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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.22 no.1 São Paulo jan./jun. 2019
ARTIGOS
Envelhecimento e doença crônica: uma análise da autonomia decisória de pacientes idosos com Mieloma Múltiplo
Aging and chronicle disease: analysis of decision-making autonomy of elderly patients with Multiple Myeloma
Nayara Ruben Calaça Di Menezes1; Priscilla Melo Ribeiro de Lima2
Universidade Federal de Goiás, Goiânia/Goiás
RESUMO
O crescente envelhecimento da população e o consequente aumento do diagnóstico de doenças crônicas ilustra a importância de estudos sobre o envelhecimento e a autonomia na tomada de decisões sobre a terapêutica adotada. A proposta deste trabalho foi analisar a percepção de idosos(as) com Mieloma Múltiplo acerca da sua autonomia durante o tratamento realizado no ambulatório de hematologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás. Os dados foram gerados por meio de entrevistas semiestruturadas com cinco pacientes em tratamento onco-hematológico, que permitiram a construção de cinco principais eixos norteadores para a análise do material, sendo eles: (1) Caracterização da população; (2) Conhecimento e informações sobre o diagnóstico; (3) Mudanças provocadas pelo adoecimento; (4) Equipe de saúde e autonomia do paciente; e (5) Vontade de desistir do tratamento. Conclui-se que embora as informações sobre o diagnóstico e tratamento não apareçam no discurso dos pacientes de maneira efetiva, os participantes consideram que sua autonomia decisória é validada durante o tratamento.
Palavras-chave: autonomia; envelhecimento; neoplasia; psicologia da saúde.
ABSTRACT
The growing aging of the population and the consequent spread of chronic conditions illustrate the importance of studies on old age and autonomy in medical decision-making. This work’s proposal is to analyse the perception of elders with Multiple Myeloma on their autonomy during treatment at the hematology ambulatory of the Clinics Hospital of the Federal University of Goiás. All data were collected from semi-structured interviews, with five outpatients under onco-hematologic treatment. The interviews allowed the construction of five main guidelines for the analysis of the data collected, those being: (1) Description of the population; (2) Knowledge and information about their diagnosis; (3) Changes provoked by their condition; (4) Healthcare team and patient autonomy; and (5) will to give up treatment. It is concluded that although information about diagnosis and treatment does not appear in patients' discourse effectively, participants consider their decision-making autonomy to be valid during treatment.
Keywords: autonomy; old age; neoplasm; health psychology.
Introdução
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2014), o envelhecimento da população, atrelado ao processo de transformação social, alterou o perfil de morbimortalidade, diminuindo a ocorrência das doenças infectocontagiosas e colocando as doenças crônico-degenerativas como novo centro de preocupação da população brasileira. Com o desenvolvimento teórico e tecnológico, doenças antes consideradas fatais agora contam com controle e tratamento, fato que ilustra a importância de estudos sobre o envelhecimento e a autonomia na tomada de decisões sobre a terapêutica de doenças crônicas, visto que um número cada vez maior de pessoas irá adquirir alguma doença crônica ao longo da vida.
Durante todo o processo de envelhecimento, estamos sujeitos a nos deparar com situações nas quais nossa autonomia poderá ser desafiada por diversas limitações de ordem física, social, psicológica e/ou econômica, como é o caso do diagnóstico de uma doença oncológica como o Mieloma Múltiplo. Segundo Neri (2007), o adoecimento do idoso acometido por uma doença crônica, como é o caso do câncer, favorece a origem de um "paternalismo social" de perigosas consequências, uma vez que se tenta justificar o ato de se fazer e decidir no lugar do idoso com um equivocado discurso de cuidado e proteção. Assim, a negação da liberdade e da capacidade de escolha e autonomia do paciente idoso podem perpassar suas relações sociais durante todo o processo de adoecimento e tratamento.
Esse panorama exige capacitação dos profissionais dos serviços de saúde, para que consigam atuar com condutas voltadas para o cuidado de pessoas idosas. Para tanto, deve-se buscar garantir o direito dos pacientes a um atendimento de qualidade que incentive o processo de autonomia para tomada de decisões sobre a doença, tratamento e, posteriormente, sobre o processo de morte.
Os pacientes atendidos no ambulatório de Mieloma Múltiplo do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG/EBSERH), além de enfrentarem as perdas relativas ao processo de envelhecimento, convivem com uma doença grave e socialmente estigmatizada, o câncer, e uma rotina frequente de internação e hospitalização advindas dos efeitos do Mieloma Múltiplo. Sabe-se que, dentre as doenças crônicas, o câncer, popularmente, é um dos que mais mobiliza os pacientes e familiares no momento da comunicação do diagnóstico. Esta inaceitabilidade social do câncer pode ser atribuída a muitas causas, das quais a mais comum refere-se às fantasias e estereótipos sobre o prognóstico e o tratamento. Por ser constantemente associado a uma morte progressiva e dolorosa, com procedimentos invasivos e, por vezes, mutiladores, percebe-se que o desenvolvimento de uma doença oncológica mobiliza um grande sofrimento psíquico, para o paciente e seus familiares.
O idoso com câncer também pode sofrer com o impacto desse diagnóstico ao ser considerado incapaz de gerir sua própria vida e tomar decisões no que diz respeito à doença, aos tratamentos e ao curso de sua vida como um todo. Como consequência, é observada a infantilização do paciente, uma vez que a família e a própria equipe de saúde tendem a agir de modo com que suas vontades acabem não sendo expressas ou respeitadas (Kovács & Vaiciunas, 2008).
Sabe-se que o Mieloma Múltiplo é responsável por 1% de todas as mortes por câncer nos países ocidentais, sendo a segunda doença onco-hematológica (cerca de 13% dos casos) mais comum no mundo, ficando atrás somente dos linfomas (Zago, 2014). O Mieloma apresenta incidência elevada em negros e adultos de meia idade, sendo a idade mediana do diagnóstico 70 anos, sendo assim distribuídos: 37% dos pacientes são diagnosticados com mais de 75 anos, 26% entre 65 e 74 anos e 37% abaixo dos 65 anos, sendo raro o diagnóstico em pessoas abaixo dos 35 anos (Zago, 2014, p.556).
Como consequência do Mieloma Múltiplo, Zago (2014) descreve diversas disfunções orgânicas e sintomas como: dor ou fraturas ósseas, insuficiência renal, suscetibilidade a infecções, anemia, hipercalcemia e, em certas ocasiões, anormalidades da coagulação, sintomas neurológicos e manifestações vasculares de hiperviscosidade. Percebe-se, dessa forma, que os sintomas apresentados afetam diretamente a autonomia e a qualidade de vida do enfermo, reforçando o imaginário social no qual o envelhecer ainda está associado ao fim da vida, muitas vezes sendo sinônimo de dependência, invalidez e morte. De acordo com Diogo (1997), o conceito de autonomia comporta a liberdade de escolha, de ação e autocontrole sobre a vida. Podemos considerar que a autonomia está diretamente relacionada à capacidade do indivíduo em se portar como sujeito de direitos e desejos, devendo suas opiniões e vontades serem levadas em consideração em todas as etapas do desenvolvimento.
A partir do exposto, percebe-se que os participantes da presente pesquisa estão mais propensos a enfrentar um duplo estigma social. O primeiro, associado à velhice, e o segundo associado ao câncer. Essa patologia, que ainda hoje carrega em seu nome diversas fantasias e preconceitos, pode levar os participantes a enfrentarem um processo de despersonalização ainda mais intenso por parte da família e dos profissionais que os acompanham. Compreender de que maneira os idosos percebem e exercem sua autonomia para decidir sobre sua doença e tratamento, bem como sobre questões relacionadas à qualidade de vida e de morte, torna-se uma questão fundamental. Percebe-se a necessidade de (re)pensar questões relativas ao processo de envelhecer e adoecer dos pacientes portadores de doenças crônicas, buscando uma compreensão e um manejo mais adequado ao tratamento e acompanhamento desses pacientes, para que sua autonomia seja preservada durante todo o processo.
Método
Trata-se de um estudo de campo com abordagem qualitativa, descritiva, delineada pelo método de estudo de casos múltiplos, com geração de dados por meio da aplicação de entrevistas individuais do tipo semiestruturada, seguido pela análise temática. A escolha por esse tipo de entrevista se deu a partir do objetivo de investigar um episódio específico vivenciado pelos participantes. Essa modalidade de entrevista combina perguntas abertas e fechadas, permitindo que o entrevistado discorra sobre o tema em questão sem necessariamente ficar preso à indagação formulada. Nosso estudo buscou uma maior compreensão sobre a vivência e percepção do paciente acerca do seu adoecimento e tratamento, levando, para tanto, o sujeito entrevistado a falar sobre sua realidade e o modo como se posiciona frente a aspectos relativos à sua autonomia.
Para Minayo (2001), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, ou seja, fenômenos que não podem ser reduzidos a quantificações de variáveis. Essa forma de pesquisa visa à compreensão dos significados expressos ou latentes das falas dos participantes e da dinâmica das relações sociais vivenciadas. Compreendemos que a abordagem qualitativa possibilitou aos participantes apresentarem sua identidade pessoal e social através da comunicação oral, uma vez que buscamos valorizar o aprofundamento e a compreensão do tema proposto.
Procedimentos
Este estudo seguiu os princípios éticos propostos pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), dispostos na Resolução 466 CNS (2012), que trata de pesquisa referente a seres humanos, e pelo Conselho Federal de Psicologia, dispostos na Resolução 16 CFP (2000). O projeto foi submetido, avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, via Plataforma Brasil, com o registro CAAE 79441117.1.0000.5078. Foi também analisado e autorizado pela instituição hospitalar, conforme parecer do comitê de ética.
Após a aprovação, a pesquisadora abordou os pacientes, que encaixavam nos critérios de inclusão preestabelecidos, presentes na sala de espera do ambulatório de hematologia, que aguardavam a realização da consulta médica de rotina, convidando-os para participar da pesquisa. Todos os pacientes convidados receberam explicações sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos e procedimentos, assim como sobre os aspectos éticos, sendo convidados a participar do estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que foi entregue em duas vias.
Os dados foram gerados em uma única etapa, sendo coletados no consultório destinado ao serviço de psicologia do ambulatório de hematologia da instituição. A entrevista semiestruturada teve duração aproximada de 40 minutos e foi integralmente gravada. A transcrição e análise do material foram realizadas após a finalização da geração de dados com todos os participantes.
Participantes
Participaram da pesquisa cinco pacientes diagnosticados com Mieloma Múltiplo, sendo três homens e duas mulheres, com idades entre 60 e 76 anos. Como critério de inclusão para a participação da pesquisa, foi estipulado que os participantes deveriam estar realizando tratamento e acompanhamento sistemático no ambulatório de hematologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG/EBSERH), ter no mínimo 60 anos e apresentar disponibilidade temporal para a participação na pesquisa. Como critério de exclusão, foram dispensados da pesquisa os pacientes que não tinham conhecimento sobre o seu diagnóstico, pois ainda hoje é frequente que o diagnóstico de doenças oncológicas seja omitido do paciente a pedido da família.
Instrumentos
Para execução da presente pesquisa foi realizada uma entrevista semi-estruturada, abordando três principais eixos, sendo eles: (1) Informações gerais; (2) Configuração familiar e (3) Autonomia. No primeiro eixo, buscou-se conhecer informações gerais sobre o sujeito participante através de dados como: nome, gênero, idade, escolaridade, profissão, estado civil, número de filhos e idade em que recebeu o diagnóstico de Mieloma Múltiplo. O objetivo desse eixo de perguntas foi conhecer melhor o contexto social do entrevistado e o tempo em que realiza tratamento e/ou acompanhamento do Mieloma Múltiplo, uma vez que o tempo em que convive com o diagnóstico pode ser um fator de análise importante para compreender os efeitos da patologia na autonomia do paciente.
No segundo eixo, investigamos a configuração e organização familiar atual do participante, com a finalidade de conhecer sua dinâmica familiar e identificar as pessoas que ocupam os papéis de principais cuidadores do paciente. Para tanto, o participante respondeu às perguntas: (1) Com quem o senhor(a) mora atualmente? e (2) Há quanto tempo o senhor(a) mora com essas pessoas?
Por fim, no terceiro eixo, autonomia, o(a) idoso(a) respondeu a quatro perguntas desencadeadoras, sendo elas: (1) Como foi receber o diagnóstico de Mieloma Múltiplo?; (2) Quais as mudanças que o Mieloma Múltiplo provocou na sua vida?; (3) O(A) senhor(a) conversa com sua família sobre a doença e o tratamento?; e (4) O(A) senhor(a) considera que sua opinião sobre a doença e o tratamento é levada em consideração? Com essas perguntas, buscamos identificar os níveis de autonomia dos idosos(as) participantes e como ela se manifesta no cotidiano do paciente, assim como analisar a percepção que os(as) idosos(as) com Mieloma Múltiplo possuem acerca da sua participação na tomada de decisões sobre o seu tratamento.
Resultados e Análise dos Dados
A partir da transcrição das cinco entrevistas realizadas, foram identificados cinco principais eixos norteadores para a análise do material gerado, sendo eles: (1) Caracterização da população; (2) Conhecimento e informações sobre o diagnóstico; (3) Mudanças provocadas pelo adoecimento; (4) Equipe de saúde e autonomia do paciente; e (5) Desejo de desistir do tratamento. Dessa forma, foi possível observar o conhecimento sobre o Mieloma Múltiplo e o tratamento realizado, as alterações na rotina do paciente e nas suas atividades da vida diária (antes e depois do diagnóstico) e, por fim, identificar a percepção do participante sobre a concepção familiar e médica acerca da sua autonomia decisória durante o adoecimento e tratamento. Apresentaremos e discutiremos os resultados a partir dessas 5 categorias.
Caracterização da População
Durante a realização da entrevista, os pacientes foram questionados sobre: nome, gênero, idade atual, estado civil, número de filhos, profissão, escolaridade, ano em que recebeu o diagnóstico de Mieloma Múltiplo e sobre os membros que residem com o paciente, buscando identificar a rede de apoio disponível em casa.
Percebe-se, a partir dos dados apresentados, que a população do estudo é composta por três homens e duas mulheres, com idade média de 64,8 anos, contando com participantes casados, viúvos e solteiros. O número de filhos dos entrevistados variou entre nenhum e cinco filhos, fato que reflete na constituição da rede de apoio social disponível para o cuidado do paciente, uma vez que residem com um ou no máximo dois familiares. Percebe-se também que o grupo é composto, predominantemente, por pessoas com baixa escolaridade e com um período prolongado de convivência com o diagnóstico e tratamento do Mieloma Múltiplo.
Por se tratar de um dos serviços de referência no Estado de Goiás para o tratamento e acompanhamento de pacientes com Mieloma Múltiplo, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás realiza um grande número de atendimentos a pacientes com esse diagnóstico, além de receber casos de maior especificidade encaminhados de outras instituições. Devido à variedade dos casos atendidos, foi possível perceber que a amostra do presente estudo desvia de alguns dados encontrados em literaturas ou em outras instituições, como por exemplo a idade com que o paciente recebeu o diagnóstico e a predominância do Mieloma Múltiplo em pacientes do gênero masculino.
Critérios como a idade dos pacientes divergiu da referência apresentada por Zago (2014, p. 556) por se mostrar muito inferior àquela em que o Mieloma Múltiplo é comumente diagnosticado. Segundo o autor, a idade mediana do diagnóstico de Mieloma Múltiplo é de aproximadamente 70 anos, assim distribuídos: 37% dos pacientes são diagnosticados com mais de 75 anos, 26%, entre 65 e 74 anos, e apenas 37% dos diagnósticos de Mieloma Múltiplo acontecem antes dos 65 anos. Entretanto, a maioria dos participantes do presente estudo recebeu o diagnóstico antes dos 60 anos, indicando que a amostra é composta por pacientes que precisam conviver com o câncer e o seu tratamento desde muito cedo, aumentando ainda mais o período em que convivem com uma doença crônica e os efeitos.
Outro ponto de discrepância entre a realidade encontrada na presente amostra e a descrita na literatura por Zago (2014), diz respeito ao gênero dos pacientes atendidos. Segundo o autor, o Mieloma Múltiplo acomete, predominantemente, pacientes do gênero masculino; entretanto, novamente devido ao grande número de pacientes acompanhados no ambulatório, a incidência do Mieloma Múltiplo não mostra diferença significativa entre os gêneros entrevistados.
De acordo com Zago (2014), ainda não há consenso sobre a etiologia do Mieloma Múltiplo; muitas vezes, sua patogênese é relacionada a vírus e outros agentes infecciosos, mas os mecanismos ainda não foram totalmente elucidados. Entretanto,
Vários estudos associam o risco de Mieloma Múltiplo (MM) à exposição a pesticidas, como, por exemplo, as dioxinas. A taxa de mortalidade por MM aumentou em países industrializados nas décadas de 1960 e 70. Dados da American Cancer Society mostram um aumento de 82% na incidência da doença entre 1950 e 1980, período este que coincidiu com o momento em que vários fatores de risco, como, por exemplo, produtos químicos, foram lançados ao meio ambiente (p. 556).
Na amostra do presente estudo, os entrevistados residem, predominantemente, em cidades do interior de Goiás, com prevalência em propriedades rurais, onde é comum o uso de pesticidas nas plantações. Pesquisas mais específicas necessitam ser realizadas a fim de comprovar essa possível correlação, entretanto, cabe ressaltar que dentre os entrevistados, dois participantes (Sr. A e Sr. J) trabalhavam diretamente com lavouras, fazendo uso frequente de variados produtos químicos. Esses participantes, ambos com 60 anos atualmente, receberam o diagnóstico com idade inferior a média dos casos registrados na literatura, podendo elucidar uma correlação entre o frequente contato com substâncias químicas e o desenvolvimento precoce do Mieloma Múltiplo.
Conhecimento e Informações Sobre o Diagnóstico
O conhecimento do diagnóstico e prognóstico da doença é, antes de tudo, um direito do paciente (Lei 8.080/1990). A partir do momento em que é capaz de compreender seu atual quadro clínico, o paciente passa a ter condições de decidir e se preparar para as diversas etapas do tratamento – terapêuticas, condutas, procedimentos ou, até mesmo, a morte. Ou seja, omitir a verdade pode impedir o paciente de tomar decisões importantes sobre o seu tratamento e sua vida (Visentin, Labronici & Lenardt, 2007, p. 509).
Quando questionados sobre as informações que possuem sobre o Mieloma Múltiplo e o seu tratamento, os pacientes entrevistados responderam:
Aí quando eles falou que eu tava com esse Mieloma eu peguei e falei: "Mas vem cá, que doença é essa?", aí ela (médica) pegou e falou que era um câncer né, que era um tipo de câncer e que ele era tipo o diabetes, que tinha controle, que não tinha cura mas que tinha controle e foi isso (Sra. M).
O tratamento é lento né. Não tem cura, mas estabiliza, fica quieto, só que o meu tratamento até agora não respondeu (Sr. A).
Pelo que já falaram para mim tem as quimioterapia, tem tratamento, mas é lento, é uma doença que mexe com os ossos que tem que ter muito cuidado com ele porque qualquer coisinha né pode acontecer dele quebrar um osso, trincar a coluna e é isso aí… fraqueza né, causa muita fraqueza, ele já tem problema nos rins, anemia... Junta tudo, tá complicado (Esposa do Sr. A).
Mais ou menos, eu sei é um problema no osso né, que tá no osso... a médica falou para mim que ela vai enfraquecendo os ossos, e aí tem que tomar remédio para não quebrar. Ela contou muita coisa, mas é difícil guardar... só tomo remédio em casa (Sr. J).
Dessa forma, percebe-se que embora todos os pacientes saibam do diagnóstico de Mieloma Múltiplo a compreensão sobre a doença e o tratamento não se mostra completamente funcional. Prova disso, é que ao serem perguntados se seriam capazes de explicar para outra pessoa sobre o Mieloma Múltiplo, as respostas foram:
Não conseguia não (Sr.A).
Não… a gente não estudou muito, eu sei que é mieloma. (Sra. G).
Mais ou menos, o mieloma é uma doença na medula né, na formação da célula... o meu fabrica com excesso um determinado tipo de célula por isso que surgiu mieloma e fratura nos ossos, os ossos enfraquecem, qualquer coisa pode ter fratura (Sr. S).
Percebe-se assim, que embora os entrevistados tenham sido informados sobre o diagnóstico e o seu prognóstico, e que convivam com o acompanhamento e tratamento do Mieloma Múltiplo há um tempo considerável, grande parte dos entrevistados mantém uma postura passiva frente à doença. A partir da análise do material gerado, foi possível identificar que muitas vezes os participantes apenas repetem as palavras-chaves e informações proferidas pela equipe sem que tenham uma compreensão holística do seu significado ou do seu quadro diagnóstico.
Mudanças Provocadas Pelo Adoecimento
Na sequência, quando questionados sobre as mudanças que ocorreram em suas vidas e em suas atividades da vida diária após o adoecimento e o diagnóstico de Mieloma Múltiplo, temos:
Assim, às vezes eu não faço minhas coisas diárias... meu serviço de casa, porque eu não dou conta né. Andar, porque eu sou católica, eu gosto demais de ir nas missas, mas quase não dou conta de ir mais, devido às pernas que parece que fica fraca, eu sinto muita fraqueza. Tive que deixar de fazer minhas coisas diárias né, que eu não dou conta de fazer. Eu tenho tudo, tenho máquina, eu tenho tanquinho, eu posso lavar minhas roupas, mas agora até minha menina não deixa, ela pega e lava (Sra. M).
Segundo Franco (2008), em geral, as famílias estão envolvidas com a doença de seus entes queridos desde muito antes da definição diagnóstica, participando de todo o processo de percepção dos primeiros sintomas, consultas, exames e decisões acerca das condutas a serem tomadas após a confirmação do diagnóstico. A partir do momento de constatação do quadro clínico do paciente, é necessário que a família realize ajustes em sua dinâmica, reorganizando os papéis e funções de cada membro, e, inclusive, destacando alguém para ocupar o papel de principal cuidador do familiar adoentado.
No caso da Sra. M, é possível perceber a ocorrência de uma alteração da dinâmica familiar, que a retirou do papel ativo e colocou a sua filha como a nova responsável por realizar as atividades antes feitas pela paciente. Sabe-se que as famílias que se encontram na posição de acompanhar e cuidar de um familiar com uma doença oncológica, terão que lidar concretamente com as diversas limitaçoes ocasionadas pela doença e pelo tratamento, assim como com a possibilidade de morte iminente do seu familiar. Segundo Carter (1995), essa mudança de papeis, onde o paciente deixa de ocupar o lugar de provedor e de cuidador dos filhos e passa a precisar de axilios e cuidados, tem impacto não só para o sujeito doente, mas para seus filhos e toda a rede social envolvida. Foi possível perceber, através da fala acima citada, que realizar as atividades rotineiras, como ir à missa e realizar os afazeres domésticos é percebido como uma forma de autonomia e independência, que foi perdida a partir do momento em que os sintomas do Mieloma Múltiplo se tornam determinantes e que a filha assumiu um novo papel na relação.
A perda de autonomia também apareceu como uma das mudanças provocadas pelo adoecimento e tratamento do Mieloma Múltiplo na fala do Sr. J, ao afirmar:
É ruim demais ficar parado sem trabalhar. Tava trabalhando, aí precisou parar… agora de 6 em 6 meses tem que ir fazer a perícia senão eles cortam o auxílio. O resto eu consigo fazer, só não pode pegar peso porque eu já fiz uma cirurgia na coluna também né, quebrou três vértebras da coluna... espatifou né. Aí eu fiz a cirurgia para poder voltar a andar de novo (Sr. J).
Percebe-se que a saída do mercado de trabalho apresenta-se como a principal mudança decorrente do adoecimento, refletindo diretamente nas suas atividades diárias. A dependência financeira do auxílio-doença – benefício por incapacidade disponibilizado ao segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em decorrência de doença ou acidente – apresenta-se como uma solução ambivalente para o entrevistado. Isso parece ocorrer porque, ao mesmo tempo em que o seguro provê sua única fonte de renda, o coloca em constante rememoração de suas limitações e perda da autonomia. Além disso, depender do auxílio governamental pode, muitas vezes, ser percebido como vergonhoso e humilhante.
Segundo Zago (2014), quadros de anemia, fadiga e dores ósseas são os achados mais comuns no diagnóstico de Mieloma Múltiplo sintomático, de forma que fraturas ósseas como a descrita pelo Sr. J são facilmente encontradas em pacientes com esse diagnóstico. Tais comprometimentos afetam diretamente a qualidade de vida desses pacientes e, por consequência, o exercício da sua autonomia.
Já o Sr. S, apresentou uma perspectiva diferente sobre as mudanças provocadas pelo adoecimento, como é possível observar na seguinte fala:
Tudo. Até o jeito de ver, até o sentido da vida mudou... porque antigamente era correria, igual você tá nova, você sabe disso... é tudo trabalho, tarefa, tanta coisa que a gente põe em primeiro lugar e esquece da saúde da gente né... hoje não, um pouco de saúde que eu tenho eu dou valor né. Eu andava de moto e a doutora falou para eu parar de andar de moto, o serviço também ela falou que eu tinha que encostar, em casa também mudou muito, nós morava na chácara e fazia um serviço, fazia outro né... hoje a gente já fica com medo de fazer, mudou muito, mas sobrevivi né... se não fosse tanto assim o efeito que o remédio me causou, o remédio ele me deu coisas no nervo né, aí eu perdi o movimento da cintura para baixo, agora que tá voltando, assim mesmo com dificuldade ainda... então é o que me limitou mais. Agora alguma coisa que tem que fazer, igual podar o jardim, isso aí eu dou conta, eu sei meu limite né, não vou fazer com excesso, não vou para o sol ou se estiver quente eu não mexo, só quando tiver mais fresco... eu falo para minha esposa que a qualidade de vida minha melhorou bem mais do que antes dessa doença, porque antes eu não tinha tempo para nada, era só correria, antes era do serviço para casa, só trabalhava, mexia com as coisas, hoje não... hoje até um passarinho que tá cantando a gente para pra ouvir, dá mais valor na vida. (Sr. S)
É possível perceber que o diagnóstico de Mieloma Múltiplo possibilitou a ressignificação de vários elementos da vida do Sr. S. Embora tenha descrito variadas perdas advindas da doença, tais como deixar de andar de moto e afastar-se do trabalho, ele não associa essas mudanças a uma redução da sua autonomia ou piora da sua qualidade de vida.
Percebemos que a experiência do adoecimento e do convívio com uma doença crônica é experienciada de maneira singular em cada um dos pacientes entrevistados. Embora todos os participantes relatem mudanças significativas em suas vidas, a maneira como subjetivaram tais mudanças é única para cada sujeito.
Equipe de Saúde e Autonomia do Paciente
Segundo Kovács (2003), muitas vezes a relação entre paciente e equipe de saúde é assimétrica, ou seja, é uma relação polarizada, em que o médico ou o profissional da saúde detêm todo o poder e conhecimento, enquanto o paciente resigna-se a seguir o que for pela equipe decidido. Como ilustra a seguinte fala da Sra. M:
Eu tava internada. Aí a médica chamou ele (filho), e contou o que que eu tinha e tudo. Aí ele não queria me contar, quando eu olhei nele eu vi ele assim com olhos cheio d’água.. eu falei "que que foi filho?" e ele falou assim: "nada não, era aquela médica tava contando o que a senhora sente". Aí eu falei: "não, mas eu quero saber". Aí ele não queria me falar e eu falei: "pode falar, eu sou forte, eu sou para o que der e vier". Aí ele pegou e me contou. Na hora dá um susto né, porque não é fácil você saber que você tem uma doença assim, mas fazer o quê? O nome já assusta né? Ainda tem o diabetes… mas aí eu fiquei vigiando a médica para na hora que ela entrasse lá eu chamasse, aí eu falei para ela: "mas Doutora, câncer não tem cura" e ela falou assim: "não, não tem, mas tem um controle, a senhora pode morrer até por outra coisa". Ela falou isso para me ajudar né, que a gente sabe que é. Mas foi isso. (Sra. M)
Percebe-se, no caso apresentado, que a comunicação do diagnóstico da Sra. M. foi feita diretamente para o seu filho que estava como seu acompanhante durante a internação, mesmo com a paciente estando consciente e orientada. Além de excluí-la do seu próprio processo de adoecimento, a médica responsável pelo caso deixou para o filho a difícil tarefa de contar à mãe sobre o diagnóstico realizado, desresponsabilizando-se da sua obrigação profissional. Quando a comunicação sobre o diagnóstico não é feita ao paciente, a possibilidade de participar do seu tratamento e tomar suas decisões, confronta-se com um dos principais princípios da ética: o da autonomia (Visentin, Labronici & Lenardt, 2007, p. 510), uma vez que impede o paciente de se colocar como sujeito de desejos e ativo no processo vivenciado.
Sabe-se que o modo de realizar a comunicação do diagnóstico de doenças crônicas, como o câncer, é tema de muitas discussões e publicações. Acreditava-se que não comunicar o diagnóstico de câncer para um idoso seria uma maneira de poupá-lo do impacto, resguardando-o de uma notícia desesperadora e geradora de grande ansiedade. Entretanto, essa postura tem sido questionada e substituída pela busca de uma maneira mais assertiva para a comunicação de más notícias, tendo como base o estabelecimento de um vínculo de confiança entre paciente-equipe-família e estratégias para diminuir os danos e o impacto, preservando o direito dos pacientes em conhecerem sobre suas doenças (Geovanini, 2011).
Outra situação vivenciada durante do processo de acompanhamento e tratamento do Mieloma Múltiplo, vivenciado pelos pacientes, acontece quando as famílias dos pacientes idosos tomam para si a responsabilidade pelas decisões de tratamento. Muitos familiares justificam essa responsabilidade argumentando que a idade, as condições de saúde ou mesmo o repouso exigido pelos tratamentos são justificativas para assumirem as decisões sobre o futuro do paciente. Dessa forma, equipe e família anulam o paciente no processo e se unem, acreditando tomar as melhores decisões.
Esse é caso do Sr. A, que há muito tempo é cuidado pela esposa. Quando questionado se consegue desenvolver um diálogo de qualidade com a equipe que o assiste, o paciente relata: "Consigo, o que eu não consigo ela fala pra mim, ela (esposa) sabe tudo, me conhece e já sabe tudo. Quando eu tomo um remédio que não sente bem ela fala" (Sr. A).
Percebe-se que o paciente, mesmo afirmando ser capaz de construir um diálogo satisfatório com a equipe, delega à esposa a responsabilidade de conversar com a equipe e informar sobre as alterações percebidas em seu quadro clínico. Dessa forma, o paciente coloca a esposa no lugar de suposto saber, uma vez que acredita que a esposa tenha mais informações sobre o seu quadro clínico e tratamento do que o próprio paciente.
Situações como estas ilustram a importância da busca por promoção da autonomia do paciente, buscando estabelecer uma relação não hierárquica entre paciente-equipe-família, de forma que todos participem de maneira conjunta das decisões que envolvem o tratamento. Segundo Campos & Campos (2006, p. 2), não se deve tomar o termo autonomia como o contrário de dependência, ou como liberdade absoluta. Ao contrário, deve-se entender a autonomia como a capacidade do sujeito lidar com sua rede de dependências. Dessa forma, autonomia poderia ser traduzida, em um processo de constituiçãção de uma maior capacidade dos sujeitos compreenderem e agirem sobre si mesmo e sobre o contexto, incluindo, para tanto, a capacidade de decidir sobre a não realização de algum procedimento.
Desejo de Desistir do Tratamento
Quando se fala em respeito à autonomia do paciente idoso, é preciso que se respeite também a sua vontade de não realizar alguma terapêutica ou procedimento invasivo que não tenha a cura como finalidade (Moritz, 2012). Sabe-se o que tratamento de doenças oncológicas, em geral, é permeado por medidas desgastantes que não oferecem garantia de cura ou remissão da doença, permitindo assim que os cuidados paliativos possa ser indicado para esses pacientes, buscando uma abordagem que promova qualidade de vida aos pacientes e seus familiares, ao enfrentarem doenças que ameacem a continuidade da vida, por meio da prevençãção e do alívio do sofrimento.
As próximas falas ilustram o desejo de desistir do tratamento, abandonando o uso dos inúmeros medicamentos, visando o fim dos efeitos colaterais vivenciados. Percebe-se que a ideia de interromper o tratamento em busca de uma melhor qualidade de vida não foi bem aceita pelos médicos assistentes e pelos familiares, ilustrando assim a dificuldade que ainda temos de inserir os cuidados paliativos na prática assistencial.
Já, tive vontade de desistir sim, porque é um trem que você não tá vendo nada... você não tá vendo melhora, você sabe que não vai ter cura mesmo, sempre eu gosto de brincar com eles e falar assim: "é difícil, por que que não morre logo que já desocupa né?" (risos) mas não morre e ainda fica aí nesse trem empacado, eu vou chutar o balde… um dia brinquei com a doutora, eu falei para ela: "Doutora tenho vontade de chutar o balde, de deixar e não tomar mais nada", você toma o remédio eu tenho uma caixa desse tamanho de remédio… você toma um remédio para uma coisa e passa mal para outra, você toma para um e passa mal para outra coisa… e eu tenho tudo, só coração que parece que é bom (risos), mas é diabetes, colesterol, rins, a gastrite, anemia... tudo. E ainda vem esse câncer ainda, nossa... coluna dói demais, eu tomo morfina (Sra. M)
Lá em casa ele estava sendo carregado nos braços, que a perna acabou não tava firmando. Ontem ele falou que não ia beber remédio mais não, aí eu falei: "uai, então vamos ir embora do hospital, porque se parar de tomar o remédio não tem mais o que fazer né, aí não tem jeito (Esposa do Sr. A)
Em casos de diagnósticos de doenças crônicas, como o Mieloma Múltiplo, é necessário assegurar ao paciente que mesmo se tratamento de uma doença que ainda não tem uma cura conhecida, é possível que o paciente se beneficie de variadas terapêuticas, como por exemplo a quimioterapia, radioterapia e o transplante de células tronco hematopoiéticas, que tem potencial de oferecer uma melhor qualidade de vida ao paciente.
Quando observa-se que essas possibilidades de tratamento estão resultando em mais prejuízos do que benefícios ao paciente, o respeito às decisões dos pacientes em interromper a realização de medidas invasivas deve ser acompanhado pela explicação e compreensão de que não haverá abandono do paciente por parte da equipe em momento algum. Ou seja, o paciente, independentemente da sua escolha em relação ao tratamento onco-hematológico, deve estar assegurado de que a equipe continuará a prestar-lhe todo tipo de assistência caso mude de ideia.
Conclusão
A partir do presente estudo, foi possível verificar que os idosos entrevistados consideram que sua autonomia decisória é reconhecida e respeitada pelos familiares e pela equipe de saúde. Mesmo inferindo que as informações sobre o Mieloma Múltiplo não apareceram no discurso dos pacientes de maneira efetiva, é possível afirmar que estavam cientes sobre seus diagnósticos, compreendem seus tratamentos oncológicos e afirmam receber informações sobre sua doença e decidir diante das alternativas oferecidas pela equipe de saúde, sobre as condutas acerca dos procedimentos e tratamentos a serem realizados.
Em relação à percepçãção de autonomia dos(as) idosos(as), o ato decisório apareceu nos discursos dos entrevistados estritamente relacionado às condições necessárias para realizar suas atividades cotidianas, como por exemplo os cuidados pessoais, os afazeres domésticos e a execução laboral. Desse contexto decorre também a percepção de se sentir autônomo diante das decisões no que concerne à doença e tratamento, pois o sentimento de autonomia foi formado perpassando por todos os contextos citados.
Durante a realização da pesquisa, também foi possível perceber que os pacientes consideram que o atendimento prestado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), se configura, muitas vezes, como um ato de caridade ou mesmo um favor prestado pelos profissionais. É comum durante os atendimentos, nos depararmos com falas como a proferida pela Sra. G, que relata: "Aqui é tudo muito bom, não posso reclamar de nada, até porque não sei o que seria de mim se não fosse o tratamento daqui". Essa percepção sobre a instituição e o serviço dificulta que os pacientes se coloquem como sujeitos ativos no tratamento e que vejam a saúde como um direito constitucional. Dessa forma, é possível questionarmos sobre os vieses da autonomia decisória percebida pelos pacientes durante o tratamento, uma vez que a percepção do o serviço como um favor, torna muito mais difícil exigir melhorias ou se colocar como sujeito de desejos na relação com a equipe.
Certamente a escuta às falas destes idosos é particular, singular e remete à história e à percepçãção que cada um deles subjetivou durante o processo de envelhecimento, adoecimento e tratamento. Entretanto, as vivências e percepções aqui apresentadas podem também ser pensada e analisada como fatores capazes de abranger uma realidade que afeta a todos os (as) idosos(as) acompanhados pelo serviço, uma vez que nos constituímos como seres sócio-históricos que compartilham de momentos, ambientes e relações.
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1 Graduada em psicologia (bacharelado e licenciatura) pela Universidade Federal de Goiás. Possui Especialização em Atenção Multiprofissional em Hematologia e Hemoterapia pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC - UFG/EBSERH), e Especialização em Psicologia da Saúde e Hospitalar pela Associação de Combate ao Câncer de Goiás (ACCG - PUC). Atualmente é Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Goiás. Contato: nayararuben@hotmail.com.
2 É doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB), docente do Curso de Psicologia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Educação da UFG. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Velhice (GEPEV). Atualmente pesquisa sobre discurso, identidade e resistência na velhice utilizando os aportes teóricos da psicanálise, psicossociologia e análise do discurso; e sobre narrativas de vida, literatura e psicanálise. Contato: primlima@gmail.com.