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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.24 no.1 São Paulo jan./jun. 2021

 

Avaliação de indicadores psicossociais em idosos hospitalizados

 

Evaluation of psychosocial indicators in hospitalized elderly people

 

 

Aryadnne Alexya dos Reis Bomfim FreireI; Tatiane Lebre DiasII

IHospital Universitário Júlio Müller - Cuiabá/MT - aryyfreire@gmail.com
IIUniversidade Federal de Mato Grosso - Cuiabá/MT - tatianelebre@gmail.com

 

 


RESUMO

Na velhice, aumentam as chances de eventos adversos, que podem ser fonte de estresse, gerar ou agravar a saúde mental. Investigou-se indicadores psicossociais, a percepção de si e a percepção do processo de hospitalização de 10 idosos internados em Hospital Universitário em Cuiabá-MT. A partir de um estudo exploratório foi utilizado o seguinte instrumental: Questionário sociodemográfico e percepção da hospitalização, Escala de Estresse Percebido, Inventário de Ansiedade Geriátrica, Escala de Depressão em Geriatria e Técnica de Apercepção para Idosos. Os resultados revelaram: percepção de estresse para "pensamentos sobre coisas que deve fazer" (n=6), "não conseguiria lidar com todas as coisas que tem que fazer" (n=5), a maioria (n=9) apresentou indicação de ansiedade, metade (n=5) indicadores de depressão, metade (n=5) indicadores de ansiedade e depressão, elementos insuficientes para caracterizar atitudes e percepção relacionadas ao envelhecimento, sentimentos de bem-estar (n=8) e pensamentos relacionados à melhora física (n=6) em relação ao processo de hospitalização. De modo geral, pode-se considerar que indicadores de ansiedade e depressão parecem não influenciar a percepção do processo de hospitalização. Desse modo, evidenciou-se a necessidade de estudos que abordem outras variáveis relacionadas ao estresse, ansiedade e depressão no contexto de hospitalização a partir de diferentes recursos avaliativos.

Palavras-chave: envelhecimento; hospitalização; desenvolvimento psicossocial.


ABSTRACT

In old age, the chances of adverse events increase, which can be a source of stress and generate or aggravate states of anxiety and depression. Psychosocial indicators, self-perception and perception of the hospitalization process of 10 elderly people admitted to a University Hospital in Cuiabá-MT were investigated. The instruments used were: Socio-demographic questionnaire and perception of hospitalization, Perceived Stress Scale, Geriatric Anxiety Inventory, Geriatric Depression Scale and Senior Apperception Technique. Results Revealed: perception of stress for "thoughts about things you should do" (n=6), "I would not be able to deal with all the things I have to do" (n=5), most (n=9) had an indication of anxiety, half (n=5) indicated levels of depression, half (n=5) indicated levels of anxiety and depression, insufficient elements to characterize attitudes and perception related to aging, feelings of well-being(n=8) and thoughts related to improvement physical (n=6) in relation to the hospitalization process. In general, it can be considered that indicators of anxiety and depression do not seem to influence the perception of the hospitalization process. There is a need for studies that address other variables related to stress, anxiety and depression in the context of hospitalization from different assessment resources

Keywords: aging; hospitalization; psychosocial development.


 

 

Envelhecer é um fato inevitável e com o passar do tempo o corpo (orgânico) se gasta. Durante o processo de envelhecimento, é considerado desafiador manter a autonomia e independência, tanto para a pessoa, como para as que convivem com ela e seus governantes, visto que o envelhecimento apresenta consequências importantes para o desenvolvimento de um país (Baptista & Merlin, 2018).

No Brasil, a partir do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, 2003) é considerada idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Segundo o Ministério da Saúde, o envelhecimento é:

Um direito personalíssimo e a sua proteção, um direito social, e é dever do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde mediante a efetivação de políticas públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade (Ministério da Saúde, 2013, p. 6).

Schneider e Irigaray (2008) afirmam que o envelhecimento é um processo complexo e multifatorial, em que não é possível o estabelecimento de parâmetros para essa fase do desenvolvimento, dada a variabilidade de cada pessoa (genética e ambiental). Segundo esses autores, a idade é apenas um dos elementos presentes no processo de desenvolvimento que serve como uma referência da passagem de tempo e não determina o envelhecimento em si.

Para Braga et al. (2015), a velhice se trata de uma fase da vida formada por diversos fatores acidentais e inseparáveis, tendo como exemplo: as condições socioeconômicas, os aspectos culturais, os hábitos de vida, a situação familiar, as políticas públicas voltadas para essa população, o acesso ao serviço em saúde, entre outros. Não se trata apenas de um evento biológico. A visão tradicional do envelhecimento humano, baseada em modelos conceituais em que predominam as noções de declínio e incapacidade, tem sido modificada através da contribuição do estudo científico deste período do ciclo de vida (Fonseca, 2010).

Para Schneider e Irigaray (2008), é a partir da relação entre os diferentes aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais que se torna possível a compressão da etapa da vida caracterizada como velhice. Nessa perspectiva, o problema com a velhice, segundo Guimarães (2007, p. 12), "não é a velhice em si, mas a maneira como o idoso e os outros se colocam perante ela: o idoso se entende e é entendido num lugar onde seus projetos ou já foram realizados ou foram abandonados".

A Psicologia do Envelhecimento numa perspectiva de desenvolvimento ao longo de toda a vida (lifespan) não romantiza o envelhecimento bem-sucedido indicando o máximo de atividade e envolvimento e ausência de doença nesse período da vida, mas deixa de ser uma psicologia do declínio, passando a utilizar um modelo psicológico de envelhecimento bem-sucedido baseado em um processo de otimização seletiva com compensação, significando fazer e ser o melhor possível com os recursos de que se dispõe (Neri, 2006).

Para Neri (2006, p. 19), o lifespan compreende o desenvolvimento como "processo contínuo, multidimensional e multidirecional de mudanças orquestrados por influências genético-biológicas e sócio-culturais, de natureza normativa e não-normativa, marcado por ganhos e perdas concorrentes e por interatividade entre o indivíduo e a cultura".

Nessa perspectiva, embora o processo de envelhecimento seja subjetivo e vivenciado de forma diferente por cada indivíduo, aumentam as chances de acontecer eventos incontroláveis nessa fase da vida, tais como: doenças, acidentes, morte de entes queridos e problemas que afetam os descendentes. Algumas fontes de estresse para idosos são: problemas de saúde, perda de independência e de autonomia do próprio idoso, do parceiro conjugal e em amigos, pobreza, isolamento social e discriminação por idade (Neri, 2013). Todas essas situações expõem os idosos a situações estressantes, podendo ser vividas como aborrecimentos constantes ou como eventos inesperados e incontroláveis nos quais "a perplexidade e o sofrimento psíquico dos idosos tendem a ser enormes e podem potencializar os efeitos de doenças crônicas, dor, incapacidades e depressão" (Neri, 2013, p. 39).

A hospitalização pode ser um desses eventos incontroláveis, no qual a pessoa se defronta com o incontrolável e com a fragilidade da condição humana, podendo gerar situações de crise em quem vivencia o adoecimento e a hospitalização; desse modo, além do sofrimento físico ocasiona-se o sofrimento psíquico (Oliveira, 2015). Segundo Biasus (2016), é necessária a construção de estratégias que tenham em vista a melhoria das condições e a qualidade de vida dos idosos que vivenciam um envelhecimento patológico.

Albuquerque (2016) discorre sobre a situação de dupla vulnerabilidade ocupada pela pessoa idosa que se encontra em tratamento de saúde, pois, segundo ela, além de estar doente, apresentando-se naturalmente vulnerável, esta pessoa faz parte de um grupo de pessoas, que pelo simples fato da idade, sofre com preconceitos e estigmas. A autora apresenta fatos que ocorrem com as pessoas idosas que produzem a falsa crença de que a idade inabilita a pessoa a conduzir sua vida e a fazer escolhas esclarecidas, com base em suas próprias concepções, desejos e crenças. Incluem-se entre eles: a particular atenção demandada pelas pessoas idosas, por levarem mais tempo para aprender informações, para compreender as terapêuticas que lhes são propostas, tal como maior dificuldade apresentada por esse grupo de expressar suas queixas em saúde (Albuquerque, 2016).

Diante das demandas e questões específicas que o idoso traz, tais como a finitude da vida, perda do valor social, relacionamento com a família, sexualidade e declínio de funções vitais (Eizirik, 2013), aponta-se "a necessidade de compreensão das demandas por intervenção psicológica entre indivíduos mais velhos, de forma a direcionar a capacitação de profissionais e os serviços em instituições que atuam com a psicoterapia e evitar que negligenciem as especificidades deste público" (Ribeiro et al., 2016, p. 67).

O interesse pelo tema ocorreu na atuação na Clínica Médica, enquanto psicóloga residente do Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso com Ênfase em Atenção Cardiovascular (PRIMSCAV), no Hospital Universitário Júlio Müller - Universidade Federal de Mato Grosso. Diante das demandas relacionadas ao envelhecimento apresentadas pelos idosos e seus familiares durante os acompanhamentos psicológicos realizados, percebeu-se a relevância em ouvir esse público, identificar indicadores psicossociais e qualificar os atendimentos prestados considerando suas especificidades e necessidades.

A partir do exposto, a pesquisa apresentada teve como objetivo investigar indicadores psicossociais de idosos hospitalizados e a percepção de si e do processo de hospitalização. Para alcançar este objetivo, buscou-se identificar os indicadores de estresse, ansiedade e depressão em idosos hospitalizados; caracterizar as atitudes e percepção em relação ao envelhecimento; caracterizar a percepção do processo de hospitalização; relacionar indicadores de estresse, ansiedade e/ou depressão com a percepção de si e do processo de hospitalização.

 

Método

Trata-se de um estudo do tipo exploratório, que "tem por objetivo conhecer a variável de estudo tal como se apresenta, seu significado e o contexto onde ela se insere" (Piovesan & Temporini, 1995, p. 321), com abordagem quanti-qualitativa, pois, "à medida que perguntas de pesquisa frequentemente são multifacetadas, comportam mais de um método" (Günther, 2006, p. 207). Pretendeu-se analisar descritivamente as variáveis: estresse percebido, ansiedade, depressão, as atitudes e percepção em relação ao envelhecimento e a percepção do processo de hospitalização em idosos hospitalizados.

Participantes

Os idosos que aceitaram participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) compuseram uma amostra de dez participantes, a partir de um cálculo amostral realizado em função da diminuição da média de internações, devido à reforma física que ocorreu na enfermaria e ocasionou a redução dos leitos, durante os dois meses da coleta de dados.

Os instrumentos foram respondidos com auxílio da pesquisadora. Os critérios de inclusão foram ter mais de sessenta anos e estar hospitalizado há mais de três dias. Os critérios de exclusão envolveram limitações na linguagem, comprometimento da memória e de orientação. Os participantes serão identificados ao longo da apresentação e da discussão dos resultados pela letra P seguida de um número sequencial (que indica a ordem de realização das entrevistas).

Participaram dez idosos (seis homens e quatro mulheres), com média de 72,1 anos de idade (DP = 5,84), os quais encontravam-se viúvos (n=4), casados (n=4), solteiro (n=1) ou vivendo em união estável (n=1). No que se refere à escolaridade, a maioria (n=6) possui baixa escolaridade, com ensino fundamental I completo (n=3) e com ensino médio completo (n=1).

Quanto à religião, são católicos (n=5), evangélicos (n=4) e sem religião (n=1). Em relação à fonte de renda, referiram ser proveniente da aposentadoria (n=2), do trabalho (n=2) pois não estão aposentados, de pensão (n=1), de auxílio-doença e trabalho (n=1) e aposentadoria de outras fontes (n=4), demonstrando-se diversificada. No que se refere à moradia, a maioria (n=9) tem moradia própria.

Local de coleta de dados

A coleta foi realizada na Unidade de Clínica Médica do Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM) da cidade de Cuiabá, Mato Grosso. Destaca-se a elevada incidência de doenças crônicas cardiovasculares e de pacientes idosos que internam para investigação diagnóstica ou tratamento nesta clínica, o que justifica a escolha do local e do tema para a realização de uma pesquisa em um Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Cardiovascular.

Instrumentos

Os idosos responderam a(o):

a)Questionário Sociodemográfico e Percepção da Hospitalização: elaborado para esta pesquisa com o objetivo de obter informações pessoais quanto a idade, sexo, estado civil, escolaridade, situação empregatícia, religião, fonte de renda e moradia, e de identificar a percepção de saúde, problema de saúde, medicação e dias de hospitalização (Sousa et al., 2015);

b)Escala de Estresse Percebido: traduzida e adaptada para o português brasileiro por Luft et al. (2007), tem por objetivo mensurar o estresse percebido de idosos brasileiros. O instrumento é formado por 14 itens, designados para verificar o quão imprevisível, incontrolável e sobrecarregada os respondentes avaliam suas vidas. Esses três fatores têm sido considerados como componentes centrais na experiência de estresse. Os escores totais podem variar de 0 a 56, sendo que escores mais altos sugerem níveis mais elevados de estresse;

c)Inventário de Ansiedade Geriátrica (Massena, 2014): instrumento para avaliar ansiedade em idosos, composto por 20 questões, tendo como opções de respostas as alternativas (1) concorda ou (2) discorda. As respostas são somadas e o escore pode variar de 0 a 20 pontos. O ponto de corte para detectar Transtorno de Ansiedade Generalizada na versão brasileira (Massena, 2014) é 13, e para o rastreio de sintomas ansiosos o ponto de corte sugerido é 8;

d)Escala de Depressão em Geriatria - GDS - Versão Reduzida (Almeida & Almeida, 1999): é um dos instrumentos mais frequentemente utilizados para a detecção de depressão no idoso e consiste em um questionário de 15 perguntas fechadas e de fácil compreensão, com respostas simples de "sim" ou "não". A pontuação da escala varia entre 0 e 15 pontos, sendo que escore maior ou igual a 5 indica a presença de sintomas depressivos;

e)Técnica de Apercepção para Idosos - SAT (Bellak & Abrams, 2012): é um instrumento voltado para a singularidade do indivíduo, sendo, portanto, de natureza idiográfica. Como pressuposto em todas as técnicas temáticas, supõe-se que, ao criar histórias sobre estímulos relativamente ambíguos, o indivíduo projeta sua própria visão de mundo, preocupações e possibilidade de resolução de problemas. O instrumento presta-se mais diretamente ao levantamento das atitudes do indivíduo em relação ao envelhecimento.

Procedimento

A coleta de dados foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Ensino (CAAE 09058019.2.0000.5541). Após ser feito o levantamento dos idosos internados, foi realizada a abordagem nos leitos dos idosos que correspondiam aos critérios para integrar a amostra, para esclarecimento dos objetivos da pesquisa e importância da sua participação. Após a concordância em participar do estudo, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os idosos em seguida responderam aos instrumentos apresentados.

Os instrumentos foram aplicados preferencialmente em um único dia, sendo necessário mais de um dia quando o idoso precisava realizar procedimentos, exames, ou sentia desconfortos físicos no momento da aplicação. Um dos participantes não respondeu ao instrumento Técnica de Apercepção para Idosos, pois recebeu alta hospitalar no intervalo da aplicação.

Análise de dados

Ao final da coleta, os instrumentos foram corrigidos e os dados integraram uma planilha de Excel que possibilitou o desenvolvimento de análises estatísticas descritivas com a frequência absoluta de respostas, média e desvio padrão. A análise dos dados foi realizada obedecendo aos critérios de análise e correção de cada instrumento utilizado por meio de seus manuais. Em relação ao SAT, as respostas foram avaliadas de acordo com as seguintes variáveis: 1) Percepção (em termos de Adequação [Típica/Atípica], Qualidade [Discriminada/Superficial] e Vida interior [Presente/Ausente]); 2) Motivação (Motivação para interação com o ambiente [Ação/Relação/Ausente/Não discernível] e disposição para solucionar problemas [Presente/Ausente/Não discernível]); 3) Sentimentos (a qualidade dos sentimentos predominantes [Positivos/Negativos/Não discerníveis], os sentimentos em relação ao ambiente [Positivos/Negativos/Não discerníveis] e os sentimentos em relação à velhice [Positivos/Negativos/Não discerníveis]); e 4) Perspectivas para o futuro (imediato [Positivas/Negativas/Resignadas/Não discerníveis] e ao remoto [Positivas/Negativas/Resignadas/Não discerníveis]). Os dados do questionário sociodemográfico e percepção sobre a hospitalização tiveram as respostas transcritas e foram analisadas a partir do levantamento de categorias.

 

Resultados

A caracterização geral dos idosos é apresentada na Tabela 1, quanto às variáveis: percepção de saúde, problema de saúde, medicamento de uso regular antes da hospitalização e dias de hospitalização.

Tendo em consideração a percepção de saúde, a maioria (n=7) percebe como regular, ruim (n=1), boa (n=1) e regular e ótima (n=1). Perguntado a eles "por quê?" os idosos que percebem como regular responderam "porque decaiu, não é mais como aos oitenta, perdi muito minha autonomia", "porque estava muito ruim quando cheguei no hospital", "porque não consigo andar bem", "porque estou aqui tratando", "porque é uma doença crônica e sempre estou no hospital. Sofrimento é grande", "tô recuperando bem porque ainda não tô bem", "tô muito doente hoje, não tô igual eu era não. Quando a gente é novo a saúde é uma coisa". A idosa que percebe como ruim expôs "porque sou uma pessoa que nunca estive doente". A idosa que percebe como boa disse "me sinto melhor do que quando internei" e o idoso que percebe como regular e ótima explicou "regular em referência a quando estava bem e ótima em referência a quando entrei no hospital". As respostas apresentadas demonstram várias percepções do momento vivenciado.

Em relação ao problema de saúde: apresentaram doenças cardiovasculares (n=4), doenças infecciosas (n=2), doenças pulmonares e doenças cardiovasculares (n=1), doenças pulmonares e doenças gastrointestinais (n=1), doenças renais (n=1) e doenças cardiovasculares e infecciosas (n=1). A maioria (n=7) afirmou fazer uso de medicamento regular antes da hospitalização. Metade (n=5) dos idosos estava em sua primeira semana de hospitalização, na segunda semana (n=2) e com mais de duas semanas hospitalizados (n=3). Para a maioria (n=8) dos idosos não era a primeira hospitalização, sendo que seis destes foram hospitalizados nos últimos seis meses. Aos idosos que estiveram hospitalizados nos últimos seis meses, esses assim perceberam a internação anterior:

tive muitas dores (P4, 86 anos)

foi triste, lá é triste, lá é homem misturado, sempre não tem nem remédio (P5, 74 anos)

senti muita falta de ar, me senti nervosa com o momento que era tudo novo (P6, 65 anos)

me senti mal, um fracasso na vida por estar doente (P7, 71 anos)

pensei que ia pular, veio muito forte, peguei uma pneumonia difícil de tratar (P8, 63 anos)

não achei futuro nenhum porque não senti melhora nenhuma (P9, 74 anos)

Na entrevista realizada para identificar a percepção dos idosos sobre o processo de hospitalização, no que diz respeito a como o idoso se sente no hospital e o que pensa sobre estar no hospital, a maioria (n=8) dos idosos apresentaram sentimentos de bem-estar, sendo relacionados à melhora física (n=5) e a contentamento com os cuidados recebidos (n=2). Uma idosa (n=1) apresentou sentimentos de bem-estar e ansiedade e um idoso (n=1) relatou pensamentos em relação aos cuidados recebidos. Mais da metade (n=6) dos idosos apresentaram pensamentos relacionados à melhora física, sendo que quatro desses idosos também apresentaram pensamentos sobre: a saída do hospital (n=2), a falta de condições de pagar pelo cuidado recebido (n=1) e o bom cuidado que tem recebido (n=1). Os outros idosos apresentaram pensamentos relacionados à saída do hospital e a saudade de casa (n=1), pensamentos relacionados ao desejo de não estar no hospital, de ter outra chance (n=1), pensamentos de mudança de crenças em relação ao hospital (n=1) e sentimentos de solidão sobre estar no hospital (n=1).

Na Tabela 2, é apresentado o nível de estresse percebido, de ansiedade e de depressão nos idosos participantes. A média do escore da Escala de Estresse Percebido foi de 21,4 (DP = 0,7) e considerando que, segundo Luft et al. (2007, p. 613), na Escala de Estresse Percebido "não são sugeridos pontos de corte, pois se entende o estresse percebido como uma variável contínua, que deve ser analisada como tal", foram analisados os itens que apresentaram maiores escores. A maioria (n=6) dos participantes apresentou percepção de estresse em relação "a pensamentos sobre coisas que deve fazer" e metade (n=5) percebe "que não conseguiria lidar com todas as coisas que têm que fazer".

Os sintomas relevantes de ansiedade avaliados pela Escala de Ansiedade Geriátrica utilizando o ponto de corte 8 (sintomas de rastreio de ansiedade) estavam presentes em 90% (n=9) da amostra. O escore variou de 0 a 20, sendo que a média obtida neste instrumento foi de 13,3 (DP = 2,1). Em relação à depressão, avaliada pela escala GDS-15, metade (n=5) dos participantes apresentaram sintomas depressivos. O escore variou de 0 a 13, sendo que a pontuação média no instrumento GDS-15 foi de 4,4 (DP = 0,7) e metade (n=5) dos participantes apresentaram indicadores de ansiedade e depressão.

A Tabela 3 apresenta o cálculo das frequências das respostas dos nove idosos que realizaram a Técnica de Apercepção para Idosos - SAT. Foram analisadas as variáveis de Percepção, Motivação, Sentimentos e Perspectivas Para o Futuro.

Como disposto na Tabela 3, em relação às narrativas das figuras apresentadas na Técnica de Apercepção para Idosos, a percepção dos idosos em sua maioria revelou aspectos atípicos (o examinando interpreta o estímulo de modo diferente do adotado pela maioria das pessoas, de acordo com as normas do instrumento aplicado), se mostrando discriminada, no entanto, embora houvesse o reconhecimento de diferentes elementos da cena, não foi possível revelar o contexto geral da situação. Os estados internos dos personagens não são inferidos na maioria das narrativas, o relato é descritivo ou restrito a comportamentos das personagens e elementos explícitos do estímulo. Quanto à motivação, na maior parte das narrativas não há motivação para interação com o ambiente e as soluções de problemas não são vislumbradas pelos idosos. Não são discerníveis na maioria das narrativas os sentimentos predominantes, em relação ao ambiente e em relação à velhice, assim como as perspectivas para o futuro remoto e imediato.

 

Discussão

Evidencia-se, na literatura nacional, a necessidade de mais estudos relativos ao estresse, ansiedade e depressão em idosos e a percepção de si e do processo de envelhecimento. Avaliar indicadores de estresse, ansiedade e depressão em idosos hospitalizados e investigar a percepção de si e do processo de envelhecimento é sobremodo significativo, pois permite subsidiar reflexões, discussões e ações de profissionais da saúde, estudantes e gestores com vistas a mudanças de posturas. Em uma sociedade que possui uma população idosa em crescimento, torna-se relevante a implementação de políticas públicas de atenção em gerontologia visando à mudança de postura na assistência ao paciente idoso e à desestigmatização do envelhecimento.

A percepção de estresse identificada na maioria dos participantes revelou pouco controle sobre o tempo gasto e frequente preocupação com os afazeres, que pode ser ocasionada pelo fato de esses idosos estarem hospitalizados, tendo que seguir os horários e regras do ambiente hospitalar, o que os impossibilita de poder resolver questões pessoais fora do ambiente hospitalar. A literatura refere sobre a perda de autonomia no ambiente hospitalar, afirmando que a pessoa hospitalizada apenas atende o que lhe é pedido e não toma suas decisões (Macena & Lange, 2008).

Quanto aos indicadores de ansiedade identificados, Diniz e Teixeira (2014) afirmam ser comuns transtornos de ansiedade na faixa etária geriátrica, embora a prevalência dos transtornos dessa natureza em idosos seja menor comparada a adultos jovens. Os autores sugerem ocorrer o declínio nos níveis de ansiedade ou a mudança no modo como se apresenta com o envelhecimento. No entanto, afirmam ser mais complexa a apresentação clínica dos transtornos de ansiedade no idoso, pois é frequente a coexistência com sintomas depressivos e queixas somáticas, corroborando com Byrne (2002), que afirma que são comuns os sintomas de ansiedade entre os idosos, encontrando-se associada, na maioria das vezes, a transtornos depressivos e a doenças físicas, como encontrado neste estudo.

Diante dos indicadores de depressão identificados nos participantes da pesquisa, a literatura aponta que a depressão em idosos pode ser compreendida, segundo Fiske et al. (2009), como uma interação de vulnerabilidades, abrangendo fatores genéticos, neurobiológicos, cognitivos, afetivos e sociodemográficos. Biasus (2016) afirma a necessidade de pensar eventos complexos para refletir sobre a velhice, evidenciando esta como um processo marcado por transformações em diversos domínios (biológicos, psicológicos, sociais ou culturais), em que não é possível destacar qual deles possui maior importância, considerando sua interdependência.

Neri (2013, p. 39) afirma que a "experiência de eventos relacionados ao declínio e à morte pode gerar ou agravar estados de ansiedade e depressão ou pode afetar relacionamentos familiares e sociais", e complementa que essa mesma experiência "representa oportunidade para aprendizado e crescimento pessoal", dependendo assim, da forma como o idoso percebe essas experiências. No entanto, não foi possível neste estudo identificar se a experiência de hospitalização gerou ou agravou os estados de ansiedade e depressão.

Em relação ao processo de internação, os sentimentos da maioria dos idosos foram de bem-estar por estar no hospital em função da melhora física. Pode-se notar que cada pessoa percebe de forma singular essa experiência, corroborando com a literatura (Di Menezes & Lima, 2019).

A percepção de saúde foi em sua maioria considerada regular devido a vários motivos, sendo eles: dificuldade de locomoção, comparação ao momento em que chegaram ao hospital, nunca ter ficado doente, declínio do estado de saúde percebido com o passar dos anos, dentre outros. A presente pesquisa retrata resultados diferentes da literatura que aponta ser comum "os idosos se perceberem com saúde ruim, fato que pode ser explicado por apresentarem morbidades, fragilidade e maior risco de mortalidade, como condições que demandam maior necessidade de procura por serviços de saúde, o que pode justificar esse achado" (Bordin et al., 2018, p. 457).

Em relação à velhice e processo de envelhecimento, durante a aplicação dos instrumentos, percebeu-se o pouco pensar e falar na velhice, tendo sido expresso por alguns idosos na pergunta sobre a percepção de saúde, em que apresentaram o declínio da saúde, perda de autonomia, dificuldade de locomoção, mudanças da saúde com o passar do tempo, estar doente pela primeira vez, relatando situações que podem ocorrer no envelhecimento. Segundo Teixeira et al. (2015), o envelhecimento é frequentemente associado a sofrimentos e perdas, pois apresenta mudanças físicas, psicológicas e sociais, passando a ser evitado de diferentes modos.

Dentre os idosos que apresentaram percepção de estresse em relação a pensamentos sobre coisas que deve fazer (n=6), todos apresentaram indicadores de ansiedade, sendo que três idosos apresentaram também de depressão. Dentre os que perceberam que não conseguiriam lidar com todas as coisas que têm que fazer (n=5), todos apresentaram indicadores de ansiedade, sendo que quatro idosos apresentaram também de depressão.

A percepção do processo de hospitalização dos idosos que apresentaram indicadores de ansiedade e depressão (n=5) é de sentimentos de bem-estar (n=3), bem-estar e ansiedade (n=1) e pensamentos em relação aos cuidados recebidos (n=1). Quanto aos pensamentos, apresentaram: melhora física (n=2), melhora física e saudade de casa (n=1), melhora física e bom cuidado recebido (n=1) e sentimentos de solidão sobre estar no hospital (n=1). Observam-se, em sua maioria, percepções de bem-estar e melhora em relação a estarem hospitalizados.

Esses mesmos idosos percebem em sua maioria (n=4) sua saúde regular e ruim (n=1), ao mesmo tempo em que, os idosos que apresentaram indicadores somente de ansiedade (n=4), percebem como regular (n=2), regular e ótima (n=1) e boa (n=1). E o idoso que não apresentou indicadores de ansiedade ou depressão percebe como regular.

Em relação ao tempo de hospitalização, histórico de hospitalização e indicadores de ansiedade e depressão, foi maior o número de participantes com indicadores de ansiedade e ansiedade e depressão (n=2; n=3) em sua primeira semana de hospitalização, quando comparados com aqueles que estavam na segunda semana de internação e há mais de 15 dias (n=1; n=1). A maioria (n=8) dos participantes não era a primeira hospitalização e apresentaram indicadores de ansiedade (n=3) e indicadores de ansiedade e depressão (n=5).

Considerando que a pesquisa se deu pelo acesso direto ao relato dos idosos, observou-se que a escuta sensível realizada durante a aplicação dos instrumentos pode ter provocado alívio em alguns dos participantes, reforçando a importância dessa escuta, como aponta pesquisa realizada por psicólogas, no pronto atendimento de um hospital geral particular em uma cidade na região sul do Brasil (Leite et al., 2018).

A pequena amostra deste estudo não permite a generalização dos resultados e inviabiliza correlações entre as variáveis estudadas. Além disso, identifica-se a importância de outros métodos para o levantamento das atitudes do indivíduo em relação ao envelhecimento, considerando que não houve elementos suficientes nas narrativas para caracterizar as atitudes e percepção em relação ao envelhecimento.

 

Considerações finais

O estudo possibilitou identificar situações percebidas como estressoras, indicadores de ansiedade e depressão em idosos hospitalizados, alcançando o objetivo geral e específicos. No entanto, os indicadores de estresse, ansiedade e depressão parecem não ter influenciado, diretamente e de modo negativo os sentimentos e pensamentos em relação ao processo de hospitalização.

Em relação ao tempo de hospitalização e indicadores de ansiedade e depressão, pode-se perceber que os idosos que apresentaram indicadores de ansiedade e depressão (n=5) não se encontravam no primeiro processo de hospitalização e tinham tempo de hospitalização variado, uma vez que o idoso que não apresentou indicadores de ansiedade e depressão (n=1), se encontrava no primeiro processo de hospitalização e internado há mais de quinze dias. Assim sendo, o tempo de hospitalização não influenciou nos indicadores de ansiedade e depressão.

Mesmo verificando que sentimentos e pensamentos relacionados à velhice e o processo de envelhecimento não apareceram no discurso dos idosos de maneira efetiva, é possível observar que estes percebem as mudanças físicas, psicológicas, biológicas e sociais vivenciadas com o passar dos anos. Os idosos apresentaram diferentes percepções em relação ao processo de hospitalização, a maioria demonstrou alegria pela melhora percebida desde que entrou no hospital e foi possível compreender que a hospitalização em idosos, por si só, não acarretou situações de crise.

Durante a realização da coleta de dados, percebeu-se receptividade e interesse dos idosos e familiares ao explicar os objetivos da pesquisa, os idosos demonstram-se um público aberto para compartilhar suas vivências e experiências, manifestando vontade de falar sobre suas emoções e pensamentos. Os instrumentos mostraram-se adequados para alcançar os objetivos da pesquisa e compreensível para os idosos, ainda que, ao ouvir as instruções do SAT, alguns idosos se contraporão informando não saber contar histórias, mas ao mostrar as figuras discorreram sobre ela.

Em síntese, esse estudo contribui para o conhecimento científico acerca do processo de envelhecimento, apresentando demandas que o idoso traz. Os indicadores de estresse, ansiedade e depressão levantados neste estudo apontam a relevância da capacitação dos profissionais de saúde para realizar o atendimento desse público considerando suas necessidades e especificidades. Intervenções que visem à saúde mental de idosos durante a hospitalização são necessárias.

Alguns aspectos relevantes não foram abordados neste estudo, como a participação da família, a relação com a equipe, entre outros, tornando-se necessárias outras investigações como: avaliar se o estresse percebido, ansiedade e depressão variam de acordo com as causas da hospitalização, se o contexto de internação tem função disparadora ou amenizadora desses indicadores e analisar outras variáveis envolvidas nesse contexto.

 

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Aryadnne Alexya dos Reis Bomfim Freire - Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso. Residente no Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso com Ênfase em Atenção Cardiovascular (PRIMSCAV), de 2018 a 2020, do Hospital Universitário Júlio Müller - Universidade Federal de Mato Grosso.
Tatiane Lebre Dias - Psicóloga. Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso.

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