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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH v.7 n.2 Rio de Janeiro dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Psicologia hospitalar: breves incursões temáticas para uma (melhor) prática profissional

 

Hospitable psychology: brief thematic incursions for one (better) professional practice

 

 

Fausto Eduardo Menon Pinto1

Prefeitura de Aguaí - São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este material tem como proposta discutir algumas idéias provenientes a partir do término de uma experiência em psicologia hospitalar na Região Metropolitana de Campinas, São Paulo. Discute-se neste breve relato de experiência, entre os muitos aspectos, a importância de se produzir um roteiro padronizado de exame psicológico a fim de conhecer o dinâmico funcionamento psicológico do paciente hospitalizado, principalmente a partir de duas dimensões psicológicas básicas: cognição e afetividade.

Palavras-chave: Psicologia, Psicologia hospitalar, Cognição, Afetividade.


ABSTRACT

This text has as proposal to argue some ideas proceeding from the ending from an experience in hospital psychology in the Region Metropolitan of Campinas, São Paulo. It is argued in this story of experience, between the many aspects, the importance of if producing a script standardized of mental states in order to know the dynamic functioning psychological of the hospitalized patient, especially starting from two basic psychological dimensions: cognitive and affective.

Keywords: Psychology, Hospital psychology, Cognition, Affectivity.


 

 

Introdução

Este material tem como intento apresentar, de forma muito despretensiosa, um pequeno caminho na práxis do psicólogo hospitalar, notadamente a partir da descrição de uma vivência em um Hospital Particular da Região Metropolitana de Campinas/São Paulo; experiência esta compreendida entre o ano de 2000 até meados do primeiro semestre de 2002.

Em vista disso, nas páginas seguintes, pretende-se iniciar uma breve discussão que aborda o funcionamento psicológico do paciente hospitalizado, em condições especiais de adoecimento. Neste sentido, inicia-se com a descrição de uma paciente e logo após sugere-se um modelo de preenchimento de relatório de exame psicológico em que sejam revistas três categorias psíquicas, sobre as quais citam-se: a cognição, a afetividade e os intra e inter-relacionamentos.

 

O universo psicológico no contexto hospitalar: o caso Mm

“Existem outros mundos, mas estão neste”
Paul Eluard

O relato de experiência, que se será descrito logo a seguir, corresponde ao término de um aprendizado em um Hospital Geral, pertencente a uma instituição particular prestadora de serviços de saúde, na Região Metropolitana de Campinas.

No que diz respeito aos inúmeros pacientes atendidos, a partir de agora se propõe pela descrição parcial de um deles, quer seja pela natureza complexa de seus conteúdos psicológicos. Desde o começo, vale deixar sublinhado, aos leitores, que ela será tratada de Mm, ao longo do texto, por questões de ética, prevalecendo então o sigilo de sua identidade.

A paciente reside na circunvizinhança da cidade de Campinas, havia concluído curso superior e, nos dias de hoje, trabalha em uma empresa, prestando acessoria administrativa na área de saúde. Quanto ao seu problema de saúde orgânica, inicialmente o corpo clínico do hospital constatou um quadro de cefaléia – ou seja, dores de cabeça de grande ardor na região frontal – dentre outros diagnósticos complementares realizados pelos profissionais da saúde. A equipe de enfermagem comenta que naquela ocasião a paciente “... está poliqueixosa e tem tratado muito agressivamente a gente” (verbalização de uma enfermeira).

Em um primeiro momento, encontra-se a paciente logo no corredor de uma das alas do hospital, apresenta-se como Psicólogo e é proposto um ambiente para se conversar melhor, se assim ela quisesse. Sem demonstrar qualquer hesitação aparente, ela aceita. Caminha-se até um jardim, a seu convite. Ao chegar neste local, curiosamente, decide sentar-se na grama e não em uma das cadeiras de metal que havia à sua frente.

Como uma primeira observação, a paciente mostrava um cansaço físico e psíquico, diz-se isso por sua musculatura facial contraída, sem grandes gesticulações e com verbalização monossilábica. Ainda assim, consegue se ater ao presente e com um fluxo de consciência também focalizado ao passado. Pode-se observar que a sua fala era bem acentuada e com pouco uso de adjetivos descritivos referidos à sua estada no hospital e experiências afins.

De maneira complementar, pode-se pressupor que Mm “refina” cognitivamente as suas percepções, subtraindo, nas verbalizações, prováveis experiências angustiantes e deixando aquelas que consiga “tolerar” ao vê-las frente a frente. Em uma primeira interpretação destes dados, pode-se supor que diante dos eventos angustiantes que experienciou na vida, Mm usa de um humor inigualável, uma vez que ao perceber-se que está em um mundo de angústia, ri compulsivamente. Segue, depois deste riso, um choro de dúvida, autodepreciação e com muita auto-agressividade, em razão da qualidade de seus conteúdos psicológicos.

Considerando todos esses aspectos, em um dos muitos conteúdos psicológicos, destaca-se uma rememoração de Mm ao refletir sobre a sua mãe. De acordo com Mm, é muito difícil compreender as atitudes de sua mãe, que para ela é moralista e afetivamente distante, e ao mesmo tempo de seu pai, sempre ausente. Neste ínterim, começou a relembrar alguns períodos de sua vida em que “quando garota me oferecia sexualmente alguns garotos do meu bairro, sem o consentimento de minha mãe...”(sic). Na seqüência da verbalização, segundo informações da própria paciente, soma-se o fato de que há muito tempo vinha se sentindo angustiada com o seu casamento, quer por não conseguir relacionar afetiva e sexualmente com o seu marido.

Do ponto de vista psicológico, é fundamental realçar que todas as informações, elencadas pela própria verbalização da paciente hão de ser muito significativas, durante o preenchimento de um relatório de atendimento, ao declararem um modelo singular de estruturação, organização e funcionamentos psíquicos. No entanto, na hora de preencher o relatório de atendimento, que ficava em anexo ao prontuário do paciente, o modelo principal de raciocínio estava em reestruturar um texto em que devia conter, resumidamente, parte do discurso da paciente, acrescidos de algumas observações do atendimento; decompondo-o assim em matizes cada vez mais individuais, sem procurar assinalar conjuntamente qualquer relação, e possível co-relação, entre afetividade e cognição.

É bem provável que, na elaboração de um relatório psicológico hospitalar, os conteúdos psicológicos, seja ele afetivo, seja ele cognitivo, ficavam separados entre si. Acredita-se portanto que o relatório reportava a uma linguagem compromissada tão-só pela objetividade e padronização do discurso da paciente, o que deixava de mencionar toda a riqueza psicológica encontrada no descrição subjetivo-vivencial da paciente, ou seja as suas experiências e suas respectivas características particulares.

 

Um modelo de exame psicológico hospitalar: uma breve introdução

Antes de se comentar sobre a sugestão de um roteiro de exame psicológico hospitalar, acredita-se que seja fundamentalmente interessante procurar entender o papel do psicólogo hospitalar. Para começar, como se sabe o Hospital Geral é uma das novas áreas de atuação do saber psicológico.“Desta forma, a psicologia hospitalar intervém na forma do paciente conceber e vivenciar os problemas gerados pela patologia orgânica, pela hospitalização, pelos tratamentos e pela reabilitação” (Alamy, 2003, p. 15).Com alusão a todas essas informações, alguns debates teóricos atuais (como se pode observar em Giannotti, 1996, 2001; Romano, 1999; APA, 1998; Almeida, 2000; Angerami-Camon, 2003) vêm enfatizando substancialmente que os fenômenos psicológicos são muito significativos no processo de adoecimento do ser humano, sendo de tal modo que...

“Quando o indivíduo é hospitalizado, quer por opção própria quer não, essa opção promove a vivência de uma ruptura de pontos referenciais que acabam por gerar sofrimento, sensação de abandono, medo do desconhecido, fantasias e temores” (Hartmann, 1999, p. 36).

Sobre o parágrafo anterior, é compreensível dizer que os psicólogos hospitalares...

“...ajudam os pacientes a entenderem o funcionamento de seu corpo, a compreenderem as manifestações de sua doença, a acompanharem o seu tratamento e a apreenderem a se pronunciar, a verbalizar a sua queixa...” (Campos, 1995, p. 101).

A partir daí, reconhece que o trabalho do profissional de psicologia, dentro de uma instituição prestadora de saúde, condiz com a função de oferecer um suporte psicológico ao paciente internado. Quanto a essa questão, entende-se como suporte psicológico no campo hospitalar o uso de técnicas e procedimentos, advindos de construtos teórico-psicológicos, que auxiliam sensivelmente o paciente a compreender o seu universo psicológico; em outras palavras, significaria compreender os conflitos nas principais esferas: pessoal ou intra e inter-relacionais que potencialmente podem influenciar o funcionamento psicológico.

Investido nesse propósito, a fim de auxiliar a compreensão do universo psicológico, começa-se a refletir, ainda que modo preliminar, acerca da elaboração de alguns roteiros e instrumentos padronizáveis, específicos para o contexto hospitalar. Para simples efeito de explicação, descreve-se, logo abaixo, um quadro contendo alguns descritores ou categorias psicológicos que poderiam ser mais bem detalhados no preenchimento de um relatório de atendimento, elaborado então pelo psicólogo hospitalar.

Observação: As informações deste quadro foram extraídas de Pinto (2003b, pp. 2363-2364)

De início, pode-se averiguar que o quadro acima busca viabilizar um viés de estudo psicológico segundo o qual se possa avaliar o funcionamento psíquico do paciente hospitalizado em três grandes categorias temáticas. De mesmo modo, note-se que essas idéias, assim como outros estudos paralelos (Pinto, 2003a, 2003c, 2004b, 2005a, 2005b), procuram assinalar para novos caminhos teóricos e empíricos na compreensão do ser humano psicológico, principalmente no tocante ao seu funcionamento psíquico, vindo a sugerir que a configuração do pensamento se organiza complexamente através da cognição e também da afetividade. Tomando-se como referência essa afirmativa, pode-se supor que a afetividade passaria de um mero estado “energético ou motivacional” para “...englobar uma porção de estados de ânimo e, além do mais, englobando uma organização viva de significados e conteúdos psicológicos; como tristeza, amor, paixão, inveja, desesperança e outros mais” (Pinto, 2004a, pp. 25-26). Enfim, a afetividade é a dimensão psíquica que vivifica e colore as mais variadas experiências, objetos e pessoas, fomentando uma respectiva “qualidade psicológica” aos mesmos.

 

CONCLUSÃO

Neste material procurou-se argüir sobre o funcionamento psicológico de seres humanos em condições especiais de hospitalização. Com esse fim, sugeriu-se um roteiro de exame psíquico hospitalar, segundo o qual possibilite explorar alguns aspectos vivenciais do paciente, entre eles destacam-se a cognição e a afetividade. Por conclusão, toda esta reflexão vem sugestionar que a área hospitalar carece, por si só, uma discussão mais particularizada acerca de sua especificidade quanto à atuação do saber psicológico, com novos estudos empíricos focados em modelos psicoterapêuticos embasados no funcionamento psicológico do paciente.

Assim sendo, deve-se continuar a repensar sobre a práxis do psicólogo hospitalar de maneira que ele possa (melhor) construir a sua identidade profissional no atendimento psicológico, procurando observar meticulosamente o universo psicológico do paciente por meio de três grandes áreas temáticas: cognição, afetividade e intra e inter-relacionais.

 

Referências bibliográficas

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Romano, B. W. Princípios para a prática da psicologia clínica em hospitais. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua Nova Aliança, 164 - Novo Cambuí
13093-630 Campinas - SP
E-mail: faustomenon@bol.com.br

 

 

1 Psicólogo, Mestre em Educação pela FE/Unicamp e Professor de Psicologia da Prefeitura de Aguaí/São Paulo.

 

 

5) ANEXO 1

 

O exame psicológico hospitalar...

O desenho esquemático traz, visualmente, um pequeno esboço acerca da compreensão preliminar do funcionamento psicológico do paciente no contexto hospitalar. Neste esquema com setas bidirecionais, observa-se que o funcionamento psicológico do paciente pode ser entendido como o fruto de uma organização dinâmica entre a cognição, a afetividade e os seus intra e inter-relacionamentos, o que de fato poderia ser avaliado através de um exame psicológico hospitalar.

 

5) Anexo 2

Modelo de exame psicológico hospitalar

Paciente:----------------------------------------------------------------------------------------------- Leito/ala:------------------------Data:-------------------- Assinatura:----------------------------------

 

COGNIÇÃO

 

Percepção

Normal ( )
Déficit ( )
Ilusão ( )
Alucinação ( )
Delírio ( )

 

Atenção

Normal ( )
Instável ( )
Superficial ( )
Dispersa ( )
Ausência ( )

 

Memória

Normal ( )
Aleração de fixação ( )
Alteração de evocação ( )
Déficit ( )
Amnésia ( )

 

Imaginação

Sucinta ( )
Excessiva ( )
Lacônica ( )
Romântica ( )
Paranóide ( )

 

Idéias / Associação

Normal ( )
Lenta ( )
Rápida ( )
Fuga de idéias ( )
Confusão ( )

 

Consciência

Normal ( )
Alteração de tempo ( )
Alteração de espaço ( )
Alteração da percepção do "eu" ( )
Ruptura ( )

 

AFETIVIDADE

Estados afetivos

Alegria ( )
Mania ( )
Irritabilidade ( )
Insegurança ( )
Desesperança ( )
Culpa ( )
Cólera ( )
Depressão ( )
Apatia ( )
Tristeza ( )
Desânimo ( )
Inércia ( )
Melancolia ( )
Luto ( )
Insatisfação ( )
Outro ( ) qual?

 

Intra e inter-relacionamentos/Visão de si (Self)

Relacionamento afetivo

Freqüentes ( )
Duradouros ( )
Estáveis ( )
Instáveis ( )
Retraimento afetivo ( )

 

Relacionamento Familiar

Há cumplicidade ( )
Há companheirismo ( )
Há confiança ( )
Há apoio ( )
Há hostilidade ( )

 

Visão de si (Self)

Atribui qualidades a si próprio ( )
Possui hobbes ( )
Demonstra e devolve afeto ( )
Auto-estima rebaixada ( )
Autoconceito rebaixado ( )
Frustra-se com certa facilidade ( )
Planeja o seu futuro ( )
Satisfeito na profissão ( )
Recebe e devolve elogios ( )
Deseja e realiza ( )
Percebe o ambiente de forma hostil (“ameaçador”) ( )

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