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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.14 n.26 São Paulo  2009

 

EDITORIAL

 

 

O dossiê deste volume reafirma a importância da Estilos como um veículo de apresentação de temáticas contemporâneas sobre a infância, agregando e articulando trabalhos advindos do campo da educação, da clínica e do social. A temática "O sofrimento psíquico e as crianças" remete às atuais concepções sociais sobre a criança, a família e a educação, e sobre os efeitos do discurso científico contemporâneo nos adultos que se encarregam delas.

Quando nos debruçamos sobre as questões da infância, podemos nos perguntar: como a criança representa seu sofrimento? Como os adultos reconhecem o sofrimento na criança? Será que, justamente, para que um adulto possa reconhecer, escutar ou ler as produções de sofrimento infantil, não teria ele próprio que partir de uma posição de falta?

O discurso científico contemporâneo produz o apagamento da falta simbólica quando a substitui pela apologia da certeza, da previsibilidade, das padronizações, da objetividade e das classificações. Estaríamos nós adultos sofrendo também os efeitos desse discurso atual quando nomeamos e classificamos com tanta facilidade nossas crianças? Falamos sobre as hiperativas, as disléxicas, as autistas, as aspergers, as TGDs, as downs, as deficientes mentais, as superdotados, as X frágil, as portadores de síndrome de oposição!!!!!!!! Crianças que se opõem muito podem ter alguma síndrome, geneticamente determinada talvez????!!!! As crianças estão de fato com algum sofrimento psíquico? Ou então somos nós, os adultos, que ao sermos atravessados por um discurso científico moderno totalizante, não suportamos encarar a falta que denunciam?

Em nossa sociedade contemporânea parece ter mais sentido medicar um sofrimento psíquico, emocional, ou as antigas dores da alma, para curá-los rapidamente (como doença de um organismo que simplesmente não está funcionando bem), do que permitir aos próprios sujeitos, antes de qualquer medicação, a busca de um sentido para o sofrimento que as atinge, trabalho este que não é imediato e pode durar mais do que os 15 minutos de uma consulta médica. Cabe aos profissionais que trabalham com os pequenos sujeitos e seus pais o compromisso ético de assegurar um espaço para a expressão dos seus sofrimentos psíquicos?

É nesta esteira da busca de espaços e sentidos para o sofrimento psíquico das crianças que iremos encontrar nesta revista trabalhos como os de Legnani & Almeida, que articulam questões sobre a hiperatividade, o diagnóstico médico e o "não-decidido" da estrutura no tempo da infância, a partir da história de um caso clínico cuidadosamente relatado, na qual a escuta dos discursos científico, familiar e escolar fazem-se presentes. Encontraremos também o trabalho de Ferrazzi, que discutirá a debilidade mental, a partir da prática clínica, trazendo a idéia de "flutuação" entre um arranjo psicótico e um arranjo do sujeito possível, onde haveria um certo modo de gozar, e fazendo a articulação entre os conceitos de Real, Imaginário e Simbólico e a posição do psicanalista diante das produções metonímicas e metafóricas de seus pacientes, bem como o real de seu próprio corpo em jogo na clínica com crianças. Em Almeida, Penso & Costa poderemos constatar a possibilidade de colocar em prática um trabalho interdisciplinar, no qual a antropologia, a psicologia e a terapia ocupacional, articuladas em torno do caso de uma criança que sofreu violência sexual, contribuem com seus olhares para a construção do estudo das relações entre a violência sexual sobre a criança, o gênero, as organizações familiares e suas representações em um contexto sociocultural.

Baldissarella & Dell'Aglio discorrem sobre o difícil, porém importante, trabalho dos profissionais da área de saúde mental no acompanhamento do sofrimento de pais que deparam com as malformações dos seus filhos recém-nascidos e com a sua internação em UTI Neonatal. A importância desse trabalho é poder propiciar o próprio estabelecimento do laço pais-filhos, ajudar na elaboração parental do luto do filho ideal e no gradual processo de "narcisar" este filho que nasceu. Entretanto, a tarefa mais árdua do profissional é com certeza adentrar, com os pais, o tema da morte.

Paravidini, Próchno, Perfeito & Chaves trazem à cena a possibilidade de o atendimento psicoterapêutico conjunto pais, crianças e terapeutas ser uma prática clínica que propicie um espaço para a criação e busca de sentidos para o que ainda não pode ser significado (o que é nomeado pelos autores como campo de "afetação") e que, por isso, faz-se presente por meio da interrupção da subjetivação do pequeno ser.

O texto de Araújo encerra o dossiê de uma forma emblemática: a autora nos apresenta um texto teoricamente consistente da teoria psicanalítica (francesa) sobre a estruturação do sujeito autista. Trata-se de um ser de linguagem (campo minuciosamente explorado) que se estrutura de forma singular na sua relação com o Outro e, consequentemente, com o gozo. Fica, porém, a pergunta: há sofrimento envolvido no trabalho de um autista que busca neutralizar o campo do Outro?

 

Maria Eugênia Pesaro
Cristina Keiko Inafuku de Merletti
Associação Lugar de Vida

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