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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.16 no.1 São Paulo jun. 2011
DOSSIÊ
Imaginário, eu e psicose nos primeiros seminários de Lacan
Imaginary, ego and psychosis on the first seminars of Lacan
Imaginario, yo y psicosis en los primeros seminarios de Lacan
Michele Roman Faria
Pesquisadora colaboradora do Programa de Pós-Doutorado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). michelefaria@terra.com.br
RESUMO
O artigo propõe uma discussão sobre o tratamento psicanalítico das psicoses, particularmente dos autismos e esquizofrenias, a partir das contribuições de Lacan acerca do registro imaginário presentes em seus dois primeiros seminários e em sua teoria sobre o estádio do espelho.
Descritores: psicose; autismo; esquizofrenia; psicanálise.
ABSTRACT
The article proposes a discussion concerning the psychoanalytical treatment of psychosis, particularly autisms and schizophrenias, based on Lacan's contributions concerning imaginary on his first two seminars and on mirror stage theory.
Index terms: psychosis; autisms; schizophenias; psychoanalisis.
RESUMEN
El artículo propone un debate sobre el tratamiento psicoanalítico de la psicosis, particularmente del autismo y esquizofrenias, a partir de las contribuciones de Lacan sobre el registro imaginario presente en sus dos primeros seminarios y en su teoria sobre el estadio del espejo.
Palabras clave: psicosis; autismo; esquizofrenias; psicoanalisis.
Em fevereiro de 1954, Lacan dedicará duas conferências do Seminário 1 ao caso Dick (Klein, (1930/1981). Lacan reconhece os efeitos surpreendentes do tratamento de Dick por Melanie Klein e propõe tomar o caso como o "relato de uma experiência" (Lacan, 1986), o que lhe permitirá tecer comentários e fazer sua própria reflexão teórica a respeito do caso.
Em seu artigo, Melanie Klein descreve Dick, então com quatro anos, como uma criança que
pela pobreza de seu vocabulário e do seu desenvolvimento intelectual, estava no nível de uma criança de 15 ou 18 meses. Estavam quase completamente ausentes a adaptação à realidade e as relações emocionais com seu ambiente. Este menino, Dick, era carente de afetos e indiferente à presença ou ausência da mãe ou da ama-seca. Desde o princípio, só raras vezes manifestava ansiedade, e isto num grau anormalmente reduzido. ... Não tinha quase interesses, não brincava e não tinha contato com seu meio ambiente. Na maior parte do tempo, articulava sons ininteligíveis e repetia constantemente certos ruídos. Quando falava, utilizava incorretamente seu escasso vocabulário. (Klein, 1930/1981, p. 298).
Melanie Klein sugere "a classificação da enfermidade de Dick como esquizofrenia" (1930/1981, p. 311) e tece o seguinte comentário acerca dos quadros esquizofrênicos na infância:
Creio que a esquizofrenia e, especialmente, a presença de traços esquizofrênicos nas crianças, é um fenômeno muito mais generalizado na infância do que geralmente se supõe. Cheguei à conclusão ... de que o conceito de esquizofrenia em particular e de psicose em geral, tais como ocorrem na infância, deve ser ampliado .... O conhecimento teórico adquirido dessa forma constituiria, sem dúvida, valiosa contribuição para nossa compreensão da estrutura das psicoses e nos ajudaria, ao mesmo tempo, a estabelecer diagnósticos diferenciais mais exatos entre as várias enfermidades. (1930/1981, p. 311).
Todos esses traços de isolamento e afastamento caracterizam os quadros que a psiquiatria descreverá, a partir de Kanner, como autismos (Kanner, 1943). Roudinesco e Plon (1998, p. 43) lembram, entretanto, que, muito antes, o próprio Bleuler utilizara-se do termo para referir-se a um estado de algumas esquizofrenias mais graves, em que há um isolamento, um afastamento do mundo: "denominamos autismo ao afastamento da realidade aliado ao predomínio relativo ou absoluto de uma vida interior" (Bleuler, 1998). Cavalcanti e Rocha observam que Kanner inicia seu artigo de 1943 referindo-se ao autismo como um estado para, somente ao final do artigo, propor um quadro psiquiátrico, uma síndrome.
Desde 1938 nossa atenção foi atraída por um certo número de crianças cujo estado difere tão marcadamente e distintamente de tudo o que foi descrito anteriormente, que cada caso merece e espero que acabe por receber uma consideração detalhada de suas fascinantes particularidades. (Kanner, 1943, citado por Cavalcanti & Rocha, 2001, p. 53).
É nesse estado de isolamento e indiferença diante das pessoas e objetos, que Melanie Klein encontra Dick no início do tratamento. Dick não faz nenhum apelo, não pede nada nem à babá, nem à mãe ou à analista. É uma criança incapaz de estabelecer contatos afetivos.
Diante da gravidade do caso, o desafio inicial de Melanie Klein é estabelecer contato com Dick. Como tratar uma criança que, como afirma Lacan, "olha Melanie Klein como olharia um móvel"? (Klein, 1981/1930, p. 98). Seu primeiro desafio foi, portanto, tirar Dick desse estado de isolamento, de indiferença.1 A rapidez com que Melanie Klein o faz é surpreendente.
Com sua sensibilidade clínica, Melanie Klein observa que Dick, embora fosse "indiferente à maior parte dos objetos e brinquedos que via ao seu redor, e nem entendia sua finalidade ou sentido" (Klein 1981/ 1930, p. 301) tinha, entretanto, interesse por alguns objetos: "se interessava pelos trens e estações ferroviárias, pelas maçanetas de portas, pelas portas e pelo movimento de abri-las e fechá-las" (p. 301). Atenta ao interesse de Dick, ela lhe oferece trens. E, como observa Lacan, "ousa lhe falar (Lacan, 1986, p. 85). Eis como Melanie Klein descreve sua intervenção: "tomei então um trem grande, coloquei-o junto a um menor e os denominei 'trem do papai' e 'trem de Dick'." (Klein, 1930/1981, p. 303). A resposta de Dick é imediata: "tomou então o trenzinho que eu batizara de Dick, fê-lo rodar até a janela e disse: 'estação'" (p. 303).
Segundo Lacan (1986), esse será o ponto de partida para o desenvolvimento de todo um jogo de equivalências imaginárias, formando um sistema em que os objetos irão substituir-se uns aos outros, ampliando rapidamente o repertório de Dick e tirando-o de seu estado de isolamento autista. Como Lacan interpreta tais efeitos da intervenção de Melanie Klein?
Em primeiro lugar, ele destaca que não se trata de interpretação: "Melanie Klein não procede aqui, tem uma consciência viva disso, a nenhuma interpretação." (1986, p. 102). A indagação de Lacan é: "o que foi, então, que Melanie Klein fez? nada além de introduzir a verbalização." (1986, p. 102). O que Lacan considera fundamental não é o que Melanie Klein diz nomeando, não sem ironia, o que ela diz como um enxerto brutal de simbolismo (Lacan, 1986, p. 83) mas sua ousadia em falar, sugerindo que é sua fala que produz os efeitos de desdobramento e ampliação dos conteúdos do mundo de Dick. Segundo Lacan (1986), a verbalização organiza "o que, para esse sujeito, só era, até então, realidade pura e simples." (p. 85).
Produzem-se efeitos sobre a indiferenciação inicial, sobre o caráter uniforme da relação de Dick com a realidade, presente no início de seu tratamento. O que organiza não é, entretanto, a interpretação, é o fato de serem palavras e de elas nomearem. Trata-se do valor imaginário, e não simbólico, dessas palavras. São palavras que fazem com que Dick rapidamente passe de uma "realidade reduzida, com uma bagagem imaginária também reduzida" (Lacan, 1986, p. 106) a uma organização imaginária da realidade na qual ele "acede a conteúdos cada vez mais ricos." (Lacan, 1986, p. 104). A partir daí, observa Lacan, Dick "desdobra e articula assim todo o seu mundo." (Lacan, 1986, p. 104). É o efeito produzido pelo tratamento do real pelo imaginário. Como entender tal efeito?
O estádio do espelho
A concepção de uma organização imaginária da realidade a partir de uma indiferenciação inicial é justamente o que Lacan vai abordar com sua teoria do estádio do espelho. No Seminário 2, Lacan a resume da seguinte forma:
Toda a dialética que lhes dei a título de exemplo com o nome de estádio do espelho está fundamentada sobre a relação entre, de um lado, um certo nível das tendências vivenciadas ... como que desconectadas, discordantes, despedaçadas ... e, por outro lado, uma unidade com a qual ele se confunde e se emparelha. Essa unidade é aquilo em que o sujeito se conhece pela primeira vez como unidade, porém, como unidade alienada, virtual. (Lacan, 1985, p. 69).
Para Lacan, trata-se do que "está incluído na relação narcísica e o que não está. É na juntura do imaginário e do real que se situa a diferenciação." (1985, p. 129).
O experimento de Bouasse servirá de ponto de partida para a construção de um esquema óptico, que lhe permitirá "ilustrar de uma forma particularmente simples o que resulta da intrincação estreita do mundo imaginário e do mundo real na economia psíquica." (Lacan, 1985 p. 95). O que seu esquema faz, é mostrar que é possível "trazer a esses objetos reais uma organização imaginária." (p. 162). O imaginário dá contorno ao real, organizando-o. Uma organização ao mesmo tempo ilusória, mas estruturante, sem a qual o real transbordaria, sem contorno.
Isso nos ajuda a compreender porque Lacan (1985) irá referir-se à atitude inicial de Dick, que é de indiferença e apatia diante da realidade que o cerca, como a atitude de um menino que "está inteirinho na realidade, no estado puro, inconstituído. Ele está inteirinho no indiferenciado." (p. 84). Segundo Lacan (1985), é evidente o "caráter uniforme da realidade" (p. 98), para Dick: "tudo lhe é igualmente real, igualmente indiferente." (p. 98).
Se o imaginário recobre o real, organizando-o,2 introduzindo e delimitando a borda que separa o eu do não-eu, o que Dick evidencia em sua relação com o mundo que o cerca é justamente a indistinção entre o eu e o não-eu, a ausência de bordas, que faz com que a relação com tudo que o cerca seja uniforme e indiferente, "como se nada contasse." (Lacan, 1985, p. 98).
Quanto às intervenções de Melanie Klein e os surpreendentes efeitos que elas produzem, Lacan observa que o "modo de fazer" kleiniano, "se presta evidentemente a discussões teóricas que não podem ser dissociadas do diagnóstico do caso." (Lacan, 1985, p. 98). Tais efeitos só se produzem nos casos em que a fragilidade na organização do eu está presente de tal forma, que faz-se necessária uma ortopedia imaginária para organizar e dar contorno ao real, delimitando as bordas que separam o eu do não-eu e, consequentemente, modificando a relação do sujeito com o mundo que o cerca.3
O que se observa no caso Dick, é o efeito organizador desse recobrimento do real pelo imaginário, que produz efeitos não apenas sobre as relações do sujeito com os objetos, mas igualmente com aqueles que o cercam. Dentre esses efeitos, Lacan destacará a emissão, pela primeira vez, de um apelo:
A criança verbaliza um primeiro apelo um apelo falado. Pergunta pela babá, com a qual tinha entrado e que tinha deixado sair como se nada houvesse. Pela primeira vez, produz uma reação de apelo que não é simplesmente um apelo afetivo, mimetizado por todo o ser, mas um apelo verbalizado, que a partir de então comporta resposta. É uma primeira comunicação no sentido próprio, técnico, do termo. (Lacan, 1986, p. 103).
O surgimento do apelo é mais uma evidência de que o real, antes indiferenciado, passa a ter bordas, contornos, que recortam e definem os objetos do mundo, separando o que é eu de tudo que vai se configurar no mundo exterior como não-eu. O Outro passa a contar para Dick como diferente de si mesmo, um não-eu. O apelo, o endereçamento, a comunicação, revelam a introdução de uma linha divisória, de uma borda, antes inexistente, entre Dick e o Outro.
Esse efeito de inclusão do Outro, de um Outro a quem Dick faz apelo, será situado por Lacan, ainda no Seminário 1, de duas maneiras que requerem atenção particular: a introdução do Outro como a introdução do próprio inconsciente (que poderia sugerir que antes da existência dessa borda não haveria nem Outro, nem inconsciente para Dick); e a introdução de uma organização edipiana para essa criança (que implicaria considerar ou que há complexo de Édipo nas psicoses, ou que a intervenção de Melanie Klein teria produzido uma neurose, onde havia antes uma psicose). Examinemos atentamente cada uma dessas observações, contextualizando-as.
As psicoses e a Verwerfung
Logo na abertura do seu terceiro seminário, Lacan lembrará que a principal contribuição de Freud em relação às psicoses foi lançar luz sobre sua estrutura de funcionamento, e não sobre o tratamento. A questão que fica, depois de Freud, é portanto: como tratar os psicóticos? É desse ponto que Lacan partirá, afirmando, logo na aula de abertura, que seu seminário será dedicado à "questão das psicoses":
Digo a questão porque não se pode sem mais nem menos falar do tratamento das psicoses, como havia sido inicialmente comunicado por uma primeira nota, e menos ainda do tratamento da psicose em Freud, pois ele jamais falou disso, salvo de maneira totalmente alusiva. (Lacan, 1988 p. 11).
Lacan proporá retornar aos conceitos freudianos e utilizá-los como referência para situar o campo das psicoses. Para fazê-lo, recorrerá aos três registros: "eis aonde nos levará este ano nossa tentativa de situar em relação aos três registros do simbólico, do imaginário e do real, as diversas formas de psicose." (p. 23). E dará especial ênfase à relação do psicótico com o imaginário, uma vez que, para ele, o psicótico "é aquele que adere, pura e simplesmente, ao imaginário." (Lacan, 1985, p. 306).
Entretanto, serão suas considerações sobre a relação do psicótico com o campo simbólico que ganharão destaque nessa época, tornando-se amplamente conhecidas. Nos seminários 3, 4 e 5 e principalmente no artigo "De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses", Lacan (1998b) abordará a psicose na perspectiva do complexo de Édipo, situando-a como a estrutura na qual falta a operação metafórica que situa o pai como representante da lei que ordena simbolicamente a castração. Na perspectiva do real, Lacan abordará os efeitos dessa falta de simbolização, procurando mostrar que o que não é simbolizado retorna no real, sob a forma da alucinação. Nessa via, enfatizará principalmente as dificuldades resultantes de um ordenamento do real que não conta com os elementos da organização edipiana: o falo e a metáfora paterna (tratamento do real pelo simbólico).
E embora em sua reflexão sobre as psicoses, no Seminário 1, enfatize principalmente a relação entre o imaginário e o real, já nessa época é possível encontrar algumas observações acerca do real não-simbolizado na psicose, por exemplo em seu comentário da famosa cena da alucinação do Homem dos Lobos. Para explicar a alucinação no Seminário 1 antes mesmo de sua teorização sobre o simbólico e a metáfora paterna Lacan recorre ao conceito freudiano de Verwerfung, que ganhará lugar central nas considerações sobre a psicose nos anos subsequentes. Lacan opõe a Verwerfung, que ocorre quando "nenhum julgamento foi feito sobre a existência do problema da castração" (Lacan, 1986, p. 56), à Bejahung, "condição para que alguma coisa exista para o sujeito" (p. 73) essa "alguma coisa" sendo definida, precisamente, como a simbolização da castração:
Vejamos o homem dos lobos. Não houve para ele Bejahung .... Não há traço desse plano no registro simbólico. O único traço que dele tenhamos, é a emergência, de modo algum na sua história, mas verdadeiramente no mundo exterior, de uma pequena alucinação. (p. 73).
Trata-se, para Lacan (1986), de "um real não-simbolizado." (p. 74). A alucinação é explicada por Lacan como a manifestação, no real, da não simbolização da castração pelo sujeito: "a castração, que é precisamente para ele o que não existiu, manifesta-se sob a forma do que ele imagina ter-se cortado o dedinho, tão profundamente que só se segura por um pedacinho de pele." (p. 73).
Lacan define, portanto, duas formas possíveis de abordar aquilo que, vindo do real, exige do sujeito lidar com um limite, um impedimento. Na primeira, o sujeito encontra recursos simbólicos para lidar com esse limite, interpretando-o como castração. É o que Lacan chama Bejahung, a castração é afirmada e entra no universo simbólico do sujeito como tal. Na segunda, esse real não é simbolizado, ficando portanto a castração como algo não representável simbolicamente para o sujeito, Verwerfung. O efeito da Verwerfung, da não-simbolização da castração, é seu reaparecimento no real, sob a forma da alucinação: "tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real." (1986, p. 21).
De um lado, a admissão, afirmação, aceitação, Bejahung, da castração; de outro, Verwerfung, a castração não é admitida, fica foracluída. Lacan situará aí a linha divisória que separa as neuroses das psicoses, definindo a Verwerfung freudiana como o mecanismo que faz com que, nas psicoses, a castração seja negada, no sentido da sua não-simbolização.
É importante observar que tanto a neurose como a psicose implicam formas de tratamento de algo que é experimentado pelo sujeito como ameaça do real. Enquanto o neurótico dá tratamento simbólico a esse real (Bejahung da castração), o psicótico conta com recursos não-simbólicos a alucinação e o delírio. A Verwerfung é portanto um termo que, ao mesmo tempo, nomeia a relação do psicótico com um real que toma, para o sujeito, a forma de alucinação ou delírio, e define a relação do psicótico com o simbólico, que será central nos desenvolvimentos de Lacan sobre a psicose nos seminários seguintes. Com o termo Verwerfung, Lacan encontra a linha divisória que permite situar neuroses e psicoses com suas especificidades a partir de um ordenador central, a castração.
Podemos afirmar que há, portanto, dois aspectos da teoria das psicoses nesse momento inicial da obra de Lacan. Um que sugere que, na psicose, o real não foi organizado pelo imaginário, como no caso Dick; e outro, no qual o real não teria sido organizado pelo simbólico, como no Homem dos Lobos. Em ambas as situações observa-se a questão central da psicose: a não ordenação do real pela estrutura simbólica, e a importância do recurso imaginário, que pode ser alucinatório (Homem dos Lobos) ou não (Dick) para fazer suplência a essa não entrada do simbólico.
Dick e o mito edipiano
Embora o termo Verwerfung seja utilizado por Lacan desde o Seminário 1 como referência para pensar as psicoses, é somente a partir dos desenvolvimentos dos seminários seguintes, especialmente ao final do terceiro, e nos seminários 4 e 5, que ele passará a ter o sentido celebrizado por Lacan nessa época: que ao psicótico faltaria o que nas neuroses funciona, ou seja, a estrutura simbólica do complexo de Édipo, organizada em torno da função simbólica do pai. Como Lacan afirma no Seminário 5, "na psicose, o Nome-do-Pai, o pai como função simbólica ... é precisamente verworfen." (Lacan, 1999, p. 211).
Voltemos ao caso Dick e à afirmação de Lacan, no Seminário 1, de que a verbalização introduzida por Melanie Klein teria produzido a "simbolização do mito edipiano." (Lacan, 1986, p. 103). Se considerarmos a abordagem do complexo de Édipo por Lacan a partir do Seminário 5, quando ele enfatizará seu valor simbólico, estaremos advertidos que a utilização do termo "simbolização" do Édipo, no Seminário 1, exige um cuidado na sua contextualização, sem o qual não seria possível diferenciar neuroses de psicoses. No Seminário 3, Lacan percebe claramente esse risco, daí sua advertência a respeito da interpretação (que, aliás, ele chama de tradução) proposta por Freud para o caso Schreber:
Essa tradução é com efeito sensacional. Mas, tomem cuidado, ela deixa no mesmo plano o campo das psicoses e o das neuroses. Se a aplicação do método analítico não liberasse nada mais que uma leitura de ordem simbólica, ela se mostraria incapaz de dar conta da distinção dos dois campos. (Lacan, 1988, p. 19).
Esse contexto é essencial para a compreensão da afirmação de Lacan a respeito do Édipo em Dick. Que Melanie Klein acredite tratar-se do Édipo, não quer dizer que haja, necessariamente, complexo de Édipo no sentido consolidado por Lacan a partir dos seminários dos três anos seguintes. Mas então como entender a afirmação de Lacan de que Melanie Klein simboliza o complexo de Édipo para Dick? Qual o sentido atribuído por Lacan a essa simbolização?
Uma leitura atenta do Seminário 1 revela que, nesse seminário, a função simbólica é definida como equivalente à função da palavra: "Também não é surpreendente que seja agora, e aqui, que sejamos levados, para compreender a experiência analítica, a partir de novo do que está implicado em seu dado mais imediato, a saber, a função simbólica ou o que é exatamente a mesma coisa no nosso vocabulário a função da palavra." (Lacan, 1986 p. 107, itálico nosso).
No Seminário 1, a relação entre o simbólico e a falta, abordada por Lacan nos seminários seguintes pela articulação do complexo de Édipo ao complexo de castração e à função metafórica do pai, ainda não foi claramente delimitada por Lacan, o que nos permite ler na expressão "simbolização do mito edipiano" um equivalente a "colocá-lo em palavras". Isso se esclarece quando Lacan, ao referir-se à verbalização do mito por Melanie Klein, afirma que "Melanie Klein chapou a simbolização do mito edipiano." (p. 103, itálico nosso). A verbalização de Melanie Klein introduz, de certa forma, um Édipo para Dick, mas trata-se de uma versão "chapada", na qual o complexo de Édipo aparece enquanto referência imaginária: Dick é o pequeno trem, papai é trem o grande, mamãe é a estação, Dick quer entrar na mamãe.
Evidentemente, o valor simbólico do complexo de Édipo, tão enfatizado por Lacan nos seminários 4 e 5, não é o das personagens em torno do qual se estrutura o mito, mas o da estrutura que envolve a ordenação simbólica da falta enquanto castração (pela via metafórica). É nesse sentido que a nomeação dos personagens papai-trem, mamãe-estação, e pequeno-trem-Dick, requer ser situada como uma ordenação essencialmente imaginária.
Os recursos para não confundir o valor simbólico do complexo de Édipo (para as neuroses) e sua função imaginária (que, nas psicoses, produz efeitos importantes) levarão, entretanto, ainda alguns seminários até serem desenvolvidos por Lacan.
A introdução dos personagens da triangulação edipiana por Melanie Klein não deve, portanto, ser confundida com uma apropriação, por Dick, da estrutura edipiana enquanto possibilidade de apreensão simbólica da castração. O que Dick nos mostra é que a introdução dos personagens do Édipo é capaz de produzir efeitos: papai-trem, mamãe-estação, Dick-pequeno-trem têm papel organizador de uma primeira resposta à analista, a partir da qual sua linguagem, sua brincadeira e sua relação com tudo que o cerca irá se desenvolver. Entretanto, é importante observar que a relação de Dick com tais referências revela seu papel e seu valor como referências imaginárias, e não simbólicas.
Mas considerar que o Édipo funcione como referência imaginária não implica, entretanto, desconsiderar a importância de seus efeitos nas psicoses. Ao contrário, trata-se de efeitos tão impressionantes, que são justamente eles que podem nos ensinar sobre o manejo e a direção do tratamento nas psicoses.
O estatuto do Outro e o inconsciente a céu aberto nas psicoses
Um segundo efeito que Lacan atribui às intervenções de Melanie Klein e que é preciso contextualizar com a devida atenção, é o que Lacan chama "ter aberto as portas do inconsciente" de Dick. Lacan parte de sua fórmula "o inconsciente é o discurso do outro" (Lacan, 1986, p. 103) para sugerir que, antes da intervenção de Melanie Klein, "não há nenhuma espécie de inconsciente no sujeito." (p. 103). É uma afirmação impactante, que novamente exige cuidadosa contextualização, a fim de evitarmos distorções e discrepâncias em relação ao sentido mais amplo da teorização lacaniana sobre as psicoses. Será que o sujeito psicótico e, mais especificamente, o autista antes da intervenção da analista, não tem inconsciente?
Sabemos que não são incomuns as referências ao autista nesse sentido. Algumas delas são lembradas no livro de Paulina Rocha e Ana Cavalcanti: "tomadas desligadas, conchas, fortalezas vazias, carapaças, ovo, buraco negro, são as metáforas que geralmente definem o autismo. Definições pelo déficit, pela ausência de desejo, de fantasia, de relação com o mundo e com a vida, quase como um ser sem subjetividade" (Cavalcanti e Rocha, 2001, p. 12). A dificuldade é sempre a de definir qual o estatuto desses sujeitos a que denominamos autistas. Sabemos que na psiquiatria, como na psicanálise, os esforços para definir e classificar estes casos raramente permitem superar impasses e dificuldades.
Do lado da psiquiatria, estes casos têm sido classificados no grupo dos transtornos do desenvolvimento psicológico,4 dentre os quais estão o autismo infantil (F84.0), o autismo atípico (F84.1) e a Síndrome de Asperger (F84.5). O DSM-IV distingue todos estes transtornos do grupo das esquizofrenias (F20-29), quadro mais amplo onde estão incluídos alguns transtornos psicóticos (F23, F28, F29). Do ponto de vista da psiquiatria, a descrição nosográfica é o eixo classificatório e não há razão para identificar o autismo e a Síndrome de Asperger à esquizofrenia e à psicose.5
Quando Lacan propõe, já no Seminário 1, a Verwerfung e a Bejahung como balizadores da distinção entre neuroses e psicoses, toma definitivamente distância da nosografia psiquiátrica. A castração simbólica surge como principal eixo distintivo entre neuroses e psicoses, e a noção de estrutura clínica irá gradativamente consolidar-se como norteadora da clínica.
Voltemos ao Seminário 1 e ao que Lacan parece propor quando sugere, nesse momento de sua obra, que não há inconsciente nesse sujeito autista Dick.
Como vimos até aqui, a principal ênfase de Lacan nesse ponto do seminário remete à importância da função organizadora do eu. Lacan já afirmara, nesse mesmo seminário, que a falta de contato experimentada por Dick revela que "o ego não pode ser utilizado de forma válida como aparelho na estruturação do mundo exterior" (Lacan, 1986, p. 106) e isso porque há, segundo Lacan, um "defeito de seu ego. Seu ego não está formado." (p. 84).
Há, inicialmente, o que Lacan nomeia de "inércia egoica", uma inércia que será organizada pela verbalização kleiniana: "é o discurso de Melanie Klein que enxerta brutalmente sobre a inércia eu-óica inicial da criança as primeiras simbolizações da situação edipiana." (p. 103). Na concepção de Lacan, a verbalização de Melanie Klein teria produzido efeitos sobre essa inércia egoica, funcionado como uma linguagem-inconsciente que, organizada edipianamente, ordena e amplia o contato de Dick com a realidade. São esses efeitos que levam Lacan a concluir: há um antes e um depois dessa intervenção. É inegável. O depois implica uma organização, que parecia ausente no início. Mas que forma de organização é essa?
Todo o raciocínio desenvolvido por Lacan nesse momento não conduz à concepção de uma organização do inconsciente, mas à organização de um eu. Não é justamente a partir da introdução de um contorno entre eu e não-eu (efeito da verbalização de Melanie Klein) que o caso evolui? Dick passa da inércia egoica inicial a uma organização na qual "o sujeito pode fazer agir o imaginário e o real e conquistar o seu desenvolvimento" (p. 103), conforme afirma Lacan. O sentido do texto de Lacan indica-o: não se trata de um sujeito sem inconsciente, trata-se de um sujeito para o qual ocorre uma "falha nas funções de síntese do eu no sentido em que entendemos o eu na teoria analítica." (p. 126, itálico nosso).
De fato, o inconsciente de Dick revela-se um inconsciente sem bordas, e o efeito de sua análise é o de introduzir as bordas. Mas um inconsciente sem bordas é um inconsciente esse que Lacan chamará, no Seminário 3, o "inconsciente à superfície" do psicótico (Lacan, 1988 p. 20).
Mais uma observação importante nesse sentido: Lacan afirma que a verbalização de Melanie Klein enxerta elementos da linguagem que organizam, mas isso não quer dizer que antes não havia linguagem para Dick, no sentido de que Dick estaria "fora" da linguagem.6 Antes da intervenção de Melanie Klein, Dick já está inserido, aliás de forma muito particular, nesse universo de linguagem, ora deformando as palavras ou modificando seu sentido, ora utilizando-as de forma inadequada. Lacan observa: "a criança já tem seu sistema de linguagem, muito suficientemente. A prova é que brinca com ele." (Lacan, 1986, p. 101). Lacan dirá, da relação de Dick com a linguagem, que Dick é "mestre da linguagem", talvez no mesmo sentido que Schreber o é em seu delírio da língua fundamental.
Se há linguagem, isso implica, necessariamente, pensar que há Outro, que há inconsciente. Mas se a Bejahung, a afirmação simbólica da castração, é o balizador para a estruturação do inconsciente na neurose, como pensar uma estruturação que tem a Verwerfung como seu eixo? A questão que começa a delinear-se aqui parece ser, portanto, não a da presença ou ausência de um inconsciente, mas a do estatuto desse inconsciente na psicose, que equivale a pensar, nesse momento, no estatuto do Outro para o sujeito psicótico.
No caso de Dick, o que acontece? Dick passa de um laço com o Outro que sequer aparecia com um contorno próprio, ao apelo, que só acontece porque esse Outro, já recortado do real por um efeito imaginário, pode ser chamado, convocado. Lacan parece considerar aí um divisor de águas, pois o apelo é evidência importante não só de uma modificação no laço com esse Outro o Outro passa a existir como tal para Dick mas também de que esse Outro continua a existir para Dick mesmo quando não está. A questão é: essa seria uma evidência de que esse Outro passou a ter para ele o estatuto de Outro simbólico, do Outro situado como tal na dialética presença-ausência? Se Dick apela a esse Outro quando ele não está, é necessariamente porque há simbolização?
Evidente que não. Embora o apelo mostre que Dick passa a lidar com a presença e com a ausência da babá, não se trata de uma alternância que implique dialética. No caso da psicose, não há dialética, no sentido da oscilação do par presença-ausência do jogo do Fort-da. É a alternância entre o Fort e o Da na medida em que o Fort implica o Da e o Da implica o Fort que dá ao jogo do netinho de Freud em Mais além do princípio do prazer (1920/1980d1980) seu estatuto simbólico. Uma brincadeira que revela toda a complexidade de uma tentativa de articulação da falta a mãe ausente em termos simbólicos o significante Fort associado ao significante da, ambos articulados ao movimento de vai-e-vem do carretel, que some e reaparece. O Outro convocado por Dick não pode ser situado na dialética do par presença-ausência, a oscilação não implica, para ele, lidar com um Outro faltante.
O caso do menino-lobo Robert,7 também comentado por Lacan no Seminário 1, nos permite observar algumas evidências do estatuto desse Outro cuja alternância, para o sujeito, não implica simbolização da falta. Para pensá-lo, é importante partir, não da falta do Outro, mas do próprio estatuto de sua presença para Robert. Diferentemente de Dick, que inicialmente reagia à presença de Melanie Klein com total indiferença, Robert reage à presença da analista com um grito: "Madame!" Enquanto no início do tratamento de Dick há a evidência de um Outro que sequer é recortado e contornado do real (o que se observa pela indiferença diante de tudo o que o cercava), no início do tratamento de Robert, o Outro tem claramente um contorno, é consistente, tem a consistência desse "Madame!" gritado em direção a Rosine Lefort.
Colette Soler coloca a seguinte questão a respeito do caso Robert: "de que Outro esse 'Madame' é índice?" (Soler, 2007, p. 138). Para ela, trata-se de "um 'um' que serve de índice da presença de uma ordem arbitrária. O 'Madame' é o nome de um Outro que nunca está ausente ... a tal ponto ele nunca está ausente que é sempre alucinado atrás da porta." (Soler, 2007, p. 138). O "Madame!" tem consistência desse Outro-todo-presença, e de forma tão maciça, que se faz presença, no real, sob a forma da alucinação. A ponto de Colette Soler sugerir que o "Madame!" "... não é um significante do sujeito, mas um significante todo situado em exterioridade.", p. 138).
Rosine Lefort observa que no início o "Madame!" não era dirigido a ninguém, era simplesmente gritado pelos corredores da instituição, acompanhado por uma grande agitação motora, assustando a todos os que estivessem próximos e, consequentemente, a ele mesmo. (Lefort, 1989, p. 97).
Diferentemente de Dick, que estava às voltas, no início do tratamento, com um Outro inconsistente e sem bordas, Robert respondia a um Outro consistente e de presença maciça. Somente ao final da fase preliminar do tratamento, o menino-lobo Robert enunciará uma palavra que fará par a esse Outro-todo-presença do "Madame!":
No fim dessa fase preliminar, durante uma sessão, após ter empilhado tudo sobre mim num estado de grande agitação, safou-se, e eu o ouvi, em cima da escada que não sabia descer sozinho, dizer, num tom patético, numa tonalidade muito baixa que não lhe era habitual, Mamãe face ao vazio. (Lefort, 1989, citado por Lacan, 1986, p. 112).
Colette Soler considera que o significante "Mamãe" seria justamente o ponto de alternância ao "Madame!", funcionando como o "significante da perda real da presença." (Soler, 2007 140). A alternância presença-ausência passa a ter, para Robert, a consistência de dois significantes, "Mamãe" e "Madame!". Entretanto, diferentemente do que ocorre na alternância Fort e Da, tais significantes não implicam a representação simbólica da falta. Como afirma Colette Soler, "esse 'mamãe' é exatamente o inverso de 'Madame': num caso, é um ser todo presente e, no outro, é um ser todo não-presente, se assim podemos dizer, é a ausência não simbolizada." (p. 140, itálicos nossos).
"Madame!" e "Mamãe" não têm, como o Fort e o Da do carretel do jogo de Mais além do princípio do prazer, o valor e a função de "um binário que simbolize a ausência." (Soler, 2007, p. 138). Não há, no Outro expresso no "Madame!" e no "Mamãe", a alternância presença-ausência, reveladora da simbolização da falta.
Ainda assim, a entrada em cena do "Mamãe" constitui um giro importante no caso, porque é a possibilidade de fazer par face ao Outrotodo-presença do "Madame!". É um recurso para o sujeito, que passa a contar com um binário presença-ausência para sua abordagem do real, o que produz efeito de suplência à ordenação do real pelo par presença-ausência enquanto propriedade do simbólico.
O que o caso Robert nos mostra, é que o simbólico não é a único recurso de ordenação do real pelo sujeito, há também a organização imaginária, na qual o sujeito encontra recursos para lidar com o real da ausência do Outro no par ausência absoluta presença absoluta. Diante de um Outro que tem, para o sujeito psicótico, a consistência de um Outro absoluto, (A), o imaginário oferece recurso para lidar com a angústia da ausência não-simbolizada através de um significante que faz par com o significante da presença absoluta, negativizando-o no sentido de um (-A). O recurso imaginário implica fazer par ao Outro-todo-presença, construindo um Outro-não-presença.8 Esse recurso pode ser um significante, como o "mamãe" de Robert, mas pode também ser a arte, a literatura (é notável sua importância em casos como Aimée, Schreber, Joyce), ou o próprio delírio.
Podemos assim concluir, afirmando que a grande contribuição de Lacan à clínica das psicoses no início de seu ensino, está na ênfase ao efeito organizador do imaginário nas psicoses. Tal efeito constitui um norte no tratamento psicanalítico das psicoses, na medida em que a cura implica estabilização produzida por essa ordenação imaginária do real. É o que observamos na saída de Dick de seu estado de isolamento autista, com a ampliação de seu contato com o mundo e os objetos que o cercam; nos efeitos da introdução de um elemento que ordena as relações do menino-lobo Robert em torno do binário presença-ausência; e até mesmo no evidente esforço de construção de um sentido para a angústia diante da qual se encontra Schreber. Evidentemente, as características singulares de cada caso emprestam as mais variadas formas e estilos de construção a essa organização imaginária.
REFERÊNCIAS
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Recebido em fevereiro/2010.
Aceito em novembro/2010.
NOTAS
1 Importante ressaltar aqui que esse estado autístico está presente em muitos quadros graves de psicoses na infância, e é reversível pelo trabalho da análise. Se, do ponto de vista da psiquiatria, foi necessário criar uma nova categoria clínica para definir e tratar os autismos, do ponto de vista da psicanálise entendemos que não há necessidade de situá-los, estruturalmente, como distintos das psicoses. O caso Dick revela-o exemplarmente.
2 Vale lembrar que também o simbólico produz uma organização do real. Entretanto, segundo Lacan no Seminário 3, trata-se de duas formas distintas de organização: na ordem imaginária "nós temos sempre mais e menos, um limiar, uma margem, uma continuidade. Na ordem simbólica, todo elemento vale como oposto a um outro." (Lacan, 1988/1955-56).
3 Evidentemente isso não se aplica aos casos de neurose, nos quais conduzir a análise pelas vias do imaginário é enveredar por um caminho adaptativo que será amplamente questionado por Lacan nessa época.
4 F80-89 do CID-10.
5 Cabe observar que o termo autismo costuma estar socialmente menos impregnado de carga negativa que o termo psicose, talvez devido ao conhecido desenvolvimento de habilidades especiais encontradas em muitos destes casos (as Síndromes de Asperger, autistas com habilidades especiais ou de alto rendimento). Em geral, observa-se uma tendência a manter a denominação "autista", mesmo quando se produz uma reversão ou quando está ausente o quadro de isolamento que caracteriza o estado autista.
6 Lembremos que, mais de dez anos depois, em Alocução sobre as psicoses da criança (Lacan, 2003/1967), Lacan afirmará que mesmo o sujeito que tapa suas orelhas, ele o faz porque há uma certa relação com a linguagem. A recusa da linguagem, que observamos em algumas crianças psicóticas e que é tão comum nos autismos, é uma forma de relação com a linguagem. Será que podemos supor que haveria algum sujeito fora da linguagem? No Seminário 17, Lacan afirmará que o psicótico está na linguagem, mas está fora do laço social.
7 Lefort, R. e Lefort, R.(1989). Sujeto del inconsciente y sujeto de la psicosis. Fantasma o no fantasma. In Niños en psicoanalisis. Buenos Aires: Manantial, 1989.
8 Importante observar que nas melancolias, o trabalho é inverso: o sujeito, às voltas com esse Outro negativizada imaginariamente (-A) tem que fazer a suplência pela construção da positividade desse Outro (+A).