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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.14 no.27 São Paulo 2009
EDITORIAL
Que a psicanálise e a educação têm muito em comum não é uma novidade. Desde o início da constituição de seu campo de estudo e pesquisa, Freud1 (1937/1975) não deixou de observar sua proximidade com os propósitos dos educadores. Especialmente nos desafios com os quais ambos profissionais se deparam: analisar, assim como educar e governar postulou ele, em conhecida expressão , são tarefas que compartilham de uma mesma impossibilidade em seu exercício.
Por que então revisitar um terreno já tantas vezes trilhado por pesquisadores e estudiosos de ambas as partes? Porque, apesar do hábito do diálogo, e talvez, até mesmo por isso, os vícios da retórica têm contribuído para ofuscar aquilo que de mais promissor se pode esperar deste campo de pesquisa. Referimo-nos à tradição crítica que fundamenta e justifica a especificidade discursiva tanto da psicanálise quanto da educação. Daí a necessidade constante de uma re-interpretação da máxima freudiana mencionada acima. Entendemos que, mais que uma leitura dos limites supostos às disciplinas, trata-se de uma aposta: de que os "impossíveis" refiram-se à negação do exercício de uma norma, à adequação a ideais ou à adaptação a modelos.
Nesse contexto, o estudo e a pesquisa em torno da adolescência contemporânea adquirem todo seu sentido. Os adolescentes são, por assim dizer, os portadores do paradoxo cultural que exige simultaneamente a adequação e a inovação. "Seja rebelde, seja original" é um dos imperativos paradoxais com os quais os jovens se defrontam na atualidade. Diante de educadores e psicanalistas, a angústia dos adolescentes confrontados com essa espécie de "missão impossível" toma corpo, convocando ambos a sustentarem um outro lugar discursivo através do qual possam viabilizar a difícil operação psíquica com a qual os jovens estão implicados.
Também por isso, a adolescência tem ocupado o foco de atenção e preocupação por parte de diferentes segmentos sociais. As políticas públicas, as pesquisas acadêmicas e mesmo as diferentes formas de expressão da mídia revelam a preocupação crescente com os caminhos dos jovens deste tempo, especialmente no que se refere às sintomatologias mais presentes na atualidade, entre elas, a delinquência, a violência e a ausência de projetos de futuro.
Procuramos, assim, através desse dossiê, ampliar a discussão acerca da adolescência, reinscrevendo o sujeito debilitado em suas qualidades de protagonista, tanto na esfera social, quanto na esfera política. Partindo da noção de que os sentidos são construídos desde os códigos que cada cultura e cada tempo indicam como lugar de produção do sujeito, os artigos que seguem buscam, sobretudo, problematizar as facetas contemporâneas das condições com as quais os adolescentes se encontram no tecido social, a fim de elaborar a operação psíquica que lhes concerne.
Para dar conta dessas discussões, evocamos as finas tramas que tencionam a Psicanálise e a Educação. Não por acaso, esse debate ganha espaço na Revista Estilos da Clínica. Sabemos que as intensas produções nos interstícios da psicanálise e da educação ganham suas mais inventivas versões nesse importante espaço de trabalho e reflexão. Lugar de palavras plenas, como diria Maud Mannoni. Lugar que, ao carregar o significante estilo em seu nome, destaca o que de mais importante pode decantar de uma transmissão psicanalítica.
O leitor, portanto, irá se encontrar com uma coletânea de textos que tencionam as diferentes discussões levadas a cabo por psicanalistas, psicólogos e sociólogos implicados com as problemáticas contemporâneas da adolescência, presentes tanto na esfera educacional, quanto na esfera clínica e acadêmica. Neles, os autores propõem o diálogo intenso entre os preceitos mais caros à ética da psicanálise e as mais sofisticadas inquietações da educação.
Sabemos que muitas são as angústias decorrentes do desamparo provocado pelas incertezas contemporâneas, porém, importa sublinhar que articular a discussão dos impasses dos jovens, na atualidade, não busca um modo profilaxia, tampouco sucumbe a tão atual intenção de esgotar o mal-estar na cultura deste tempo. Nossa tentativa vai na direção do que Benjamin (citado por Missac, 1998, p. 138)2 propôs através do conceito de dialética em suspensão: conciliar as diferenças mantendo uma tensão entre elas passível de conduzir à pluralidade e não à síntese.
Desse modo, os artigos que seguem pretendem pensar modos de experiências que sejam potentes para o jovem da atualidade e seus laços. Experiências que possam articular, simultaneamente, o saber e a falta e que suportem a tensão própria que caracteriza a operação adolescente, criando possibilidades que, mesmo na ausência de uma saída derradeira, sejam vias potentes para o sujeito e o Desejo.
Roselene Gurski
Psicanalista, Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenadora da Clínica Maud Mannoni e membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA). roselenegurski@terra.com.br
Maria Cristina Poli
Psicanalista, docente e co-coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Psicanálise, Arte e Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (LAPPAP /UFRGS) e membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA). crispoli@plugin.com.br
Roséli Maria Olabarriaga Cabistani
Psicóloga e psicanalista, docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA). roselec@portoweb.com.br
1 Freud, S. (1975). Análise terminável e interminável. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 23, pp. 247-287). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1937) [ Links ]
2 Missac, P. (1998). Passagem de Walter Benjamin. São Paulo: Iluminuras. [ Links ]