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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH v.9 n.1 Rio de Janeiro jun. 2006
As diferentes manifestações do transtorno de estresse pós traumático (TEPT) em crianças vítimas de abuso sexual
The different manifestations of the transtorno de estresse pós traumático (TEPT) in children victims of sexual abuse
Liana Höher de Oliveira*; Cláudia Simone S. dos SantosI, **
I Universidade Luterana do Brasil - Canoas
RESUMO
O presente artigo trata de uma pesquisa quantitativa, buscando investigar as diferentes manifestações do Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT) em crianças vítimas de abuso sexual, dando ênfase em quatro fatores (físicos, psicológicos, psicológicos com componente depressivo e psicofisiológicos) que compõem o TEPT, com a finalidade de compreender determinados comportamentos apontados por elas. Foi aplicada a Escala de Stress Infantil ESI, em 30 crianças vítimas de abuso sexual. Os dados foram analisados estatisticamente através do pacote estatístico SPSS (Statistic Package for the Social Sciences) e obtivemos como resultado que o Transtorno de Estresse Pós traumático se mostrou presente em 36,7% o que vem a ser um dado significativo e relevante dentre os 63,3% que não apresentaram TEPT.
Palavras-chaves: Transtorno de estresse pós-traumático, Criança vitimizada, Manifestações do transtorno de estresse pós-traumático.
ABSTRACT
The present article deals with a quantitative research, searching to investigate the different manifestations of the Transtorno de Estresse Pós (TEPT) in children victims of sexual abuse, giving emphasis in four factors (physicists, psychological, psychological with depressive component and psychophisologics) that they compose the TEPT, with the purpose to understand definitive behaviors pointed for them. Escale de Infantile Stress - ESI was applied, in 30 children victims of sexual abuse. The data had been analyzed statistically through statistical package SPSS (Statistic Package will be the Social Sciences) and got as resulted that the Upheaval of Stresse After Traumatic if showed gift in 36,7% what comes to be significant and excellent data amongst 63.3% that they had not presented TEPT.
Keyword: Upheaval of estresse after traumatic, Vitimized child, Manifestations of the upheaval of stress after traumatic.
Introdução
Até muito recentemente, o abuso sexual infantil era tratado como um assunto proibido na sociedade. Entretanto, de alguns anos pra cá esse tabu vem sendo quebrado, principalmente por conta da ação dos movimentos feministas, visto ser a mulher a vítima mais comum. E o que tem sido encontrado é alarmante, não apenas em freqüência de tais práticas, mas também em termos de conseqüências biopsicossociais. A criança, além de todo o sofrimento durante o abuso sexual, pode sofrer danos a curto e longo prazo; e uma simples intervenção precoce e efetiva pode ter impacto decisivo, a longo prazo, no crescimento e desenvolvimento da criança e um efeito positivo em todo o funcionamento da família (Sanderson, 2005).
O abuso sexual infantil constitui um fenômeno social grave, ocorre em todas as culturas e classes sociais. O conceito de Abuso Sexual infantil possui diferentes definições. Essas definições variam de acordo com os comportamentos, situações e circunstâncias que possam ser considerados ou não abusivos (Kalichman, 1993 apud Kristensen). Como o abuso infantil é de natureza social e cultural há inconstâncias entre as culturas e subculturas em relação à definição precisa do que constitui abuso (Sanderson, 2005).
Revisão Bibliográfica
Há definições que abordam, o relevante aspecto de poder entre abusador e vítima e também a possibilidade do abuso sexual não envolver essencialmente contato físico ou quando o abusador se tratar de um adolescente ou outra criança (Amazarray, 1998).
Existe, portanto, uma definição ampla e abrangente de Abuso Sexual Infantil que não restringe o abuso apenas à atividade ou ato em si, mas envolve também interações que podem ser até verbais (Kristensen,1996).
No entanto, se faz necessário nesta pesquisa o uso de uma definição para que posteriormente possamos compreender o possível impacto que o abuso sexual pode causar em crianças.
Definição de Abuso Sexual Infantil
Araújo (2002) refere que o abuso sexual infantil é uma forma de violência que envolve poder, coação e/ou sedução. É uma violência que envolve duas desigualdades básicas: de gênero e geração. O abuso sexual infantil é freqüentemente praticado sem o uso da força física e não deixa marcas visíveis, o que dificulta a sua comprovação, principalmente quando se trata de crianças pequenas. O abuso sexual pode variar de atos que envolvem contato sexual com ou sem penetração a atos em que não há contato sexual, como o voyeurismo e o exibicionismo.
Em Sanderson (2005) o abuso sexual infantil é definido de uma forma ampla e abrangente, tal como segue:
O envolvimento de crianças e adolescentes dependentes em atividades sexuais com um adulto ou com qualquer pessoa um pouco mais velha ou maior, em que haja uma diferença de idade, de tamanho ou de poder, em que a criança é usada como objeto sexual para a gratificação das necessidades ou dos desejos, para a qual ela é incapaz de dar um consentimento consciente por causa do desequilíbrio no poder, ou de qualquer incapacidade mental ou física. Essa definição exclui atividade sexual consensual entre colegas.
Incorporados nessa definição estão todos os tipos de encontros sexuais e comportamentos que abrangem aliciamento sexual, linguagem ou gestos sexualmente sugestivos, uso de pornografia, voyerismo, exibicionismo, carícias, masturbação e penetração com os dedos ou pênis. Ela inclui quaisquer atos sexuais impostos à criança ou adolescente por qualquer pessoa dentro da família, ou fora dela, que abuse de sua posição de poder e confiança (Sanderson, 2005).
Essa definição inclui quaisquer crianças e adultos que tenham poder sobre elas e em que depositem confiança. Dentro da família, isso inclui pai, mãe, padrastos, madrastas, amigos residentes homens/mulheres da família, tios, tias, irmãos, irmãs, irmãos adotivos, avós, primos e todas as outras combinações de parentes homens e mulheres na família ampliada. Indivíduos fora da família incluem adultos homens e mulheres, ou colegas mais velhos, que sejam in loco parentes e, assim, tenham autoridades e poder sobre a criança, tais como babás, funcionários de creches, professores, técnicos de esportes, técnicos de clubes, responsáveis, representantes de instituições religiosas e aqueles que cuidam de criança para instituições, residências e orfanatos. Também inclui outras pessoas da comunidade que possam ou não ser conhecidas da criança, tais como vizinhos, donos de loja e demais moradores ou trabalhadores da redondeza (Sanderson, 2005).
Abuso Sexual Infantil Intrafamiliar
O abuso sexual infantil intrafamiliar designa o abuso que ocorre na família, também chamado de incesto, envolvendo parentes que vivem ou não sob o mesmo teto, embora a probabilidade de ocorrência seja maior entre parentes que convivem cotidianamente no mesmo domicílio (Amazarray, 1998).
O abuso sexual dentro da família pode incluir tanto os pais biológicos ou os padrastos e madrastas quanto quaisquer outros cuidadores que a criança deposita confiança e para as quais têm algum poder ou autoridade sobre ela (Sanderson, 2005).
O Abuso sexual infantil (ASI) intrafamiliar também é conhecido como incesto. Existem cinco tipos de relações incestuosas: pai-filha, irmão-irmã, mãe-filha, pai-filho, mãe-filho (Sanderson, 2005).
O abuso sexual infantil intrafamiliar é considerado o mais comum. Raramente é feito o diagnóstico, pois a família parece levar uma vida normal e tranqüila na comunidade (Sanderson, 2005).
Em muitas famílias pode-se observar a reprodução de uma cultura familiar onde à violência e o abuso sexual acontecem e se mantêm protegidos pela lei do silêncio. Esse segredo familiar pode percorrer várias gerações sem ser denunciado. Há um mito em torno dele, não se fala, mas todos sabem ou parecem saber da sua existência, mesmo que ignorem o conteúdo; mas silenciam, num pacto inconsciente com o agressor ou em nome de uma pseudo-harmonia familiar. Nas famílias incestuosas a lei de preservação do segredo familiar prevalece sobre a lei moral e social. A prática do incesto geralmente perdura por muitos anos com uma relação de confiança estabelecida e ocorrem com o conhecimento, aprovação e cobertura de outros membros da família (Amazarray, 1998).
É por isso que é tão difícil a denúncia e a sua confirmação. A criança ou adolescente vitimada reluta em denunciar o agressor, pois corre o risco de ser desacreditada, insultada, punida ou até afastada de casa sob a acusação de destruir a harmonia e a unidade familiar (Araújo, 2002).
Abuso Sexual Infantil Extrafamiliar
Este tipo de violência ocorre fora do âmbito familiar, podendo ser cometida por conhecidos, como vizinhos, ou pessoas totalmente desconhecidas (Furniss, 2002).
O abuso sexual infantil extrafamiliar apresenta menor freqüência que o abuso intrafamiliar, porém acontece em níveis bastante elevados (Amazarray, 1998). O abuso sexual tem sido relatado em escolas, creches e lares grupais, onde os adultos que cuidam das crianças são os principais perpetradores (Kaplan & Sadock, 1999).
No abuso sexual prolongado extrafamiliar da criança, faz-se necessário identificar os fatores predisponentes (distância emocional, rejeição e negligência dos pais) que tornam a criança vulnerável a esse tipo de abuso, além de tratar os efeitos sobre a criança e também sobre a família. As reações parentais comuns são de desamparo, sentimento de completa perda de controle, auto-censura e sentimentos de culpa. Deve haver um tratamento direcionado à família, com grande valor preventivo (Furniss, 2002).
O Impacto do Abuso Sexual Infantil
O impacto do abuso sexual infantil pode variar consideravelmente. Que ele tem um impacto na criança está claro, mas até que ponto esse impacto é prejudicial é algo discutido por um pequeno número de pesquisadores. Ainda que a maior parte da literatura a respeito demonstre que o abuso sexual infantil é sempre prejudicial à criança, vários estudos afirmam o contrário, alegando que pode ser até uma experiência positiva para ela. Tais estudos argumentam que o dano maior é provocado pela reação dos adultos e dos profissionais diante da revelação, e essa reação é responsável pelo trauma verificado na criança (Sanderson, 2005).
No entanto, nas vitimizações sexuais, além das lesões físicas e genitais sofridas, a criança torna-se mais vulnerável a outros tipos de violência, a longo prazo podem ocorrer distúrbios sexuais, uso de drogas, prostituição, depressão e suicídio. As vítimas enfrentam ainda a possibilidade de adquirirem doenças sexualmente transmissíveis, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e o risco de uma gravidez indesejada decorrente do estupro. Diante dessa magnitude de eventos, a violência sexual adquiriu caráter endêmico, convertendo-se num complexo problema de saúde pública cujo enfrentamento torna-se um grande desafio para a sociedade (Ribeiro, Ferriani & Reis, 2004). Há vários fatores associados ao impacto do abuso sexual infantil, que, na maioria das vezes, são prejudiciais ao desenvolvimento da criança. Tais fatores são agravantes devido ao efeito traumático que podem exercer na criança. São eles:
• A idade da criança na época do abuso.
• A duração e a freqüência do abuso sexual.
• O(s) tipo(s) de ato(s) sexual (is).
• O uso da força ou da violência.
• O relacionamento da criança com o abusador.
• A idade e o sexo do abusador.
• Os efeitos da revelação.
Os pesquisadores descobriram que o maior trauma ocorre quando a criança tem um relacionamento próximo com o abusador, o abuso é prolongado e freqüente, a atividade sexual inclui penetração e o abuso sexual infantil é acompanhado por violência e agressão ( Sanderson, 2005 apud Groth & Birnbaum ).
Referem também que a participação da criança na atividade sexual, atitudes negativas dos pais quando da revelação e principalmente a idade da criança na ocasião do abuso são fatores que interferem negativamente para a formação do trauma (Sanderson, 2005).
Apesar da complexidade e da quantidade de variáveis envolvidas no impacto do abuso sexual na criança, a literatura, baseada em casos clínicos e em algumas pesquisas, apresenta alguns sintomas normalmente presentes nas vítimas de abuso sexual. Kendall-Tackett, Williams e Finkelhor (1993) analisaram os estudos recentes sobre os efeitos do abuso sexual e dividiram as conseqüências de acordo com as idades pré-escolar (0 a 6 anos), escolar (7 a 12 anos) e adolescência (13 a 18 anos). Os sintomas mais comuns em pré escolares são: ansiedade, pesadelos, transtorno de estresse pós-traumático e comportamento sexual inapropriado. Para as crianças em idade escolar, os sintomas mais comuns incluem: medo, distúrbios neuróticos, agressão, pesadelos, problemas escolares, hiperatividade e comportamento regressivo. Na adolescência, os sintomas comuns são: depressão, isolamento, comportamento suicida, auto-agressão, queixas somáticas, atos ilegais, fugas, abuso de substâncias e comportamento sexual inadequado. Sintomas comuns às três fases de desenvolvimento são: pesadelos, depressão, retraimento, distúrbios neuróticos, agressão e comportamento regressivo. Isso leva a pensar em efeitos a longo prazo causados pela experiência de abuso sexual na infância.
Muitos autores enfatizam o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) como uma conseqüência a curto prazo muito comum do abuso sexual (Flores & Caminha, 1994; Kendall-Tackett, Williams & Finkelhor, 1993; Gabbard, 1992; Kaplan & Sadock, 1990; Browne & Finkelhor, 1986). O TEPT está ligado a experiências incomuns da existência humana, que causam um impacto emocionalmente severo no indivíduo (Gabbard, 1992), sendo que o agente causal é externo e a tentativa da vítima de organizar o sentido da experiência traumática gera condutas ou estruturas de pensamento patológicas (Amazarray, 1998; Flores & Caminha, 1994).
Transtorno de Estresse Pós-Traumático
Em sua raiz etimológica grega, "trauma" significa lesão causada por um agente externo. Essa definição migrou para o campo psicológico, e com freqüência supõe-se que um trauma ocorre quando as defesas psicológicas naturais falham. O trauma psíquico foi descrito por Freud como um afluxo de excitações excessivo em relação à tolerância do indivíduo e à sua capacidade de dominar e de elaborar essas excitações. A maneira como as pessoas processam o evento estressante após sua ocorrência pode ser determinante para que o trauma seja configurado ou não. A caracterização de um evento como traumático não depende somente do estímulo estressor, mas, entre outros fatores, da tendência do processamento perceptual do indivíduo. Atualmente, compreende-se que traumas psicológicos podem afetar a qualidade de vida com grande impacto, caracterizando o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Recordações aflitivas, revivescência do trauma, pensamentos indesejáveis recorrentes, estado de alerta, dificuldade em dormir, distanciamento afetivo, entre outros sintomas, podem ser indicadores do TEPT (Peres, 2005).
De acordo com o DSM-IV-TR (1994) o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é um transtorno de Ansiedade caracterizado pela revivência de um evento extremamente traumático, acompanhado por sintomas de excitação aumentada e esquiva de estímulos associados com o trauma.
Os eventos traumáticos são experiências diretas ou testemunhos relacionados à violência física e/ou moral como agressão pessoal, roubo, seqüestro, ataque sexual, combate militar, tortura, encarceramento como prisioneiro de guerra ou em campo de concentração, desastres naturais ou causados pelo homem, acidentes automobilísticos, entre outros (Knapp & Caminha, 2003).
As memórias traumáticas são inseridas numa família de experiências que reúne características clínicas como vivacidade sensorial, capacidade de disparar emoções e disforia (Knapp & Caminha, 2003).
Os critérios diagnósticos do TEPT classificados no DSM-IV-TR (1994) referem também que há três especificadores que podem ser usados para definir o início e a duração dos sintomas do TEPT:
Agudo: quando a duração dos sintomas é inferior a 3 meses.
Crônico: quando a duração dos sintomas é superior a 3 meses.
Com Início Tardio: pelo menos 6 meses decorrem entre o evento traumático e o início dos sintomas.
Neurobiologia do TEPT
Em 1890, o psicólogo William James propôs que uma experiência vivida poderia gerar uma impressão tão excitante do ponto de vista emocional, que seria capaz de deixar uma marca (cicatriz) nos tecidos cerebrais (Oliveira, Pergher & Stein, 2005).
O estresse fornece ao indivíduo a capacidade adaptativa, portanto, deixa marcas memorizadas no córtex a fim de que possamos aprender com a experiência e saibamos como reagir a diferentes eventos (Oliveira, Pergher & Stein, 2005).
Quando o indivíduo é sujeito à ação de um "perigo", seja ele real ou imaginário, o organismo se mantém sempre pronto para uma reação e apresenta as reações fisiológicas necessárias para o evento, acrescidas de conseqüências emocionais e comportamentais (Oliveira, 2001). Desta forma, no caso do TEPT, as conseqüências emocionais e comportamentais parecem ocorrer de forma desorganizada e ficam gravadas dessa maneira. O evento traumático é revivido mesmo quando a pessoa não é submetida ao estímulo estressor.
Esta recorrência de memórias vívidas, incontroláveis, na forma de flashbacks ou pesadelos, sinaliza o sentido de uma memorização defeituosa da situação traumática. Com efeito, avanços na neurobiologia do TEPT apontam para uma consolidação excessiva de memórias aversivas, de conteúdo emocional. A contínua evocação dessas memórias parece ser um dos mecanismos subjacentes à manutenção dos sintomas de TEPT por longos períodos de tempo. A evocação normal de memórias pressupõe um fluxo relativamente ordenado e orientado para questões presentes. As revivências do TEPT se caracterizam pela desconexão com o fluxo normal do pensamento. Freqüentemente os pacientes descrevem as memórias ligadas ao trauma como autônomas ou parasitárias. De forma similar às intrusões características do Transtorno Obsessivo-Compulsivo, as memórias traumáticas passam a assombrar os portadores do TEPT (Kapczinski, 2003).
Tecnologias de neuroimagem como a tomografia por emissão de fóton único (SPECT), tomografia por emissão de pósitrons (PET), ressonância magnética funcional (fMRI), eletroencefalografia quantitativa (qEEG), entre outras, têm tido um avanço tecnológico considerável nos últimos anos, contudo, nenhum desses métodos de investigação cumpre todas as exigências ideais para a investigação do TEPT (Peres & Naselo, 2005).
Portanto, não há, até o momento, um método tecnológico capaz de detectar as disfunções anatômicas causadas pelo TEPT no tecido cerebral do indivíduo afetado, embora pesquisas apontem e afirmem tais alterações.
Metodologia
Este estudo foi de caráter de um estudo exploratório, baseado em informações trazidas pelas crianças que participaram da pesquisa, com a finalidade de verificar as diferentes manifestações do Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT) em crianças vítimas de abuso sexual, dentro de um enfoque teórico na Teoria Cognitivo Comportamental. A finalidade deste estudo está baseada na busca do entendimento dos quatro fatores (psicológicos, psicofisiológicos, físicos e psicológicos com componente depressivo) que contribuam para o aparecimento do TEPT.
Amostra
Os sujeitos da amostra de pesquisa foram 30 (trinta) crianças na faixa etária de 06 aos 14 anos idades, sexo feminino e masculino, numa população de classe social média baixa e baixa. Todas essas crianças foram acolhidas no DECA-DPAV (Departamento Estadual da Criança e do Adolescente Delegacia de Polícia Atendimento à Vítimas) na cidade de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul.
Instrumento
O instrumento utilizado na pesquisa foi a Escala de Stress Infantil ESI (Lipp & Lucarelli, 1998). A escala tem por objetivo verificar a existência ou não de estresse, possibilitando, que se determine o tipo de reação mais freqüente na criança, o que facilita para o controle adequado do estresse. É composta por 35 itens relacionados à quatro tipos de reações: físicas, psicológicas, psicológicas com componente depressivo e psicofisiológicas. A resposta ao item é feita por meio de escala likert de cinco pontos e é registrada em quartos de círculos, conforme a freqüência com que o sujeito experimenta os sintomas, apontados pelos itens (nunca sente, sente raramente, sente às vezes, sente com freqüência e sempre sente).
Procedimentos
A coleta dos dados foi realizada no Departamento Estadual da Criança e do Adolescente Delegacia de Polícia Atendimento à Vítimas (DECA DPAV) situado em Porto Alegre/RS. Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da Ulbra, e a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, onde os pais ou responsáveis das crianças autorizaram seus filhos a responder a Escala de Stress Infantil - ESI. Os cuidados éticos apropriados ao tipo de população foram obedecidos, conforme a resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no que diz respeito à pesquisa com Seres Humanos.
Apresentação e Discussão dos Resultados
Passaremos agora a apresentar e discutir os resultados apresentados nesta pesquisa. A caracterização de um evento traumático não depende somente do estímulo estressor, mas, entre outros fatores, da tendência do processamento perceptual do indivíduo. Atualmente, compreende-se que traumas psicológicos podem afetar a qualidade de vida com grande impacto, caracterizando o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), (Peres, 2005). Nesta pesquisa os sinais significativos de estresse se apresentam em uma porcentagem de 36,7% (Tabela 1), que vem a confirmar a hipótese, onde crianças que formam vitimizadas pelo abuso sexual, seja ele qual for intrafamiliar/extrafamiliar apresentam TEPT.
Tabela 1. Sinais Significativos de Estresse
A pesquisa teve por objetivo verificar as diferentes manifestações que compõem o TEPT, sendo que estas se organizam em quatro tipo de reações sendo elas, reações físicas, psicológicas, psicológicas com componente depressivo e psicofisiológicas, sendo assim, pode-se verificar os percentuais que obtiveram maior incidência, como no caso Q5 (fico preocupado com coisas ruins que podem acontecer) e Q26 (tenho medo), onde o percentil foi de 60% e está relacionado as reações psicológicas, logo com 40% aparece Q30 (tenho dificuldade para dormir) e refere-se também as reações psicológicas apresentadas no comportamento da criança vítima de abuso sexual.
De acordo com o DSM-IV-TR (1994) o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é um Transtorno de Ansiedade caracterizado pela revivência de um evento extremamente traumático, acompanhado por sintomas de excitação aumentada e esquiva de estímulos associados com o trauma.
Os eventos traumáticos são experiências diretas ou testemunhos relacionados à violência física e/ou moral como agressão pessoal, roubo, seqüestro, ataque sexual, combate militar, tortura, encarceramento como prisioneiro de guerra ou em campo de concentração, desastres naturais ou causados pelo homem, acidentes automobilísticos, entre outros (Knapp & Caminha, 2003).
O TEPT pode manifestar-se na criança tanto no corpo como na mente, quando uma pessoa esta sujeita a uma tensão muito grande , ela pode manifestar doenças que já ocorreram na família e para as quais tem pré disposição genética, porém é importante salientar que o estresse não é o causador dessas doenças, ou seja ele enfraquece o organismo deixando que problemas latentes apareçam, uma vez que o sistema imunológico é afetado, a pessoa estressada torna-se mais vulnerável a qualquer doença de contágio (Lipp,2000).
Foi possível verificar a média que cada tipo de reação física aparece nas crianças vítimas de abuso sexual, sendo que o "choro" (2,87) e o "sono" (2,70) se destacam como uma das principais manifestações apresentadas, enquanto "raspar um dente no outro" (0,57) e "molhar a cama a noite" (0,27), não apresentam-se como média significativa dentro dos fatores físicos.
O medo é uma das manifestações principais na criança vítima de abuso sexual, ainda que inicialmente ela não tema o abuso, ela temerá a revelação do segredo e as suas conseqüências (Sanderson, 2005). Assim como refere a autora, no TEPT o "medo" é um dos sintomas que mais se destacou na pesquisa com uma média de 3,27 seguido pelo "sono" com média de 3,07 e "dores nos braços e pernas com média de 2,80", estes por serem fatores psicológicos desencadeiam uma série de outros sintomas, tais como "mãos suadas" e "não sentir fome" respectivamente com média 1,90 e 0,73.
A criança pode parecer tensa, nervosa e ansiosa reagindo com respostas com alto nível de temor, constantemente atenta aos outros, em busca de reafirmação e aprovação. Ainda crianças vítimas de abuso apresentam um profundo sentimento de mágoa e raiva (Sanderson, 2005).
Uma profunda sensação de inadequação e ausência de iniciativa é uma das principais manifestações da criança vitimizada pelo abuso sexual no que se refere aos fatores psicológicos com componente depressivo, a criança sente-se tão sem poder interna e externamente que é incapaz de desenvolver um senso de auto-eficácia e competência. Ela se sente inútil, patética e estúpida, considera-se incapaz de controlar tanto o mundo externo como seu caótico mundo interior, assim sofre um enorme impacto em sua habilidade de equilibrar as emoções (Sanderson, 2000).
Na pesquisa destacou-se o "esquecimento" (média 2,27), " não ter vontade de fazer as coisas" (média 2,17) e " sentir pouca energia pra fazer as coisas" (média 2,07) como os principais comportamentos encontrados nas crianças vítimas de abuso sexual, em contraponto os mais baixos "brigar com a família em casa" (média 1,33) e "vontade de bater nos colegas sem razão" (média 0,93) , manifestações estas que fazem parte do quadro de reações psicológicas com componente depressivo.
Quando o indivíduo é sujeito à ação de um "perigo", seja ele real ou imaginário, o organismo se mantém sempre pronto para uma reação e apresenta as reações fisiológicas necessárias para o evento, acrescidas de conseqüências emocionais e comportamentais (Oliveira, 2001). Desta forma, no caso do TEPT, as conseqüências emocionais e comportamentais parecem ocorrer de forma desorganizada e ficam gravadas dessa maneira. O evento traumático é revivido mesmo quando a pessoa não é submetida ao estímulo estressor.
Esta recorrência de memórias vívidas, incontroláveis, na forma de flashbacks ou pesadelos, sinaliza o sentido de uma memorização defeituosa da situação traumática. Com efeito, avanços na neurobiologia do TEPT apontam para uma consolidação excessiva de memórias aversivas, de conteúdo emocional. A contínua evocação dessas memórias parece ser um dos mecanismos subjacentes à manutenção dos sintomas de TEPT por longos períodos de tempo. A evocação normal de memórias pressupõe um fluxo relativamente ordenado e orientado para questões presentes. As revivências do TEPT se caracterizam pela desconexão com o fluxo normal do pensamento (Kapczinisk, 2003).
A criança sexualmente abusada apresenta manifestações de desconforto, mudança nos padrões do sono, alimentação e à busca de estímulos, ainda comportamentos autodestruitivos (Sanderson, 2000).
Podemos verificar as reações psicofisiológicas destacadas nesta pesquisa onde "estar sempre se mexendo e fazendo coisas diferentes" e " ter dificuldade em prestar atenção" com médias respectivamente 2,53 e 2,40 apareceram com média alta em relação a "gagueira" (média 1,47) e "estar resfriado, sempre com dor de garganta" (média 0,80) também manifestações relacionadas ao fator psicofisiológico.
Podemos verificar que entre todos os tipos de manifestações apontados e descritos acima, nesta pesquisa, dirigida ao TEPT em crianças vítimas de abuso sexual. As reações psicológicas estão em primeira instância com média de 22,0 logo com 16,1 de média aparecem as reações psicológicas com componente depressivo, seguido de 14,7 de média das reações psicofisiológicas e por fim apresenta-se as reações físicas com menor média, ou seja 12,6. Os prejuízos de ordem emocional são os apresentam maior prejuízo. Muitos autores enfatizam o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) como uma conseqüência a curto prazo muito comum do abuso sexual (Flores & Caminha, 1994; Kendall-Tackett, Williams & Finkelhor, 1993; Gabbard, 1992; Kaplan & Sadock, 1990; Browne & Finkelhor, 1986). O TEPT está ligado a experiências incomuns da existência humana, que causam um impacto emocionalmente severo no indivíduo (Gabbard, 1992), sendo que o agente causal é externo e a tentativa da vítima de organizar o sentido da experiência traumática gera condutas ou estruturas de pensamento patológicas (Amazarray, 1998; Flores & Caminha, 1994).
Apesar da complexidade e da quantidade de variáveis envolvidas no impacto do abuso sexual na criança, a literatura, baseada em casos clínicos e em algumas pesquisas, apresentam alguns sintomas normalmente presentes nas vítimas de abuso sexual. Kendall-Tackett, Williams e Finkelhor (1993) analisaram os estudos recentes sobre os efeitos do abuso sexual e dividiram as conseqüências de acordo com as idades pré-escolar (0 a 6 anos), escolar (7 a 12 anos) e adolescência (13 a 18 anos). Os sintomas mais comuns em pré escolares são: ansiedade, pesadelos, transtorno de estresse pós-traumático e comportamento sexual inapropriado. Para as crianças em idade escolar, os sintomas mais comuns incluem: medo, distúrbios neuróticos, agressão, pesadelos, problemas escolares, hiperatividade e comportamento regressivo. Na adolescência, os sintomas comuns são: depressão, isolamento, comportamento suicida, auto-agressão, queixas somáticas, atos ilegais, fugas, abuso de substâncias e comportamento sexual inadequado. Sintomas comuns às três fases de desenvolvimento são: pesadelos, depressão, retraimento, distúrbios neuróticos, agressão e comportamento regressivo. Isso leva a pensar em efeitos a longo prazo causados pela experiência de abuso sexual na infância. Nesta pesquisa as crianças tem idade entre 06 à 14 anos, sendo que a incidência do TEPT encontra-se presente em torno dos 8,1 anos de idade , sendo que este dado foi obtido através do teste t-student para amostras independentes e verifica-se que existe diferença significativa (p=0,03) na idade das crianças com ou sem estresse. Observa-se média inferior para as crianças com presença de estresse.
Considerações Finais
Ao fim desta pesquisa fica a certeza de que todos os tipos de manifestações apontados pelo Transtorno de Estresse Pós Traumático, sejam eles de ordem física, psicológica, psicológica com componente depressivo ou psicofísiológica, geram na criança dificuldades emocionais, cognitivas e comportamentais.
Visto que os problemas de ordem emocional aparecem com maior incidência, isso não quer dizer que devemos nos deter apenas com este cuidado e sim ver a criança como um ser que biopsicosocial e que merece cuidado e atenção em todos os aspectos.
Os dados obtidos nesta pesquisa foram os resultados encontrados a partir das informações trazidas por crianças vitimas de abuso sexual, ao qual tiveram acolhimento no DECA AV, instituição pública. Logo faz-se pensar em outros segmentos da pesquisa, como um comparativo entre instituições públicas e privadas, situações de abuso as quais não se tem registro, crianças com idades inferiores à 06 anos. Pode-se pensar também na escolaridade destas crianças e se existe diferença em seus comportamentos.
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* Psicóloga
** Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica, Profa do Curso de Psicologia da ULBRA Canoas, Especialista em Psicologia Hospitalar.