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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.15 no.1 São Paulo 2010
EDITORIAL
Apesar de ser o segundo dossiê sobre a temática da Inclusão o primeiro integrou o vol. 5, n. 9, ano 2000 , tal assunto está diluído por toda a trajetória da Revista Estilos da Clínica. Suas páginas estão repletas de referências a práticas que sugerem um percurso com a escolarização das crianças com problemas.
Há dez anos a preocupação recaia sobre a rapidez da mudança de espírito com relação à educação de crianças com necessidades especiais: da educação especial para a escola inclusiva. Além disso, sobre as condições de possibilidade de educação de uma criança. O gérmen da mudança trazia a preocupação com os fundamentos, a história da própria mudança, os primeiros passos de novas práticas inclusivas, etc. Hoje parece que colhemos os primeiros frutos dessa mudança, mas que ainda surgem como novidade. Entretanto, com a insígnia da experiência. Tratase de experiências inclusivas cujo fundamento principal é a psicanálise; recuperam, portanto, sempre a novidade da experiência com o singular.
O dossiê "Experiências Inclusivas" surge para comemorar um casamento entre a educação e a psicanálise. Esse casamento insere a psicanálise no coração da educação, através das práticas inclusivas que os psicanalistas puderam empreender. O princípio norteador de tais experiências configura-se como um estudo de caso. São seis artigos que discutem suas experiências à luz de casos, cenas, ou vinhetas. Por outro lado, há um artigo que discute as possibilidades de escolarização das crianças em situação de handicap, situando um conjunto de propostas no âmbito político e legislativo. Trata-se do trabalho de Charles Gardou, contraponto necessário para que a política do singular possa ter lugar e os analistas possam inserir-se na educação.
Freud usou o relato de caso para transmitir a clínica psicanalítica. Os autores reunidos nesse dossiê utilizam o mesmo procedimento para transmitir suas experiências inclusivas, a verdade singular de cada uma delas. São quatro crianças e duas adolescentes no centro de tais práticas: Ana, Angelina, Davi, Lucas, Luciane e Pedro.
Daniela Teperman escreve um caso clínico sobre Ana que traz a marca do insuportável a ser sustentado pela escola. Ana se apresenta através de uma negativa, mas que possibilita um campo de trabalho pelo transitivismo, no qual a analista é brinquedo das alternâncias dela. Ao mesmo tempo em que a escola pôde sustentar um lugar de aluno.
Davi é descrito por Mônica Rahme como um menino que apela ao uso constante de objetos de forma estereotipada e pouco recurso à fala, mas que pela operação transitivista da sua turma (Carolina, Renata, Miguel, Evelin, Cláudio, Guigui, Juninho, Rodner, Flávia e Liliane) pôde sofrer uma transmissão simbólica. Por exemplo, o transitivismo das crianças possibilita a inclusão das estereotipias de Davi no rol das brincadeiras. São diversos os efeitos dessa escolarização para Davi, que fez então algumas coisas como os colegas.
As reflexões propostas por Fernanda Arantes sobre o caso de Lucas são um convite ao desconforto, pois abrem diversas questões. Lucas com quatro anos foi aluno de Fernanda no ensino infantil. A professora se vê impossibilitada de se desvencilhar de sua formação como psicóloga e psicanalista, por isso pensa sobre sua posição ao avaliar o avanço escolar de Lucas. Uma das possibilidades é avaliar Lucas a partir de seus próprios avanços, mas prossegue perguntando se isso é suficiente para alcançar uma inclusão escolar.
Para sustentar um laço com Angelina, uma adolescente com jeito de menina, Maurício Hermann propõe a aproximação de ambos ao CECCO (Centro de Convivência e Cooperativa) como possibilidade de oferta de laço social e encontro de heterogeneidades. Descreve o Acompanhamento Terapêutico (AT) como dispositivo de tratamento às psicoses infantis a partir dos impasses sofridos no caso de Angelina na Associação Lugar de Vida.
Luciane é a adolescente com Síndrome de Down do caso relatado por Claúdia Prioste. A curiosidade sexual e desejo de saber sobre o corpo é o que é manifestado por Luciane, que traz à tona o sentimento de despreparo dos professores e a sexualidade que estava latente em sua turma. Trata-se de uma constatação de que as manifestações de sexualidade são interpretadas como desvio de conduta. Porém, abre a possibilidade de intervenção pela circulação dos discursos dos professores para que eles possam rever o porquê do incômodo com o tema.
A circulação dos discursos é a matéria central do trabalho de Marise Bastos e Cristina Kupfer sobre a escuta dos professores. É em um desses discursos que surge Pedro, que pela circulação discursiva passa de um garoto com deficiência mental para alguém considerado meio esquisito. A professora percebe, ao ser confrontada com seus próprios dizeres, que é a partir de sua singularidade que Pedro é esquisito: "bem, meio esquisito para mim". O trabalho de escuta de professores do Grupo de Palavra Ponte possibilita que Pedro seja alojado em outro ponto na trama discursiva: do universal da anormalidade ao singular das considerações daquela professora.
Para conhecer um pouco dessas aventuras e desventuras dos analistas frente ao processo de inclusão, convidamos à leitura dos artigos que compõem esse dossiê.
Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa
Doutorando do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
e integrante do Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas
e Educacionais sobre a Infância (LEPSI/USP).