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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.3 no.5 São Paulo 1998
EDITORIAL
Estilos da Clínica n. 5 uma edição comemorativa. Estamos festejando o nascimento, 10 anos atrás, de um estilo de fazer clínica, uma tentativa cie praticar a Psicanálise fora das paredes de um consultório particular.
O Lugar de Vida não é um modelo de atendimento e tampouco uma técnica de trabalho, mas é um estilo de fazer clínica - o estilo são marcas de desejo, diz Lacan. Por isso, não se repete ano após ano, mas se desdobra, cresce, amplia-se, não fica parado como poste. Nesses dez anos, muitas coisas nasceram desse primeiro nascimento.
Nossas referências de trabalho, por exemplo. Se elas prosseguem sendo as que vêm de Bonneuil e de Mannoni, as referências multiplicaram-se. Hoje, nossos interlocutores e referências são Alfredo Jerusalinsky, Alexandre Stevens e o Courtil, o pessoal do CPPL - Centro de Pesquisas em Psicanálise e Linguagem, do Recife -, Leandro de Lajonquière e muitos outros.
Animados por essas interlocuções, pudemos, entre outras relizações, conceber, produzir e fazer crescer esta revista, hoje com circulação em vários pontos do país. "Estilos tem estilo", observou o prof. José Luiz Caon, da UFRGS, um de nossos mais recentes interlocutores, que faz funcionar, em sua rede plugada, uma circulação de idéias em torno da Psicanálise, das aprendizagens e outras conexões.
Também com nossos interlocutores pudemos desdobrar e fortalecer nossa vocação acadêmica. Em 1998, fundamos, com Prof. Leandro de Lajonquière, o Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância, um laboratório interunidades (IPUSP - FEUSP), que pode trazer consistência, visibilidade e extensão à face acadêmica do Lugar de Vida, fazendo-a articular-se com o que há de melhor na produção acadêmica de outras disciplinas, especialmente na conexão da Psicanálise com a Educação.
O foco de trabalho do Laboratório é mais amplo do que o do Lugar de Vida, já que nele se trata da Infância e, portanto, inclui as vicissitudes da inserção da criança no discurso social contemporâneo e seus desdobramentos, como a infância das ruas, o uso da infância pela mídia, e aí sim, dentro desse quadro mais amplo, as patologias do desenvolvimento.
Assim, o Laboratório já se inaugura também com um estilo: quer-se pensador da Infância. Para isso, terá de ultrapassar os limites da clínica psicanalítica e guardar dela uma referência de leitura para ler a Infância como fenômeno social.
Nesses 10 anos, as pesquisas também conheceram um incremento significativo: mestrados, doutorados, auxílios FA-PESP e CNPq sublinham que o Lugar de Vida não está na universidade por acaso. Ao contrário, o que sempre foi visto como empecilho pelos psicanalistas - como fazer uma clínica psicanalítica na universidade, já que Psicanálise e Universidade são antinômicos, dizia-se anos atrás - é de fato nossa grande força. Trabalhar no interior da universidade é ter uma garantia mínima de universalidade, de democracia e de abertura para outros saberes, o que nem sempre acontece no seio das instituições psicanalíticas.
Também o trabalho ampliou-se. Se, em 1989, as crianças eram cinco, hoje são 65. Em 1992, oferecemos o primeiro curso sobre psicoses e autismo. Em 1999, serão 10, com temas variados, atestando nosso desdobramento e nosso interesse em transitar por redes, em soltar-se no movimento que produz conexões, inflexões, reviravoltas, subidas e descidas, um interesse, enfim, em se deixar levar pelo gozo do saber.
Outros projetos foram sendo criados no decorrer de nossa pequena história de vida, a partir desse desdobramento que vai produzindo filhotes. O Projeto Ponte, assim chamado porque faz a passagem das crianças do Lugar de Vida para as escolas, vem, desde 1993, miltando aguerridamente pela causa da inclusão escolar, e hoje 39% das crianças do Lugar de Vida estão nas escolas.
A Educação Terapêutica, nossa marca registrada hoje, também é um desdobramento, uma produção de nosso estilo. Construída a partir dos encontros da clínica psicanalitica com uma imperiosa necessidade de escolarizar as crianças com transtornos graves, a Educação Terapêutica precisou ser cunhada como conceito para dar conta desse encontro que já estava em andamento - um encontro provocado por nosso estilo de fazer clínica.
Situado na articulação entre a teoria, a clínica e a pesquisa, o Lugar de Vida é um lugar no qual o confronto cotidiano com o real da psicose e do autismo é atravessado pela Psicanálise, o que torna tal confronto menos selvagem e mais suportável. Essa presença da Psicanálise permite que o horror do real não nos paralise, e que nos movimentemos, surgindo desse movimento uma produção. Para isso, concorre também o desejo, o estilo de cada profissional. Os que passaram pelo Lugar de Vida, bem como os que estão hoje em suas fileiras, têm sido pródigos nisso. Enfrentam a angústia do confronto cotidiano com a psicose e autismo munidos de coragem, criatividade e ousadia. Por isso, pode-se dizer que o Lugar de Vida é hoje uma instituição que pode dar as mãos ás instituições psicanalíticas e à universidade, quando se trata de contribuir para a formação de analistas.
Os textos escritos pelos profissionais do Lugar de Vida são o testemunho vivo de toda essa produção. Estilos da Clínica os apresenta ao caro leitor, nosso interlocutor privilegiado, aquele que provocará, uma vez mais, o desdobramento de nosso estilo.
M.Cristina Kupfer