens na gestação de alto risco da companheira Experiences of men in cases of high-risk pregnancy of their partners doi: 10.12662/2317-3076jhbs. v4i3. 751. p181-186.2016. Journal of Health & Biological Sciences, 4(3), 181-186. [ Links ]
E Alvarez, A. (2013). Função Paterna. InterMeio:: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação-UFMS, 4(7), 40-45. [ Links ]
Eizirik, C. L., de Aguiar, R. W., & Schestatsky, S. S. (2015). Psicoterapia de Orientação Analítica: fundamentos teóricos e clínicos: Artmed Editora. [ Links ]
Família, M. E. S. U. A. (2008). Cada Dia um Novo Dia: Um Desafio na Busca da Adaptação do Recém-Nascido Portador de Malformação e sua Família. Enfermería Global, 7(2), 1-9. [ Links ]
Ferreira, L. S., Leal, I., & Maroco, J. (2010). Sintomatologia de Couvade e o envolvimento paterno vivenciado durante a gravidez. Psicologia, Saúde & Doenças, 11(2), 251-269. [ Links ]
Gage, J. D., & Kirk, R. (2016). First-time fathers: perceptions of preparedness for fatherhood. Canadian Journal of Nursing Research Archive, 34(4). [ Links ]
Glat, R. (2003). Convivendo com filhos especiais o olhar paterno (Vol. 5): 7Letras. [ Links ]
Gonçalves, T. R., Guimarães, L. E., Silva, M. d. R., Lopes, R. d. C. S., & Piccinini, C. A. (2013). Experiência da paternidade aos três meses do bebê. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(3), 599-608. [ Links ]
Guedeney, A., & Lebovici, S. (1999). Intervenções psicoterápicas pais/bebê. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Irvin, N., Klaus, M., & Kennel, J. (1992). Atendimento aos pais de um bebê com malformação congênita. Pais/bebê: a formação do apego, 170-244. [ Links ]
Jacques, M. d. G. C. (1993). Um método dialético de análise de conteúdo. Psico (Porto Alegre), 117-127. [ Links ]
Jager, M. E., & Bottoli, C. (2011). Paternidade: vivência do primeiro filho e mudanças familiares. Psicologia: teoria e prática, 13(1), 141-153. [ Links ]
Jardim, D. M. B., & Penna, C. M. d. M. (2012). Pai-acompanhante e sua compreensão sobre o processo de nascimento do filho. Revista Mineira de Enfermagem, 16(3), 373-381. [ Links ]
Klaus, M. H., & Kennell, J. H. (1993). Pais/bebê: a formação do apego. [ Links ]
Krob, A. D., Piccinini, C. A., & Silva, M. d. R. (2009). A transição para a paternidade: da gestação ao segundo mês de vida do bebê. Psicologia USP, 20(2), 269-291. [ Links ]
Lucca, S. A. d., & Petean, E. B. L. (2016). Fatherhood: experiences of fathers of boys diagnosed with Duchenne Muscular Dystrophy. Ciência & Saúde Coletiva, 21(10), 3081-3089. [ Links ]
Machado, M. E. d. C. (2012). Casais que recebem um diagnóstico de malformação fetal no pré-natal: uma reflexão sobre a atuação do Psicólogo Hospitalar. Revista da SBPH, 15(2), 85-95. [ Links ]
Maldonado, M.T. (2013). Psicologia da gravidez: Editora Jaguatirica Digital. [ Links ]
Morgan, D. L., Ataie, J., Carder, P., & Hoffman, K. (2013). Introducing dyadic interviews as a method for collecting qualitative data. Qualitative Health Research, 1049732313501889. [ Links ]
Navas, M., Albea, J. G., & García-Parajuá, P. (2017). Pregnancy in men: Couvade syndrome. European Psychiatry, 41, S415. [ Links ]
Neder, M., & Quayle, J. (1996). O luto pelo filho idealizado: o atendimento psicológico de casais ante o diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida. Coletânias AMPEPP, 1, 37-46. [ Links ]
Nunes, M. L. T. (2004). Pesquisa qualitativa: abordagem, coleta e análise de dados. Psicooncologia e interdisciplinariedade: uma experiência na educação à distância. Porto Alegre: EDIPUCRS. [ Links ]
Perdomini, F. R. I., & Bonilha, A. L. d. L. (2011). Father participation as a companion to delivering women. Texto & Contexto-Enfermagem, 20(3), 445-452. [ Links ]
Pereira, P. K., Lima, L. A., Magnanini, M. M. F., Legay, L. F., & Lovisi, G. M. (2011). Transtornos mentais maternos graves e risco de malformação congênita do bebê: uma metanálise. Cad. saúde pública, 27(12), 2287-2298. [ Links ]
Petean, E. B. L. (2005). Enfrentando a deficiência: a pesquisa com famílias e profissionais. [ Links ]
Poh, H. L., Koh, S. S. L., Seow, H. C. L., & He, H.-G. (2014). First-time fathers' experiences and needs during pregnancy and childbirth: A descriptive qualitative study. Midwifery, 30(6), 779-787. [ Links ]
Prati, L. E., & Koller, S. H. (2011). Relacionamento conjugal e transição para a coparentalidade: perspectiva da psicologia positiva. Psicologia Clínica, 23(1), 103-118. [ Links ]
Rezende, V. L., Pavani, N. J. P., Souza, E. P., Gonçalves, S. P., Jacobuci, M., & Fazolin, M. A. (2000). Reflexões sobre a vida e a morte: abordagem interdisciplinar do paciente terminal. Campinas: Editora da Unicamp. [ Links ]
Santos, M. M. d., Böing, E., Oliveira, Z. A. C. d., & Crepaldi, M. A. (2014). Diagnóstico pré-natal de malformação incompatível com a vida: implicações psicológicas e possibilidades de intervenção. Revista Psicologia e Saúde, 6(1), 64-73. [ Links ]
Sarmento, R., & Setúbal, M. S. V. (2012). Abordagem psicológica em obstetríca: aspectos emocionais da gravidez, parto e puerpério. Revista de Ciências Médicas, 12(3). [ Links ]
Sierra, V. M., & Mesquita, W. A. (2006). Vulnerabilidades e fatores de risco na vida de crianças e adolescentes. São Paulo em Perspectiva, 20(1), 148-155. [ Links ]
Souza, C. L. C., & da Cruz Benetti, S. P. (2009). Paternidade contemporânea: levantamento da produção acadêmica no período de 2000 a 2007. Paidéia, 19(42), 97-106. [ Links ]
Tong, A., Sainsbury, P., & Craig, J. (2007). Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. International Journal for Quality in Health Care, 19(6), 349-357. [ Links ]
Vasconcelos, L., & Petean, E. B. L. (2009). O impacto da malformação fetal: indicadores afetivos e estratégias de enfrentamento das gestantes. Psicologia, Saúde & Doenças, 10(1), 69-82. [ Links ]
Recebido: 18/01/2018 / Corrigido: (sem necessidade de ajustes) / Aprovado: 28/02/2018
1 Psicóloga. Mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia (PPGGO), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Faculdade de Medicina (FAMED) E-mail: sinara.uniquers@gmail.com.
2 Biólogo. Mestre e Doutor em Neurociências - Universidade Federal do Rio Grande do , Pós-Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Ginecologia e Obstetrícia (PPGGO), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Faculdade de Medicina (FAMED), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: lteachercharlesferreira@gmail.com.
3 Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Ginecologia e Obstetrícia (PPGGO), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Faculdade de Medicina (FAMED) E-mail: csssantos@hcpa.edu.br.
4 Psicóloga. Mestre pela Universidade Federal da Paraíba e Doutora Psicologia Tratamento e Prevenção pela Freie Universität Berlin E-mail: marialuciatiellet@gmail.com .
5 Médico. Mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutor em Medicina (Ginecologia), pela Universidade Federal de São Paulo. Professor Titular de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Professor do Curso de Pós-graduação em Ginecologia e Obstetrícia. E-mail: alpha.voy@terra.com.br .