SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.25 número1Didática Magna e Walden II: Comênio, Skinner e o impossível na educação e na políticaPsicanálise e os caminhos da política índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.25 no.1 São Paulo jan./abr. 2020

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v25i1p165-183 

10.11606/issn.1981-1624.v25i1p165-183

EXPERIÊNCIA INSTITUCIONAL

 

10 anos de um CAPSi: percepções dos profissionais acerca do trabalho em saúde mental infantojuvenil

 

10 años de un CAPSi: percepciones de los profesionales acerca del trabajo en salud mental de niños y adolescentes

 

10 years of a CAPSi: professionals' perceptions about work in children's mental health

 

 

Iagor Brum LeitãoI; Luziane Zacché AvellarII

IPsicólogo e psicanalista. Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Multivix de São Mateus, São Mateus, ES, Brasil. E-mail: leitao.iagor@hotmail.com
IIProfessora Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, ES, Brasil. E-mail: luzianeavellar@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Objetivou-se identificar as percepções de profissionais trabalhadores de um CAPSi acerca do trabalho em saúde mental da criança e do adolescente, bem como descrever os impasses e desafios vividos pelo serviço em seu décimo ano de funcionamento. Os dados foram analisados por meio da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), possibilitada pelo software IRaMuTeQ. A CHD formou cinco classes: 1- "A clínica no CAPSi", classe que compreende as interrogações dos profissionais acerca da dimensão clínica do CAPSi, especialmente no que se refere às condutas a serem adotadas para o cuidado de usuários com autismo; 2- "Articulação com a Rede", sendo situados os desafios relacionados à efetivação da política intersetorial; 3- "Imaginário do serviço", que ilustra o entendimento da população e demais serviços da rede acerca do CAPSi, frequentemente visto como um serviço clínico-ambulatorial centrado na especialidade psiquiátrica. 4- "Perfil dos usuários globais", que remonta a lógica histórica de ações dedicadas à crianças e adolescentes considerados "desviantes", condição que contribui para a prevalência de usuários provenientes de famílias com baixa renda e em vulnerabilidade social no CAPSi; 5- "O Cuidado de Usuários AD", que denota a dificuldade da equipe do CAPSi constituir um lugar possível para cuidado de usuários com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas.

Palavras-chave: saúde mental; serviços de saúde; CAPSi; criança; adolescente.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo identificar las percepciones de los profesionales que trabajan en un CAPSi sobre el trabajo sobre salud mental de niños y adolescentes (SMNA), especialmente para describir los obstáculos y los desafíos que enfrenta el servicio en su décimo año de operación... Quince profesionales del servicio fueron entrevistados. Los datos se analizaron a través de la Clasificación Jerárquica Descendente (CJD), posible por el software IRaMuTeQ. El CJD formó cinco clases: 1- "La clínica en el CAPSi", una clase que comprende las preguntas de los profesionales acerca de la dimensión clínica del CAPSi, que conduce a una mirada dentro del servicio, especialmente con respecto a los protocolos que deben adoptarse para el cuidado de los usuarios con autismo; 2- "Articulación con la Red", donde existen desafíos relacionados con la implementación de la política intersectorial; 3 - "Imaginario del servicio", que comprende los cruces históricos de la salud mental brasileña, especialmente marcados por el modelo biomédico, que aún atraviesa los dispositivos de atención como el CAPSi, a veces entendido como un servicio clínico-ambulatorio centrado en la especialidad psiquiátrica. 4- "Perfil de usuarios globales", que se remonta la lógica histórica de las acciones dedicadas a niños y adolescentes consideradas "desviadas", una condición que contribuye a la prevalencia de usuarios de familias con bajos ingresos y vulnerabilidad social en CAPSi; 5 - "El cuidado de los usuarios de AD", que denota la dificultad del equipo CAPS ser un lugar posible para atender a los usuarios con necesidades de consumo de alcohol y drogas, y por lo tanto, el frecuente "no lugar" de estos usuarios en el servicio.

Palabras clave: salud mental; investigación en servicios de salud; CAPSi; niño; adolescencia.


ABSTRACT

This study aimed to identify the perceptions of working professionals of a CAPSi about the work on mental health of children and adolescents (CAMH), especially in order to describe the impasses and challenges faced by the service in its tenth year of operation. Fifteen service professionals were interviewed. The data were analyzed through the Descending Hierarchical Classification (DHC), possibled by the IRaMuTeQ software. The DHC formed five classes: 1- "The clinic in the CAPSi", a class that understands the professionals' questions about the CAPSi's clinical dimension, which leads to a look inside the service, especially regarding the protocols to be adopted for the care of users with autism; 2- "Articulation with the Network", where there are challenges related to the implementation of intersectoral policy; 3 - "Imaginary of the service", which comprises the historical crossings of Brazilian mental health, especially marked by the biomedical model, that still crosses the attention devices like the CAPSi, sometimes understood as a clinical-ambulatory service centered in the psychiatric specialty. 4- "Profile of global users", which goes back to the historical logic of actions dedicated to children and adolescents considered "deviant", a condition that contributes to the prevalence of users from families with low income and social vulnerability in CAPSi; 5 - "The Care of AD Users", which denotes the CAPSi team difficulty being a possible place for caring for users with alcohol and drug use needs, and therefore, the frequent "non-place" of these users in the service.

Keywords: mental health; research on health services; CAPSi; child; adolescence.


 

 

A inclusão de crianças e adolescentes nas políticas de saúde mental ocorreu tardiamente no Brasil e permanece como um desafio cotidiano para profissionais, familiares, usuários e pesquisadores. Somente em 2002, foi instituída a Portaria 336/2002, que estabelece, dentre outras modalidades, o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) – serviço direcionado à atenção específica da população infantojuvenil em sofrimento psíquico grave, severo e persistente (Ministério da Saúde, 2002).

A existência dos CAPSi não apenas presentificou um lugar possível de cuidado para com esse público, no escopo do SUS, como também deu maior visibilidade ao sofrimento psíquico na infância e adolescência no contexto brasileiro (Reis, Delfini, Dombi-Barbosa, & Oliveira, 2010). Foi a partir da implementação dos CAPSi que o Ministério da Saúde passou a produzir as bases, princípios e diretrizes de uma política pública de saúde mental dirigida às crianças e adolescentes.

A primeira dessas ações se deu em 2004, com a instituição do "Fórum de Saúde Mental Infantojuvenil" (Ministério da Saúde, 2014). Os fóruns, que aconteceram nos anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2009 e 2012, haviam figurado como importante instrumento de gestão, possibilitando dar visibilidade e resolutividade, coletiva e intersetorialmente, às diversas dificuldades que durante muito tempo ficaram em um segundo plano ou até mesmo totalmente ignoradas (Ministério de Saúde, 2014b).

Por conseguinte, em 2005, foi publicado o documento "Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil" (Ministério da Saúde, 2005). De saída, o documento compreende que um dos grandes desafios do campo da Saúde Mental, em sentido amplo, é a construção de "uma política voltada para a população de crianças e adolescentes que considere suas peculiaridades e necessidades e que siga os princípios estabelecidos pelo SUS" (p. 9). Nesses termos, pode-se efetuar a leitura de:

i) desafios ético-clínicos, os quais apontam para a importância de se tomar crianças e adolescentes como sujeitos, não apenas no sentido de sujeito de direitos, mas no sentido de sujeitos capazes de responderem a partir de suas subjetividades;

ii) desafios no campo da promoção de políticas públicas responsáveis. Sobre esse último, conforme o documento, diz respeito à importância das políticas de saúde mental da criança e do adolescente (SMCA) corresponderem aos princípios do SUS, tais como: universalidade, integralidade, equidade, participação da comunidade, descentralização político-administrativa, hierarquização e regionalização, entre outros (Ministério da Saúde, 2005).

Já em 2011, o Ministério da Saúde (2011), por meio da Portaria nº 3.088, instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). O intuito da RAPS é ampliar o acesso das pessoas com sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas no escopo da responsabilidade do SUS, por meio de pontos diversos de Atenção1. No que se refere ao cuidado de crianças e adolescentes, destacam-se os pontos: Estratégia Saúde da Família (ESF), Unidade Básica de Saúde (UBS), as equipes de Consultório na Rua, Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), Centro de Convivência e Cooperativa (CECCO), Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), e os serviços de urgência e emergência e os hospitalares (Ministério da Saúde, 2011). Claro está que o CAPSi é apresentado como um dos equipamentos possíveis para o cuidado em SMCA. Isso significa dizer que suas ações de cuidado não deverão ser isoladas, mas articuladas às ações de outros equipamentos, inclusive, com aqueles que não compõem diretamente a RAPS, tais como os setores escolares, jurídicos, comunitários etc. (Couto, Duarte, & Delgado, 2008).

Por fim, em 2014, foi publicado o documento intitulado "Atenção Psicossocial a Crianças e Adolescentes no SUS: Tecendo Redes para Garantir o Cuidado" (Ministério da Saúde, 2014a). São fortalecidas e formalizadas, nesse documento, as seguintes diretrizes:

a) o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos, capazes de falar por si e endereçar seus próprios sintomas;

b) a lógica clínico-ética do acolhimento universal, sugerindo que as portas dos serviços deverão estar abertas para todos aqueles que o procuram, portanto, todas as demandas deverão ser ouvidas e respondidas;

c) o encaminhamento implicado e corresponsável, indicando que, embora seja entendido que outro serviço da Rede corresponda melhor às necessidades e demandas de determinado usuário, o serviço que inicialmente acolheu o caso é responsável por promover o devido acompanhamento até a sua inclusão e o seu atendimento em outro serviço;

d) a construção permanente da Rede de intersetorialidade, diretriz que tem por fundamento o conceito de clínica ampliada;

e) o trabalho no território, sendo que o conceito de "território" é tomado para-além dos sentidos geográficos ou regionais, no sentido de "lugares" que exerçam funções subjetivas importantes para determinado usuário;

f) a avaliação das demandas e construção compartilhada das necessidades de saúde mental, condição que convoca equipe, familiares e demais atores a se implicarem nas necessidades subjetivas dos usuários (Ministério da Saúde, 2014a, p. 23-27).

Essas diretrizes, que são, afinal, um esforço de formalização técnica, denotam um valor social dos serviços que constituem a RAPS que tem como próprio fundamento o conceito de "Atenção Psicossocial". Isso significa dizer que o fazer desses serviços deve extrapolar o sentido meramente técnico do "tratar", de forma que se inclua nesse espectro "técnico" as ações de cuidar, acolher, escutar, possibilitar ações emancipatórias e potencializar a qualidade de vida dos usuários, valorizando o cuidado intersetorial e no território (Ministério da Saúde, 2014a).

Diante do exposto, embora o CAPSi constitua uma modalidade de serviços dentre outras que compõem a RAPS, o fato de ser configurado com equipe interdisciplinar (enfermeiros e técnicos de enfermagem, médicos pediatras e psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, fonoaudiólogos, entre outros), os quais devem atuar a partir de um denominador comum (o cuidado em SMCA), torna o serviço um espaço-referência nas questões que envolvem sofrimento psíquico grave na infância e adolescência dentre os outros pontos de atenção. Tomar os serviços dos CAPSi como um problema de pesquisa se justifica, portanto, pela possibilidade de se produzir análises críticas sobre os impasses existentes no empreendimento de ações psicossociais destinadas à infância e adolescência.

No intuito de contribuir com a temática, este estudo2 objetivou identificar as percepções de profissionais de um CAPSi do estado do Espírito Santo acerca do trabalho em SMCA, especialmente para identificar os impasses e desafios vividos pelo serviço em seu décimo ano de funcionamento (2017-2018). Salienta-se, no entanto, que este serviço já foi tomado como problema de pesquisa com objetivos análogos aos deste.

Após o primeiro ano de funcionamento do CAPSi (2007-2008), Ronchi e Avellar (2010) identificaram, por meio de entrevistas com os profissionais deste serviço, que eles não se sentiam seguros em relação ao trabalho, pois muitos desconheciam a sua dinâmica e as regulamentações sobre as especificidades do serviço CAPSi. Chama atenção a interpretação das autoras acerca do alto índice de significância da palavra "coisa" presente nos seguimentos de texto das entrevistas com os profissionais, o que foi entendido como uma dificuldade de os profissionais nomearem e descreverem a prática.

Em Avellar e Safra (2018), é afirmado que a referida pesquisa possibilitou obter uma "fotografia" do serviço naquele momento. Nessa acepção, o estudo proposto buscou obter "nova fotografia" do serviço após dez anos de atividades (2016-2017). As perguntas-eixo que orientaram nossa discussão foram: 1- Será que este CAPSi tem conseguido traduzir e colocar em ação o que se preconiza a política de atenção psicossocial à crianças e adolescentes? 2- Quais os principais impasses e desafios vividos pelo serviço no empreendimento do cuidado em SMCA?

 

Método

Entrevistou-se, segundo a disponibilidade, 15 profissionais trabalhadores de um CAPSi do estado do Espírito Santo. Destes, 12 são de nível superior, 03 de nível técnico. A média de tempo de trabalho no CAPSi é de 5,78 anos, sendo que 04 profissionais trabalham no serviço desde sua inauguração (há 10 anos). Entre as funções dos entrevistados, destacam-se a Arteterapia, Assistência Social, Coordenação/Gestão, Enfermagem, Pediatria, Psicologia, Psiquiatria, Técnico em Enfermagem e Terapia Ocupacional. Todos os profissionais são concursados pela Prefeitura.

Adaptou-se o roteiro de entrevista semiestruturado construído para o primeiro estudo (Ronchi & Avellar, 2010), que contava com perguntas sobre as experiências de trabalho em um campo e serviço de saúde mental até então novos. Desse modo, acrescentou-se ao roteiro questões acerca das percepções dos profissionais sobre as mudanças no serviço nos últimos dez anos de funcionamento e sobre as experiências atuais do serviço no cuidado de SMCA. O local das entrevistas foi no próprio CAPSi, em sala reservada.

As entrevistas duraram entre trinta minutos e uma hora. Foram gravadas e, posteriormente, transcritas para possibilitar as análises textuais. Os dados foram analisados por meio da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), possibilitada pelo software IRaMuTeQ. Para Camargo e Justo (2013), a CHD permite a análise das raízes lexicais e oferece os contextos em que as classes estão inseridas, de acordo com o segmento de textos do corpus das entrevistas.

Esta pesquisa possui aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob o protocolo CAAE 58070516.1.0000.5542.

 

Resultados

A CHD formou cinco classes, tal como ilustra o Dendograma (Figura 1). O corpus textual foi composto pela transcrição das 15 entrevistas com os profissionais do CAPSi. O corpus foi, inicialmente, desdobrado em 430 segmentos de textos (ST). Destes, 352 (81,86%) foram retidos para a CHD. Camargo e Justo (2013) advertem que uma análise satisfatória da CHD só é possível se a retenção de segmentos de textos for de, no mínimo, 75%. A CHD dividiu o corpus textual em 5 classes, sendo que a numeração das classes se dá de forma aleatória pelo próprio software. O Dendograma ilustra as palavras mais significativas de cada classe com seus respectivos valores qui-quadrado (x²). Quanto maior o valor do x², maior é a importância semântica de cada palavra dentro da classe. Vale lembrar que a nomeação e interpretação das classes é tarefa do pesquisador, por meio de sua experiência com as entrevistas e o corpus textual.

 

 

Na primeira partição, o corpus foi dividido em dois subcorpora. A primeira repartição originou a Classe 2, que, por sua vez, originou as Classes 5 e 1 as quais se diferenciaram entre si. Na segunda repartição, foram originadas as Classes 4 e 3, as quais também diferenciaram entre si.

A Classe 2, que foi nomeada como "A clínica no CAPSi", representou 16,3% dos seguimentos de texto. Essa classe compreendeu termos como "pensar", "supervisão", "resultado", "ação", "clínica", "autismo", "melhorar", "prático" e "criar". Esses termos apontam para o campo clínica e do manejo. É pertinente destacar o termo "autismo" como o representante das "psicopatologias clínicas", o que sugere ser uma demanda "porta-voz" para as reflexões clínicas.

A Classe 5 e a Classe 1 foram diferenciadas entre si. A Classe 5, denominada de "Articulação com a Rede", e que representa 25,2,% dos segmentos de texto, compreendeu termos como "rede", "cá" (termo associado ao espaço físico do CAPSi), "território", "matriciamento", "referência", "caso_de_capsi", "avaliar" e "articulação", os quais apontam para a tarefa permanente de articulação do serviço com os outros pontos de atenção.

A Classe 1, que representou 20,09% dos segmentos de textos, diferenciou-se da Classe 5 justamente por conter termos como "CAPSi" (enquanto função), "específico", "médico", "função", "laudo" e "desafio", os quais apontam para a imagem que demais serviços, instituições e população têm CAPSi, comumente associando-o a um ambulatório especializado e centrado na figura no médico psiquiatra. Essa Classe foi denominada de "Imaginário do serviço".

A segunda repartição do corpus originou as Classes 4 e 3, as quais também diferenciaram entre si. A Classe 4, que representou 23,6% dos segmentos de textos, foi denominada de "Perfil dos usuários globais". Ela compreendeu termos como "droga", "condição", "quadro", "problema", "família", "suicídio", "público_ad", "risco", "econômico" e "social", os quais apontam as características associadas ao público assistido pelo CAPSi.

Por fim, a Classe 3, que representou 13,9% dos segmentos de textos, compreendeu termos como "internação", "leito", "adequado", "humanizado", "menino", "tráfico", "política_de_saúde_mental" e "casa". Esses termos correspondem tanto às necessidades e demandas colocadas aos profissionais para atendimento de usuários quanto problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas (AD) no tocante às particularidades desse público. A Classe 3 foi denominada de "O cuidado de usuários AD".

 

Discussão

A clínica no CAPSi

A Classe 2 agrupou conteúdo semântico que aponta para os desafios internos que o CAPSi em questão tem se situado. Observou-se que esse olhar para-dentro teve como lente o "fazer clínica", posto que os léxicos que mais obtiveram valor (supervisão, ação, clínica, escutar, resultado, autismo etc.) remetem ao campo da clínica e seus efeitos.

Sendo assim, destacou-se o termo "autismo" como o léxico representante das "psicopatologias". Conforme os profissionais, o autismo tem figurado como a demanda mais "desafiadora", trazendo à tona questões acerca da avaliação diagnóstica e eficácia terapêutica. Os profissionais têm feito questionamentos acerca do posicionamento a ser adotado quando demandados a avaliar, cuidar e tratar de sujeitos autistas:

“Hoje, eu não me sinto completamente preparada para trabalhar no Capsi, no sentido de ser capaz de atender qualquer demanda, principalmente nas questões que se referem ao autismo, que tem sido uma clínica extremamente desafiadora” (Profissional 2, quatro anos de trabalho no CAPSi).

“Estamos tentando fazer um alinhamento aqui no serviço, para termos um acolhimento de demandas de autismo que seja fundamentado em um protocolo, pois há muitas discordâncias. Às vezes, vem com o diagnóstico de autismo e não concordamos, e então temos que nos posicionar diante disso. Estamos tentando sistematizar uma forma de atendimento de acolhimento para a equipe trabalhar com essa demanda” (Profissional 15, seis anos de trabalho no CAPSi).

Visani e Rabello (2012), ao pesquisarem sobre como acontece o diagnóstico precoce do autismo em um CAPSi, descobrem que o tratamento de crianças autistas é iniciado tardiamente. Para as autoras, esse fato se dá devido à ausência de iniciativas de detecção precoce, à insegurança e à demora por parte dos demais profissionais de saúde em diagnosticar e manejar casos de autismo, fato que, por vezes, conduz familiares à busca de diagnósticos e tratamentos em diversos outros dispositivos, públicos e/ou particulares.

Teixeira e Jucá (2014) já antecipavam que o exercício do cuidado ao sujeito com autismo colocaria consideráveis desafios à organização de serviços como o CAPSi, uma vez que o serviço configura uma primeira e importante iniciativa de inclusão do autismo de modo destacado no campo da Saúde Mental Pública no Brasil (Lima, Couto, Solis, Oliveira, & Delgado, 2017). A precarização do trabalho, a má gestão nos diferentes níveis de governo e a capacitação dos profissionais estariam entre as principais variáveis que conduzem a uma "prática clínica com pouco potencial terapêutico para crianças e adolescentes autistas" (Teixeira & Jucá, 2014, p. 82).

Ora, não estariam essas dificuldades entre as principais variáveis para uma prática clínica com pouco potencial terapêutico para quaisquer crianças/adolescentes em sofrimento psíquico? Diante dessa questão, embora se possa admitir certas contingências que provocariam discussões calorosas acerca das condutas a serem adotadas nos casos de "espectro autista" neste CAPSi, pode-se entender que tais discussões sugerem maior atenção por parte dos profissionais para os casos clínicos tidos como difíceis, em geral. Isso quer dizer que, embora a demanda "autismo" tenha se mostrado porta-voz para discussões sobre a clínica no serviço, figura-se a possibilidade de que quando falam do autismo estão mencionando outras dificuldades de manejo também. É o desafio diante de tantos outros, mas esse, o "autismo", é o que se nomeia.

Em conformidade com o indicado, entendeu-se que a Classe 2 ilustrou os desdobramentos das reflexões clínicas por parte dos trabalhadores do CAPSi, os quais produzem uma guinada para a construção de um lugar de oferta de cuidado singular em que o serviço se pode localizar. A reflexão sobre esse lugar é tida como fundamental para os profissionais, na medida que entendem que é a partir desse lugar que o CAPSi pode dirigir suas ações de cuidado. É por meio das interrogações clínicas que os profissionais parecem se aproximar da construção (ou reconstrução) deste lugar.

“Eu penso que casos_de_Capsi incluem sofrimento_psíquico grave e acentuado, que precisam de um cuidado prolongado ou contínuo, como no caso dos autismos e psicoses. Se não for desse jeito [sofrimento psíquico grave], o que podemos oferecer, então? E aí entra uma pergunta melhor, que é o que o Capsi tem de diferente de outros serviços?” (Profissional 14, 6 anos de trabalho no CAPSi).

â€œÉ muito importante estar fazendo um planejamento para o serviço, para entender melhor aonde queremos chegar com nossas atividades aqui [...] Precisamos estar bem afinados sobre qual é o nosso papel, como trabalhar uma demanda de um tipo, e outra de outro tipo” (Profissional 3, seis anos de trabalho no CAPSi).

De acordo com os profissionais, há a necessidade de se criar um espaço para sustentar e potencializar tais reflexões. É aí, então, que aparece o léxico "supervisão". A supervisão clínica- institucional, ao que tudo indica, representa uma demanda da equipe em obter um espaço que dê visibilidade e escuta tanto para elementos da clínica quanto para as próprias angústias. Nesse sentido, à figura do "supervisor" é suposto um saber com o qual a equipe pode se endereçar e, então, construir práticas clínicas mais efetivas.

"[...] A própria questão do autismo que precisa ser mais discutida aqui no CAPSi, precisamos de um protocolo de trabalho [...]. Pensando aqui, para colocarmos tudo isso realmente em prática, precisamos, principalmente, de supervisão. Precisamos de supervisão para pensar possibilidades tanto de processo de trabalho quanto clínicas, pois o serviço às vezes acaba consumindo muito de nós, e não sobra espaço para pensarmos sobre isso de uma maneira sólida e assertiva. Precisamos de supervisão" (Profissional 2, quatro anos de trabalho no CAPSi).

"Precisamos urgentemente de supervisão, pois temos tido muitas demandas que exigem da gente, que nos desafia, e sem supervisão não conseguimos construir um caso da melhor forma, muita coisa passa despercebida, principalmente no que deixamos de escutar e oferecer" (Profissional 14, seis anos de trabalho no CAPSi).

"A supervisão costumava ser uma discussão extremamente rica, muitas vezes vinham profissionais de fora, de universidades consagradas, e nesse espaço conseguíamos colocar para fora muita coisa, como nossas angústias, nossos potenciais, o que estava deixando a desejar, dos casos que não iam para frente, e isso melhorava muito o trabalho" (Profissional 9, oito anos de trabalho no CAPSi).

Em nossa leitura, a angústia da equipe é uma insígnia, sobretudo, das dificuldades de se conseguir o que Jacques Lacan formaliza por "transferência de trabalho" (Lacan, 1964/2003). Essa noção foi formulada pelo autor para implicar a formação dos analistas nos cartéis em psicanálise em relação ao trabalho de transmissão da teoria. Trata-se, em suma, de sustentar uma suspensão de toda maestria, o saber de especialista, tornando possível a passagem do sujeito ao lugar de trabalho.

Para Figueiredo (2004), a transferência de trabalho em uma equipe de saúde mental permite que se dissolvam os efeitos narcísicos e imaginários que inevitavelmente ocorrem, seja na confusão de papéis da equipe (mistura de funções), seja na fixação de papéis (verticalização do poder e do saber). É nesses termos que se pode entender, então, a discussão dos casos como dispositivo capaz de avaliar a qualidade de uma equipe e de estimular a melhoria do serviço, posto que se faz da transferência de trabalho o eixo do trabalho de uma equipe (Viganò, 2010). Nesse sentido, tal como indicado, a equipe idealiza a supervisão como o espaço para presentificar a transferência de trabalho. Assim sendo, cabe tecer uma discussão acerca da função "supervisor".

Partindo dos princípios da psicanálise lacaniana, ao entender que se o inconsciente é estruturado como uma linguagem, o psicanalista, então, faz parte do conceito de inconsciente, posto que constitui seu endereçamento, Elia (2015, p. 254) afirma: "não há inconsciente se não houver analista, e não há equipe se não houver supervisor". Com isso, entende-se que, para o autor, a supervisão nos CAPS tem função estrutural. Logo, não seria uma função técnica, facultativa ou contingencial, isto é, que pode ou não haver. Muito pelo contrário, pois seria a supervisão o dispositivo que descompletaria a equipe, uma vez que ela provocaria um giro no discurso do especialista.

Sendo assim, Elia (2015) entende que a tarefa da supervisão é a de lembrar que a equipe não é autossuficiente, autogestora e nem autogerida. Ao instituir um furo no saber especialista da equipe, mostrando que ela é não-toda, que não se basta, a figura do supervisor (muito mais no campo do significante do que no campo do strictu, isto é, a pessoa do supervisor) presentificaria, dentro do CAPS, o fora do CAPS, fazendo surgir a dimensão do território, do saber para-além da equipe e, portanto, do cuidado em Rede.

É certo que a supervisão pode evidenciar caminhos a serem percorridos, os quais apontariam para "práticas clínicas mais efetivas". Mas, se tomarmos a supervisão como um dispositivo que põe em questão o saber de maestria, interrogando o que está estabelecido a priori, deve-se, de saída, interrogar justamente o que se entende por clínica, por práticas clínicas e por efetividade clínica. Somente engendrando questionamentos como estes que se torna possível efetuar um giro no discurso técnico, evidenciando um furo no saber. É por meio de um furo como esse que se pode produzir um saber a partir da prática institucional – o que, em outras palavras, possibilita um trabalho em Rede pautado pela construção de uma Atenção que não reproduza a lógica manicomial. Claro está que a supervisão, muito mais que promover instrumentação teórica e prática a um coletivo de profissionais, deve fazer surgir, neste coletivo, a dimensão de uma equipe (Elia, 2015). Isso significa dizer que não é a composição de profissionais com diferentes formações e orientações teóricas (diferentes saberes) que constituem uma equipe de CAPSi. Na melhor das hipóteses, isso permite afirmarmos que se tem um grupo de técnicos e especialistas que compartilham um espaço clínico-institucional comum.

Para Rinaldi e Bursytyn (2008, p. 35), um dos maiores desafios do fazer clínico na atenção psicossocial é "a construção de um saber sobre a clínica, a partir do que cada técnico faz e não do que cada profissional sabe, é um dos desafios do trabalho clínico na atenção psicossocial". É nessa perspectiva que se pode interpretar a Classe 2 (CHD, Figura 1), nomeada como "A clínica no CAPSi": o desafio de um grupo de profissionais produzirem uma equipe capaz de orientar todo o trabalho por uma lógica de cuidado, lógica que representada pelo paradigma da atenção psicossocial e da clínica ampliada, em sua essência (Elia, 2015). Essa lógica pode ser representada pela seguinte fala:

"A ideia é não curar o transtorno, curar os sintomas em específico, mas trabalhar o projeto de vida de uma criança ou adolescente e família. Todos os profissionais daqui têm que guiar um trabalho nessa direção, de tornar nossos usuários mais independentes possíveis, menos limitados... isso é o melhor resultado que podemos ter" (Profissional 5, dez anos de trabalho no CAPSi).

Delfini, Bastos e Reis (2017, p. 03) especificam que a clínica ampliada "propõe um alargamento na compreensão do processo saúde/doença, do objeto de intervenção e das ações de cuidado, em relação a uma perspectiva clínica restritiva, que tende a fragmentar o paciente e intervir de maneira isolada em cada problema". No caso da infância e da adolescência, a clínica é necessariamente ampliada, devendo o cuidado ser desenvolvido de modo interdisciplinar e intersetorial, bem como na mobilização de seu ambiente social e institucional (família e escola) mais próximo (Belloti, Quintanilha, Tristão, Ribeiro Neto, & Avellar 2017; Couto et al., 2008). Considerando o paradigma psicossocial, é somente nesses termos que se pode conseguir "práticas clínicas mais efetivas".

A Articulação com a Rede e o Imaginário do Serviço

A Classe 5 agrupou os principais tensionamentos entre CAPSi e a Rede. Esse tensionamento pode ser interpretado por meio dos léxicos mais significativos dessa Classe, "rede" e "cá", formarem um par de opostos, o que sugere um hiato entre o CAPSi (cá) e a Rede (lá). Os profissionais evidenciam que o principal tensionamento entre os equipamentos que compõem direta e indiretamente à Rede de SMCA diz respeito aos lugares atribuídos ao CAPSi. Destacam-se as falas:

"Eu me sinto muito frustrada porque com a proposta do SUS atenção_básica deveria atender pelo menos oitenta por cento das questões, e aí a gente recebe um encaminhamento inadequado, que podia ter sido resolvido e acolhido lá no território da pessoa, mas aí vem para cá por conta do psiquiatra, do especialista, e aqui não tem só isso, aqui é uma equipe muito maior que isso" (Profissional 8, dez anos de trabalho no CAPSi).

"Os principais impasses que eu percebo nesse Capsi dizem respeito à forma como muitos usuários são encaminhados, sem uma demanda que justifique, ou uma demanda que foi realmente escutada. Se um outro serviço que atende um adolescente descobre um uso de maconha, já associa como demanda para Capsi, mas não procura entender um pouco mais sobre as questões daquele sujeito. Da mesma forma quando tem alguma adolescente que se corta, que faz cutting [autolesão por cortes, especialmente em braços e pernas], então já vem direto para o Capsi" (Profissional 11, um ano de trabalho no CAPSi).

A análise das entrevistas possibilitou identificar que o referido serviço tem sentido ocupar muito mais no lugar de "preceptor" que no lugar de "ordenador". O "CAPSi-preceptor" ressalta uma lógica histórica de ações dedicadas à institucionalização e segregação de crianças e adolescentes desviantes, seja pelo critério da insanidade, seja pelo critério da pobreza, sendo que ambas eram vistas como prerrogativas para a delinquência (Bulcão, 2012). Por isso, estaria o CAPSi ainda enfrentando os atravessamentos históricos, na medida em que, não raro, recebe encaminhamentos de crianças e adolescentes que não tiveram suas demandas problematizadas em outros espaços, de forma que não seria, então, a suposição de sofrimento psíquico grave a prerrogativa de um encaminhamento, mas, sim, o fato de determinada criança ou adolescente causar um mal-estar no seu laço social. Daí, inclusive, se depreende o quanto a lógica manicomial e o modelo biomédico ainda atravessam os dispositivos de atenção psicossocial, na medida em que respondem demandas de normatização por meio da institucionalização. Entretanto, é válido destacar que, em sentido último, não existe demanda incorreta ou irrelevante, seja do paciente/usuário/família ou dos equipamentos que encaminham. Se a equipe do CAPSi sente ocupar na Rede o lugar de "preceptor", cabe a ela, então, tomar esses encaminhamentos como demanda de trabalho, e não como caso a ser atendido, e assim "recuperar" seu lugar de "ordenador".

Dessa maneira, o "CAPSi-ordenador" se refere a um equipamento incumbido de articular- se à RAPS de seu município e fazer valer a política da intersetorialidade. Uma das propostas para articulações deste tipo é o Matriciamento ou Apoio Matricial (AM). Iglesias e Avellar (2014) frisam que o AM caracteriza uma proposta do Ministério da Saúde (2003) para articulação entre a Rede de Saúde Mental e as Unidades de Saúde, de forma a fortalecer a clínica ampliada, oferecendo suporte técnico por meio da discussão, capacitação e intervenção em conjunto com os profissionais. É por meio do AM que se pode conseguir, mesmo que não sem dificuldades, promover a Atenção Básica, a discussão e a inclusão da "saúde mental" em suas práticas de cuidado (Iglesias & Avellar, 2014).

A respeito desse tema, retoma-se as falas de alguns dos profissionais entrevistados:

"Quando isso é forte, o matriciamento, passamos a ver que os encaminhamentos que são feitos para o CAPSi ficam mais articulados" (Profissional 9, oito anos de trabalho no CAPSi).

"Resumidamente, esse usuário não estará fisicamente aqui no Capsi, mas será assistido pelo o Capsi, mesmo que estando em outro serviço da rede, será assistido pelo matriciamento, pelas conversas de equipe, e coisas do tipo. A ideia é que nenhum usuário crie raízes aqui, de forma que sua assistência seja cornificada aqui nesse serviço, porque, senão, estaremos, de certa forma, reproduzindo as práticas dos hospitais_psiquiátricos. Se é um Capsi potente, ele sustenta essa posição, se não for, permitirá a cronificação do atendimento" (Profissional 5, dez anos de trabalho no CAPSi).

Destaca-se o entendimento do matriciamento como um recurso político capaz de situar a função clínica do encaminhamento da Atenção Básica para o CAPSi. Além disso, é por meio do matriciamento que o CAPSi pode participar do cuidado de determinada criança ou adolescente sem que o mesmo esteja no espaço físico do CAPSi.

"Às vezes um médico que atende uma criança percebe uma questão de saúde mental importante no caso, e já manda para cá. Mas, quando vamos ver, essa criança já fazia atendimento psicológico em uma unidade de saúde, então não houve conversa com essa unidade de saúde ou psicólogo. Não que isso não seja caso para nosso serviço, mas podemos aparecer de outra forma, no matriciamento. Há alguns entraves na rede e isso atropela o serviço, não só o nosso, mas toda a Rede. A maior dificuldade é de colocarmos para a rede o que seria caso de CAPSi, de encaminhamentos para cá" (Profissional 5, dez anos de trabalho no CAPSi).

Assim como os trabalhadores de um CAPSi estudado por Calvacante, Jorge e Santos (2012), os profissionais deste CAPSi também se queixam sobre as desarticulações entre a Atenção Secundária e Primária. Para eles, se na Atenção Básica é escutado algo em uma criança ou adolescente que diz respeito às questões em saúde mental, ao invés de se questionar essa demanda no próprio serviço, há uma força que conduz à prescrição de um encaminhamento para o CAPSi, posto que persiste o entendimento de que lá é "O" espaço para saúde mental, sendo que "lá", o CAPSi, é "um" dentre os espaços de saúde mental disponíveis.

Nesse sentido, é realçado, na CHD, um termo de suma importância para essa discussão: "caso_de_capsi".

De acordo com os profissionais, tem havido discussões calorosas no serviço acerca de qual é o público ao qual eles se destinam. Essa discussão parece-nos importante ao passo que pode ajudar o serviço a ser estabelecido em um lugar do qual podem direcionar tratamentos.

"Uma questão para nós que é sempre intrigante, é a questão de o que seria caso_de_capsi. Se formos pelo critério teórico, caso_de_capsi seria o caso de transtornos_severos, que impede o sujeito de circular na vida, na escola, na família, que há um sofrimento_psíquico mais acentuado. Se formos por critérios da nossa experiência prática aqui no Capsi, vemos casos de sofrimento familiar grande, que determinada criança não possui um transtorno_severo ainda, mas que está em um lugar muito complicado naquela família, e então precisaria de uma intervenção de uma equipe mais especializada, que é a equipe do Capsi" (Profissional 14, seis anos de trabalho no CAPSi).

A fala dessa profissional parece remeter ao hiato que muitas vezes se coloca entre o diagnóstico de "transtorno mental" e o reconhecimento da experiência de "sofrimento". Enquanto o primeiro estaria no terreno do objetivo, o segundo estaria no terreno do subjetivo. Vale frisar que, inclusive, na própria portaria que funda o CAPSi há a referência de que o serviço é destinado às crianças e adolescentes com "transtorno mental grave, severo e persistente", questão que permite certa crítica em relação à tendência de se privilegiar a nosografia (critério objetivo) em detrimento da experiência e narrativa de sofrimento (critério subjetivo) como um "critério de seleção" para cuidado no CAPSi.

Sobre esse tema, Taño (2014) afirma que não seria simplesmente o diagnóstico de uma psicopatologia em determinado usuário que constituiria demanda para cuidado no espaço do CAPSi, mas a complexidade que o cuidado e sofrimento exigem. Em sentido último, também é preciso considerar a impossibilidade de uma normatização política, institucional ou psicopatológica capaz de abarcar a complexidade e diversidade do sofrimento psíquico na infância e adolescência em um "perfil" claro e preciso. Tratando-se de serviços públicos de saúde mental, esse "perfil" será naturalmente atravessado pelos aspectos da cultura local, institucional, profissional e pessoal dos atores que promovem as práticas de cuidado (Moreira, 2016).

Perfil dos usuários globais e o cuidado de usuários AD

Embora as ações dos CAPSi sejam marcadas pela escuta, tratamento e cuidado de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico, figurando espaços de acolhimento desses sujeitos no campo da saúde, a efetivação de um cuidado biopsicossocial também está condicionada à outras responsabilidades públicas e sociais. Nessa perspectiva, não é incomum encontrarmos em profissionais trabalhadores do CAPSi um sentimento de impotência, uma vez que entendem que suas ações, quando isoladas, são insuficientes para promover a autonomia dos sujeitos. Ora atribuem a ineficácia terapêutica à família dos usuários, por vezes tidas como "desestruturadas", ora à precariedade e sucateamento dos serviços, assim como às demandas escolares (Hoffman et al., 2008; Ronchi & Avellar, 2010).

"Os impasses que eu enfrento no meu trabalho estão relacionados à angústia que o trabalho às vezes me causa, um dia a equipe está alinhada, outro dia não, um dia a família está mais envolvida com os cuidados das crianças, outros dias não, um dia um adolescente não está mais usando droga, no outro está usando, então o que me incomoda é toda essa instabilidade terapêutica" (Profissional 9, oito anos de trabalho no CAPSi).

"A verdade é que os pacientes que costumam ser encaminhados para o Capsi vivenciam realidades extremamente frágeis, com condições socioeconômicas ruins, famílias desestruturadas, em que uma criança não conhece o pai ou a mãe, vive um pouco com a vó, depois com o tio, depois vai para um abrigo, ou um usuário que usa a droga e a família também, isso tudo dificulta o nosso trabalho, pois isso está para além do campo da saúde, envolve outros campos também" (Profissional 6, dez anos de trabalho no CAPSi).

"Falta recursos para o público_ad, eles não encontram espaço no mercado de trabalho, são marginalizados, então eles acabam deixando todo o projeto de vida que construímos no Capsi de lado" (Profissional 3, seis anos de trabalho no CAPSi).

No tocante aos usuários com necessidades decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas, Costacurta, Toso e Frank (2015) constataram que 60% dos jovens considerados "público ad" (álcool e outras drogas) abandonaram os atendimentos de forma prematura no CAPSi estudado. Mesmo que existam poucas publicações a respeito deste tema em específico, entendemos que esse contexto conduz às interrogações sobres as dificuldades de "adesão" desse público aos serviços dos CAPSi, assim como própria dificuldade de "adesão" dos CAPSi às demandas desses usuários. Em nosso estudo, chamou-se a atenção para maior frequência do termo "criança" (n=68) em relação ao termo "adolescente" (n=30) no corpus textual. Isso significa dizer que, embora o CAPSi seja destinado às crianças e adolescentes, as crianças foram muito mais faladas em relação aos adolescentes.

A Classe 3, nomeada como "O cuidado de Usuários AD", destacou palavras como "menino", "tráfico" e "internação". Em tese de doutorado que teve como campo de pesquisa o mesmo CAPSi que este estudo, Tristão (2018) verificou ser comum o envolvimento com o tráfico nos casos que figuram problemas com uso de substâncias psicoativas no CAPSi, sobretudo em adolescentes, sendo uma questão de maior peso que o uso da substância em si. Além disso, por meio das entrevistas com os profissionais, a autora observou que muitos se sentem impotentes em relação a esse tipo de "clínica", uma vez que entendem que o campo da saúde mental, por contiguidade, o espaço do CAPSi, não é capaz, por si só, de proporcionar projetos de vida mais positivos a esses adolescentes (Tristão, 2018).

Diante desse panorama, interrogamos: há maior dificuldade destes adolescentes endereçarem, eles mesmos, uma demanda ao CAPSi ou há mais dificuldades do CAPSi em constituir-se como um lugar possível para esses adolescentes, tomando-os como sujeitos capazes de endereçar algo? É nesses termos que pensamos a menor incidência do termo "adolescente" no discurso dos profissionais entrevistados: como lapsos, que remontam uma angústia e que, por sua vez, denunciam um impasse: a dificuldade da equipe constituir-se como um lugar de cuidado para esses usuários.

Tristão e Avellar (2019, p. 61) verificaram que a equipe de um CAPSi percebia cobrança de terceiros – os que estão "de fora" do serviço – por um trabalho via abstinência, uma vez que a maioria dos adolescentes que fazem uso de álcool e outras drogas estariam envolvidos, em maior ou menor grau, com o tráfico. Além disso, observam queixas dos profissionais acerca do desinteresse dos adolescentes em relação à experiência no CAPSi, uma vez que registram ausências desses usuários nos grupos terapêuticos e demais atividades propostas.

Sobre um trabalho que norteia a abstinência em si, especialmente com grupos considerados marginalizados e vulneráveis, entendemos que apenas a dimensão do sujeito do direito é apontada, e, consequentemente, práticas que promovam a construção de um saber sobre a subjetividade de cada usuário também não são exercidas. Se há, frequentemente, um "não- lugar" para adolescentes com questões ligadas ao uso de álcool e outras drogas, pode ser porque ainda paira sobre os profissionais e o serviço do CAPSi certo entendimento de ser um espaço "assistencial-normativo" para com esse tipo de demanda, conservando, no imaginário, um serviço incumbido de retirar e salvaguardar esses adolescentes do "mundo da droga e do tráfico". Tem-se, aí, uma "ordem" estabelecida de tratar o diagnóstico do uso da substância e não o sujeito em sua singularidade transcendendo esta racionalidade segregadora (Fossi & Guareschi, 2015).

Assim sendo, retomamos o caráter indissociável da clínica e política no campo da saúde mental, defendida por Furtado e Onocko-Campos (2005). Segundo os autores, essa convergência se dá no sentido de permitir distinguir e operar simultaneamente "sobre a exclusão que resulta de processos subjetivos e, também, sobre procedimentos excludentes que passam pelo contexto do paciente" (p. 116). Dito de outro modo, deve-se promover um trabalho orientado para uma reabilitação realmente inclusiva, que se funda na aposta da emergência das singularidades e não apenas em uma prática institucional que adquire, frequentemente, um caráter normatizador, quando associados aos ideais de bem à cura.

Para Belloti et al. (2017), todo cuidado em SMCA deve ser norteado pelo modelo psicossocial, seja para demandas de sofrimento psíquico, seja para demanda de uso abusivo de álcool e outras drogas. À última acrescenta-se as estratégias de redução de danos, condição que denota uma particularidade nesse tipo de cuidado. Além disso, a experiência tem mostrado que quando se trata de usuários marcados pela vulnerabilidade social, experiências de vida nos contextos de rua, de tráfico e uso de álcool e outras drogas, o serviço do CAPSi precisa constituir, de algum modo, um lugar possível que faça com que os sujeitos encontrem algo para endereçar e fazer disso uma passagem para outra coisa.

Em muitos casos, o CAPSi pode figurar com um lugar de cuidado básico (higiene, alimentação, segurança etc.) para com esses sujeitos (Belloti et al., 2017). Com isso, é comum surgirem tensionamentos acerca de certa função de "tutela" ou de "assistencialismo" por parte do CAPSi, o que iria de desencontro com a função clínica em saúde mental do serviço. Todavia, é preciso destacar que a função clínica não está dada a priori. Ela se constitui no curso de seu ato, ao passo que se produz um olhar analítico para o sujeito que dá sentido à sua estrutura, ao seu desenvolvimento strictu e às suas condições de vida, e um olhar analítico para o que está se desdobrando nas relações de cuidado. Isto é, que tipo de relação transferencial está se constituindo entre usuário e serviço. Logo, quais as funções subjetivas que o CAPSi está ocupando e atualizando.

Para Carvalho, Gondim, Holanda e Alencar (2014), mesmo que os CAPSi tenham como meta clínica a redução do sofrimento psíquico, a potencialização da qualidade de vida e o desenvolvimento da autonomia dos seus usuários, a característica acolhedora do serviço comumente caracteriza uma centralidade no cotidiano dos usuários, o que faz com o serviço tenha a tendência de fechar-se em si mesmo. Para Lobosque (2011), essa tendência a fechar-se em si mesmo só pode ser combatida quando o convocamos para o âmbito mais amplo da Rede. Nesse entendimento, Souza (2006) adverte acerca da dificuldade dos dispositivos CAPS, de um modo geral, em ultrapassar as barreias impostas por seus próprios muros. É preciso estar dentro do território, da comunidade, não ao lado dela.

Nessa perspectiva, a relação com "público_ad" parece testemunhar a dificuldade de o serviço olhar para-fora, de tomar como norte de tratamento, também, a ampliação das redes sociais dos usuários e o uso de seus territórios, em sentido latu. Há dificuldades de perceberem essas ações como ações clínicas. Em nosso entendimento, o ato clínico da Atenção Psicossocial é essencialmente um ato político, pois representa um modo do Estado Democrático cuidar dos seus cidadãos. É nessa conjuntura que se pode entender o conceito da Clínica Ampliada, formalizado pela saúde pública brasileira.

A clínica ampliada é uma das diretrizes que a "Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS" propõe para qualificar o modo de se "fazer saúde". O conceito de clínica ampliada é resultado de um esforço de formalização para um trabalho interdisciplinar e intersetorial, de forma que se possa integrar várias abordagens para possibilitar um manejo eficaz da complexidade do trabalho em saúde. Trata-se de integrar a equipe de trabalhadores da saúde de diferentes áreas na busca de um cuidado e tratamento em conformidade com cada caso, com a criação de vínculo com o usuário (Ministério da Saúde, 2009).

Assim sendo, entendemos que dizer que não há ato clínico do CAPSi ao figurar como um espaço de cuidados básicos (higiene, alimentação etc.) só se torna possível se o próprio serviço não reconhecer que ações como essas possuem potencial clínico. Afinal, se as necessidades básicas do indivíduo não forem de alguma forma respondidas, como esperar que as demandas do sujeito compareçam? É preciso fazer do momento que busca atender às necessidades, um momento de atendimento clínico, também. É sempre possível que algo ali se enderece, algo do nível da subjetividade, do nível da demanda. Incidir sobre a demanda é responsabilidade daquele que dirige o cuidado.

A respeito do tema mencionado, vale destacar a leitura da função do cuidado em SMCA efetuada por Avellar e Safra (2018, p. 147). Por meio de uma leitura winiccottiana, esses autores afirmam que

nas diferentes situações cotidianas do serviço, observa-se que muitas vezes a criança e/ou adolescente busca funções que não puderam ser constituídas no tempo certo de seus processos de desenvolvimento. Pode ser que viva ali, pela primeira vez, uma experiência que não pôde acontecer em nenhum outro momento de sua existência. Nesta situação, o profissional do serviço é o outro que precisa reconhecer que o paciente está buscando uma interlocução para uma experiência que ele não consegue nomear, mas que faz parte de sua história.

Nesse entendimento, cabe ao CAPSi constituir um ambiente de saúde que não leve em conta apenas os aspectos físicos, mas também os aspectos subjetivos e sociais como produtores das atuações profissionais (Ronchi & Avellar, 2013). Ao promover um espaço subjetivo como esse, torna-se possível para os profissionais e o CAPSi ocupar funções em prol de seus usuários. É por intermédio dessas funções, singulares para cada usuário, que o CAPSi poderá dirigir tratamentos singulares para cada caso.

Entretanto, como apontam Silva e Ferrari (2018), as dificuldades de adesão ao tratamento, de quaisquer crianças e adolescentes, podem ser lidas como um "sintoma social", visto que indicam algo em desavença em determinada cultura. As autoras afirmam que, embora a política de SMCA seja estruturada por meio de diretrizes que abrem espaços para tratamentos particularizados, de forma que considerem as subjetividades que aí estão em jogo, sempre haverá algo que escapa. Nesses termos, entendemos que, por sua posição de espaço de saúde, o CAPSi será sempre responsável por oferecer suporte, sustentar a posição de que a vida é sempre uma escolha e que é possível se reinventar, sem recuar diante das possíveis incompletudes existentes.

 

Considerações finais

Ao organizarmos a discussão a partir das classes lexicais produzidas pela CHD, buscou-se responder às problemáticas estabelecidas para o empreendimento deste estudo, a saber: 1- Será que este CAPSi tem conseguido traduzir e colocar em ação o que se preconiza a política de atenção psicossocial à crianças e adolescentes? 2- Quais os principais impasses e desafios vividos pelo serviço no empreendimento do cuidado em SMCA?

Entendeu-se que tais classes indicam as principais questões que atravessam e figuram como desafios no CAPSi estudado. Retoma-se as classes:

1) "A clínica no CAPSi", classe que compreende as interrogações dos profissionais acerca da dimensão clínica do CAPSi, o que conduz um olhar para-dentro do serviço, especialmente no que se refere às condutas a serem adotadas para o cuidado de usuários com autismo;

2) "Articulação com a Rede", quando são situados os desafios relacionados à efetivação da política intersetorial e do trabalho em Rede;

3) "Imaginário do serviço", que compreende os atravessamentos históricos da saúde mental brasileira, essencialmente marcada pelos modelos biomédicos, ortopédicos e manicomiais, os quais ainda atravessam dispositivos de atenção, como o CAPSi, que por vezes é entendido como um serviço clínico-ambulatorial centrado da figura da especialidade psiquiátrica.

4) "Perfil dos usuários globais", que remonta a lógica histórica de ações dedicadas às crianças e adolescentes considerados "desviantes", seja pelo critério da insanidade, seja pelo critério da pobreza, condição que contribui com a prevalência de usuários provenientes de famílias com baixa renda, em vulnerabilidade social e com vida em contextos de rua nos espaços do CAPSi;

5) "O Cuidado de Usuários AD", que denota a dificuldade do CAPSi constituir-se como um lugar possível para o cuidado dos usuários com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, e, portanto, o frequente "não-lugar" desses usuários no serviço.

Conforme discutido, o fazer em SMCA é um fazer coletivo. Deve valorizar práticas intersetoriais, o cuidado no território e em Rede. Por outro lado, é sabido que cada equipamento da Rede precisa figurar como uma oferta de cuidado singular. É em razão de tal oferta que o CAPSi estudado tem se interrogado, de forma que o serviço, mesmo após dez anos de atividades, situa-se diante os dilemas: "O que temos de diferente em relação aos outros serviços? O que o CAPSi pode fazer pelos usuários que outros equipamentos da Rede não poderiam? A quem, de fato, nos destinamos? Quais resultados terapêuticos tomaremos como norte para direcionarmos nossos tratamentos?"

Longe de responder de forma clara e objetiva tais perguntas, as quais, inclusive, devem estar sempre presentes, o estudo proposto aponta que o CAPSi investigado parece estar encapsulado em seu próprio serviço, com dificuldades de estar de modo mais efetivo no território, assumindo o paradigma psicossocial e exercendo a clínica ampliada. Uma dessas dificuldades foi ilustrada pela diferenciação no cuidado entre a "clínica do transtorno" e a "clínica de álcool e outras drogas". Enquanto o autismo, representante de uma clínica voltada para a psicopatologia em si, conduz um olhar para-dentro do serviço, na medida que se entende a exigência de protocolos clínico-diagnósticos, o "público_ad" é testemunha da dificuldade do serviço olhar para-fora, de tomar como norte de tratamento, também, a ampliação das redes sociais destes usuários e o uso de seus territórios.

Entendemos que privilegiar uma clínica do sofrimento em detrimento de uma clínica do transtorno mental pode ser um meio para essa atuação mais efetiva do ponto de vista da Atenção Psicossocial, uma vez que o sofrimento configura pista sobre a relação narrativa de um sujeito como seu território, isto é, com sua estrutura, laço social e meio ambiente – afinal, não seria "território" o lugar onde a vida biopsicossocial acontece? Todavia, destacamos que as dificuldades de efetivação dessa clínica, que aqui defendemos, não é uma dificuldade só vivenciada neste serviço, posto que ainda há muito o que se trabalhar, política e profissionalmente, para que seja possível exercer a clínica da atenção psicossocial de modo mais efetivo.

No que se refere às desarticulações entre CAPSi e Atenção Primária, mostra-se que o fazer em saúde mental perpassa inevitavelmente por ouvir e responder todas as demandas daqueles que procuram cuidado, por quaisquer motivos que sejam. Não existe, nesse sentido, demanda incorreta, equivocada ou irrelevante. Nessa lógica, além de promover respostas responsáveis às demandas dos usuários, implicando-os em seu sofrimento e processo de cuidado, um serviço de saúde mental de média complexidade também terá a função de responder de forma responsável as demandas dos serviços de saúde da atenção primária, no intuito de fazer circular nesses equipamentos a discussão e a inclusão da "saúde mental" em suas práticas de cuidado. Entende-se, portanto, que persistem dificuldades do CAPSi em assumir seu mandato político de ordenador da demanda de SMCA.

Por fim, destaca-se que o fato dos profissionais situarem a "supervisão clínico-institucional" como um meio possível de se obter "efetividade clínica" deve ser entendido como positivo. No entanto, somente se esse pedido for implicado e interpretado como uma demanda de reconhecimento de que a equipe, portanto, os serviços do CAPSi, não são autossuficientes. Dito de outro modo, a supervisão deve proceder no sentido de empuxar à tarefa da atenção psicossocial e da clínica ampliada.

 

Referências

Avellar, L. Z., & Safra, G. (2018). Saúde mental infantojuvenil: contribuição de alguns conceitos da obra de D. W. Winniccott para a constituição de serviços de assistência In: I. Ferrari & J. Ferreira-Neto (Orgs.), Políticas públicas e clínica: estudos em psicologia e psicanálise (pp. 134-154). Belo Horizonte: Editora PUC Minas        [ Links ]

Belotti, M., Quintanilha, B. C., Tristão, K. G., Ribeiro Neto, P. M., & Avellar, L. Z. (2017). Percepções sobre o Processo de Trabalho em um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil. Trends in Psychology, 25(4), 1547-1557. doi: http://dx.doi.org/10.9788/tp2017.4-04pt         [ Links ]

Bulcão, I. (2002). A produção de infâncias desiguais: Uma viagem na gênese dos conceitos "criança" e "menor". In M. Nascimento (Org.), Pivetes: A produção de infâncias desiguais (pp. 61-73). Niterói: Intertexto        [ Links ]

Camargo, B. V, & Justo, A. M. (2013). IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em psicologia, 21(2), 513-518. doi: http://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16        [ Links ]

Carvalho, I. L., Gondim, A. P., Holana, T. T., & Alencar, V. P. (2014). CAPSi: avanços e desafios após uma década de funcionamento. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 6(14), 42-60. Recuperado em https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/68584/41299        [ Links ]

Costacurta, R., Toso, B. R, & Frank, B R. (2015). Perfil de crianças e adolescentes atendidos em centro de atenção psicossocial. Journal of Nursing UFPE/Revista de Enfermagem UFPE, 9 (supl. 7), 8967- 8984. doi: http://dx.doi.org/10.5205/reuol.8074-70954-1-SM0907supl201506        [ Links ]

Couto, M. C., Duarte, C. S., & Delgado, P. G. (2008). A saúde mental infantil na Saúde Pública brasileira: situação atual e desafios. Revista Brasileira de Psiquiatria, 30(4), 384-389. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462008000400015        [ Links ]

Couto, M. C., & Delgado, P. G. (2015). Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicologia Clínica, 27(1), 17-40. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-56652015000100002        [ Links ]

Delfini, P. S. D. S., Bastos, I. T., & Reis, A. O. A. (2017). Peregrinação familiar: a busca por cuidado em saúde mental infantil. Cadernos de Saúde Pública, 33(12), e00145816. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00145816        [ Links ]

Elia, L. F. (2015). Uma equipe muito especial: a equipe do CAPS. In: M. Kamers, R. Voltolini & R. Mariotto. (Orgs.), Por uma (nova) psicopatologia da infância e da adolescência (pp. 243-264). São Paulo: Editora Escuta.         [ Links ]

Figueiredo, A. C. (2004). A construção do caso clínico: uma contribuição da psicanálise à psicopatologia e à saúde mental. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 7(1), 75-86. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1415-47142004001006        [ Links ]

Fossi, L. C., & Guareschi, N. M. (2015). O modelo de tratamento das comunidades terapêuticas: práticas confessionais na conformação dos sujeitos. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 15(1), 94-115. Recuperado em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v15n1/v15n1a07.pdf        [ Links ]

Furtado, J. P., & Campos, R. O. (2005). A transposição das políticas de saúde mental no Brasil para a prática nos novos serviços. Revista Latinoamericana De Psicopatologia Fundamental, 8(1), 109- 122. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1415-47142005001011        [ Links ]

Hoffmann, M. C. C. L., Santos, D. N., & Mota, E. L. A. (2008). Caracterização dos usuários e dos serviços prestados por Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil. Cadernos de Saúde Pública, 24(3), 633-642. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000300017        [ Links ]

Iglesias, A., & Avellar, L. Z. (2014). Apoio Matricial: um estudo bibliográfico. Ciência & Saúde Coletiva, 19(9), 3791-3798. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014199.00322013        [ Links ]

Lacan, J. (2003). Ata de fundação da Escola Freudiana de Paris. In: Outros escritos(pp. 235- 247). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1964)        [ Links ]

Lobosque, A. M. (2011). Debatendo alguns desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira. Ciência & Saúde Coletiva, 16(12), 4590-4592. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001300003         [ Links ]

Ministério da Saúde. (2002). Portaria n. 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, DF. Recuperado em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0336_19_02_2002.html        [ Links ]

Ministério da Saúde. (2003). Saúde mental e atenção básica: O vínculo e o diálogo necessários. Brasília: MS Editora, 2003. Recuperado em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/diretrizes.pdf         [ Links ]

Ministério da Saúde. (2005). Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Brasília: MS Editora. Recuperado em 14 de junho, 2017, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/05_0887_M.pdf         [ Links ]

Ministério da Saúde (2009). Clínica ampliada e compartilhada. Brasília: MS Editora. Recuperado em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_compartilhada.pdf         [ Links ]

Ministério da Saúde. (2011). Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011: Diário Oficial da União: Brasília, DF. Recuperado em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html         [ Links ]

Ministério da Saúde. (2014a). Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. Brasília: MS Editora. Recuperado em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_psicossocial_criancas_adolescentes_sus.pdf         [ Links ]

Ministério da Saúde. (2014b). Fórum Nacional de Saúde Mental Infantojuvenil:recomendações: de 2005 a 2012. Brasília: MS Editora. Recuperado em 19 de setembro, 2017, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/forum_nacional_saude_mental_infantojuvenil.pdf        [ Links ]

Moreira, C. P. (2016). CAPSi: a que será que se destina? Análise dos processos decisórios sobre os casos acolhidos em um CAPSi de Salvador. Dissertação (Mestrado em Saúde Comunitária) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. Recuperado em http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/21666        [ Links ]

Reis, A. O., Delfini, P. S. S., Dombi-Barbosa, C., & Oliveira, M. F. A. P. B. (2010). Crianças e adolescentes em sofrimento psíquico atendidos nos Centros de Atenção Psicossocial infantojuvenis. In: E. Lauridsen-Ribeiro & O. Y. Tanaka (Eds.), Atenção em Saúde Mental para crianças e adolescentes no SUS (pp.186-210). São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Rinaldi, D. L., & Bursztyn, D. C. (2008). O desafio da clínica na atenção psicossocial. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 60(2), 32-39. Recuperado em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v60n2/v60n2a05.pdf        [ Links ]

Ronchi, J. P. & Avellar, L. Z. (2010). Saúde mental da criança e do adolescente: a experiência do CAPSi da cidade de Vitória-ES. Psicologia: Teoria e Prática, 12(1), 71-84. Recuperado em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v12n1/v12n1a07.pdf        [ Links ]

Ronchi, J. P. & Avellar, L. Z. (2013). Ambiência na Atenção Psicossocial Infantojuvenil: um estudo no CAPSi. Saúde e Sociedade, 22(4), 1045-1058. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902013000400008        [ Links ]

Silva, M. E., & Ferrari, I. F. (2018) Dificuldades de adesão ao tratamento nos CAPSi por adolescentes usuários de drogas: a singularidade como princípio propositivo e os desafios da prática. In: I. Ferrari & J. Ferreira-Neto (Orgs.), Políticas públicas e clínica: estudos em psicologia e psicanálise (pp. 92- 111). Belo Horizonte: Editora PUC Minas.         [ Links ]

Souza, A. C. (2006). Ampliando o campo de atenção psicossocial: a articulação dos centros de atenção psicossocial com a saúde da família. Escola Anna Nery, 10(4), 703-710. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452006000400012        [ Links ]

Taño, B. L. (2014). Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis (CAPSi) e as práticas de cuidado para as crianças e adolescentes em intenso sofrimento psíquico. Dissertação (Mestrado em Terapia Ocupacional) – Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil. Recuperado em http://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/865/624        [ Links ]

Teixeira, R. M., & Jucá, V. J. (2014). Caracterização dos usuários de um centro de atenção psicossocial infantojuvenil do município de Salvador (BA). Revista de Psicologia, Fortaleza, 5(2), 70-84. Disponível em http://www.periodicos.ufc.br/psicologiaufc/article/view/1477/1375        [ Links ]

Tristão, K. G. (2018). CAPSij como lugar de cuidado para crianças e adolescentes em uso de substâncias psicoativas. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil. Recuperado em http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_9223_TESE%20Kelly%20Guimar%E3es%20Trist%E3o.pdf        [ Links ]

Tristão, K. G., & Avellar, L. Z. (2019). A estratégia de redução de danos no cuidado a adolescentes em uso de substâncias psicoativas. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, 11(30), 55-77. Recuperado em https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/69726/42272        [ Links ]

Viganò, C. (2010). Avaliação e evidência clínica na saúde mental. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13(3), 469-481. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-47142010000300007        [ Links ]

Visani, P., & Rabello, S. (2012). Considerações sobre o diagnóstico precoce na clínica do autismo e das psicoses infantis. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 15(2), 293-308. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1415-47142012000200006        [ Links ]

 

 

Recebido em setembro de 2019 – Aceito em março de 2020.

 

 

1 Principais pontos de atenção da RAPS: Unidades Básicas de Saúde; Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Consultórios da rua; Centros de Convivência; Centros de Atenção Psicossocial nas suas diferentes modalidades; Atenção de Urgência e Emergência; Unidades de Acolhimento; Serviços de atenção em regime residencial; Leitos de saúde mental, álcool e outras drogas em Hospitais Gerais e Serviços Residenciais Terapêuticos (Ministério da Saúde, 2011).
2 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior– Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, sendo derivado da Dissertação de Mestrado do primeiro autor sob a orientação da segunda autora. Leitão, I. B. (2018). O centro de atenção psicossocial infanto-juvenil (CAPSij) de Vitória: dez anos de funcionamento. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do Espirito Santo, Vitória, ES, Brasil.
Revisão gramatical: Profª Ediliane Brito de Araújo
E-mail: grafia.al@hotmail.com

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons