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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.24 no.2 São Paulo jul./dez. 2021

 

Fluxograma e protocolo de intervenção psicológica em Unidade de Terapia Intensiva: pacientes em desmame ventilatório

 

Fluxogram and psychological intervention protocol in the Intensive Care Unit: patients on weaning from ventilation

 

 

Karla Driele da Silva Alves ArrudaI; Andréa Batista de Andrade Castelo BrancoII

IUniversidade Federal da Bahia (IMS/UFBA) - Vitória da Conquista/BA - E-mail: kdrieles@gmail.com
IIUniversidade Federal do Ceará (UFC) - E-mail: andrea_andrade@hotmail.com

 

 


RESUMO

A transição da ventilação mecânica para ventilação espontânea gera impactos emocionais para o paciente internado na UTI. Objetivou-se elaborar instrumentos que subsidiem o desenvolvimento de intervenções psicológicas direcionadas aos pacientes em desmame ventilatório. Utilizou-se o método da pesquisa-ação e as seguintes técnicas de coleta de dados: entrevistas semiestruturadas com psicólogos intensivistas e observação participante com os pacientes em um hospital público. Para analisar os dados, utilizou-se a Análise de Conteúdo entre janeiro e março de 2018. O resultado da pesquisa proporcionou a elaboração de um fluxograma e um protocolo de intervenção direcionado ao atendimento psicológico de pacientes em desmame ventilatório. Conclui-se que a operacionalização e a sistematização das intervenções psicológicas podem contribuir para uma melhoria no cuidado ao paciente.

Palavras-chave: psicologia hospitalar; unidades de terapia intensiva; desmame respiratório; intervenção psicológica.


ABSTRACT

The transition from mechanical ventilation to spontaneous ventilation generates emotional impacts for patients hospitalized in the ICU. This research aimed to elaborate instruments that support the development of psychological interventions directed at patients in ventilatory weaning. We used the action-research method and these data collection techniques: semi-structured interviews with intensive care psychologists and participant observation with patients in a public hospital. We used a Content Analysis to analyze the data from January to March 2018. The result of the research provided the elaboration of a flowchart and an intervention protocol directed to the psychological care of patients in ventilatory weaning. We conclude that the operationalization and systematization of psychological interventions can provide an improvement in care.

Keywords: hospital psychology; intensive care units; respiratory weaning; psychological intervention.


 

 

Introdução

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é uma estrutura hospitalar destinada ao atendimento de pacientes graves ou de risco, mas potencialmente recuperáveis, que exigem monitoração ininterrupta. No Brasil, em estudo realizado com prevalência de um dia em 40 UTIs, com 390 pacientes internados, 217 faziam o uso de ventilação mecânica (Damasceno, David & Souza, 2006) e, embora esse recurso seja uma das principais ferramentas no tratamento de pacientes graves, trata-se de um procedimento invasivo suscetível a complicações fisiológicas e psicológicas, o que torna imprescindível o célere retorno do paciente à respiração espontânea após a resolução da causa da insuficiência respiratória que motivou o suporte mecânico (Pham, Brochard & Slutsky, 2017).

A descontinuação da VM e a remoção da via aérea artificial deve ser gradualmente realizada com pacientes em ventilação invasiva por período superior a 24 horas. É realizado um teste de ventilação espontânea que possibilita ao paciente respirar com o suporte de um tubo endotraqueal. Os pacientes que conseguem realizar o teste precisam ser analisados quanto à recomendação de remoção da via aérea artificial. Esse processo de transição é chamado de desmame ventilatório e tende a ser lento e delicado, constituindo cerca de 40% do período total de VM (Goldwasser et al., 2007). Entre os aspectos que prejudicam o sucesso do desmame estão os quadros de ansiedade e delirium, condições que se apresentam associadas ao uso prolongado do suporte mecânico com significância estatística (Cabral et al., 2019; Martins, Santos, Macedo Júnior & Eberle, 2019).

A ventilação mecânica invasiva é caracterizada como uma das principais fontes de desconforto para os pacientes internados em UTI. São comuns os relatos de sensação de sufocamento, enjoos, dores e lesões devido à intubação, angústia decorrente da impossibilidade ou dificuldade de se comunicar referente ao suporte mecânico, ansiedade e medo (Gosselin, Lavoie, Bourgault, Bourgon-Labelle & Gélinas, 2019). Um estudo de coorte com pacientes que necessitaram de 14 ou mais dias de VM identificou sintomas de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático com relativa frequência (Cabral et al., 2019).

Desse modo, compreende-se a utilização da VM como uma experiência estressante, propulsora de reações emocionais negativas (Tingsvik, Hammarskjöld, Mårtensson & Henricson, 2018). No âmbito da Psicologia Hospitalar, contudo, a escassez de pesquisas científicas sobre esse objeto de estudo é significativa. Realizou-se uma busca em variados indexadores (MEDLINE, SCIELO, BVS-PSI, LILACS e o portal de periódico CAPES) mediante os descritores 'desmame ventilatório', 'ventilação mecânica' e 'psicologia', identificando ausência de pesquisas aprofundadas sobre o tema.

Neste panorama, a pergunta-problema que norteou este estudo pode ser sumarizada da seguinte forma: como a prática do psicólogo na UTI pode contribuir no processo de desmame ventilatório do paciente através de instrumentos de intervenção? Assim, o objetivo desta pesquisa consistiu em elaborar um fluxograma e um protocolo de atendimento que subsidiem a consecução de intervenções psicológicas dirigidas aos pacientes em desmame ventilatório, identificando e manejando os aspectos emocionais subjacentes.

Inicialmente, discutiremos os principais aspectos teóricos relacionados ao desmame ventilatório e à atuação da Psicologia frente à temática, mediante os seguintes tópicos: O psicólogo na UTI; e Aspectos emocionais dos pacientes internados na UTI. Posteriormente, apresentaremos nos resultados um fluxograma e um protocolo de atendimento psicológico, elaborados através da pesquisa-ação. Ressalta-se que a Análise do Comportamento foi a abordagem da Psicologia mais utilizada para fundamentar os instrumentos desenvolvidos.

O Psicólogo Na UTI

O paciente internado em UTI está suscetível a uma série de fatores considerados estressores, como padrão de sono perturbado, pouca mobilidade no leito, comunicação verbal prejudicada, dor, ansiedade, medo, perda de autonomia, baixa interação social, sentimento de impotência, uso de aparelhos, ruídos e iluminação constantes, realização de procedimentos e manipulação frequente do seu corpo, além das alterações na sua rotina, laboral e familiar (Dalla Lana., Mittmann, Moszkowicz & Pereira, 2018). Esses fatores podem interferir na evolução do quadro clínico do paciente, o que faz desse ambiente um espaço iatrogênico.

A atuação do psicólogo frente ao paciente internado em UTI se estabelece na formação de um elo entre paciente, equipe e família, operando como um canal facilitador do fluxo das emoções e informações (Sebastiani, 1995). Nesse contexto, o psicólogo desenvolve estratégias para mobilizar recursos internos e externos dos pacientes e familiares, que auxiliem na elaboração e adaptação às situações impostas pelo adoecimento.

Ademais, pode-se destacar as seguintes atribuições: fornecer informações sobre as rotinas do setor; trazer informações sobre ambiente externo; estimular o contato e mediar a comunicação com a família e equipe; avaliar a adequada compreensão do quadro clínico e prognóstico; verificar qual membro da família tem mais condições emocionais e cognitivas para o contato com a equipe; disponibilizar horários para atendimentos aos familiares; e realizar articulação com a rede (Lima & Martins, 2017; Vieira & Waischunng, 2018).

A estimulação da expressão verbal do paciente também é função do psicólogo nesse contexto marcado pela despersonalização e sobreposição do discurso biomédico sobre a subjetividade. No caso de pacientes impossibilitados de falar devido à presença do tubo endotraqueal, o psicólogo deve se atentar para a linguagem não verbal, desenvolvendo estratégias criativas de comunicação, como gestos, escrita ou sinais impressos que viabilizem uma via de expressão de suas necessidades e desejos, de modo a identificar focos de angústia e reduzir o sentimento de solidão. O objetivo dessa comunicação não é apenas a transmissão de informações, mas a sinalização da presença ao lado do paciente em condição de cuidado, viabilizando expressão de sentimentos e emoções (Thapa, Dahal & Singh, 2019).

O familiar também é alvo das intervenções psicológicas. Às vezes, pode chegar na UTI apreensivo e inseguro e, apesar do impacto sofrido pela doença, necessita assegurar o cumprimento das tarefas e das necessidades do paciente. Nesse cenário, o psicólogo deve proporcionar à família um espaço para expressar seus sentimentos e para falar sobre a doença, medos e fantasias sobre a morte. É importante atentar-se para sua compreensão sobre o quadro clínico do paciente, avaliando se as expectativas são compatíveis com a realidade e facilitando a comunicação com a equipe (Lima & Martins, 2017).

Aspectos Emocionais Dos Pacientes Internados Na UTI

A UTI é um ambiente propício para o surgimento de alterações psíquicas como sintomas de ansiedade, delirium e estresse pós-traumático em decorrência dos estressores inerentes à internação (Patel et al., 2016). Os pacientes em uso de VM, comumente, encontram-se sedados ou em coma. Porém, a interrupção diária da sedação faz-se necessária no procedimento de desmame (Goldwasser et al., 2007). O despertar durante a VM implica numa vivência desse processo, podendo envolver aspectos físicos, como dor e dificuldade respiratória e questões emocionais, como medo e ansiedade (Dalla Lana et al., 2018). Muitas vezes, em virtude do tubo endotraqueal, estão impossibilitados de falar sobre suas necessidades, e, assim, tendem a iniciar um quadro de ansiedade (Almendra, 2018).

De acordo com a análise do comportamento, os sentimentos e emoções são comportamentos privados, eventos inacessíveis à observação pública direta (Skinner,1991). Assim, os comportamentos de medo e ansiedade são causados por contingências de reforçamento perturbadoras, e não por sentimentos ou estados da mente perturbadores. Quando se alteram as contingências, modifica-se o comportamento. Logo, para cada estado experienciado e identificado pela comunidade verbal pelo nome de um sentimento, existe um evento ambiental anterior do qual esse estado é produto (Queiroz & Guilhardi, 2001).

A ansiedade tem sido descrita como um estado emocional desagradável que compreende manifestações somáticas e comportamentais: taquicardia, respostas galvânicas da pele, hiperventilação, sensações de sufocamento, sudorese, dores e tremores; redução na eficiência comportamental com o decréscimo de habilidades sociais e dificuldade de concentração, respostas de esquiva e/ou fuga que sugerem a expectativa ou tentativa de controlar eventos futuros e, por fim, relatos verbais de estados internos desagradáveis como, angústia, medo e insegurança. Comumente, esse estado é desproporcional a situação real de ameaça, geralmente relacionado a um evento futuro (Zamignani & Banaco, 2005).

Desse modo, a manifestação da ansiedade está relacionada ao anúncio de algum evento aversivo. Um estímulo inicial sinaliza a apresentação de um outro estímulo aversivo e, diante do mesmo, não há a possibilidade de um comportamento de fuga/esquiva. Como consequência, na presença do estímulo operante pré-aversivo, são observados estados corporais e alterações dos comportamentos operantes (Queiroz & Guilhardi, 2001).

 

Metodologia

O presente estudo apresenta um delineamento qualitativo e o método da pesquisa-ação. Nessa perspectiva, buscou-se seguir um curso de investigação-ação, de modo que a prática da Psicologia e a pesquisa sobre esta ação fossem aprimorados mutuamente durante o processo. Assim, a pesquisa-ação caracteriza esse ciclo de investigação-ação onde são monitorados os efeitos da ação sobre uma prática. A ação é fundamentada na análise e compreensão dos dados obtidos por meio da própria pesquisa, configurando um processo que segue um ciclo no qual se aprimora a performance pelo vínculo simultâneo entre a ação no campo da prática e a investigação da mesma. A execução de uma mudança no desenvolvimento de uma atividade acontece no decorrer do processo de pesquisa e não apenas como possível consequência de uma recomendação na etapa final do projeto. Por meio desse método, foi realizado planejamento, implementação, descrição e avaliação de uma mudança para a melhora no modo de execução de uma atividade e esse processo contínuo permite o aprendizado tanto a respeito da prática quanto da própria investigação (Tripp, 2005).

O local da pesquisa foi em uma UTI com 40 leitos para adultos em um Hospital Geral Público. Os participantes do estudo foram cinco psicólogos que responderam a entrevistas semiestruturadas. As abordagens psicológicas declaradas pelas participantes como norteadoras de suas respectivas intervenções foram: Psicologia Analítica (Jung), Terapia Cognitivo Comportamental, Gestalt-terapia, e Abordagem Centrada na Pessoa. As participantes tinham um tempo médio de atuação em UTIs de 1 ano, sendo duas delas residentes-psicólogas do hospital analisado. Vale ressaltar que, durante o período da pesquisa, a residente-pesquisadora deste estudo atuou nas UTIs pelo período de 6 meses, atendendo a um total de 6 pacientes em processo de desmame ventilatório, conforme rodízio de setores estabelecido pelo Programa de Residência, utilizando a análise do comportamento como abordagem teórico conceitual. A experiência junto a esses pacientes nas UTIs permitiu maior apropriação do fenômeno estudado. Os resultados apresentados nesse artigo correspondem aos achados parciais do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da referida residência.

. Os critérios de seleção amostral dos pacientes contactantes da UTI foram: a) estar intubado com previsão de extubação; e/ou b) estar em procedimento de desmame ventilatório. Já o critério de seleção dos psicólogos foi ter experiência mínima de quatro meses na UTI junto aos pacientes em desmame ventilatório.

A análise do material coletado nas entrevistas e nas observações compreendeu várias etapas da Análise de Conteúdo: pré-análise, exploração do material (categorização) e tratamento dos resultados, inferência e interpretação (Bardin, 2001). No decorrer da pesquisa, foram elaboradas múltiplas versões do protocolo de atendimento psicológico, baseados na análise dos dados coletados, na aplicação do protocolo e na revisão de literatura sobre o tema.

Realizou-se os seguintes procedimentos: 1) Submissão do projeto ao Comitê de Ética; 2) Realização de entrevistas semiestruturadas com psicólogos; 3) Análise do Conteúdo das entrevistas; 4) Elaboração do fluxograma; 5) Primeira versão do protocolo com base nas entrevistas e na literatura; 6) Atendimento psicológico aos pacientes em desmame ventilatório; 7) Análise dos dados registrados em diário de campo durante as observações; 8) Segunda versão do protocolo a partir dos atendimentos; 9) Aplicação e aprimoramento do protocolo através da avaliação da prática desenvolvida; 10) Versão final no protocolo. Os resultados apresentados nesse artigo correspondem aos achados parciais da pesquisa intitulada "Atuação da psicologia na UTI frente ao paciente em desmame ventilatório", vinculada ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Saúde e ao Programa de Residência Multidisciplinar em Urgência da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

No que se refere aos aspectos éticos, esta pesquisa obedeceu aos parâmetros e itens que regem a Resolução nº 466 de 13 de junho de 2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta pesquisa com seres humanos, garantindo os princípios da bioética: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. Os participantes estavam cientes dos riscos e benefícios do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, elaborado em conformidade com a referida Resolução, que elucida, entre outros aspectos, os objetivos da pesquisa e respeito ao anonimato (nº CAAE: 83779918.2.0000.5556).

 

Resultados e Discussão

A Análise de Conteúdo das entrevistas com psicólogos e estagiários possibilitou a identificação de quatro categorias. Na tabela 1, segue uma disposição das categorias identificadas e suas respectivas unidades de registro.

A Análise de Conteúdo das entrevistas permitiu a elaboração do protocolo, sendo aprimorado mediante fundamentação teórica e prática da pesquisadora-residente durante os atendimentos realizados nas UTIs do hospital geral no período de 6 meses. Nesse período, foi realizada uma análise funcional do comportamento de cada caso como forma de compreender o comportamento dos pacientes e seus familiares no contexto hospitalar, bem como desenvolver estratégias interventivas fundamentadas cientificamente.

Nas observações, foi possível identificar que no momento do desmame, as manifestações musculares e autonômicas decorrentes da dificuldade de respiração eliciavam outras manifestações orgânicas como taquicardia, sudorese e agitação psicomotora. Essas manifestações, por sua vez, vinham acompanhadas de relatos verbais de sensação de sufocamento, medo da morte, insegurança e mal-estar. O desmame, nesse contexto, se apresentava como evento aversivo sem possibilidades de respostas de esquiva ou fuga, o que culminava nos sintomas de ansiedade. Gradativamente, foi possível observar um aumento da intensidade e da frequência dos comportamentos ansiosos, que passaram a ser identificados mesmo antes do desmame em virtude da expectativa do evento aversivo. A seguir, serão apresentados e descritos o fluxograma e a versão final do protocolo que foi aplicado na UTI.

Fluxograma Para Atendimento De Pacientes Em Desmame Ventilatório

O fluxograma foi construído no intuito de apresentar um passo a passo de condutas que orientam a prática do profissional de psicologia dentro do contexto da UTI e, mais especificamente, frente ao paciente em desmame ventilatório. Essa sistematização do fazer do psicólogo é imprescindível para auxiliar o percurso dos profissionais que, mesmo visando a subjetividade que a prática exige, compreendem a necessidade do aperfeiçoamento que se apresenta pela organização de rotinas (Viana, Torga & Anselmo, 2010). Esse instrumento permite uma visualização gráfica das etapas que se iniciam no momento da admissão do paciente pelo serviço, permitindo uma melhor compreensão e aplicação do protocolo.

Protocolo De Atendimento Psicológico Para Pacientes Em Desmame Ventilatório

A assistência psicológica ofertada na UTI demanda a aplicação de estratégias fundamentadas, entrevistas clínicas, observações e protocolos que subsidiem o planejamento de intervenções. Para tal, vale-se de instrumentos norteadores da prática que possibilitam a adoção e/ou mudança de condutas dos profissionais da equipe de saúde e/ou dos pacientes e familiares, necessárias para promover a melhor adaptação do paciente às circunstâncias inerentes ao processo de adoecimento, tratamento e hospitalização (Lima & Martins, 2017).

O protocolo é uma ferramenta descritiva de padronização de rotinas que norteia o processo de cuidado. A utilização desse recurso no contexto hospitalar possibilita a redução da heterogeneidade da assistência psicológica, a instrumentalização e orientação das ações profissionais, operacionalizando os processos e resultados e demarcando as responsabilidades do psicólogo na equipe multiprofissional (Neto, Campos & Porto, 2017).

O protocolo apresentado a seguir visa direcionar a atuação do psicólogo frente ao paciente em desmame ventilatório e deve ser utilizado nos pacientes contactantes. Portanto, é necessário que inicialmente se verifique junto à equipe o nível de sedação e de consciência do paciente. Para a avaliação do nível de consciência dos pacientes, a escala de coma de Glasgow é comumente utilizada pelos profissionais de saúde. É dividida em três subescalas: abertura ocular, melhor resposta verbal e melhor resposta motora. Os escores podem variar de 3 a 15. Escore de quinze indica paciente consciente e orientado, e escores de sete ou menos indicam coma (McMillan et al., 2016). Para avaliar o grau de sedação e agitação, a Escala de Richmond de Agitação-Sedação (RASS) consiste num método de três passos claramente definidos que determinam uma pontuação que vai de -5 a +4 (Boettger et al., 2017).

A versão final do protocolo de atendimento (Tabela 2) se estrutura em onze etapas que serão descritas a seguir. Cada item deve ser assinalado quando a característica descrita for expressa pelo paciente ou quando a ação apresentada foi desenvolvida. Não é necessário que o protocolo seja preenchido totalmente no primeiro atendimento, devendo ser utilizado na medida em que as sessões forem estruturadas, conforme necessidade de cada paciente.

1. Dados sociodemográficos: Esse item é destinado aos dados de identificação do paciente e alguns aspectos sociais, como estado civil, profissão e pessoas com quem reside. Comumente, os familiares e amigos se revezam para visitar o paciente, por esse motivo, nesse campo há um espaço para identificação dos visitantes.

 

Figura 1

 

2. Quadro clínico: O diagnóstico, a severidade do quadro clínico, o tipo de dispositivo invasivo utilizado (tubos, sondas vesicais, sondas enterais) e acessos periféricos são aspectos que irão impactar diretamente o modo como o paciente interage e se comunica com a equipe e a família, como se movimenta espacialmente, sua independência e autopercepção e sua percepção sobre a hospitalização. Alguns aspectos orgânicos mais específicos, como disfunção respiratória, cardiovascular, neurológica e alterações nutricionais também aumentam a probabilidade de dependência do suporte ventilatório (Leitão, Bastos, Freitas & Sátiro, 2018). Ademais, a VM utilizada para auxiliar a respiração do paciente (tubo endotraqueal, máscara facial e nasal, tubo de traqueostomia), além de ser um indicativo do prognóstico, também irá determinar a comunicação viável, inclusive durante as sessões psicológicas. Dessa forma, as informações relevantes acerca do quadro clínico do paciente são essenciais na formulação do psicodiagnóstico e planejamento terapêutico.

3. Estratégias comunicacionais: Devido ao uso dos dispositivos invasivos na UTI, frequentemente, o paciente fica limitado de se comunicar verbalmente. Dessa forma, o psicólogo deve desenvolver estratégias comunicacionais alternativas. É possível utilizar escrita em papel ou lousa que é indicado para pacientes conscientes que estão com os movimentos físicos superiores conservados. Existe ainda a possibilidade de usar objetos, miniaturas, fotos e sistemas manuais de não ouvintes. Já com os pacientes que estão com limitações nos movimentos, é necessário utilizar como instrumento de apoio a prancha de comunicação não-verbal ou imagens com temas específicos (sentimentos, família, hospital) (Ortiz, Giguer & Grzybowski, 2016). A prancha é um instrumento que contém letras, números e imagens que representam emoções e sensações físicas, podendo ser utilizada durante os atendimentos ou pela família e a equipe no sentido para promover a comunicação. Além desses recursos, o psicólogo pode também explorar outras capacidades físicas do paciente durante o atendimento, mediante convenções prévias de respostas corporais às perguntas fechadas: piscar de olhos e apertos de mão. Observar expressões emocionais e corporais através de gestos e articulação dos lábios são outras possibilidades eficientes. (Ortiz, Giguer & Grzybowski, 2016). Considerando os recursos disponíveis no hospital, as tecnologias digitais (tablet, celular, notebook) podem, igualmente, facilitar a comunicação psicólogo-paciente. Vale destacar que o familiar pode ser um interlocutor importante na mediação comunicacional, dependendo do objetivo/tema da sessão psicológica.

4. Histórico de hospitalização: As experiências anteriores do paciente com a hospitalização podem influenciar no modo como o paciente se comporta frente à repetição dessa circunstância. Assim, é importante a compreensão dos significados atribuídos a essas experiências, os comportamentos que foram modelados e mantidos a partir dessas contingências, e se eles são assertivos ou não no contexto atual. A promoção da flexibilização e extensão das visitas, além da inclusão de objetos pessoais com carga afetiva na UTI podem contribuir também com a melhor adaptação do paciente à hospitalização atual.

5. Comportamentos relevantes: Neste item, deve-se assinalar os comportamentos percebidos que podem dificultar ou facilitar o desempenho do paciente no desmame ventilatório. Esses comportamentos abarcam desde sintomas físicos e comportamentos públicos, como agitação psicomotora e choro frequente, até comportamentos privados narrados pelo paciente como ideias fantasiosas ou expectativas irreais sobre o desmame ventilatório. Para além da função orgânica de auxiliar a respiração, o ventilador também pode desempenhar uma função simbólica para o paciente conforme seu histórico de seleção e manutenção de comportamentos no decorrer da vida. Analisar essa função é, igualmente, importante para compreender as contingências de reforçamento envolvidas na dependência do aparelho. A hospitalização denota comumente um momento de vulnerabilidade, sensação que é agravada pelo afastamento de casa, da rotina, de pessoas significativas e da própria identidade (Vieira & Waischunng, 2018). A UTI, ambiente de maior isolamento, impessoalidade e destinado a casos graves, potencializa ainda mais sentimentos de angústia, medo de morrer, tristeza, raiva e sensação de desamparo. No caso específico do desmame ventilatório, as entrevistas e observações realizadas nessa pesquisa evidenciaram maior frequência de ansiedade e sensação de pânico, uma vez que a respiração é um ato instintivo para a sobrevivência, e o desconforto respiratório pode gerar impactos emocionais negativos.

6. Aspectos interacionais: O psicólogo hospitalar pode ser um elo fundamental capaz de facilitar um fluxo comunicacional na tríade paciente, família e equipe (Vieira & Waischunng, 2018). No período de desmame, é necessário avaliar se a família participa de forma ativa do processo ou se gera conflitos com o paciente e a equipe. Além disso, o distanciamento afetivo do acompanhante pode desencadear sensação de desamparo e solidão no paciente. Assim, o psicólogo deve buscar a identificação de comportamentos que interferem negativamente no desmame ventilatório do paciente. De acordo com a observação de campo, percebeu-se que a presença do familiar, bem como sua empatia na compreensão das dificuldades do paciente no processo do desmame, podem ser decisivos na saída do ventilador. A interação do paciente com a equipe, especialmente com o fisioterapeuta, deve ser alvo de avaliação e intervenção do psicólogo hospitalar. O fisioterapeuta é o principal profissional a gerenciar a VM e conduzir o desmame ventilatório, portanto, os eventuais conflitos, dificuldades comunicacionais e contratransferências podem tornar o paciente inseguro durante o procedimento, atrasando o desmame e piorando o prognóstico. A equipe, por sua vez, também pode apresentar posturas ou reações que interfiram diretamente no processo de desmame ventilatório do paciente. Caso necessário, recomenda-se que o psicólogo fortaleça o vínculo e a confiança entre o paciente e equipe-fisioterapeuta.

7. Repertório comportamental: O repertório comportamental do paciente pode ser expressamente distinto em relação ao que é necessário para um ajustamento adequado, devido à frequência pouco comum ou excessiva com que diversos atos acontecem. O registro desses déficits e excessos é basilar no diagnóstico comportamental. Concomitantemente, deve-se observar a amplitude do repertório comportamental não-problemático e a presença de comportamentos que representam atributos do paciente que podem ser utilizados como recursos (Kanfer & Saslow, 1969). Na UTI, por exemplo, o comportamento de apresentar queixas e solicitações constantes à equipe pode ser considerado um comportamento excessivo do paciente. Por outro lado, a dificuldade de se expressar ou tirar dúvidas sobre o tratamento com o médico pode ser considerado um déficit comportamental com repercussões no processo de desmame ventilatório. As reservas comportamentais, por sua vez, são comportamentos não-problemáticos que facilitam a adaptação do paciente ao contexto. A identificação desses recursos e do suporte familiar é fundamental na elaboração de um plano terapêutico.

8. Fatores que dificultam o desmame: Aspectos orgânicos do paciente podem dificultar a saída do ventilador, tais como: alterações no sistema nervoso central, sobrecarga e fraqueza dos músculos ventilatórios, disfunção do sistema cardiovascular e alterações nutricionais (Presto & Damázio, 2009). Os aspectos emocionais como insegurança, medo e ansiedade em relação à retirada da VM também geram entraves. Assim, o psicólogo precisa investigar a existência de reforçadores condicionados à manutenção da VM ou à permanência no hospital. A atenção e afeto da família ou equipe, a esquiva de atividade laboral ou outro contexto externo aversivo podem funcionar como ganhos secundários que prolonguem o período de desmame ventilatório e aumente o risco de complicações.

9. Atividades que gostaria de fazer no momento do desmame ventilatório: Com o objetivo de reduzir os desconfortos, a percepção da dor e pensamentos trágicos no período do desmame ventilatório, algumas atividades consideradas agradáveis pelo paciente podem ser realizadas nesse momento, devendo ser estimuladas pelo psicólogo. Recomenda-se incluir a presença de familiares e membros da equipe no desenvolvimento de algumas dessas atividades que ampliam o período de tempo sem o uso da VM.

10. Análise das motivações: Esse item objetiva analisar os acontecimentos que funcionam como motivação para a recuperação do paciente e saída do ventilador. Trata-se de eventos reforçadores mais eficazes para iniciar ou manter seu comportamento, tais como melhoria da saúde ou possibilidade de retornar ao contexto familiar, laboral e de lazer.

11. Condutas adotadas: O último item constitui um conjunto de sugestões interventivas. Torna-se digno de menção a importância de o psicólogo reforçar comportamentos que contribuam com o processo do desmame ventilatório, bem como orientar equipe a respeito da disponibilidade de reforçadores, condicionando o estímulo reforçador à saída do ventilador. A equipe pode reforçar comportamentos inadequados que dificultam o desmame ventilatório sem perceber. Portanto, o psicólogo pode ajudar a equipe a compreender as variáveis e sua influência na manutenção ou na mudança de comportamento dos pacientes.

 

Considerações Finais

A elaboração do fluxograma e do protocolo para pacientes em desmame ventilatório sistematizou o conhecimento científico disponível sobre o tema e as avaliações e intervenções que podem ser executadas por psicólogos que atuam na UTI. Com efeito, tais ferramentas possibilitam aprimorar a prática do psicólogo hospitalar, demarcando seu papel identitário na equipe multiprofissional e proporcionando uma melhoria na qualidade do cuidado.

Ressalta-se que o protocolo não pode ser utilizado de modo tecnicista, desconsiderando as singularidades de cada caso, visto que apenas aponta caminhos possíveis e potentes para fundamentar a prática do psicólogo hospitalar. À guisa de conclusão, espera-se que esta pesquisa tenha apontado possibilidades interventivas e reflexões relevantes no que tange à atuação do psicólogo hospitalar frente aos pacientes em desmame ventilatório. Destarte, é importante ressaltar a necessidade de outros estudos referentes à temática, a fim de aprofundar o tema e/ou ampliar o conjunto de estratégias interventivas no contexto da UTI.

 

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Karla Driele da Silva Alves Arruda - Mestranda em Psicologia da Saúde (UFBA), Especialista em Urgência pelo Programa Multiprofissional em Saúde (UFBA).
Andréa Batista de Andrade Castelo Branco - Docente do Departamento de Psicologia da UFC e do mestrado em Psicologia da Saúde (UFBA).

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