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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.19 no.1 São Paulo abr. 2014

 

ARTIGO

 

Neurose obsessiva na infância – contribuições psicanalíticas

 

Obsessive neurosis in childhood? Psycoanalytic contributions

 

¿Neurosis obsesiva en la infancia? Contribuiciones psicoanalíticas

 

 

Gustavo Adolfo Ramos Mello NetoI; Viviana Carola Velasco MartínezII; Ângela Cristina da SilvaIII; Bianca PrimakIV

IDocente da Universidade Estadual de Maringá (UEL), Maringá, PR, Brasil
IIDocente e Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Psicanálise e Civilização da Universidade Estadual de Maringá (UEL), Maringá, PR, Brasil
IIIPsicóloga. Docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR, Brasil
IVPsicóloga formada pela Universidade Estadual de Maringá (UEL), Maringá, PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Como parte da pesquisa sobre a neurose obsessiva depois da publicação das obras de Freud, este artigo apresenta uma revisão bibliográfica a respeito da formação e o desenvolvimento da neurose obsessiva na criança no discurso pós-freudiano. O material foi organizado em temas: casos clínicos, origem e desenvolvimento, período de latência e lugar da mãe. Diversos pontos de vista são apresentados, e discute-se se existe, de fato, para os autores, neurose obsessiva como um quadro patológico propriamente dito na infância. A maioria dos autores se recusa a aceitar a neurose obsessiva na infância enquanto quadro realmente estabelecido.

Descritores: neurose obsessiva; infância; psicanálise com crianças; desenvolvimento libidinal.


ABSTRACT

This paper is part of a most extensive research about obsessive neurosis after Freud's editions. It proposes a bibliographical review about the formation and development of obsessive neurosis in children. The material was classified into the follow thematic categories: clinic cases, origin and development, latency period and mother's place. The various points of view are presented, and discuss whether there is, to the authors, in fact obsessive neurosis like a pathological picture in childhood. Most of the authors refuses to accept the idea of a well established obsessive neurosis in childhood.

Index terms: obsessive neurosis; childhood; psychoanalysis with children; libidinal development.


RESUMEN

Como parte integrante de pesquisa mayor sobre la neurosis obsessiva depois de Freud, este artículo presenta una revisión bibliográfica acerca la formación y desarrollo de la neuroses obsessiva en niños, e nel discurso póst-freudiano. Organizamos el material en temas, que constituyen las partes de este artículo: casos clínicos, origen y desarrollo, período de latência y el lugar de la madre. Presentamos los diversos puntos de vista y concluimos discutindo si, para los autores, existe, de hecho, neuroses obsessiva en la infancia como cuadro patológico propriamente dicho. La mayoria de los autores se recusa aceptar la neuroses obsessiva en la infancia, como un cuadro realmente establecido.

Palavras-clave: neurosis obsesiva, infancia, psicoanálisis com niños, desarrollo libidinal.


 

 

Introdução

Este artigo é parte de uma pesquisa maior que analisa o discurso psicanalítico sobre a neurose obsessiva depois de Freud. No levantamento feito, restrito ao banco de dados PsycInfo (APA – American Psychological Association), encontram-se em torno de 300 artigos sobre a neurose obsessiva em geral1. Nesse material, destacou-se o discurso psicanalítico sobre a neurose obsessiva quando ela aparece e/ou é tratada na infância. Sobre isso, encontramos vinte artigos, dos quais tivemos acesso a quinze, por meio do serviço de Comutação Bibliográfica (COMUT). Analisamos esse material e o organizamos em categorias, que apresentamos neste artigo: casos clínicos, origem e desenvolvimento, período de latência e lugar da mãe. Além de buscar descrever os artigos levantados com base nessas categorias, ainda formulamos a seguinte questão complementar para os autores: Existe, de fato, neurose obsessiva como um quadro patológico propriamente dito na infância?

 

Casos clínicos

A maioria dos artigos pesquisados apresenta o relato de um ou mais casos, não sustentam nenhuma tese ou dissertam sobre um tema específico relativo à neurose obsessiva. Eles parecem se contentar com o relato dos casos, em geral atendidos pelo autor ou autora. No entanto, pode-se supor que há algo além do particular, pois há sempre uma teoria, ao menos subjacente, uma descrição da neurose obsessiva em crianças e, desse modo, algum parâmetro diagnóstico e interpretativo. Assim, cada um desses relatos pode ajudar a responder se existe, para os autores, neurose obsessiva em crianças.

Sokolnicka (1922) relata o caso de um paciente de dez anos e meio de idade, diagnosticado como totalmente dependente da mãe. Entre seus sintomas, a autora se refere a rituais em torno dos objetos que haviam sido tocados, por ele ou pela mãe, e que deveriam ser novamente posicionados usando uma mão, depois a outra e, finalmente, ambas as mãos. Uma proibição a uma transgressão teria precipitado o pequeno paciente para a doença, em que o ritual com ambas as mãos se encarregaria de desfazer o perigo da punição, o que teria sido deslocado precisamente para seu desejo edípico, que o colocava frente aos perigos da castração, mas que pode ser desfeito por ambas as mãos, utilizadas tanto no ritual, quanto na masturbação. O paciente sofria, ainda, perdas repentinas de consciência em que atacava a mãe, mordendo-a, apertando e torcendo suas mãos nela.

O tratamento, pautado numa estratégia pedagógica, finalizou em seis semanas, quando os sintomas desapareceram. Apesar de haver na criança uma forte disposição constitucional para a neurose obsessiva, afirma Sokolnicka (1922), não se configurou como um sistema por se tratar de um paciente muito novo e por ter se iniciado o tratamento assim que se manifestaram os primeiros sintomas.

Quanto aos outros aspectos da doença, a autora os considera simples desobediência, encoberta por manifestações histéricas, sempre presentes em neuroses obsessivas. Quanto aos episódios de perda de consciência, em que o paciente agride a mãe, talvez não se trate de desobediência, mas do desejo edípico de certa forma agindo sob as vestes de agressividade e esquecimento, a não ser que a autora se refira à desobediência frente às interdições do incesto.

Hitschmann (1924), por meio de extratos retirados da correspondência da mãe de um menino de treze anos, busca mostrar que a neurose obsessiva pode aparecer muito cedo. Essa mãe relata episódios de muita agressividade em seu filho de menos de dois anos. Algo além do que se espera em uma criança dessa idade. Naquele momento, observa o autor, o menino mostrava ambivalência extrema em relação ao irmão menor, ora o amava e queria emprestar-lhe todos os brinquedos, ora agia com tal violência que se fazia necessária a intervenção dos adultos.

Aos três anos, já era possível perceber no menino a existência de pensamentos que Hitschmann (1924) qualifica de onipotentes. Diz a mãe:

Fredi chorou porque eu mandei as fotos sem ele ter escrito nada nelas. Ele dizia: "Você não mandou as fotos ainda, mandou?" Eu disse a ele que mandei. "Diga não!" "Como eu posso dizer não quando eu já mandei?" "Diga que você não mandou mesmo que já tenha mandado". "Tudo bem então, eu não as mandei". "Você só estava brincando, não estava? Você só queria me chatear e você só mandará quando eu tiver escrito nelas?" (p. 337)

Essa superestima do valor da linguagem é típica dos neuróticos obsessivos, afirma o autor. Aí, pois, a palavra substitui a ação propriamente dita.

Em todo o relato da mãe, prossegue Hitschmann, percebe-se que ela tinha por esse filho certa predileção e não escondia o ciúme que sentia das babás, chegando inclusive a demitir as preferidas do filho.

A partir dos três anos, o menino começa a se masturbar excessivamente, o que foi atenuado após ameaça do médico – de "cortar-lhe o pipi" –, que a mãe consultara.

Sua curiosidade em relação ao corpo feminino era intensa; desejava ver a mãe e a avó nuas e procurava sempre tocar os seios da mãe. Esse amor sexualizado pela mãe parece ter-se mantido ao longo de seu desenvolvimento e "parece ser distintivamente sexual na idade de 13 anos, quando ... expressa o desejo de lhe ser permitido dormir com a mãe ao menos uma vez" (Hitschmann, 1924, p. 333). Sobre o pai, praticamente ausente no relato da mãe, sabe-se apenas que o paciente dizia saber que deveria amá-lo, mas que não conseguia.

Com quatro anos e meio, o jardim de infância parece tê-lo deixado infeliz. Já apresentava insistente preocupação com limpeza, afirmando que não podia aproximar-se do irmão porque este era sujo. Também se preocupava de modo recorrente com receber o perdão de Deus e da mãe pelos seus pecados. Mais tarde, atribuiria a culpa pelas suas travessuras ao demônio: seria ele quem o impediria de ser um bom menino e, por isso, Deus sempre iria perdoá-lo. A crueldade, afirma o autor corroborando a teoria de Freud, é característica comumente observada nas ações dos obsessivos. Em geral, essa agressividade é deslocada por meio de rituais e acaba voltando-se contra o próprio sujeito. Outras características observadas nesse paciente seriam a ambivalência, a precoce e intensa escopofilia e a necessidade de tocar o corpo do outro.

Observa-se, pois, que tanto os sintomas apresentados, como os elementos a que conduz a análise lembram uma neurose obsessiva tão bem-constituída quanto num adulto. Hitschmann (1924) aborda, então, a pré-disposição. Com base nos trechos retirados do relato da mãe, o autor afirma que a pré-disposição de seu jovem paciente, em termos de sexualidade infantil, "mostra, na medida em que ele fica mais velho, a grande semelhança psicológica e sintomatológica com adultos neuróticos; o caso aponta quão cedo a neurose obsessiva pode se desenvolver." (Hitschmann, 1924, p. 342). Além disso, o autor acredita que o desenvolvimento – que teria seguido seu curso de maneira quase anormal desde o segundo ano de vida – muito provavelmente continuaria seu curso tortuoso, imergindo numa patologia psíquica mais séria.

Desse texto, além da ambivalência de sentimentos no obsessivo, é preciso lembrar-se do detalhe cruel em seus atos, da sexualidade precoce e pouco sublimada – elementos mencionados por Freud e seus discípulos –, da proposição de uma equivalência total ou quase total entre aneurose obsessiva na criança e no adulto ou, ainda, de sua precocidade.

Pichon e Parcheminey (1928/1987) – pioneiros da psicanálise na França – apresentam o caso de um menino de onze anos. O caso é interessante já que a criança manifesta um ritual de lavar as mãos, acompanhado de temor de contaminação por germes presentes nos alimentos e em todas as outras coisas. Os comportamentos "anormais" surgem quando o menino preparava-se para a primeira comunhão e passara a sentir muita culpa por atos masturbatórios.

O tratamento, restrito a uma única sessão de psicoterapia, deu-se em torno da explicação acerca da situação conflituosa: o terapeuta chamou a atenção para o fato de não haver necessidade de sentir culpa e vergonha diante da masturbação, bem como explicou o porquê das obsessões que o menino então apresentava.

Sabe-se que, para os parâmetros atuais, um tratamento e uma cura velozes é algo questionável. No entanto, os autores argumentam que, por mais que a intervenção tenha atingido apenas os mecanismos psicológicos mais superficiais, um tratamento psicanalítico propriamente dito não surtiria efeitos mais satisfatórios. Isso porque até o momento da eclosão desses comportamentos considerados anormais, o paciente apresentava uma evolução libidinal satisfatória, e foi um obstáculo que o fez recorrer a mecanismos neuróticos.

Essa intervenção, cuja finalidade seria mais pedagógica, como a de Sokolnicka (1922), parece bem datada. É um procedimento ainda muito próximo à época de Freud e de seu grupo, incluindo Anna Freud, em que o pedagógico é considerado de valor psicanaliticamente terapêutico.

Segundo A. Freud (1926/1971), uma análise ao pé da letra não se aplica à infância, já que a criança ainda vive os momentos decisivos de sua vida psíquica e, portanto, seus conflitos são atuais. Se a origem das neuroses está na infância, afirmam, quando uma criança começa a apresentar esse tipo de sintomas, não se deve desconsiderar esse fato, uma vez que é mais fácil resolver um conflito atual do que aquele conflito bastante invadido pelos efeitos do recalcamento.

O seguinte artigo pesquisado é de autoria de Klein (1932/1997a), o célebre caso "Erna". Embora publicado em 1926, toma-se neste artigo sua versão mais completa publicada em A psicanálise da criança.

A importância do caso está no que ele tem de fundador. Klein é considerada uma das criadoras da análise de crianças e o caso "Erna" é considerado um dos originários de sua técnica. Ele marca, também, uma clara oposição aos pressupostos de Anna Freud.

Erna, uma menina de 6 anos de idade, foi levada à análise decorrente da produção de curiosos sintomas de ordem obsessiva. Afirma a autora que:

essas atividades consistiam em deitar com o rosto para baixo e bater a cabeça no travesseiro, em fazer um movimento de balançar-se, durante o qual se sentava ou se deitava de costas, em chupar o dedo compulsivamente e em uma masturbação excessiva e compulsiva. (Klein, 1932/1997a, p. 55)

Estes comportamentos, que Klein classificou como rituais, causavam insônia, o que pareciam estar relacionados com uma forte angústia cuja causa era um medo declarado de ladrões e invasores, ou seja, uma angústia paranoide. Esses ritos tinham também aconteciam durante o dia. Erna ainda sofria de depressão grave e tinha um vínculo afetivo com a mãe que Klein considerava bom, embora fosse tingido de visível ambivalência. Problemas de aprendizagem também puderam ser observados pela autora. Além disso, Erna tinha consciência da sua doença e pedia ajuda.

Em certas ocasiões, a paciente brincava de ser a mãe e designava à analista o papel de filha. Essas brincadeiras revelavam, segundo Klein, uma grande rivalidade da relação mãe-filha. "Pedia-me para construir com meus blocos, mas apenas para que pudesse provar quão seu prédio era mais bonito do que o meu ou para que ela pudesse derrubar o meu, como se fosse por acidente" (Klein, 1932/1997a, p. 57).

Do mesmo modo, por meio da brincadeira, Erna representava o papel da mãe cruel e todos os seus atos, afirma ainda Klein, tinham o propósito de fazer a criança, cujo papel era então dado à analista, se sentir rejeitada; além disso, a criança era sempre maltratada: comia, por exemplo, coisas ruins enquanto seus pais eram alimentados com o "melhor". Erna, quando representava o papel de filha, era maltratada pela mãe e morria de uma doença chamada "agitação da mãe" (Klein, 1932/1997a, p. 61); o pai, então, matava a mãe como forma de puni-la pela morte da filha. Depois disso, a criança ressuscitava e se casava com o pai. A mãe então ressuscitava também, mas, pela ação da varinha mágica do pai, era transformada em criança e tinha que sofrer tudo aquilo que a criança havia sofrido. Para a autora, Erna reproduzia o que acreditava ter vivido na realidade material, assim como expressando seu desejo – sádico – de que a mãe sofresse. Com o passar do tempo em análise, Erna admitiu que essas agressões eram dirigidas a sua mãe da realidade, embora não houvesse queixas com relação a ela, mas apenas em relação a mãe da fantasia, que a criança reproduzia, segundo Klein, de maneira exagerada.

Erna, filha única, alimentava fantasias sobre a possível chegada de um irmão; essa angústia estava, afirma a autora, relacionada com a culpa que sentira devido aos ataques desferidos contra esse possível bebê. Vê-se que nesse momento, Klein se vale da teoria segundo a qual a mãe possui todos os bebês dentro de seu corpo. Desse modo, Erna começou a atacar a analista no início e no fim de cada sessão, provavelmente pela presença de outras crianças no consultório. A menina apresentava, porém, o desejo de ter irmãos, e isso poderia representar seus próprios filhos. Essa fantasia lhe dava muita angústia, já que ela poderia representar que Erna teria roubado o filho de sua mãe, e seus filhos, por sua vez, poderiam significar a gratificação sexual negada pelos seus pais. E, por fim, as crianças fariam parte da fantasia segundo a qual Erna iria juntar-se a elas contra os pais, para matar a mãe e capturar o pênis do pai. Essas fantasias, evidentemente, causavam mais sentimentos hostis contra os possíveis futuros irmãos, pois eles poderiam representar tanto os substitutos dos pais quanto os representantes de todos os atos agressivos de Erna contra eles. Essas fantasias contribuíam também para que ela não conseguisse se relacionar com outras crianças, pois elas representariam seus irmãos imaginários.

Segundo a autora, pode-se afirmar que a paciente afastava-se da realidade de maneira a se proteger por meio desse mundo fantasmático criado por ela.

A análise profunda das fantasias e dos impulsos sádicos de Erna possibilitou um trabalho bem-sucedido, pois as angústias teriam diminuído e as relações com a mãe melhoraram.

Embora Klein não duvide se tratar de uma neurose já estabelecida, será que o que a autora apresenta é suficiente para pensar num quadro nosológico já constituído? Muito mais do que um quadro dado de neurose obsessiva, parece haver o uso de mecanismos obsessivos (Klein, 1932/1997b). Ou seja, da ideia de um fantasma, em que a criança se coloca em relação ao seu objeto-mãe, desferindo ataques sádicos a seu corpo e ao seu conteúdo interior. E isso geraria intensa culpa. A esse sadismo liga-se o conhecimento, isto é, a pulsão epistemofílica. Esse último passa, então, a ser um instrumento de controle, e é um mecanismo obsessivo. Com o supereu e a ação da pulsão de vida, esse sadismo vai diminuindo e a reparação torna-se menos obsessiva (Klein, 1932/1997a). A dúvida do obsessivo, assim, resultaria em não saber se destruiu ou não o corpo da mãe.

Esses mecanismos obsessivos não configurariam um quadro de neurose propriamente dito, já que seu uso seria temporário. Desse modo, é algo diferente de um quadro obsessivo constituído.

O texto a seguir trata-se do caso de um menino de onze anos apresentado por Kalmanson (1957)2, cujo tratamento durou dois anos.

Seus sintomas eram fóbico-obsessivos: compulsão de lavagem das mãos, medo de ter engolido um osso, medo de contato com água suja (e sua visão dela), medo de poeira e do contato com pessoas que poderiam estar sujas (o que provocaria sua morte). Acalmava-se depois que a mãe afirmava ser isso impossível. Por outro lado, afirma a autora, ele não apresentava formações reativas, ritos ou tiques. Ora, isso pode fazer crer que os sintomas não representavam uma neurose obsessiva estruturada.

Além de muito inteligente, sua comunicação bem desenvolvida parece ter sido decorrente do investimento erótico intenso na linguagem, comum nos neuróticos obsessivos, relacionado à onipotência do pensamento (Hitschmann, 1924). Suas canções eram a maneira que o superego permitia expressar a angústia referente às relações sádico-orais e anais entre o pai e a mãe. E isso ficaria claro na canção "Deus salve o rei" e "Merda ao rei da Inglaterra", nas quais a ambivalência é nítida: segundo a autora, tem-se aí todo um temor da perda do pai pela aniquilação instituída pela mãe fálica, e o desejo de ocupar o seu lugar.

Segundo a autora, a aparente angústia de castração, observada por meio de comentários em relação ao medo de levar surras do pai, lentamente foi substituída pela angústia ligada às relações anais e orais com a mãe. A fobia de engolir um osso o ilustra, e é interpretada por Kalmanson (1957) como uma espécie de angústia em relação a ter o pênis engolido durante a relação sexual. Assim, a aparente rivalidade com o pai, que representaria um objeto ameaçador, seria na verdade uma maneira da angústia ser deslocada da mãe fálica para o pai castrador.

Nota-se que, por fim, mesmo que as sessões de análise tenham durado dois anos, não se apresentam os sintomas e nem a estrutura dinâmica de uma neurose obsessiva plenamente constituída. Pode-se acreditar que se trata ainda de conflitos de desenvolvimento e relativamente atuais?

Por sua vez, Fortin (1986) aborda o caso de um menino de treze anos, órfão de pai aos quatro. Na ocasião do falecimento paterno, quando o menino perguntou por ele, responderam-lhe que havia viajado. Da infância trazia duas lembranças nítidas: a primeira de quando levara uma surra por ter desobedecido ao pai – referência masoquista; a segunda, quando se hospedara num hotel, dividindo o quarto com a mãe – numa quase realização de relação incestuosa. Segundo Fortin, o jovem paciente começou a apresentar sintomas obsessivos quando seu irmão mais velho casou-se, ou seja, diante da figura de um casal reunido em matrimônio, o que remete novamente à relação incestuosa com a mãe.

À época do casamento do irmão, passou a ter o mesmo hábito do avô paterno: bater três vezes nos objetos. Adorava viajar e muitas vezes passava as sessões falando das viagens que iria realizar nas férias. Essas duas coisas, então, seriam indícios da identificação com a figura paterna – lembrando que o pai "não" morrera, mas fora "viajar", as viagens seriam uma maneira de encontrar-se com ele, e o bater três vezes nos objetos, a necessidade de buscar um representante do pai em alguém, e o escolhido é o avô.

A autora descreve os atos obsessivos de seu paciente como necessários para abandonar os pensamentos ruminantes acerca dos fantasmas que estariam "espreitando" para realizar-se e provocar angústia. E o que seria esse fantasma senão a realização edípica? Realização imaginária efetivada quando dividira um quarto de hotel com a mãe. Com a morte do pai, a criança "pôde" tomar-lhe o lugar.

Fortin, contudo, não fornece maiores informações sobre como acredita serem as obsessões na criança (neste caso, no adolescente), mas brinda-nos com significações interessantes para os rituais.

A princípio, pareceria que a ideia de que não há neurose obsessiva plenamente constituída na infância seria algo moderno e atual. Em ordem cronológica, os casos apresentados são uma espécie de discussão que não se fecha. Há autores que se inclinam pela "disposição", como Hitschman (1924), para quem a neurose de seu paciente não está inteiramente constituída, mas sua disposição para desenvolvê-la é tão forte que não lhe sobram saídas. Ela não está constituída, mas é como se estivesse. Em Klein (1932/1997a), não existe nenhuma indicação de que o quadro não possa ser de uma neurose bem estabelecida, não há perguntas; talvez não haja dúvidas. Já Pichon e Parcheminey (1928/1987) são os primeiros a levar essa dúvida ao máximo. Para eles, parece não ser tão simples abordar uma neurose constituída na infância, pois a criança ainda está em vias de constituir o fantasma. Além disso, merece destaque por ser um texto de 1928, que, desse modo, faz contraponto a Hitschman (1924) e a Klein (1932/1997a).

Haveria aí talvez três tendências não exclusivas da psicanálise. A primeira seria a da predisposição à neurose. Ela é bastante antiga, sabe-se que Freud debruçou-se sobre ela durante todo o tempo, de tal modo que há o hereditário ciclo em sua teoria, como se pode ver na carta 69 a Fliess. Há, a propósito, um texto seu que tem justamente este nome: "A disposição à neurose obsessiva" (Freud, 1913/1969a). Como em Freud não há observações sobre pacientes crianças, os autores psicanalíticos têm poucas oportunidades de ilustrar empiricamente essa potência, a predisposição, fazendo-se ato. Textos como os de Hitschman (1924) viriam "preencher" essa lacuna.

Outra tendência é a que se encontra no texto dos pioneiros Pichon e Parcheminey (1928/1987). Ela também se situa de modo não explícito, mas perfeitamente detectável nos debates da época. S as ideias de Anna Freud, de que o fantasma e o superego necessitam de bem se constituir na criança para que haja a análise, é preciso acreditar que esses mesmos elementos devem estar estabelecidos para que haja conflitos mais definitivos e, portanto, neuroses mais bem definidas.

É de se supor também a tendência de Klein. É possível acreditar que o não questionamento de uma neurose inteiramente constituída em uma menina de seis anos não é nada espetacular quando se considera que, desde o início da teorização kleiniana, há um remeter para antes: o superego mais precoce, o Édipo mais precoce e, sobretudo, a vivência fantasmática, apresentada mais prematuramente.

Dito isso, passa-se, pois, à gênese da neurose obsessiva em crianças e adolescentes.

 

Origem e desenvolvimento

Para Klein (1932/1997a), de maneira muito genérica, a neurose obsessiva se origina de ataques fantasmáticos ao corpo da mãe, justamente na fase sádica, anal; na verdade, anal II, pois a autora segue a "escala" de Abraham, que divide o estágio anal, de Freud, em dois. Desses ataques resultariam sentimentos de culpa anais e uretrais; o sujeito espera retaliação de fora e/ou de dentro. As formações reativas seriam, então, as salvaguardas contra a destruição. A angústia resultante seria, pois, a fonte dos sintomas obsessivos, e a dúvida obsessiva surgiria como impossibilidade de saber se as imagos (internas) e os objetos (externos) foram realmente destruídos ou ainda, se o sujeito teria realmente conseguido repará-los.

Lucas (2003) situa esse processo na posição esquizo-paranoide. Em 1932, Melanie Klein não menciona essa posição porque ainda não a tem. Mas, é evidente que o que foi apresentado corresponde a ela.

Quanto ao superego, Fortin (1986), mencionando Freud, M. Klein, Spitz e Glover, afirma que é uma instância contraditória, e que mesmo Freud, de algum modo, convive com a ideia de um registro pré-edípico dessa instância, ideia comum à teoria kleiniana.

Para Fortin (1986), se o recalcamento falha durante o complexo de Édipo é porque em algum momento muito arcaico do desenvolvimento libidinal, este último – entenda-se arcaico como pré-edípico – também foi mal sucedido e isso aconteceu devido à ambivalência característica desse período. Se o desenvolvimento arcaico do superego foi mal sucedido é porque os investimentos libidinais sádicos dirigidos ao objeto prevaleceram em relação aos amorosos.

Pichon e Parcheminey (1928/1987), por outro lado, não creem que a gênese da neurose esteja em um núcleo infantil mais profundo. Evidentemente pensam-no justamente porque seu texto foi escrito quase cinquenta anos antes. Afirmam-no pelo fato de as crianças terem supostamente sido "curadas" em uma única sessão de psicoterapia, como apresentado anteriormente, e porque passavam satisfatoriamente pela evolução libidinal. Porém, um obstáculo apresentou-se de modo a fazê-los recorrer a mecanismos neuróticos. Assim, eles acreditam que se realmente podemos encontrar a origem da neurose na infância, é nesse período que o conflito deverá ser resolvido, porque na idade adulta, sua solução será com certeza mais difícil, uma vez que os efeitos do recalcamento estarão muito mais cristalizados. Para eles, a origem da obsessão é, digamos, de ordem moral-educacional. Com isso, pretendem mostrar que a repressão exercida sobre as atitudes interditas é a responsável pela eclosão da neurose. Ou seja, quanto mais inconsciente for a luta travada entre o certo e o errado, tendo em vista a educação que a criança recebe, mais provável é a geração de uma neurose. A razão disso seriam os não ditos, os subentendidos, que formariam a base do psiquismo da criança. E, pelo fato da instância moral estar em formação nesse período da vida, a culpa pode atingir o nível inconsciente e se manifestar por meio de sintomas.

Holmes (1982), por sua vez, afirma que a manifestação dos sintomas obsessivos se configura como um fenômeno comum entre oito e doze anos de idade e, inclusive, alguns casos de neurose obsessiva propriamente ditos também começam a aparecer por volta dessa idade. Lembra-se que o "Homem dos lobos" passa da fobia à obsessão justamente nessa idade. Mas, em Holmes isso tem uma explicação genética.

O autor propõe-se a analisar a neurose obsessiva fazendo um paralelo entre a teoria piagetiana e a de Mahler.

A criança experimenta angústia quando reconhece como simbólica sua relação simbiótica com a mãe por volta do segundo ano de vida. É nessa fase, também, que a linguagem se desenvolve, o que possibilita à criança entrar em contato direto com outras pessoas, sem que a mãe faça o papel de mediadora. Holmes (1982) traça um paralelo entre esta fase e aquela que Piaget (citado por Holmes, 1982) define como a responsável pela perda do egocentrismo, por volta dos dez anos, quando a criança consegue ver a si mesma e a sua família sob diferentes pontos de vista.

A fronteira entre fantasia e realidade está, então, bem definida e possibilita que as diferenças entre elas sejam identificadas. O fenômeno obsessivo, assim, pode ser uma tentativa da criança em suportar a angústia do efeito desse processo, além de ser uma maneira de punir o mundo e as pessoas, por não serem tão perfeitos quanto ela supunha em suas fantasias infantis.

A agressividade aparece, então, e desde Freud, como uma característica comum na gênese da neurose obsessiva. Praticamente em todos os casos até citados neste artigo o conflito de ambivalência de sentimentos está presente. Mas a agressividade é também um "dado" em comum entre neurose obsessiva e psicoses. Mesmo assim, apresenta-se em um e em outro de maneiras diversas.

Jeammet (1985) enfatiza a importância de se considerar o papel dos sintomas na neurose obsessiva que a diferenciam dos quadros de estruturação psicótica. Nessa distinção, podemos ver também um falar sobre a gênese e desenvolvimento.

De maneira sintética, a principal diferença, de acordo com o autor, é que, na neurose obsessiva, a agressividade é dirigida para manter o vínculo incestuoso, e não para a destruição do objeto, como ocorre no modo de estruturação psicótica.

A neurose obsessiva, afirma o autor, comporta o que há de mais característico nas neuroses: ela acontece com base no conflito edípico. Sua gênese tem, portanto, estreita relação com os pais, ambos diferenciados, cada qual em seu papel.

Jeammet (1985) acredita que os sintomas têm papel específico nas neuroses, e é por meio deles que podemos perceber em que ponto do desenvolvimento libidinal ocorre a fixação. Assim, além dos sintomas remeterem ao conflito, terem "poder organizador sobre a personalidade, toma valor de uma nova linguagem, contribui para assegurar o sentimento de continuidade do paciente, lhe confere uma identidade e tende assim a se autorreforçar" (Jeammet, 1985, p. 459).

Ora, associar sintoma e fixação é evidentemente algo antigo. No entanto, não o é se o for contextualizado. Ler tal proposição, em plena França pós-Lacan, é algo que chama a atenção e, na verdade, vai no mesmo sentido de enfatizar os sintomas, quando já não se fala mais em estruturas. Trata-se de tentar reter algo que a psicanálise estaria perdendo em meio aos novos discursos. E não se trata de um discurso vetusto, regredido ao tempo de Freud: nota-se que, para Jeammet, uma das funções do sintoma é a de organização do sujeito.

Os pensamentos obsessivos e os rituais compulsivos presentes na neurose obsessiva seriam, para Jeammet (1985), recursos para enfrentar o fracasso em lidar com a angústia proveniente do complexo de Édipo e com os fantasmas provenientes dele (por isso se autorreforçam). O ato é uma forma externa de controlar aquilo que não se consegue controlar internamente.

Um ponto importante para a gênese e para o desenvolvimento da neurose na pessoa obsessiva diz respeito à relação real com a mãe e com o meio em geral. Quanto à mãe, haveria um desejo incestuoso entre ela e o filho. Uma espécie de loucura incestuosa, não psicótica, que não alcança consciência em nenhum dos dois elementos do par e que provoca no obsessivo uma espécie de furor, um furor incestuoso contra o qual ele procura se defender. Quanto ao meio, tem-se no obsessivo certa indistinção com esse último, de maneira que o meio é convidado a participar do sintoma, "ajudando-o", e o faz. Ao fazê-lo, reforça-o.

Apesar de ser comum considerar, segundo o autor, a neurose obsessiva como defesa frente à psicose, como afirmado, os dois fenômenos apresentam dois tipos diferentes de loucura. A loucura da neurose obsessiva não é completa e não tem relação com o pensamento delirante. Nesse caso, os objetos encontram-se diferenciados, não havendo fusão entre eles e o sujeito. Essa é uma loucura com um objetivo específico de proteger-se do desejo da destruição do objeto do desejo incestuoso.

A loucura no neurótico obsessivo estaria, pois, em torno do sentimento de culpa pelo desejo do incesto materno que ameaça a sua integridade egoica e o leva a buscar meios de defender-se de tais desejos. Um desses meios é a agressividade. Assim, os rituais e os pensamentos compulsivos que tomam um ar de agressividade – ao contrário do que aparece nas psicoses – não têm como objetivo destruir o objeto (ao contrário, o protegem do desejo de destruição), mas manter o vínculo incestuoso.

A loucura do obsessivo – que o autor denomina Loucura de Eros aparece como tentativa extrema de manter a integridade egoica.

Finkelstein (1957) também faz referência à oralidade na gênese da neurose obsessiva, que estaria recoberta por uma construção genital e edípica, manifestando-se sob a forma de passividade homossexual diante do pai; desejos incestuosos; agressividade contra o pai; e medo da castração. Há também intensa agressividade oral contra o objeto materno, contra o seio que, incorporado, deverá ser rejeitado. Porém, a representação do seio, continua o autor, será substituída pela do falo, cuja integridade deverá ser constantemente verificada pela ameaça de castração. Aspectos sádico-anais, com o predomínio da fantasia de penetração e destrutividade são considerados, seriam neutralizados pelo masoquismo e por novas feições orais em torno do falo.

 

Período de latência

Em geral, o aparecimento de sintomas obsessivos é remetido pelos autores, inclusive por Freud (1918/1969b), no caso do "Homem dos lobos", ao estádio psicossexual de latência. Observa-se isso em detalhes adiante.

Lebovici (1985) fala tanto das inquietudes do "Homem dos ratos", em relação à sua sexualidade (masturbação e seduções sofridas durante a infância), quanto das obsessões em torno das figuras do pai e da mulher amada – a ambas era dirigida a conhecida ideia da tortura pela redoma de ratos aplicada no ânus do sujeito. Sabe-se, pois, que Freud evidencia os elementos sádicos, os elementos transferenciais do paciente e o sadismo de seus fantasmas.

Posteriormente, Lebovici (1985) se refere aos sintomas fóbicos e obsessivos de outro clássico – o "Homem dos lobos" – e a seu estado de tonalidade depressiva, com que conviveu durante toda a vida. Apesar de este quadro apresentar-se com forte caracterização anal, o autor nega-se a concordar com o diagnóstico de Freud de se tratar de uma neurose obsessiva. Diversos autores, afirma Lebovici (1985), creem mais num caráter psicótico do que neurótico no desenvolvimento libidinal desse paciente.

No entanto, há anotações de Freud, no relato desse caso, que Lebovici (1985) afirma aceitar. Uma delas é a de que o período de latência é aquele com maior ação do recalcamento na vida afetiva, suficiente para caracterizar o modelo obsessivo de caráter. Ora, o período de latência distingue-se pela intensidade do recalcamento, e isso, enquanto marca, é um verdadeiro modelo de caráter. É frequente, afirma o autor, que as neuroses que se instalam nessa fase tenham aspectos obsessivos e isso pode repercutir na adolescência.

Esse tipo de patologia pode apresentar-se durante o período de latência de três formas: as obsessões do período de latência, muito coercivas; os desarranjos evolutivos graves ou pré-psicoses, acompanhados de sintomas obsessivos graves; e o comportamento obsessivo que aparece no curso da evolução das psicoses da infância. Lebovici (1985), portanto, acredita que os sintomas obsessivos podem ser úteis para outros quadros patológicos, sobretudo psicóticos.

A maioria dos autores consultados afirma, no rastro de Freud, que a neurose obsessiva é comumente observada e tem sua instalação no período de latência – deve-se considerar Lebovici (1985), Pichon e Parcheminey (1928/1987) e Kalmanson (1957). A escolha de Fortin (1986), por outro lado, parece não coincidir com essas afirmações, uma vez que, no caso escolhido por ela, os sintomas instalaram-se a partir da adolescência. Segundo a autora, durante o período de latência, a situação conflituosa não dá sinais de ter chegado a um fracasso.

Deve-se considerar também o caso de Fredi, o paciente de Hitschmann (1924), que apresentava sintomas obsessivos – como a agressividade e a preocupação com a limpeza – desde antes de completar cinco anos, sintomas que atravessaram a fase de latência chegando à adolescência.

É interessante notar que em todos esses escritos o período ou a fase de latência é tomado ao pé da letra como período, fase ou mesmo idade. Talvez se se considerasse latência de maneira geral, essa discussão se esvazie. Ou seja, a neurose apresenta latência desde cedo e, de algum modo, está sempre aí, mesmo que apareçam na adolescência os primeiros sintomas.

Além disso, Lucas (2003) aponta que as manifestações obsessivas muitas vezes não são identificadas pelos pais, mas a atenção é direcionada para outros problemas, como manifestações fóbicas, comportamentos instáveis e queda no rendimento escolar. Depois que esses primeiros sintomas são tratados é que se consegue visualizar o mecanismo obsessivo que agiria nessa dinâmica.

A criança permanece na escola por um longo período e está sujeita a regras de conduta, o que pode iniciar, não é difícil inferir, o ritual obsessivo, tal como afirma Outeiral (1997). O autor afirma que crianças, em geral, não falam sobre seus pensamentos obsessivos, talvez por não considerarem esse um assunto interessante aos adultos ou por não saber que resultados tais pensamentos terão sobre as pessoas que amam, sobretudo se por isso irão morrer ou adoecer.

Analisa-se, a seguir, a mãe.

 

O lugar da mãe (e da irmã)

Uma temática a ser ressaltada é o lugar da mãe, posto que, depois das publicações de Freud, o lugar do pai na gênese e dinâmica da neurose obsessiva foi fortemente enfatizado.

Zetzel (1966) propõe uma reinterpretação do "Homem dos ratos" a partir não somente do texto clássico, como das notas "informais" de Freud.

A autora classifica o caso como de gravidade média e bastante analisável, como Freud mesmo o dissera. Mas, novamente Zetzel afirma, nos anos 1960, que a psicanálise hoje já teria explorado melhor as relações e poderia estabelecer que essa análise estaria ligada ao fato de o sujeito poder separar-se (Self) do objeto e poder manter essa separação. Isso não teria sido explorado por Freud pelo fato de que ele não teria teorizado essas relações. Freud centraliza a análise na ideia do pai enquanto obstáculo para a atividade sexual do filho. A autora afirma, contudo, que isso não leva a falar dos relacionamentos mais primários, onde estaria a mãe e, no caso do "Homem dos ratos", a irmã, sua sucedânea enquanto objeto incestuoso.

As notas de Freud, contudo, mostrariam uma relação ambivalente entre o "Homem dos ratos" e sua mãe e, ao mesmo tempo, uma forte identificação com ela, sobretudo ao criticar o pai. A autora lança algumas hipóteses para explicar essa ambivalência. Uma primeira seria a de que o nascimento do irmão, quando ele tinha 18 meses, ameaçou suas relações materno-filiais. Como segunda hipótese, ter-se-ia que o sujeito, aos três anos, voltara-se fortemente para a irmã, como objeto; e outra, ainda, seria a de que, diferentemente, o paciente constituíra um complexo de Édipo normal até a morte da irmã, e isso, enquanto trauma, teria provocado uma forte regressão. A perda do objeto incestuoso no período de apego, afirma Zetzel (1966), é algo que deixa consequências perenes.

Além da própria morte de Katherina, também foi traumático o intenso sofrimento da família, sobretudo do pai, que acompanhou toda a doença que a vitimou. Os insultos, então, que o "Homem dos ratos" lançara contra o pai, com base na teoria de Freud, seriam pelo fato de sua impotência frente à doença de Katherina.

Haveria durante toda a vida do paciente uma forte denegação da morte da irmã, que, segundo a autora, é o que estaria atrás da denegação da morte do pai, de que afirma Freud, e seria o que também estaria atrás do medo de perder sua amada Gisela, que também insiste Freud. A morte do pai, então, ao reeditar a perda mais precoce, teria provocado uma regressão mais intensa, o que acabou conduzindo o sujeito ao consultório de Freud.

Ora, e o complexo de Édipo, sobre o qual Freud também insiste, está presente nesse caso. Para Zetzel, no entanto, a rivalidade edipiana que se pode "ler" nas manifestações desse sujeito diriam mais respeito de buscar um pai mais forte, mais poderoso, capaz de impedir o trauma, e fazer dele o ideal de eu.

Desse modo, Zetzel vai além do pulsional e chama a atenção para o eu. Na verdade, a ideia de ir a relações objetais mais primárias diz respeito a ir às raízes da formação do eu.

 

Neurose obsessiva: um quadro patológico propriamente dito na infância e na adolescência?

Os autores apresentados basearam-se na teoria freudiana da discussão da neurose obsessiva em crianças e adolescentes, aliando essas teorias às suas próprias, bem como à sua experiência.

Apesar da diversidade de pontos de vista, parece haver um consenso com relação a ser possível identificar sintomas e mecanismos do modo de estruturação obsessiva em crianças que, com a chegada da adolescência, podem apresentar-se como um quadro obsessivo propriamente dito.

Mesmo assim, permanece a questão: Existe neurose obsessiva como um quadro patológico na infância e na adolescência?

O que parece comum aos autores estudados é a ideia de que crianças apresentam sintomas tipicamente obsessivos no período de latência, mas tais sintomas poderiam ser encarados como eventos que caracterizariam esse período em que as defesas são as mais intensas quando se consideram todos os momentos do desenvolvimento libidinal. Essas defesas são, pois, representadas pela própria latência da sexualidade.

Sandler e Joffé (citado por Lucas, 2003) sugerem que as manifestações de sintomas obsessivos na infância e até na adolescência podem ser apenas exageros de alguns rituais encontrados em atividades cotidianas dos sujeitos. Segundo esses autores, algumas crianças apresentam sintomas durante a fase anal do seu desenvolvimento que podem ser confundidos com a neurose obsessiva. A diferença entre as que apresentam os rituais como manifestação de seu desenvolvimento normal e as que apresentam uma regressão patológica estaria nas alterações e no nível de desenvolvimento egoico – veja-se que se trata nesse caso da Psicologia do Ego.

Por outro lado, como verificado, há pontos de vista que remetem a gênese da neurose obsessiva a períodos muito mais arcaicos, ou seja, ao início do desenvolvimento libidinal e egoico – à primeira infância.

Klein (1932/1997a) afirma que a neurose obsessiva propriamente dita só se manifesta em uma época posterior ao período de latência. É nessa fase que o ego adquire maturidade e modifica suas relações com o real e, dessa maneira, possibilita que os elementos obsessivos, que já podem ser identificados desde a primeira infância, sejam sintetizados, porém, em alguns casos essa regra não pode ser aplicada e há, então, o desenvolvimento de uma neurose obsessiva autêntica, antes mesmo do período de latência. O caso de Erna é um exemplo abordado pela autora como um caso de uma "gravidade incomum" (Klein, 1932/1997a, p. 67) devido a outras características próprias da criança e da maneira com que ela foi criada.

Os sintomas obsessivos que, entre outras coisas, privavam a criança quase que inteiramente de sono, as depressões e outros sinais de doença, e o desenvolvimento anormal do seu caráter eram apenas um pálido reflexo da vida pulsional inteiramente anormal, extravagante e desenfreada que estava por trás deles.... Pode-se afirmar com toda segurança que o único remédio em um caso assim é um tratamento psicanalítico no momento oportuno. (Klein, 1932/1997a, p. 67)

Parece claro que o tratamento e o entendimento de sintomas durante a infância são de essencial importância para que o quadro não se desenvolva como uma patologia de difícil tratamento. Na infância, considerando que os núcleos inconscientes ainda encontram-se muito misturados aos conscientes, fica mais fácil, do ponto de vista psicanalítico, entender como e por que os sintomas começaram a se manifestar, mesmo para o sujeito analisado.

Contudo, continua Klein, uma análise que tenha favorecido o desenvolvimento da criança durante a latência não implica que o desenvolvimento futuro do paciente seja bem-sucedido. "A transição para a puberdade e desta para a maturidade parece-me ser o teste de a análise da criança ter sido levada suficientemente longe ou não." (Klein, 1932/1997a, p. 72)

Daí a necessidade de dar-se importância ao quadro sintomatológico obsessivo que a criança apresenta. Desse ponto de vista, o "Homem dos ratos" (Freud, 1909/1969c) não foi uma criança obsessiva, mas, sim, uma criança com sintomas obsessivos, que a dominaram durante o período de latência, e retornaram com toda a força na vida adulta, transformando-a em verdadeiro martírio de culpa e obsessão.

Assim, de acordo com Lucas (2003), a manifestação de uma neurose obsessiva clássica nas crianças é pouco frequente e a sua evolução ruma para o desaparecimento dos sintomas, de maneira espontânea em alguns casos, o que não garante que os sintomas possam voltar a aparecer em idades posteriores ao período de latência, chegando, inclusive, ao estabelecimento de um quadro de neurose obsessiva propriamente dita.

Termina-se este artigo com algo que Arbiser (citado por Raskovsky, 1984) afirma en passant em meio ao debate sobre a neurose obsessiva, que de fato, não se referia à criança. A autora afirma querer acrescentar algo importante e que é sobre a tão propalada ideia de que não se pode falar sobre neurose obsessiva na criança: "a única coisa certa é que as crianças obsessivas não são trazidas a tratamento, porque respondem ao cânon cultural, realmente cumprem com o que o superego exige ..." (Arbiser, citado por Raskovsky, 1984, p. 486). É assim que a prática nos mostra que muitos obsessivos foram crianças obedientes e com alta capacidade de pensamento. As duas características juntas, que provavelmente eram manifestações obsessivas, fizeram desses sujeitos, enfim, crianças dignas de muito elogio.

 

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1. Na busca, no PsycInfo, utilizamos as palavras-chave: "obsessional neurosis AND psychoanalys". Esse material foi analisado em Ramos (2012).

2. Nos anos cinquenta, temos mais dois artigos, que aqui apenas mencionamos, e isso por falta de espaço. O caso Robert, de quatro anos e meio de idade, tratado pela mãe, sob supervisão de Bonnard (1950). A autora justifica um tal procedimento pela falta de vagas num hospital de Londres, durante a Segunda Guerra Mundial e, por que não dizer, inspirado no caso do Pequeno Hans. Diversos temas são aí abordados: os sintomas obsessivos do paciente, principalmente em torno das respostas que os pais deveriam dar a ele dizendo sim, sim, sim ou não, não, não, sem fim; a intensa ambivalência; as dúvidas, as preocupações obsessivas com roupa e outros. O segundo artigo é de Finkelstein (1957) sobre seu jovem paciente André, cujos sintomas obsessivos apareceram desde os cinco anos de idade, agravados por um problema ocular que o deixou quase cego, implicando na constante e excessiva presença dos pais. A masturbação compulsiva e seus diversos rituais de fundo punitivo e de anulação retroativa o acompanharão até a idade adulta.

 

 

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Recebido em março/2013.
Aceito em outubro/2013.