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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624
Estilos clin. vol.24 no.3 São Paulo set./dez. 2019
https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v24i3p400-407
10.11606/issn.1981-1624.v24i3p400-407
DOSSIÊ
Pontuações sobre infância, escola e biopolítica
Puntuaciones sobre infancia, escuela y biopolítica
Scores on children, school and bio politics
Mercedes MinnicelliI
IPsicanalista, professora da Universidad Nacional de Mar del Plata, Mar del Plata, Argentina. Email: mercedes.minnicelli@gmail.com
RESUMO
Este escrito tentará trabalhar a pergunta sobre a questão escolar frente à suposição do determinismo biopolítico que a era do consumo nos impõe. Inquietude que nos convoca e nos leva como psicanalistas até o campo epistêmico interdisciplinar que configura infância e instituições, no qual podemos dizer que alí onde há sujeito falante o biopolítico se amassa, se transforma, se re-significa na mínima expressão possível, em ditos e fatos que temos denominado cerimônias mínimas (Minnicelli, 2008; 2013). Cerimônias mínimas nas e pelas quais os significantes naturalizados e atados à repetição incessante do eterno retorno do mesmo, possibilitam, ao mesmo tempo, mobilidade discursiva, quando se faz possível fazer desse dito, outros dizeres. Tarefa incansável do humano na medida em que interroga e interpela o enunciado a escola como instituição social está consumida. Enunciado que se consuma quando nos fazemos eco acrítico sem interrogar seus efeitos. Exporemos como se deve separar infância de escolas para deslocar ditos efeitos arrasadores. Veremos, assim, que se há uma noção cuja pregnância biopolítica podemos advertir qualquer que seja o sentido que dela adotemos, essa noção é a da infância.
Palavras chave: infância e instituições, escola, biopolítica.
RESUMEN
Este escrito intentará trabajar la pregunta sobre la cuestión escolar ante la suposición de determinismo biopolítico que la "era del consumo" nos impone. Inquietud que nos convoca y nos lleva como psicoanalistas hacia el campo epistémico interdisciplinar que configura infancia e Instituciones en el cual podemos decir que allí donde hay sujeto hablante, lo biopolítico se amasa, se transforma, se resignifica en la mínima expresión posible, en dichos y hechos que hemos denominado ceremonias mínimas en y por las cuales, los significantes naturalizados y atados a la repetición incesante del eterno retorno de lo mismo, posibilitan a la vez movilidad discursiva, cuando se hace posible hacer de eso dicho, otros decires. Tarea incansable de lo humano en la medida que interroga e interpela el enunciado la escuela, como institución social, está consumida. Enunciado que se consuma cuando nos hacemos eco acrítico sin interrogar sus efectos. Expondremos cómo debemos separar infancia de escuela para dislocar dichos efectos arrasadores. Veremos así que si hay una noción cuya pregnancia biopolítica podemos advertir cualquiera sea el sentido que de ella adoptemos, esa noción es la de infancia.
Palabras clave: infancia e instituciones, escuela, biopolítica.
ABSTRACT
This paper works the question about the school topic related to the supposition of the bio politic determinism that the "era of consumption" imposes us. Restlessness that summons and leads us as psychoanalysts to the disciplinary epistemic field that sets childhood and institutions where we can say that where there is a speaking subject, the bio politic is kneaded, is transformed, is signified in the possible minimum expression, sayings and facts that we have named minimal ceremonies in and by which, the signifiers naturalized and tied to the incessant repetition of the eternal return of the same, make possible at the same time discursive mobility, when it is possible to do of that said, other said. Untiring task of the human at the time that inquiries and interpellates the statement of the school, as social institution, is consumed. Statement that is consume when we do acritical echo without questioning the effects. We will expose how we must separate childhood from school to dislodge said sweeping effects. We will see that if there is a notion whose bio politic pregnancy we can notice whatever the meaning of it we adopt, that notion is childhood.
Keywords: childhood and institutions, school, bio politic.
Introdução
Este escrito tentará trabalhar a pergunta sobre a questão escolar frente à suposição do determinismo biopolítico que a era do consumo nos impõe. Inquietude que nos convoca e nos leva como psicanalistas até o campo epistêmico interdisciplinar que configura infância e instituições, no qual podemos dizer que aí onde há sujeito falante o biopolítico se amassa, se transforma, se re-significa na mínima expressão possível, em ditos e fatos que temos denominado cerimônias mínimas (Minnicelli, 2013). Cerimônias mínimas nas e pelas quais os significantes naturalizados e atados à repetição incessante do eterno retorno do mesmo, possibilitam, ao mesmo tempo, mobilidade discursiva, quando se faz possível fazer desse dito, outros dizeres. Tarefa incansável do humano na medida em que interroga e interpela o enunciado a escola como instituição social está consumida. Enunciado que se consuma quando nos fazemos eco acrítico sem interrogar seus efeitos.
Exporemos como se deve separar infância de escolas para deslocar ditos efeitos arrasadores. Veremos, assim, que se há uma noção cuja pregnância biopolítica podemos advertir qualquer que seja o sentido que dela adotemos, essa noção é a da infância.
Entretanto e de modo paradoxal será também a infância o significante daquilo inatingível, que existe de modo inerente ao falante, que de maneira permanente escapa, foge de toda forma de governo que pretenda se exercer sobre ela. Significante instituído pela modernidade junto com a escola moderna marcando época e, que a partir desse marco, também o libera. Infância, significante sujeito à própria elaboração que cada um realiza com respeito a sua própria infância enquanto o infantil esquecido e reprimido. O infantil é o saldo que escapa, é infância inacabada, enquanto o estofo do qual procede, porta os significantes que a época imprime ao corpo biológico, ao cachorro humano. Significantes que o discurso veicula, que a história transporta e permite que emerja, de um corpo, um sujeito falante.
A hipótese que sustentamos é que a estratégia do poder, que a noção de consumo da escola como estratégia biopolítica pretende agarrar, encontra ancoragem e apoio em, e pelas cerimônias mínimas. Ao mesmo tempo, também por elas se nos oferece a possibilidade de mobilidade e transformação.
De que falamos quando dizemos biopolítica?
Na introdução de Homo Sacer Giorgio Agamben já em 1998 advertia que Foucault se refere a essa definição ao final de Vontade de saber, para sintetizar o processo através do qual, nos umbrais da vida moderna, a vida natural começa a ser incluída nos mecanismos e cálculos do poder estatal, a política se transforma em biopolítica. Segundo Foucault, "o umbral da modernidade biológica de uma sociedade se situa no ponto em que a espécie e o indivíduo enquanto simples vivente se convertem no objetivo de suas estratégias politicas" (citado por Agamben, 1998/2016, p. 119)
Esse ponto não foi sem consequências para a inscrição de discursos e práticas destinadas aos meninos e meninas. Será tão assim que o edifício institucional moderno, se sustentou e se sustenta em boa medida na criação de espaços diferenciais para o tempo, no qual a vida humana em seus primeiros anos, foi considerada como tempo por ser tempo de preparação, tempo de vida a ser vivida. Tempo de cimentos, de aprendizagens, de domesticação ou de socialização. De uma maneira ou de outra, tempo de escola. Claro que esse destino não seria para todos os meninos e meninas. Haveria de ter uma segunda condição: a de ser filho ou filha, variante segundo as épocas o caso de uma ou outra.
É dizer que os corpos infantis seriam governados por certos dispositivos institucionais, ou outros segundo o fato de se foram tidos ou não em legítimo matrimônio, assinalando formas de laço filiatório. Legítimos, bastardos, naturais, marcavam a poderosa adjetivação que definiria, ademais, seu lugar nas instituições. Escolas, lares, reformatórios seriam os nomes do albergue social para cada um dos grupos populacionais. As legislações escreveriam a época enquanto a qual lugar social corresponderia para as novas legislações.
Nesse caminho, a adoçãocomo instância de filiação jurídica no entorno familiar, bem pode inscrever-se como uma marca de época, enquanto instituto jurídico-politico-social e económico por meio do qual o biopolítico joga suas cartas ao mesmo tempo que a resistência de numerosos meninos e meninas a serem adotados enuncia uma forma de resistência contemporânea que merece ser analisada.
Não é redundância reiterar o que disse em outras oportunidades, cada época escreve uma singular forma de pensar os novos, as gerações vindouras com maior ou menor benevolência a respeito de seus corpos, suas vidas seus devires sociais e institucionais que escrevem uma singular forma de acolhimento do desvalimento do cachorro humano.
Entretanto, a noção de biopolítica (Agamben, 1998/2016; López Álvarez, 2010; Fuentes Días, 2012) nos parece insuficiente para dar conta das formas nas quais a subjetividade infantil é tratada em nossa época pelas estratégias de poder.
Agamben adverte que,
Tudo se passa como se, ao mesmo tempo que o processo disciplinar por meio do qual o poder estatal faz de o homem enquanto ser vivo o próprio objeto específico, tivesse sido posto em marcha outro processo que coincide, grosso modo, com o nascimento da democracia moderna, na qual o homem em sua qualidade de vivente já não se apresenta como objeto senão como sujeito do poder político (Agamben, 1998/2016, p. 19)
A contundência dessa hipótese é inegável. Pouco se discutiria sobre a importância que representa que vivamos em tempos nos quais as legislações de nossos países considerem que os meninos e meninas são sujeitos de direito. É da mesma ordem ser sujeito de direito que, tal como Agamben expôs, sujeito de poder político? Qual lugar ocupa a escola, aquela que se configura com outros recursos próprios das transformações de nossa época? Qual é o lugar da escola quando se trata de meninos e meninas, meninas e adolescentes sujeitos a medidas excepcionais em processo de adoção?
Tal como resulta de nossas investigações é possível que em nome dos direitos, a sujeição ao poder institucional exponha suas faces mais cruas, quando na ausência ou carência de cuidados parentais o Estado - no uso do poder delegado pelo mandato viver em família e por lei direito a viver em família frente ao requerimento de atenção/criança - exerce a força de sujeitar o poder político, o que por outra parte se encarregou de quebrar.
Os casos de ingresso dos meninos e meninas no estado de adoptabilidade são por demais eloquentes a esse respeito e, nesse sentido, contamos com diversas experiências nas quais a escola tem colaborado de maneira por demais significativa, quando, não os considerandos consumidos, acompanharam um viver em outra família, com calor e confiança no valor de seu lugar em qualquer processo vital.
O impacto do roteiro legal que propõe o direito a viver em família, num grupo populacional peculiar, daqueles meninos e meninas e jovens sujeitos a medidas excepcionais1, chamadas medidas de abrigo no marco da Lei Nacional Argentina No. 26061, foi estudado por Minnicelli (2016). Meninos e meninas cujos prazos de estadia em lares de albergue se encontra vencido por lei. Meninos e meninas que passaram por mais de uma devolução de processos de guarda e/ou adoção. Meninos e meninas a quem se oferece uma vida em família e a medida que a experiência vai transcorrendo resistem a ser adotados (filiados), enquanto essa família lhes implica na perda de sua filiação.
Encontramos que cada vez que criança se faz análoga a filiação e filiação à criança se produz um mal-entendido, cujos efeitos abonam a hipótese que enuncia a relação assintótica entre filiação, criança e lei. Nesta rachadura os pequenos escapolem do sistema e são reintegrados e devolvidos como se se tratassem de um objeto cujo uso concluiu-se frustrante e já não se o quer mais.
Avançamos sobre o ali exposto para considerar que a filiação é efeito de uma operação social e subjetiva na e pela qual infância e biopolítica mostram suas cartas. A adoção é a instituição que refere a ela quando a mesma, não sendo biológica, se converte em jurídica
Entre uma e a outra, o multifacetado faz de cada caso uma história na e pela qual as mais diversas formas de filiação mostram suas caras e, mesmo que não fique resolvido o que faz a distância entre filiação por pertinência e filiação por apropriação.
A pergunta que se instala e se renova a respeito do determinante que possa resultar a incidência discursiva dessas premissas, enquanto definem formas de atuar de cada um dos atores que referem o acontecer dos meninos e meninas em um mundo que os excede em qualquer esboço de compreensão de seu próprio lugar a respeito dele.
Quer dizer, as formas de instituição de discursividade a respeito da infância, do inexorável da escuta e a suposição de esgotamento resultam também estratégias do poder enquanto elemento substantivo da rede de elementos que configuram o dispositivo integral de (des)proteção da infância e adolescência contemporâneas. A noção de dispositivo torna-se chave e, desde nosso ponto de vista, nos permite uma melhor elucidação frente a complexidade de fenómenos que se nos apresentam e que o biopolítico não termina de poder abraçar. Desde nosso ângulo de análise requer-se uma mais ampla rede de elementos discursivos e não discursivos, tangíveis e intangíveis, para que o biopolítico tome corpo em cada um de nós seres humanos que habitamos este mundo.
Infância, escola e biopolítica
Infância, escola e biopolítica requerem novos enlaces discursivos, para tanto proporemos um experimento de pensamento, de exploração argumentativa que nos permita outras vias de análise possível. Tratar-se-á de retomar uma vez mais a ideia da infância como significante que se pode colocar em diferentes posições gramaticais permitindo, a cada vez, distintos e variados predicados disciplinares que outorgam multifacetadas tramas argumentativas.
A infância como significante produz efeitos disruptivos no status quo disciplinar do século XX. Assim sucedeu com a sexualidade infantil que Freud (1905/1995) outorgara aos sujeitos infantis em sua célebre obra "Três ensaios para uma teoria da sexualidade".
Rupturas, irrupções, estalidos discursivos que seguem resultando chaves na possibilidade de discernimento da matéria.
A infância como significante não se deixa capturar pela biopolítica, subsiste a partir dela, a pesar dela, por ela e, lamentavelmente em alguns casos, para ela. Disso deveria já estar advertida a escola.
Falar de instituir infância implica dar lugar à análise crítica do lugar de inscrição simbólica que se outorga no discurso académico e nas instituições contemporâneas para os meninos e meninas e adolescentes, como geração que advém; habilitando um campo de problematização que colabora com a possibilidade de compreender e operar sobre comportamentos de meninos, meninas e adolescentes que não se apresentam como os esperados, previsíveis e definidos com respeito a certos enunciados modernos e suas instituições.
A colocação em relação de ambos termos, infância e instituições, instalou uma nova correlação disciplinar que irrompe enquanto se configura um cenário outro de investigação antes disciplinar, agora interdisciplinar cuja juventude é proporcional a sua fortaleza. Infância e biopolítica nos convocam a colocar os pontos de ruptura, a disjunção que também se encontra entre filiação e criança.
Ruptura que, ademais, proporciona a dupla acepção que a pontuação permite se, escrevemos Infância e Instituições, operação de enodamento e desdobramento discursivo em uma metáfora que reconfigura pontos de vista contemporâneos com respeito às formas de inscrição de saberes em relação aos problemas que padecem e afetam meninos meninas e jovens.
Infância e Instituições nos permite escrever outro roteiro para a novela social sobre a infância vulnerável; nos obriga a revisar a noção de interdisciplina e, a seu modo, coloca a rachadura na e pela qual se fazem possíveis outras práticas profissionais, inclusive nos limites da experiência e o saber disciplinar.
Infância e Instituições nos abre o caminho para uma Escola na qual sejam os enigmas que ganhem a cena, não só o saber, que supomos já não mais precisar, quando pode responder Mr. Google.
Filiação, criança e lei: onde estão os irmãos? Escola da vida ou a vida que faz escola.
A partir da investigação denominada "Tecnologia social para a proteção de direitos" (Minnicelli, 2014), cuja característica significativa é o trabalho de pesquisa-ação desenvolvido em cada um dos casos com os Tribunais de Família da cidade de Mar del Plata, identificamos a importância de escuta dos fracassos nos processos de adoção, encontrando como algo que insiste nos pequenos: a reclamação para ver seus irmãos e irmãs, para saber deles, para contar de sua existência ainda que sejam não conviventes.
A biopolítica da infância precisa de uma confusão para sua eficácia, a qual vimos que detona na voz emergente daqueles que rechaçam, inclusive a seu custo e prejuízo, o ser despojados de sua filiação em busca de contar com quem se ocupe de sua criança.
Quer dizer, o fracasso nos processos de certas adoções, tornam visível como em favor de resolver um problema político-social e económico vinculado à falta de cuidados parentais em busca de evitar os efeitos da vida em instituições (e seu alto custo) a rápida pretensão de substituição filiatória pela guarda com fins de adoção (passados 180 dias segundo a letra da lei) incorre em intervenções frente as quais os próprios meninos e meninas resistem
Essa hipótese se sustenta em torno de diversos indicadores que merecem ser levados em conta quando, pelo estudo das trajetórias institucionais que escrevem a história plasmada no expediente judicial, é notória a correlação entre dois pontos que destacamos. Um em relação à forma na qual se produziu a separação não só dos progenitores senão dos irmãos para ingressar no sistema de proteção de direitos. Outro, o pedido de mudança de nome (para abandonar o de origem para o novo que inscreveria a nova condição filiatória adotiva) e os sucessivos incidentes judiciais que advém no fracasso da adoção pretendida, com a conseguinte devolução (sic) das crianças, quando já havia se passado vários anos de vida em comum.
Os casos se reiteram como bem pode dar conta quem trabalha com meninos meninas e adolescentes atravessados por medidas jurídico-administrativas.
Em comum, vimos a força da busca dos irmãos ao resgate da filiação fraterna, submetendo- se nesse trânsito, inclusive, a situações adversas. Essa "força-de-lei-sem-lei" (Agamben, 1978/2003; Derrida, 1997/2013) cobra forma em um caso que chamamos testigo2Â enquanto representam à múltiplos outros com riscos similares.
Caso A: jovem de 14 anos a quem por medida de abrigo se vê separada de seus irmãos e progenitores a curta idade. Juridicamente declarada de estado de adoptabilidade e, logo protagonista de falidas adoções vai fazendo do rechaço uma maneira de viver. Aferra-se em fugas sucessivas do lar do albergue para desamarrar-se de ficar sujeita a algum lugar; seu único propósito é recuperar o contato e laço com seus irmãos, já adolescentes. A situação socioeconómica é por demais precária, a casa onde residem é quase inabitável. Contudo, ali ela quer ficar apesar das condições de vida de pobreza extrema. Sua irmã de apenas 18 anos interpela a cada um dos funcionários quando expressa "o que vocês lhe oferecem a mandou para situações que já sabem e termina na rua onde lhe fizeram o que já sabem. É por isso que ainda que devamos dormir uma em cima da outra minha irmã daqui não sai".
Tal como analisamos em outro lugar, a posição de infância em estado de exceção (Minnicelli, 2013), testemunha as marcas de uma história de confrontação com critérios de um sistema que gere vidas expostas à bolsa ou a vida.
Como adultos que somos frente a meninos e meninas, mais que decisões que vão se movendo na errância de suas vidas gravemente feridas3, não podemos ficar sem revisão nas formas de intervenção possíveis, inéditas, que podem fazer falta, criadas ali mesmo nos limites. Essas vidas, jovens vidas, não são nuas, senão vidas biopolíticas cuja subjetividade emerge na ruptura entre o sujeito e as instituições, implicando a obrigatoriedade de revisar nossas práticas, nossos tratos entre profissionais e ativar, além do recorte de função específica que a cada dispositivo ou serviço compete, a colaboração, cooperação e criatividade necessárias para não os deixar na intempérie do sistema de nosso pensamento e viabilidade de outras ações.
A emergência do sujeito em busca de desamarrar-se do sistema o condena à intempérie própria do desvalimento humano.
Nestes casos, mais do que nos determos nesse limite, os estudos em infância e instituições nos abrem caminho a fim de revisar quais discursos sustentamos com relação à infância quando, reiteramos, a estratégia do poder pretende a captura subjetiva e em e por cerimônias mínimas, se nos abre a possibilidade de mobilidade, invenção e transformação.
Referências
Agamben, G. (2016). Homo sacer (A. G. Cuspinera, trad.). Valencia: Pre-textos. (Trabalho original publicado em 1998). [ Links ]
Agamben, G. (2003). Infancia e historia (S. Mattoni, trad.). Buenos Aires: Adriana Hidalgo. (Trabalho original publicado em 1978). [ Links ]
Agamben, G. (2004). Estado de excepción (F. Costa e I. Costa, trads.). Buenos Aires: Adriana Hidalgo. (Trabalho original publicado em 2003). [ Links ]
Derrida, J. (2013). Fuerza de ley. (A. Barberá y A. Peñalver, trads.). Madri: Tecnos. (Trabalho original publicado em 1997). [ Links ]
Freud, S. (1995). Tres ensayos para una teoría sexual infantil. In S. Freud, Obras completas de Sigmund Freud (J. L. Etcheverry, trad., Vol.VII, pp.109-224). Buenos Aires: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1905). [ Links ]
Lei Nacional Argentina n. 26061 Título III - Articulo 39. Medidas Excepcionales. [ Links ]
López Álvarez, P. (2010). Biopolítica, liberalismo y neoliberalismo: acción política y gestión de la vida en el último Foucault. In S. Arribas, G. Cano, & J. Ugarte, (Orgs.), Hacer vivir, dejar morir. Biopolítica y capitalismo (pp. 39-61). Madri: CSIC. [ Links ]
Fuentes Días, A. (Editor) (2012). Necropolítica, violencia y excepción en América Latina. México, Benemérita Universidad Autónoma de Puebla. Disponível em http://www.academia.edu/27452189/Necropol%C3%ADtica_Violencia_y_Excepci%C3%B3n_en_Am%C3%A9rica_Latina [ Links ]
Minnicelli, M (2016). Infancia e instituciones: Otro guion para la novela social sobre la infancia vulnerada. Revista Generaciones. 5 (5), 131-151. [ Links ]
Minnicelli, M. (2014). Tecnología social interdisciplinar para a proteção de direitos. O caso de meninos, meninas e adolescentes sujeitos à medidas excepcionais (Projeto interuniversitário e intersetorial aprovado pelo Consejo Interuniversitario Nacional y el CONICET, Res. CIN No. 1083/15). [ Links ]
Minnicelli, M. (2013). Ceremonias mínimas. Una apuesta a la educación en la era del consumo. Rosario: Homo Sapiens. [ Links ]
Minnicelli, M. (2004). Infancias públicas. No hay derecho. Buenos Aires: Novedades educativas. [ Links ]
Recebido em setembro/2019 Aceito em dezembro/2019.
1 "Medidas excepcionais" são aquelas que de acordo com a Lei Nacional Argentina No. 26061 Título III - ARTICULO 39. MEDIDAS EXCEPCIONALES se adotam quando as meninas e meninos e adolescentes estiveram temporal e permanentemente privados de seu meio familiar ou cujo superior interesse exija que não permaneçam nesse meio. Tem como objetivo a conservação ou recuperação por parte do sujeito do exercício e gozo de seus direitos vulnerados e a reparação de suas consequências. Apesar de que essas medidas são limitadas no tempo e só se podem prolongar enquanto persistam as causas que lhes deram origem, os fatos se comportam de maneira diferente e os meninos por motivos de diversas índoles que nos interessam que formem parte da presente investigação, permanecem por tempos muitas vezes indefinidos.
2 A noção de caso testigo como estratégia de apresentação deve considerar-se somente para os fins metodológicos, quando se trata de sustentar uma intervenção, o caso a caso define as diferenças para além de quaisquer que sejam os pontos em comum encontrados.
3 Escolhemos o uso do conceito "feridos pela vida" para evitar a queda em definições psicopatológicas quando certos comportamentos resultam efeitos de sujeito que escapam do dispositivo de proteção do Estado.