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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624
Estilos clin. vol.23 no.1 São Paulo jan./abr. 2018
https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v23i1p99-113
10.11606/issn.1981-1624.v23i1p99-113
DOSSIÊ
O ROTEIRO IRDI: SOBRE COMO INCLUIR A ÉTICA DA PSICANÁLISE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
THE IRDI: HOW TO INCLUDE THE ETHICS OF PSYCHOANALYSIS IN PUBLIC POLICIES
EL IRDI: SOBRE CÓMO INCLUIR LA ÉTICA DEL PSICOANÁLISIS EN LAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Rosa Maria Marini MariottoI; Maria Eugênia PesaroII
IPsicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Curitiba, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), Curitiba, Paraná, Brasil.
IIPsicanalista, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), membro do Grupo Nacional da Pesquisa Multicêntrica IRDI, do grupo de pesquisa "Metodologia IRDI nas creches", membro da equipe clínica do Lugar de Vida.
RESUMO
O instrumento Indicadores de Risco para Desenvovimento Infantil (IRDI) foi construído e validado por meio de uma pesquisa multicêntrica, a partir de uma demanda do Ministério da Saúde, com o propósito de que os pediatras incluíssem em suas consultas de rotina o acompanhamento do desenvolvimento psíquico em bebês de até 18 meses e, ainda, pudessem localizar, por meio dos indicadores, problemas nesse desenvolvimento. Essa articulação da psicanálise com a pesquisa e a saúde pública, que esteve presente na origem do IRDI, mantém-se e pode ser acompanhada por meio dos artigos selecionados neste artigo. O levantamento realizado demonstra que o IRDI vem sendo utilizado nos serviços de saúde e de educação, na produção de conhecimento científico em pesquisas acadêmicas e na formação de profissionais. Pode-se concluir que os profissionais que utilizam o IRDI em suas práticas sustentam a não elisão do sujeito, o conceito de laço constituinte, a singularidade das pessoas envolvidas nos acompanhamentos realizados. Sustentam, portanto, a ética da psicanálise na pólis.
Descritores: psicanálise; intervenção precoce; políticas públicas; IRDI.
ABSTRACT
The IRDI (Risk Indicators for Child Development) instrument was constructed and validated by a multicentric research, based on a request from the Brazilian Ministry of Health, in order that pediatricians could include the psychic development follow-up in infants up to 18 months of age in their routine consultations, and that they could also, with the instrument, point out problems in this development. This articulation between psychoanalysis, research and public health, which was present at the origin of the IRDI, remains and can be followed by the articles selected in this work. The survey shows that IRDI has been used in health and education services, in the production of scientific knowledge in academic research and in the training of professionals. We conclude that professionals who use the IRDI in their practices support the non-elision of the subject, the concept of the constituent tie, the uniqueness of people involved in the follow-up, including, therefore, the ethics of psychoanalysis in the polis.
Index terms: psychoanalysis; early intervention; public policies; IRDI.
RESUMEN
El instrumento IRDI (Indicadores de Riesgo para el Desarrollo Infantil) fue construido y validado a través de una investigación multicéntrica, a partir de una demanda del Ministerio de Salud de Brasil, con el propósito de que los pediatras incluyan en sus consultas de rutina el seguimiento del desarrollo psíquico en bebés de hasta 18 meses y aunque, por medio de los indicadores, pudieran encontrar problemas en este desarrollo. Esta articulación del psicoanálisis con la investigación y la salud pública, que estuvo presente en el origen del IRDI, se mantiene y puede ser acompañada por medio de los artículos seleccionados en este trabajo. El levantamiento realizado demuestra que el IRDI viene siendo utilizado en los servicios de salud y de educación, en la producción de conocimiento científico en investigaciones académicas y en la formación de profesionales. Se puede concluir que los profesionales que utilizan el IRDI en sus prácticas sostienen la no elisión del sujeto, el concepto de lazo constituyente, la singularidad de las personas involucradas en el seguimiento realizado y, por lo tanto, incluyen la ética del psicoanálisis en la polis.
Palabras clave: psicoanálisis; intervención precoz; políticas públicas; IRDI.
O início do IRDI na política pública
O Instrumento IRDI foi construído e validado, por meio de uma pesquisa multicêntrica (Kupfer et al., 2009), com o propósito de que os pediatras incluíssem nas suas consultas de rotina o acompanhamento do desenvolvimento psíquico em bebês de até 18 meses e, ainda, pudessem localizar, por meio dos indicadores, problemas nesse desenvolvimento. Essa foi a demanda que a coordenadora da área de Saúde da Criança do Ministério da Saúde, Ana Goretti Kalume Maranhão, e a consultora Josenilda Caldeira Brant fizeram, em 2000, ao grupo de psicanalistas pesquisadores coordenado pela professora Maria Cristina Machado Kupfer: a inclusão do aspecto "psi" no acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor realizado pelos pediatras.
Ainda no início da pesquisa multicêntrica, quando da atualização do Caderno de atenção básica de saúde da criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, do Ministério da Saúde (2002), foram introduzidos indicadores do desenvolvimento psíquico na Ficha de Acompanhamento do Desenvolvimento (Ministério da Saúde, 2002).
A introdução de aspectos do desenvolvimento psíquico também se deu na atualização de 2001 do Caderno Texto de apoio, direcionado aos agentes comunitários de saúde (Ministério da Saúde, 2001).
Na atualização do Cartão da criança, de 2001, alguns indicadores psíquicos foram introduzidos. Na atualização de 2005, quando o Cartão é substituído pela Caderneta de saúde da criança, incluiu-se o item "Desenvolvendo-se com afeto" (Ministério da Saúde, 2017).
Ao longo dos anos subsequentes, apesar do IRDI ter sido validado e da manutenção do item "Desenvolvendo-se com afeto" na Caderneta de saúde da criança, observa-se que os indicadores de desenvolvimento psíquico passam a ter uma presença pontual nas sucessivas atualizações da Caderneta de saúde da criança e do Caderno de atenção básica de saúde da criança, no que se refere aos instrumentos preconizados para os profissionais de saúde.
Destaca-se que, na última atualização do Caderno de atenção básica de saúde da criança (Ministério da Saúde, 2012), aborda-se na parte teórica a "função do vínculo/apego" (p. 26) e o "desenvolvimento afetivo" (p. 121). Não há mais menção ao desenvolvimento psíquico ou ao IRDI. Consequentemente, o quadro que descreve os aspectos do desenvolvimento também não inclui, sistematicamente, no acompanhamento dos bebês de até dezoito meses, indicadores que podem ser reconhecidos como psíquicos. Há alguns indicadores que podem ser assim reconhecidos, em algumas faixas, como o sorriso social aos dois meses, permanência do objeto e o estranhamento aos seis meses. Pode-se dizer que há um retorno à concepção que se fazia presente em 2000, época da demanda do Ministério da Saúde à construção do IRDI, de que o profissional de saúde, e mais especificamente o pediatra, deve se atentar aos aspectos objetivos do desenvolvimento, como a maturação, o desenvolvimento motor e as habilidades.
O mesmo ocorre nos instrumentos de vigilância do desenvolvimento que foram introduzidos na Caderneta para os profissionais. Há um ou outro marco (ou indicador) em uma ou outra faixa, que pode ser reconhecido como psíquico, como os dois indicadores que aparecem no primeiro ano de vida da criança: resposta ao contato social e brincar de esconde-achou (Ministério da Saúde, 2015).
A proposta de dar o mesmo valor ao desenvolvimento psíquico em relação aos demais aspectos do desenvolvimento, como ocorreu na Ficha de Acompanhamento do Desenvolvimento de 2002, na qual em cada faixa havia um marco ou indicador psíquico introduzindo ao longo do acompanhamento (ao longo do tempo, em todas as consultas) o olhar constante do pediatra e dos profissionais de saúde, se perdeu. O acompanhamento do sujeito a articulação entre desenvolvimento e subjetividade , perdeu lugar.
Apesar desse movimento, o IRDI passou a ser objeto de pesquisas, estudos e publicações tanto dos profissionais de saúde que passaram a utilizar o IRDI em sua prática em instituições e serviços de saúde e educação como dos docentes, que continuaram a desenvolver linhas de pesquisa articulando o IRDI e a saúde pública (Lerner, & Kupfer, 2008). Credita-se essa disseminação do IRDI ao fato de, além de responder à demanda do Ministério da Saúde, a professora Cristina Kupfer ter optado por realizar a pesquisa de validação do IRDI: com um instrumento cientificamente validado, os profissionais de saúde (psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e médicos), transferenciados com a psicanálise, contam com esse instrumento para promover, em sua prática clínica e em tratamento, nas instituições de atendimento à infância, as condições mínimas para o advento do sujeito ou para a humanização do bebê.
De outro lado, a disseminação do IRDI em pesquisas vem mostrando que há um campo fértil que articula o IRDI com os estudos do desenvolvimento infantil em diversas áreas e com finalidades distintas, o que fortalece não só o campo da pesquisa em psicanálise como também sustenta as bases teóricas do IRDI.
A utilização do IRDI nos serviços de saúde e na pesquisa
Nos últimos anos, acompanhamos o uso do IRDI por profissionais nos serviços de saúde, tanto em determinados setores como no serviço como um todo. Destaca-se, nesse sentido, o Consórcio Intermunicipal de Saúde do Médio Paranapanema (Cismepar) e o Espaço Escuta que, em consonância com o programa federal Rede Cegonha e o estadual Rede Mãe Paranaense, introduziram os riscos psíquicos da mãe já na gestação e o IRDI. A proposta inicial desses programas visava apenas casos de risco de óbito materno e do bebê por causas orgânicas. Essa parceria permite mostrar a possibilidade de atuação da intervenção psicanalítica no serviço público (Melo & Andrade, 2017).
Em Curitiba, o Hospital Pequeno Príncipe incluiu o IRDI na sua cartilha direcionada às famílias como uma estratégia de promoção da saúde mental. Alguns profissionais também se beneficiam desse roteiro em creches municipais e ambulatórios de atendimento a crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), como no Enccantar.
Vale ainda destacar que os serviços de estimulação precoce das APAE do município de São Paulo solicitaram formação para utilização do IRDI, porque consideraram importante incluir um olhar sobre a constituição psíquica nas suas avaliações e para pensar estratégias de intervenções.
Pode ainda ser considerada como uma disseminação do IRDI nos serviços de saúde, a inserção de um capítulo sobre desenvolvimento psíquico que inclui o uso do Instrumento nos livros organizados pelos docentes do Departamento de Pediatria Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Kupfer, Pesaro, Valente, Degenszajn, & Gomes, 2013).
No que se refere às linhas de pesquisa que articulam o IRDI e a saúde pública, encontramos nas bases de dados, por meio do descritor IRDI, mais de trinta trabalhos publicados como artigos e teses. As pesquisas podem ser agrupadas em: 1) Pesquisas que utilizam o IRDI como material para estruturação de programas de formação de profissionais de saúde; 2) Pesquisas que utilizam o IRDI no atendimento de bebês em instituições de saúde (unidades de saúde, em hospitais, Centro de Atenção Psicossocial, programas de saúde da família, com agentes comunitários de saúde, em instituições de atendimento a crianças com deficiências, em UTIs neonatais, em abrigos); 3) Pesquisas que utilizam o IRDI para a construção de instrumentos ou indicadores em outras áreas; 4) Pesquisas que associam o IRDI a outros instrumentos ou fatores; 5) Pesquisas que apontam novos achados clínicos sobre as crianças a partir do IRDI; 6) Pesquisas que buscam verificar a sensibilidade de indicadores para detecção precoce de sinais de autismo. Segue a descrição de algumas pesquisas representativas desses seis grupos.
Entre as pesquisas que utilizaram o IRDI como material de base (seu referencial teórico, seus eixos teóricos, os indicadores como eixos de leitura do bebê) para a estruturação de programas de formação de educação permanente de profissionais de saúde, ressaltam-se especificamente os enfermeiros e agentes comunitários de saúde. As pesquisas demonstram que, a partir da inserção do IRDI na formação dos enfermeiros e agentes comunitários de saúde, o aspecto relacional passa a ser mais valorizado no decorrer do trabalho, há o aprimoramento da observação e do conhecimento sobre o bebê e seus cuidadores (Morais, 2013; Tocchio, 2013).
Nas pesquisas de profissionais de saúde que passaram a utilizar o IRDI em suas práticas, destaca-se a aplicação do IRDI na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) da cidade de São Paulo. Segundo Cardoso, Fernandes, Novo e Kupfer (2012) o protocolo IRDI traz à tona dados mais concretos sobre a população atendida a partir do ponto de vista da estruturação psíquica do bebê no interior da díade materna, buscando uma intervenção para além das questões motoras e neurológicas das crianças atendidas por essa instituição.
Também há pesquisas que relataram os resultados do uso do IRDI no atendimento de puericultura efetuado na atenção primária à saúde (APS). No trabalho de Jaqueti e Mariotto (2012), observou-se que a aplicação do IRDI, além de possível, é riquíssima em termos de capacidade de intervenção precoce. Para além disso, apontou uma tendência à abertura de uma escuta com as equipes ditas interdisciplinares. Outro estudo nessa mesma direção foi desenvolvido por Arpini, Zanatta, Marchesan, Savegnago e Bernardi (2015) que, ao utilizarem o IRDI com os alunos de graduação de psicologia em seus estágios nas unidades de saúde, colheram como resultado o aumento do vínculo entre a equipe e os usuários, a maior atenção às díades e suas relações afetivas e a possibilidade de detecção precoce das problemáticas envolvendo os aspectos emocionais.
O IRDI também foi utilizado em bebês institucionalizados para refletir sobre a institucionalização, o exercício da função materna pela mãe social e o processo de constituição do sujeito (Molinas, 2011).
Cita-se ainda a pesquisa de Peruzzolo, Estivalet, Mildner e Silveira (2014), que utilizaram, além das escalas Denver II e Bayley, o IRDI para avaliar o desenvolvimento dos prematuros egressos de UTIs neonatais. As autoras enfatizam que a inclusão do IRDI permite a construção de um olhar mais amplo sobre as questões do desenvolvimento infantil e na formação das equipes multiprofissionais.
No grupo das pesquisas que utilizam o IRDI como referência para a construção de indicadores em outras áreas, cita-se a pesquisa desenvolvida por Pires (2011). A partir de sua formação em fonoaudiologia nas equipes de Saúde da Família (eSF) e atuando em Unidades Básicas de Saúde da zona leste da cidade de São Paulo, a autora adaptou o IRDI buscando construir indicadores clínicos de risco para a constituição do sujeito da escrita, tomando como base o modelo de organização dos sintomas de linguagem e os quatro eixos para constituição do sujeito da escrita.
O estudo de Machado, Palladino e Cunha (2014) propôs uma adaptação do IRDI para o formato de questionário retrospectivo para pais, visando aprimorar o diagnóstico diferencial dos transtornos de linguagem.
Ainda na área da fonoaudiologia, o IRDI foi utilizado por Flores e Souza (2014) com o objetivo de investigar as relações enunciativas estabelecidas entre pais e crianças com risco ao desenvolvimento infantil, sobretudo os efeitos da presença do risco no processo de aquisição da linguagem. Este estudo aponta para o potencial preventivo do IRDI, uma vez que evidenciaram-se dificuldades precoces na linguagem correlacionadas aos indicadores.
No conjunto das pesquisas que associam IRDI e outros instrumentos ou fatores, Mozzaquatro, Polli e Arpini (2011) buscaram observar a relação mãe-bebê nas díades acompanhadas pelo Programa Saúde da Criança em uma Unidade Básica de Saúde na cidade de Santa Maria (RS), com o intuito de detectar precocemente possíveis riscos ao desenvolvimento infantil. O trabalho de Crestani, Souza, Moraes e Beltrami (2011) propõe uma nova análise com o objetivo de investigar a associação entre tipo de aleitamento, presença de risco ao desenvolvimento infantil e variáveis obstétricas e socioeconômicas, a partir das contribuições do protocolo IRDI. Concluem que os fatores combinados sugerem que pode haver uma ruptura nas relações iniciais mãe-bebê, que se evidenciam tanto no aleitamento misto quanto nos IRDIs alterados (Crestani et al., 2011). Ainda, Pichini, Souza, Moraes, Crestani e Beltrami (2011) buscaram analisar os efeitos do protocolo IRDI na detecção de risco precoce em sua relação com o tipo de aleitamento materno e os indícios para a estimulação precoce.
O estudo de Flores et al. (2013) mostrou que houve associação significante entre estados emocionais maternos de modo combinado (depressão e ansiedade) ou isolado (depressão ou ansiedade) e a presença de risco ao desenvolvimento infantil. Da mesma forma, evidenciou-se a associação entre os estados depressivos e ansiosos maternos no período pós-parto. Os achados desse estudo sugerem a necessidade de inserção de políticas públicas de acompanhamento pós-natal da saúde mental materno-infantil desde as etapas mais precoces. Além disso, o IRDI apresenta-se efetivo para esse acompanhamento.
O estudo de Paolo et al. (2015) apontou uma tendência no IRDI quanto à qualidade de vida a partir de uma correlação com os aspectos psicossocias obtidos com o uso do Child Health Questionnaire (CHQ-PF50). Destacou-se que o IRDI apresenta capacidade de predição para condições sintomáticas posteriores (no sexto ano de vida), que podem afetar negativamente a qualidade de vida da criança.
No grupo de pesquisas que indicaram novos achados clínicos sobre as crianças a partir do uso do IRDI, destacam-se as de Bernardino e Kupfer (2008), que apontaram um grande número de sintomas relacionados com falhas na função paterna, tais como falta de limites, dificuldades de separação, agitação motora e as correlações com as dificuldades das famílias modernas na transmissão da cultura. Em estudo posterior (Kupfer & Bernardino, 2009), as autoras apresentaram, a partir dos achados da pesquisa IRDI, uma correlação entre imagem do corpo, dificuldade de separação, agitação motora e vínculos corporais estreitos com as mães e discutiram criticamente a noção contemporânea de hiperatividade. Nessa mesma direção, Pesaro e Kupfer (2012) apresentaram os achados que demonstraram haver uma articulação entre a falha na incidência da função paterna e o aparecimento de uma agressividade sintomática nas crianças com três anos, concomitantemente com o sintoma de uma ausência de enredo no brincar.
No grupo de pesquisas que buscam verificar a sensibilidade de indicadores com sinais de autismo, estão as conduzidas e coordenadas por Lerner (2011). No seu estudo, o autor buscou avaliar se o IRDI poderia ajudar profissionais da atenção básica de saúde a identificar sinais iniciais associados ao autismo. Para isso, realizou um estudo a partir de filmes caseiros de bebês que posteriormente, quando maiores, tiveram diagnósticos de retardo mental, de autismo ou de problemas no desenvolvimento, utilizando o IRDI. O autor aponta diversos itens do IRDI capazes de discriminar sinais de autismo.
Campana (2013) realizou um estudo exploratório com bebês que estavam apresentando sinais de autismo comparando o IRDI e o M-CHAT. O estudo demonstrou que, entre os riscos detectados pelo IRDI, os sinais de autismo também são verificados. Em estudo posterior, Campana, Lerner e David (2015) apresentaram os resultados da pesquisa que apontou que o eixo alternância presença/ausência do IRDI é o mais sensível para distinguir os bebês que apresentam problemas do desenvolvimento dos bebês com risco para evolução autística. Além disso, esse eixo auxilia na leitura das dinâmicas familiares e tem potencial de orientar intervenções nos momentos de avaliação.
Ainda nessa linha de investigação, o IRDI tem sido utilizado em pesquisas com irmãos de autistas. Campana e Lerner (2014) utilizaram o IRDI para acompanhar como a relação pais-bebê está se desenvolvendo após a experiência com um primeiro filho autista, especificamente em relação às trocas alimentares (amamentação). Os autores apontam que a aplicação do IRDI vem se mostrando como promissora no que se refere a criar uma atmosfera de acolhimento e escuta para as famílias, norteada por questões referentes ao desenvolvimento inicial.
Por fim, o estudo de comparação dos instrumentos IRDI e PréAut realizado por Roth (2016) apontou os benefícios de utilizá-los de forma complementar. A autora conclui que, ao valer-se dos dois instrumentos, o profissional será capaz de, a partir de sinais fenomênicos diferentes, avaliar e acompanhar nos bebês tanto os problemas de desenvolvimento como os sinais de risco para autismo.
O IRDI como metodologia de promoção de saúde mental na educação
A partir da vocação de ser um instrumento que auxilia na intervenção, IRDI foi levado ao campo da educação. Foi o caso do estudo inaugural, nesse campo, proposto por Mariotto (2009), que adaptou o IRDI para o acompanhamento da relação bebê-educador, com o objetivo demonstrar a função subjetivante das educadoras ou sua participação ativa na constituição psíquica dos bebês sob seus cuidados. Uma pesquisa posterior conduzida por Bernardino e Mariotto (2010), utilizando o IRDI em centros de educação infantil de Curitiba, apontou a pontencialidade de uma formação baseada nos indicadores poder moldar o olhar do professor e permitir a promoção de saúde mental em bebês.
Os achados dessas duas pesquisas levaram a professora Maria Cristina M. Kupfer a propor uma nova pesquisa de validação da Metodologia IRDI nos centros de educação infantil (Kupfer et al., 2012). Nessa pesquisa foi chamado de metodologia IRDI um conjunto de procedimentos de intervenção que se baseiam nesse instrumento. São eles: a) o acompanhamento do bebê por meio do IRDI, a ser feito por um profissional formado para o uso do instrumento, e não pelo professor; b) o acompanhamento sistemático (próximo, constante e minucioso) do laço do professor com cada um dos bebês sob seus cuidados, realizado por essa terceira pessoa, em encontros de palavra e de escuta. A pesquisa De bebê a sujeito: a metodologia IRDI nas creches, realizada entre 2012 e 2014, demonstrou que o uso dessa metodologia no âmbito da educação infantil contribui para a diminuição da incidência de problemas de desenvolvimento psíquico ulteriores, ou seja, pode haver mudanças nos bebês quando há intervenção com as professoras (Kupfer, Bernardino, Pesaro, & Mariotto, 2015).
A metodologia IRDI nas creches vem sendo utilizada por outros pesquisadores como uma ferramenta de prevenção e promoção da saúde mental em bebês, ao propiciar as condições para o surgimento de um enlace do professor com o bebê em creches de diversos municípios do país, como em Curitiba (Bernardino & Mariotto, 2010), Blumenau (Brandão & Kupfer, 2014), Porto Alegre (Ferrari, Fernandes, Silvia, & Scapinello, 2017) e São Paulo (Kupfer et al., 2014). Destacam-se as experiências do uso da metodologia IRDI nas creches nos programas de estágios de graduação (Ferrari et al., 2017; Morillo & Fonseca, 2015; Mariotto e Bernardino, 2017).
No decorrer da pesquisa der Kupfer et al. (2015), observou-se que, para alguns bebês, o trabalho junto a professor mostrou-se insuficiente para infletir o curso dos sinais de problemas no desenvolvimento e de risco psíquico: houve crianças que permaneciam apresentando indicadores ausentes, por mais que o professor se esforçasse em se reposicionar em frente a eles. Diante desse resultado, os pesquisadores Fadel, Kupfer e Barros (2017) resolveram propor novas modalidades de intervenções no interior do campo educativo em uma nova pesquisa denominada Acompanhamento do par pais-bebê na creche por meio da educação terapêutica, com o intuito de investigar a eficácia do acompanhamento de pais e bebês em risco, no que se refere à constituição psíquica, nas creches, por meio da educação terapêutica. A educação terapêutica (Kupfer, 2010) é uma perspectiva de trabalho que se encontra no entrecruzamento do tratamento com a educação, entendida no seu sentido amplo: a de transmissão pelos adultos de marcas simbólicas, referentes à linguagem, às leis, à cultura, à sociedade, que permitem que a criança se torne um sujeito saiba dizer sobre si. Como modalidades de acompanhamento foram propostos: 1) trabalho individualizado com os pais e o bebê na creche; 2) trabalho em grupo com até 3 bebês e seus pais; 3) educação terapêutica para pais e crianças pequenas; 4) grupos interativos sobre o desenvolvimento dos bebês para pais e bebês de berçário (Fadel et al., 2017).
Como desdobramento do uso do IRDI nas creches, Saboia (2015) validou indicadores capazes de detectar a qualidade das primeiras manifestações do brincar precoce do bebê. O foco nesses indicadores pode oferecer às professoras estratégias que lhes permitam privilegiar espaços para o brincar e para o lúdico, indo além de sua função pedagógica.
Ainda, Merletti (2017) utilizou o IRDI como base para uma ação formativa com pais e professores em creche e destacou o seu potencial para mediar a aproximação entre eles e para a construção de uma parceria nos cuidados com o bebê.
Em decorrência desses trabalhos, algumas prefeituras ou secretarias de educação vêm solicitando sensibilizações ou formações baseadas no IRDI, como a Prefeitura de Palmeira (PR) que em 2017 ofereceu aos seus 140 professores e coordenadores da educação infantil uma palestra formativa sobre o IRDI e a função do educador de creche no desenvolvimento dos bebês. Já em 2018, a convite da Secretaria de Educação e da Educação Especial do Município de Guaíra (PR), o IRDI foi apresentado como possibilidade de acompanhamento e formação de professores na educação infantil. A intenção é sensibilizar os profissionais para a utilização do IRDI como norteador das discussões pedagógicas nas creches.
Discussão
Em um levantamento anterior dos trabalhos e experiências do acompanhamento de bebês por meio do IRDI, Mariotto (2016) destacou alguns pontos. O primeiro diz respeito ao uso do IRDI no nível da saúde pública: constata-se nos trabalhos e experiências levantados que o emprego do IRDI pode dar maior atenção e destaque ao acompanhamento de bebês no seu primeiro ano de vida. Além disso, o IRDI prioriza um acompanhamento do desenvolvimento que inclui a relação singular de cada bebê com sua mãe. Pode-se dizer que aqueles profissionais que utilizam o instrumento em suas práticas clínicas nos serviços de saúde sustentam a não elisão do sujeito e do conceito de laço constituinte. Sustentam, portanto, a psicanálise na pólis sem serem analistas.
O segundo ponto diz respeito ao aspecto formativo do IRDI: os profissionais, ao se apropriarem dos indicadores e de seus fundamentos, incluem a singularidade das pessoas envolvidas no acompanhamento, na avaliação e nas orientações realizadas. O que significa que o uso do IRDI propicia a abertura de uma escuta e um cuidado com o as pessoas envolvidas, seja no laço bebê-pais, seja no laço profissional-pais.
Observa-se também que a aplicação do IRDI se torna útil como um balizador nas intervenções do profissional psicólogo e não só para predizer riscos do desenvolvimento. Além disso, esse instrumento auxilia no trabalho e no diálogo interdisciplinar, já que médicos fisiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos podem juntos estabelecer planos de ação no âmbito da prevenção de psicopatologias ou de problemas do desenvolvimento (Mariotto, 2016).
Desse modo, quando se pretende aliar teoria e prática em intervenção (clínicas, formativas e educacionais) na primeira infância a partir da ética da psicanálise, a ênfase recai sobre o bem-dizer em detrimento de dizer o bem. Todos os trabalhos realizados e aqui reunidos demonstram uma escuta singular do sujeito em constituição, um cuidado particular para aqueles que acompanham na ponta esse nascimento subjetivo. O que significa afirmar que é uma prática que espera que a criança estruture uma determinada relação com os outros, pautada pela possibilidade de ela vir a "dizer" sobre seu desejo.
Nessa direção, a intervenção orientada pelo Bem-Dizer na primeira infância não se confunde com práticas assistencialistas, pedagógicas ou próprias do movimento de higiene mental. Ou seja, a prática orientada pela psicanálise não busca o Bem-Viver para as classes desfavoráveis, perseguido pelo paternalismo assistencialista, não almeja o Bem-Educar para alcançar a ilusão de uma felicidade oriunda do conhecimento compartilhado por todos e não espera que as crianças "deixem de adoecer", doença esta pensada de acordo com os padrões do higienismo. (Bernardino, Mariotto, Kupfer, 2012).
E é nesse compasso que o trabalho segue, sem expectativas de unanimidade, mas no passo a passo, no um a um, no cada um movido pelo desejo pela causa da psicanálise, pela causa da infância e das crianças!
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Recebido em janeiro/2018.
Aceito em abril/2018.