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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624
Estilos clin. v.11 n.20 São Paulo jun. 2006
EDITORIAL
O início do trabalho clínico da Psicanálise com as crianças foi marcado por um debate que se apresentava de maneira dilemática: Quando tomamos uma criança em tratamento é psicanálise ou educação o que fazemos com ela?
A conhecida polarização, vivida pela psicanálise como um impasse teórico e ético, que tinha como representantes, de um lado, Melanie Klein, e de outro, Anna Freud, testemunhava, sem suspeitar, junto com todo o contexto que a rodeava, que a infância com problemas é um espaço de inevitáveis cruzamentos discursivos.
Esse espaço receberia em seus cruzamentos, tempos mais tarde, o concurso de vários outros discursos. Além do psicanalista e do educador vieram somar-se ao coro o fonoaudiólogo, o psicomotricista, o médico, o advogado, o juiz, etc.
Passada uma década da edição do primeiro número da revista Estilos da Clínica, no momento em que lançamos a presente edição de número vinte, com a qual comemoramos os dez anos da revista, reafirmamos nossa vocação, aquilo que anunciávamos no primeiro editorial da revista: possibilitar o encontro fértil desses vários discursos, tomando-os como estilos de tratar os problemas da infância. Não fazíamos senão levar em consideração essa característica do contemporâneo tema da infância com problemas.
São estilos, na medida em que representam recortes próprios, visadas singulares, inventam maneiras específicas de intervir e, como tal, indicam a existência de uma posição particular. Posição particular que não se afirma em uma questão de gosto, mas na autorização que consignam a si mesmos, quando sustentam em sua argumentação o fragmento de verdade que pretendem destacar.
Contudo, para que o encontro desses estilos pudesse ser fértil, coube-nos zelar por uma postura que permitisse o cruzamento sem alimentar a ilusão de que apareceria a verdade sobre a criança através da construção de uma posição conciliatória entre eles.
Foi necessário não escamotear as tensões que às vezes a confrontação dos vários estilos provoca, apostando que são elas que produzem muito mais trabalho do que os acordos.
Foi necessário, enfim, demonstrar que a verdade não pode ser dita toda e que isso, longe de ser um problema, é o que abre a possibilidade de que algo deva continuar a ser dito.
Os estilos refletiram marcas pessoais dos autores, posições institucionais diversas, determinismos regionais de dentro e de fora do Brasil, todos eles em convergência com uma discussão: a infância com problemas. Para que possam convergir, são as perguntas que eles devem necessariamente partilhar, não as respostas mantendo-se, assim como estilos.
A experiência de Freud na elaboração da teoria psicanalítica é particularmente ilustrativa do que se pode construir com a convivência dos vários estilos. Dialogava com Pfister até o fim de sua vida, mesmo tendo com ele divergências cruciais de pontos de vista; respondia aos americanos que lhe mostravam um modo todo particular de apropriação da psicanálise sem ceder de seu ponto de vista, mas mantendo um diálogo em aberto.
Era assim que Freud demonstrava que só havia, na verdade, uma única condição para que um debate fosse interrompido: o interlocutor escrever sob a rubrica de psicanálise aquilo que já não tinha mais relação com o que a Psicanálise afirmava. E foi fazendo face ao que os outros diziam, jamais isolado em sua própria experiência, que ele construiu sua teoria.
Pois bem! Foi assim que fizemos. E pretendemos continuar fazendo da Estilos algo além de mero espaço de divulgação de trabalhos: um lugar de produção teórica.
Rinaldo Voltolini