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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.18 no.3 São Paulo dez. 2013

 

TEXTO HISTÓRICO

 

Movimentos espontâneos do diálogo tônico-postural e atividades expressivas1

 

 

Tradução: Delia Maria De CésarisI; Daniel Camparo ÁvilaII

IDoutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), São Paulo, SP, Brasil
IIMestre e doutorando em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

"De los movimientos espontáneos al diálogo tónico-postural y a las actividades expresivas"
Julián de Ajuriaguerra (1983)
Revista Anuario de Psicología, 28, 7-18.

 

Discurso do professor doutor Julián de Ajuriaguerra

Magnífico e Excelentíssimo Senhor Reitor
Distintos colegas universitários
Senhoras e senhores:

Obrigado à Universidade de Barcelona, representada por seu Magnífico Senhor Reitor, por me acolher em seu seio com a categoria de Doutor Honoris Causa.

Se universidade tem a ver com "universalidade", a Universidade de Barcelona demonstra hoje que está atenta ao que ocorre no terreno da pesquisa, seja onde for. Não direi nada sobre o fato de ter escolhido a minha pessoa, porque não me cabe julgá-lo. Cabe a mim, em troca, agradecê-lo.

Por isso, venho com ilusão receber o valioso prêmio desta Universidade, em seu máximo grau acadêmico. Para obtê-lo (e de acordo com seus usos), permito-me oferecer-lhe o resultado de uma de minhas últimas reflexões, na forma da seguinte oração acadêmica.

 

Dos movimentos espontâneos ao diálogo tônico-postural e às atividades expressivas

A neuropsicologia do desenvolvimento é uma disciplina jovem, que forma parte das ciências "básicas" e que apresenta aplicações na clínica e na educação.

O ato de estudar o homem desde seus inícios, não só do ponto de vista filogenético, mas também em sua própria ontogênese, é considerado como uma necessidade, caso se queira superar as contradições existentes entre os planos biológico e psicológico, ou entre o psicológico e o sociológico.

Esforços devem ser feitos para levar em conta, ao mesmo tempo, o que a natureza oferece à criança e o que esta e seu ambiente organizam nas etapas sucessivas de sua evolução maturacional e relacional, as quais acontecem em um tempo e um meio dados.

Os estudos em neuropsicologia do desenvolvimento apresentam diversas finalidades que vão desde o plano da semiologia neurológica até o das interações afetivas e sociais. Não se trata simplesmente de estabelecer fases ou estágios evolutivos e escalas de desenvolvimento, mas de descrever com precisão os comportamentos, que são a expressão de funcionamentos, assim como analisar a dinâmica das transformações, que são o resultado da maturação do organismo e das condições que o ambiente oferece para o seu desenvolvimento. É fundamentalmente com base nessa orientação que tenho abordado, juntamente com a minha equipe do Collège de France, um dos campos de pesquisa da neuropsicologia do desenvolvimento: a evolução psicomotora do lactente, desde os movimentos espontâneos até os inícios da comunicação gestual.

O estudo dos movimentos espontâneos no feto e no lactente é de interesse tanto do ponto de vista funcional como do ponto de vista teórico.

Em uma primeira aproximação, podemos definir os movimentos espontâneos como movimentos autônomos, não controláveis, não coercíveis, sem finalidade nem significação aparentes e que ocorrem na ausência de estímulos externos. Nessa definição, nos referimos às diferenças entre os movimentos espontâneos e os movimentos voluntários. No entanto, quando estudamos a motricidade a partir de uma perspectiva comparativa e histórica, torna-se necessário fazer correções. Na verdade, existem movimentos involuntários que estão dirigidos para um fim, como, por exemplo, no pattern inato mão-boca. O mesmo ocorre em determinadas atividades expressivas que, não sendo voluntárias nem intencionais a princípio, entram na trajetória de uma atividade que tomará um sentido em um dado momento; por exemplo, a evolução do sorriso. Por outro lado, admite-se que os movimentos espontâneos provêm do sujeito, de seu organismo como tal, independentemente de qualquer estimulação discernível externa ou interna, aceitando-se, no entanto, que determinados estímulos podem induzi-los ou modificá-los, seja no sentido de um aumento ou de uma inibição.

Embora os movimentos do feto e do prematuro tenham sido bem estudados, os movimentos espontâneos do período pós-natal apresentam ainda muitos problemas.

Para o estudo de tais movimentos, devem ser considerados basicamente os "estados" e as posturas (postura ventral ou decúbito prona e postura dorsal ou decúbito supino, principalmente).

A noção de estado comportamental tornou-se essencial, nos últimos quinze anos, em todo estudo sobre o recém-nascido ou o lactente. De fato, as mudanças existentes no nível de vigilância de um momento a outro comportam variações significativas na atividade e na reatividade.

Os diferentes sistemas propostos para catalogar os estados comportamentais no recém-nascido a termo diferem entre si em alguns aspectos técnicos pontuais (P. H. Wolff, 1966; Prechlt e Beintema, 1964; Anders et. al., 1971, Parmelee, 1974). Atualmente, um sistema de classificação limitado a cinco estados é o mais comumente aceito pelo seu valor heurístico.

No entanto, os autores que utilizam esse tipo de classificação são obrigados a fazer algumas pontuações. Assim, por exemplo, no estado dois (sono "irregular", com fraca motilidade geral), tem-se avaliado uma série de pequenos movimentos feitos com a boca, basicamente de ruminação e de sucção, assim como sorrisos, caretas, franzido de sobrancelhas e da testa, que são os precursores das atividades expressivas posteriores.

Após o período neonatal, essa classificação deve ser ampliada. Assim, P. H. Wolff (1966) definiu um estado de "atividade de alerta" - que se diferencia da atividade de vigília - que se apresenta a partir das seis semanas de idade e que se caracteriza pelo fato de que as crianças se mostram não apenas ativas, mas também particularmente atentas ao ambiente. Touwen, por sua vez, constrói uma nova escala de estados para o primeiro ano de idade, que leva em consideração as reações afetivas ao ambiente social (criança cooperativa, sensível ou agitada).

Finalmente, no estudo evolutivo dos movimentos espontâneos ou reativos do lactente, deve-se estabelecer uma diferenciação entre a noção de agitação difusa com irritabilidade e o estado de atividade.

Os termos "irritação" e "irritabilidade" não devem necessariamente possuir uma conotação patológica. De fato, a irritabilidade, fundo sobre o qual aparecem os gritos/choros, é um fenômeno normal que ocorre em graus variados entre as crianças.

O complexe d'animation descrito por A. Zaporozhets e M. Lissina (1974), que surge frequentemente depois dos 3 meses, desencadeia-se pela apresentação de um estímulo. Após um período de imobilização com os membros flexionados, a criança sorri, agita-se, vocaliza com uma motilidade discreta, média ou forte. Esse estado de animação é ligeiramente diferente, dependendo do tipo de estímulo: sorrisos, carícias, palavras ou estímulos complexos. A animação é considerada uma atividade por meio da qual a criança procura receber informação, ou como uma atividade resultante da informação desejada e recebida. Uma vez que o estado de animação conduz às relações da criança com os adultos ou com outras crianças, este pode se tornar um exercício de expressão afetiva que termine sendo gratificante para a criança.

Partindo dessas classificações, os trabalhos mais precisos têm se dedicado ao estudo dos movimentos espontâneos no recém-nascido a termo: assim, por exemplo, os trabalhos realizados por P. H. Wolff nos quais se estudam certas formas bem definidas, especialmente durante o sono: sobressaltos, sorrisos, ereções, respiração ofegante, contrações mioclônicas no nível facial. Na França, os eletroencefalografistas (C. Dreyfus-Brissac, N. M. Monod, L. Cursi) têm estado especialmente interessados no estudo dos movimentos faciais e certos movimentos dos membros.

Desejosos de aprofundar o estudo da motilidade espontânea, observando-a em diferentes partes do corpo e ao longo do desenvolvimento, temos feito filmes de crianças até a idade de 1 ano (F. Cukier e A. Danis, M. Auzias e I. Casati), em que os recém-nascidos e lactentes foram observados nus, a fim de poder estudar melhor seus movimentos em completa liberdade, tendo em vista diversas posições (ventral ou dorsal) e diversos estados. Dada a grande diversificação da atividade espontânea, temos considerado tanto os movimentos massivos (motilidade "generalizada" ou "difusa"), quanto as condutas espontâneas específicas.

Em uma investigação em curso, realizada nos dois primeiros meses de vida, A. Danis distingue entre os movimentos massivos: os movimentos isolados e os movimentos de conjunto, diferenciando nesses os movimentos sucessivos (quer devido a uma difusão tônica, quer constituídos de uma série de movimentos isolados) dos movimentos simultâneos, nos quais diferencia os patterns circunscritos e repetitivos.

Tudo isso vem apoiar a afirmação de P. Wolff (1966): "O fato de que o organismo possui a capacidade de criar padrões bem definidos de conduta, reflete uma organização dinâmica existente desde o nascimento, a qual deveria ser levada em conta por toda a teoria do comportamento".

Em uma primeira aproximação, não é claro o objetivo desses movimentos chamados espontâneos. Sua denominação de "anárquicos" nos primeiros meses, não se deveria ao fato de que ainda não foram bem identificados e classificados em suas diferentes formas de manifestação? Até que ponto contribuem para o desenvolvimento motor posterior? Desaparecem pura e simplesmente com a maturação ou constituem uma reserva de unidades motoras que se diferenciam e se coordenam até chegar a constituir padrões motores claramente identificáveis? Nesse caso, seriam os precursores de padrões ulteriores mais elaborados.

Tendo em conta os problemas expostos, temos abordado o estudo dos movimentos espontâneos autoinduzidos e automantidos à medida que se manifestam de formas diferenciadas ao longo da evolução e durante a aquisição ou consecução de determinadas atividades, por exemplo, a aquisição do equilíbrio e a repetição de atividades rítmicas complexas.

No decorrer do desenvolvimento de tais atividades até os 8 meses, temos dado especial atenção aos períodos de transição entre os movimentos chamados espontâneos e os movimentos intencionais.

Por outro lado, no estudo dos fenômenos motores, devem ser consideradas também as reações emocionais que podem surgir na criança. Então, também vamos levar em conta suas manifestações afetivas de sobressalto, de medo, de grito/choro, assim como aquelas prazerosas derivadas da atividade, considerada esta tanto na sua vertente executiva quanto criativa. Nesse sentido, os movimentos espontâneos já constituem atividades expressivas capazes de induzir certas atitudes do ambiente: em certos momentos, o lactente precisa acalmar sua tempestade de movimentos, enquanto em outros, que lhe seja permitido o prazer de mover-se com total liberdade.

O problema da aquisição do equilíbrio no lactente durante o primeiro semestre (antes da aquisição da postura sentada) é bastante complexo, formando parte do quadro das primeiras formas de organização da postura e da cinética.

Estudando com a Mme. M. Auzias (1982) a ontogênese do equilíbrio em posição dorsal durante o primeiro semestre, observamos a existência de cinco períodos, que vão desde a "estabilidade frágil com busca de pontos de apoio" (15 dias a 1 mês) ao que poderíamos chamar de "equilíbrio de luxo" (6 a 7 meses), no qual o bebê executa verdadeiras "acrobacias".

As reações emocionais se inserem no enredo dessa evolução geral, manifestando-se através de todo tipo de atitude, mímica e vocalização consequentes à perda do equilíbrio ou, pelo contrário, como expressões de alegria do lactente ao conseguir maior controle sobre o seu equilíbrio.

As atividades repetitivas são uma parte importante do repertório motor espontâneo do lactente durante o primeiro ano e têm um valor organizador e formativo. Nesse sentido, vêm sendo descritos comportamentos repetitivos tais como os movimentos de esfregar os pés, pedalar, rotações cefálicas e balanceios do corpo ao engatinhar.

Devemos notar que, de acordo com Guillaume, a atividade neuromuscular possui inicialmente uma tendência à ritmicidade. Além disso, de acordo com as leis da Fisiologia, sabemos que a excitabilidade de um aparelho ou órgão se incrementa uma vez superada a inércia de sua marcha inicial, razão pela qual resulta mais fácil a repetição que a modificação adaptativa dos órgãos.

As atividades repetitivas simples e massivas, observáveis durante o primeiro ano de vida, têm sido objeto de um profundo estudo realizado por E. Thelen (1979), na Universidade de Missouri.

Os movimentos de extensão dos braços em cruz, simulando um avião planando, que estudamos com M. Auzias (1980), são um exemplo particularmente notável de tais atividades. Eles se apresentam na posição ventral, ocorrendo entre os 4 e os 6 meses. Nesses casos, os bebês apresentam, de forma repetitiva, uma atividade tônica intensa com extensão e curvatura dorsal do tronco e da cabeça, com elevação dos quatro membros de forma a manter o equilíbrio apoiando-se exclusivamente no abdome. Ao levar a cabo essa atividade, algumas crianças gozam muito, manifestando sua alegria através de sorrisos, gritos de júbilo e movimentos de seus membros, seja pedalando com seus membros inferiores, seja movimentando seus membros superiores como asas ou movimentos que tendem à pronossupinação das mãos (marionetes). Outras crianças, pelo contrário, não manifestam nenhuma alegria em sua execução, mostrando-se como que surpresas enquanto executam essa atividade compulsivamente. Tais movimentos ou atividades muitas vezes aparecem quando o bebê tenta se jogar em direção a um objeto que lhe atrai, podendo-se observar então como esses movimentos - que, como já mencionamos, simulam o planear de um avião - vão se convertendo gradualmente em movimentos de rastejar que se mostram muito mais eficazes para permitir-lhe obter o objeto desejado.

Todas as circunstâncias emocionais capazes de provocar uma difusão tônica são igualmente propícias para a indução desse movimento que simula um planador, embora o fato de o bebê estender seus braços possa ser interpretado pelo ambiente como a manifestação do desejo de ser tomado nos braços.

Essas alterações posturais estão localizadas em uma fase de transição muito complexa que ocorre entre os 4 e 6 meses, na qual a criança aprende a controlar seus próprios movimentos, acentuando os traços de sua "personalidade motora", mais orientada ao prazer da apalpação do próprio corpo, da repetição cinético-postural ou da variabilidade postural.

* * *

Estudar uma criança mantendo-a em um estado de isolamento permite pôr em evidência o monólogo de suas próprias atividades. Não obstante, a criança vive em um ambiente de coisas e de pessoas, coisas sobre as quais pode ter certo poder e das quais pode se servir, e pessoas com as quais pode estabelecer uma relação.

Os estudos realizados até hoje sobre a evolução das trocas mãe-filho apenas têm destacado a imbricação dessa evolução com o desenvolvimento cinético-postural do lactente. Em nossa opinião, essa imbricação é evidenciada de forma particularmente clara na ativação das reações de equilíbrio. De fato, essas reações envolvem, de uma e outra parte, manifestações emocionais que constituem uma base de trocas, sendo um fato capital que os dois parceiros estejam em diferentes pontos de sua história pessoal.

No plano teórico, os psicólogos ontogeneticistas, como Piaget e Wallon, valorizam a importância da postura no desenvolvimento psicológico da criança. Mas, ainda que Piaget tenha sinalizado o papel do sistema postural e das atividades na gênese representativa, isso não parece ser válido mais do que para o aspecto figurativo do pensamento. Por outro lado, a constante preocupação de Wallon foi mostrar a importância da fusão afetiva primitiva em todo o posterior desenvolvimento do sujeito, fusão que se expressa por meio dos fenômenos tônico-emocionais e posturais em um diálogo que é o prelúdio do diálogo verbal ulterior, e que chamamos de "diálogo tônico".

De fato, damos grande importância às mudanças tônicas e posturais "recíprocas" das primeiras inter-relações, considerando-as como primeiros modos de apego. De fato, a hipertonicidade, a hipotonicidade e a détente corporal da criança podem ser vistos como expressões apelativas (em todo caso, assim são sentidas pela mãe), bem como os gritos, choros, sorrisos e olhares.

Já no curso da gravidez, a criança pode sentir as fases de tensão e descanso de sua mãe, conservando sua própria atividade. A partir desse período, a mãe se torna consciente de uma presença atuante que se representa como autônoma. Após o nascimento, o espaço torna-se teoricamente ilimitado, mas na verdade imediatamente se estabelecem novos limites: as roupas ou os braços da mãe. O objeto da pesquisa que realizamos com F. Cukier e I. Lezine (1979) foi descrever a adaptação recíproca da mãe e da criança nos primeiros dias após o nascimento, a fim de conhecer como se estabelece a mutualidade, o mais flexivelmente possível, com um mínimo de gasto de energia ao longo da amamentação através do seio. O ajuste pode ser recíproco de uma só vez, ou operar por meio de ajustes sucessivos. A adaptação pode ainda apoiar-se em sugestões simples e que reduzem as angústias, sejam elas solicitadas pela mãe ou induzidas pelo ambiente.

A amamentação não é apenas um ato nutritivo, é também uma troca de posturas. Fora dessa situação particular, a criança aceita ou solicita estar nos braços, buscando ao mesmo tempo a proximidade e um "deixar-ir no descanso". Surge assim certa harmonia das posturas, fruto de uma construção mútua, que conduz a um prazer mútuo: a mãe sente seu corpo como doador e a criança vive o corpo de sua mãe que o acolhe como um lugar onde o conteúdo e o recipiente estão associados.

O prazer e o objeto do prazer não se sentem como a consequência da ajuda do outro, eles se confundem nos primórdios do apego. O apoio da cabeça e dos membros inferiores, o estado de alívio, os balanços, a melodia de uma babá completam seu relaxamento. Em posição vertical, a criança encontra um apoio no tórax, encontrará nos ocos do pescoço-costas da mãe o contato e o alívio do colo. Também em outras posições, a criança encontra satisfações; assim quando se senta para brincar no ângulo das pernas abertas do adulto sentado, encontra contato e apoio. Há crianças que resistem ao abraço ("non-cuddler" de Schaffer) e as que supostamente não são dengosas; de fato, não suportam ser agarradas, abraçadas e apertadas, o que não exclui outras manifestações de carinho, ou a busca de contatos mais breves e superficiais, que não limitem a sua necessidade de movimento.

Ao estudar a espiral das transações, temos que insistir sobre as características individuais das crianças (mais ou menos hipertônicas e hiperativas, hipotônicas e passivas) e sobre as reações variáveis de acordo com as mães, que suscitam suas particularidades tônico-motoras.

A noção de diálogo tônico que acabamos de exemplificar é utilizada com frequência de forma arbitrária. O que eu chamo de diálogo tônico é bastante preciso. Essa noção corresponde ao processo de assimilação e, acima de tudo, de acomodação entre o corpo da mãe e o corpo da criança; a criança sustentada pela mãe é palpitante muito precocemente em uma troca constante com as posturas maternais; por sua mobilidade, procura seu conforto nos braços que a sustentam. Sustentar não quer dizer estado fixo de sustentação, mas acomodação recíproca. A criança pode mudar de posição para encontrar uma sensação de bem-estar, ou para encontrar formas de regular a proximidade e a distância (C. Widmer, 1981), ou até mesmo para expressar qualquer coisa. Às vezes, porém, essas atitudes podem corresponder a mecanismos inatos que não traduzem uma necessidade de se comunicar, enquanto o adulto pode percebê-las como um sinal e responder através de uma acomodação da sustentação. Gradativamente, a criança utiliza atitudes ou expressões que se tornam sinais intencionais, a partir das quais espera uma resposta do adulto. No curso dessas trocas, aquele que interpela e o interpelado se abrem à comunicação.

No quadro do apego mãe-filho, temos insistido na evolução de certo número de necessidades ou expressões cuja existência é necessária na dupla perspectiva da sobrevivência e da abertura da comunicação: a oralidade como primeira relação, os gritos/choros, o mundo sonoro, o olhar, o sorriso e o riso, as expressões motoras. Esse conjunto de manifestações abre a via, no quadro das inter-relações precoces pais-filho, ao mecanismo da mutualidade e às primícias do diálogo, cujo conceito é então estendido em relação ao diálogo tônico.

Os comportamentos expressivos estão prontos para funcionar muito cedo. Correspondem a mecanismos já constituídos que se manifestam, a princípio, de uma forma não deliberada; no entanto, o receptor logo lhes dá uma significação. Mais tarde, a criança usa-os como um meio de comunicação, com a mãe compreendendo a natureza mais específica da solicitação.

As realizações funcionais de um e outro abrem o campo da reciprocidade que tem o valor de um discurso, a partir da decodificação de sinais: monólogo de dois, diálogo implícito visto sob o ângulo da mutualidade. Ao nosso entender, já entre 2,5 meses e 3 meses, a criança se manifesta por meio de "presentes" e "ofertas". Mais tarde, usa um diálogo explícito em um nível não verbal com o olhar e o sorriso. Nessa perspectiva, nossa pesquisa tratou principalmente da comunicação pré-verbal, essencialmente sob a forma das vocalizações e das manifestações gestuais e posturais.

Devemos à corrente etológica importantes contribuições sobre as funções tônico-posturais de comunicação. Os etólogos descreveram um número de posturas e complexos expressivos que fazem sentido para o congênere. As investigações da etologia humana permitiram descrever padrões que podemos encontrar na criança e que se ritualizam: comportamentos de ameaça, comportamentos de apaziguamento, tal como os tem delineado Montagner.

É verdade que a mãe e a criança compartilham um extenso código de condutas antes de compartilhar um código linguístico. Esse código comporta suas regras, algumas delas universais, outras idiossincráticas, que a criança adquire por caminhos que ainda não nos explicamos claramente. Nos trabalhos de nossa equipe, enfatizamos os componentes posturais e mímico-gestuais na aquisição desse código.

Sabemos que o olhar da criança constitui para a mãe, desde o nascimento e no período neonatal, o desencadeamento mais poderoso das condutas de busca da comunicação; através dele se exerce uma atração recíproca, um magnetismo. Os trabalhos de uma de nossas colaboradoras, M. Robin, mostraram ademais que o olhar constitui um elemento capital de modulação das interações mãe--criança, por exemplo, com relação às mudanças de posturas que a mãe imprime ao recém-nascido e ao bebê. Por seu lado, a mãe, por meio de sua própria postura, e pela quantidade e estilo dos contatos táteis que começa no corpo do seu bebê, exprime a significação que toma para ela o encontro com a criança. E a mesma criança já é vivida como interlocutor, como atuante, quando a postura materna lhe apreende, cara a cara, e o mantém em um olhar e um discurso que já é comunicação.

Estudamos com D. Candilis (1980) as reações de evitação-aproximação e de prazer-desprazer, no quadro de um jogo emocional provocado pelos estímulos cutâneos (as cócegas, em particular).

A mãe, que nos primeiros dias toca ligeiramente o corpo do seu filho, o acaricia e exerce sobre ele pequenas pressões, passa gradualmente a contatos mais rítmicos buscados por si mesmos de forma repetitiva. Sua iniciativa provoca uma resposta que percebe como uma solicitação para continuar. Entre esses vários contatos diversos de pele com pele, pontuais ou globais, a distância da ponta dos dedos, ou com mais intrusão sobre o corpo da criança, os mais comuns são as cócegas, os beijos dados no pescoço ou na barriga, os beliscos, esfregadas, corpo a corpo…Muitas vezes, trata-se de estímulos multimodais nos quais o olhar, a voz e a postura acompanham ou antecipam a estimulação cutânea, e são criadores de uma "gestalt" que a criança vai reconhecendo pouco a pouco.

Estabelecemos uma cronologia na sucessão das reações da criança aos estímulos cutâneos: fase de reações de evitação; fase intermediária de regulação da proximidade e da distância, da atividade e da passividade, e das reações vegetativas, fase do jogo socializado, compartilhada pelos dois parceiros no transcurso da qual as reações permanecem ambíguas: reaçõesde evitação-aproximação, prazer-desprazer, ambivalência entre moderação e desejo. Na verdade, o prazer que a criança expressa nos jogos de cócegas, por exemplo, e que reforça o de seu companheiro, não exclui a ambivalência: a capacidade do bebê de antecipar o desenvolvimento das ações maternas provoca muitas vezes uma investida de forma tônico-postural defensiva: a criança parece proteger-se dos estímulos e, ao mesmo tempo, oferecer-se a eles. Sua risada marca o resultado de uma "espera" vivida na surpresa, e também no medo. Há outras maneiras de ambivalência ao longo desses jogos corpo a corpo: por exemplo, quando uma criança que primeiro se ofereceu começa a puxar o cabelo e arranhar em seguida. Na solidão do seu ser e no mundo dos relacionamentos, o outro está sempre presente; nos julga ou nos aprecia, nos protege ou nos ameaça, nos questiona ou nos propõe. As posturas não têm unicamente uma sintaxe própria, elas abrem a via dos discursos fantasmagóricos a conteúdos latentes que devemos decifrar. As expressões sofridas na infância persistem, um franzir de sobrancelhas ou um sorriso dos pais que permanece lá, tal como foram vividas, testemunho de um passado reelaborado. Essa elaboração se faz "na" criança, mas o outro influi continuamente com sua perspectiva. Apesar das matemáticas, Eu e o Outro somos um, vestido de pele e palpitante de músculos, superfície e profundidade, corpo que pergunta e que responde. Somos nosso reflexo e nosso duplo, redobrado e unidade, Eu e o Outro, fusão e distância, alter e ego.

A nossa unidade como pessoa se faz progressivamente, e é através das trocas sucessivas que se criarão distanciamentos, autonomias de funcionamento e independência. Essa criação resultará não só da maturação, mas também das realizações de funcionamentos que se abram a novas solicitações e a novos investimentos. O homem, ser social em sua própria substância, leva consigo uma capacidade de relação e de troca; sobre essa base, jogará no quadro de um grupo de papeis sucessivos. Fruto de sua história pessoal particular no quadro de seu ambiente, igual aos outros, mas diferente dos outros, ser singular.

 

 

 

Endereço para correspondência:
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Rua Capote Valente, 929/12-D
05409-002 - São Paulo - SP - Brasil
daniel.avila@usp.br

Recebido em agosto/2013.
Aceito em outubro/2013