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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. v.7 n.1 São Paulo jun. 2005
ARTIGOS
A integração mente e corpo em psicodermatologia
An integration mind and body in psychodermatology
Fernanda Silva HoffmannI; Hericka ZogbiI; Patrícia FleckI; Marisa Campio MüllerI, II
I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RESUMO
Percebemos hoje um incremento dos estudos que envolvem a integração entre os aspectos médicos e psicológicos, ou seja, entre as questões do corpo e do psíquico. Dessa forma, esse artigo se propõe a revisar os achados teóricos relacionados à Psicodermatologia, permitindo ainda uma reflexão crítica a respeito do tema e de seus novos rumos. Sabe-se que a Psicodermatologia é o ramo que se dedica ao estudo e tratamento de problemas dermatológicos que são causados e/ou influenciados por fatores psicológicos. As ligações que existem com o sistema nervoso tornam a pele altamente sensível a emoções, independente da nossa consciência. Assim, a pele, muitas vezes, expressa os nossos sentimentos mesmo quando não estamos cientes deles. Fica-nos, então, a idéia de que ao falarmos de doenças de pele devemos considerar o ser humano como um ser integrado, no qual aspectos sociais, biológicos e psicológicos interagem constantemente.
Palavras-chave: Psicodermatologia, Psicologia da saúde, Pele, Psicossomática, Integração.
ABSTRACT
Nowadays there has been an increase in the studies which involve the integration between medical and psychological aspects, that is, between body and psyche subjects. In this way this article aims at revising the theoretical findings related to Psychodermatology, allowing a critical reflection concerning to the subject and its possible new directions. We know that Psychodermatology is a branch which aims at the study and treatment of dermatologic problems which are caused ad/or influence by psychological factors. The links which exist with the nervous system make the skin highly sensitive to emotions regardless of our conscience. Therefore the skin, many times, expresses our feelings even when we are not aware of them. So, the idea that remains is that when we talk about skin diseases we should consider the human being integrally. Social, biological and psychological aspects are constantly interacting.
Keywords: Psychodermatology, Health psychology, Skin, Psychosomatic, Integration.
Introdução
Pensando em termos históricos, pode-se dizer que a idéia de integração entre mente e corpo sempre esteve presente na cultura oriental, a qual se baseia, desde os primórdios, numa concepção de ser humano integrada. Na Índia, há cerca de cinco mil anos, a Psicologia já era uma prática comum dentro da Medicina, ou seja, essas duas ciências já estavam entrelaçadas (AZAMBUJA, 2000). Frente a essa constatação histórica, o mesmo autor refere que o conceito de integração só pode ser considerado como algo novo em nosso mundo ocidental, o qual ainda parece carregar, muitas vezes, uma visão de homem dissociada e fragmentada.
A noção de haver em todo ser humano algo além do corpo físico é bastante antiga, como nos relembra Silva (2002). Para ele, essa noção surgiu pelo fato de nossos antepassados terem de se deparar e se confrontar com o fenômeno da morte, dentro do qual estariam os mistérios, os temores do desconhecido, a tentativa de negação e as lembranças dos mortos, por meio de sonhos. Assim, o homem, desde os primórdios, já estava desperto e atento aos mistérios da alma ou de uma força externa ao corpo.
As enfermidades psicodermatológicas são condições que envolvem a interação entre mente e pele. Koo e Lebwohl (2001) reforçam essa idéia acrescentando que as desordens dermatológicas podem ser encontradas em três grupos: desordens psicofisiológicas, desordens psiquiátricas primárias e desordens psiquiátricas secundárias.
Na década de 1980, Bechelli e Curban (1988) já abordavam a questão da integração mente e corpo em relação à Psicodermatologia, mencionado que as alterações cutâneas podem estar associadas a distúrbios psíquicos como causa ou efeito.
A relação psique-pele envolve todos os elementos subjetivos presentes em nossa personalidade, tais como emoções, sentimentos, fantasias e agressividade. Conforme a intensidade deste elenco, eles refletem na pele, alimentando a enfermidade cutânea (MÜLLER, 2001).
Hoje, depois de uma longa trajetória de evolução e descobertas é possível dizer que uma nova Medicina está surgindo no contexto ocidental, baseada num ser humano mais unitário e integral, na qual a Psicologia tem a oferecer inúmeras contribuições. E, dentro desse panorama, a Psicodermatologia, segundo Azambuja (2000) representa uma porta de entrada para novos estudos e pesquisas relacionados a esse novo ser humano mais relacional, pois aborda a estrita relação da pele com as emoções humanas.
Assim, o corpo não pode ser visto de forma reducionista, como sendo apenas uma massa fisiológica. Cardoso Filho (2000) complementa essa idéia de integração proposta por Azambuja (2000), ao sugerir que o corpo ganha um valor de significação e que será com essa dimensão, de significado, que ele funcionará, reagindo a circunstâncias internas (organismo) e externas (social). Por isso, podemos dizer que o homem fala através do corpo, através do sintoma.
A pele e seus diferentes significados psicológicos
A pele é um órgão de comunicação e percepção visível. Ela é o maior órgão de percepção no momento do nascimento, tornando-se o meio para o contato físico e para a transmissão de sensações físicas e emoções (MÜLLER, 2001).
A nossa pele recebe não só os sinais que nos chegam desde o ambiente (calor, frio etc.), transmitindo-os aos centros do sistema nervoso, como ainda capta sinais de nosso mundo interno (emoções). Para Montagu (1988, p. 30) “a pele é o espelho do funcionamento do organismo: sua cor, textura, umidade, secura, e cada um de seus demais aspectos refletem nosso estado de ser, psicológico e também fisiológico”.
Para Grossbart (citado por GOLEMAN E GURIN, 1997), nossa pele pode ser comparada a uma roupa que jamais tiramos, mas como tudo que vestimos, muda conforme o humor e a ocasião. Praticamente todos os atos de amor e raiva envolvem intercâmbio dinâmico da pele. Portanto, não deve ser surpresa que seja ela a primeira a manifestar os problemas quando as aflições emocionais perturbam a mente.
A pele também exerce o papel simbólico de proteção, o que é um fator a mais a ressaltar o vínculo entre distúrbios emocionais e as doenças da pele. Tal vínculo não data de hoje. Antigamente, como menciona Müller (2001), já se utilizava a expressão neurodermite para demonstrar alguns tipos de eczema, querendo significar sua origem nervosa.
Para Dethlefsen e Dahlke (1997) a pele é uma superfície que reflete todos os órgãos internos, além de um meio de contato com o exterior. Qualquer distúrbio em um deles é projetado na epiderme, e cada estímulo na área correspondente da pele é transmitido outra vez para dentro do corpo.
A pele, além de demonstrar o estado exterior e interior de nossos órgãos, mostra também nossos processos e reações psíquicas em geral. Como exemplo, Silva (2002) cita que o rubor (enrubescimento da face) é encontrado, habitualmente, em pessoas que, temendo mostrar seus sentimentos, os exprimem de forma involuntária associando-se, com freqüência, a emoções ou pensamentos proibidos, com conteúdo sexual ou agressivo. A sudorese intensa é também citada pelo autor, visto que exprime um estado de ansiedade crônica.
Todavia, embora seja invisível, a condutividade elétrica da pele pode ser medida com o uso de equipamento apropriado. As experiências e as avaliações ligadas a esta área remontam a Carl Gustav Jung (citado por DETHEFSEN % DAHLKE, 1997), que investigou os reflexos galvânicos da pele em conexão com suas experiências psicológicas, por meio da técnica de associação. Graças à eletrônica moderna, atualmente é possível exibir as contínuas e sutis alterações da condutividade elétrica da pele e ampliá-la, a ponto de se interrogar a pessoa unicamente por meio da pele, pois cada palavra, cada pergunta, estimula a atividade elétrica da pele. Desta forma, podemos pensar a pele como uma grande superfície de projeção.
A pele atua ainda como limite dentro-fora, eu e o outro, eu e o mundo, agindo como um sistema de abrigo de nossa individualidade: “ao mesmo tempo em que nos protege, é a fachada que nos expõe” (STRAUSS, 1989, p. 1221).
Pela quantidade e, sobretudo, qualidade de contato que a criança recebe de sua mãe vai se estabelecendo a comunicação básica de prazer e desprazer do bebê consigo mesmo e com os demais. Neste sentido, Chiozza (1998, p. 27) refere que como “a pele é um sistema de comunicação tão importante na criança, é necessário que as mensagens que receba nesse nível sejam suficientemente satisfatórias para permitir seu crescimento e desenvolvimento como ser humano”.
Anzieu (1989) segue a mesma linha de raciocínio, ao afirmar que a pele é o envelope do corpo, assim como este é o envelope do psíquico. È por meio das experiências do próprio corpo e com a mãe que a criança desenvolve seu eu psíquico, daí este autor chamar de “Eu-pele” esta representação, que se mostra físico-psíquica.
Também Montagu (1988) enfatiza as correlações fisiopsíquicas envolvidas no contato, ressaltando a importância do toque para o desenvolvimento sadio do ser humano.
Assim como os olhos, a pele também expressa os estados emocionais, sendo capaz de se auto-representar. Além disso, ela reflete conflitos e tensões presentes na personalidade (MEDANSKY; HANDLER; RIEDGE, 1981).
A pele é capaz de refletir problemas emocionais ou doenças causados por muitos fatores que, em grande parte das vezes, agem em conjunto com fatores genéticos, hormonais e agentes infecciosos. Os fatores emocionais podem apresentar-se como decorrência, ou seja, conseqüência de transtornos físicos, mas que, por vezes, podem ser a causa desencadeante de muitos problemas físicos.
Silva (2002) refere que, com freqüência, na história de vida dos pacientes portadores de doenças de pele (ao menos aquelas com maior componente psíquico), há existência de uma mãe inadequada, quer superprotetora, quer francamente rejeitadora. Isto nos leva a pensar que conflitos intrapsíquicos, decorrentes da história de vida de cada sujeito, podem ter suma importância em suas complicações físicas, assim como na própria vida emocional.
Pines (1980) ressalta que, ao nascer, a pele é o maior órgão de percepção, ela registra as mudanças, do quente e aconchegante corpo materno, para o frio e áspero mundo externo. Assim, a pele se torna o meio de contato físico e de resposta de uma gama de emoções que a criança vivencia, seja de bem estar ou de angústia.
A pele, para o autor acima citado, forma um canal da comunicação pré-verbal, em que sentimentos não expressos podem ser vivenciados e observados. Um problema nesta comunicação, por qualquer razão, resultará em frustração das necessidades infantis, e pode não somente resultar numa dermatite infantil, como criar uma fixação, neste ponto, no contínuo do desenvolvimento emocional. Shur (1995), usando eczema como exemplo, refere que indivíduos que têm vivenciado traumas iniciais no seu desenvolvimento podem se tornar inábeis para lidar com a ansiedade e, quando estressados, poderão desencadear sintomas somáticos na pele.
A doença de pele, muitas vezes, pode estar associada, na mente popular, à idéia de contágio e pouco asseio pessoal. Tais idéias acabam por gerar um afastamento dos demais indivíduos em relação aos portadores dessas doenças.
A doença também pode ter uma representação simbólica que pode manifestar-se pelo local ou pelo sintoma escolhido. Para Moffaert (1992) a maior ou menor consciência da escolha de uma particular área do corpo, em razão de algum valor simbólico, constitui um item distinto na Psicodermatologia.
Os sintomas seriam, então, nossos mensageiros, ao nos trazerem alguma mensagem da alma, da psique. Galiás (2002) continua dizendo que esses sinais (sintomas) devem ser, antes de tudo, compreendidos, para depois poderem ser eliminados.
A doença pode estar representando emoções não-resolvidas que se apresentam, então, como manifestações orgânicas. O sintoma vem como manifestação simbólica, como linguagem do que permaneceu oculto, excluído de poder revelar-se (AZULAY; AZULAY, 1997).
A doença, como símbolo de aspectos reprimidos, foi trazida por Groddeck (1989) e Jung (1985). Assim compreendida, a doença obriga necessariamente a ver o paciente no seu todo, um organismo psique/corpo que adoece.
Em seu artigo, Galiás (2002) demostra-nos que toda essa questão da pele e seus significados continua como um tema a ser explorado e descoberto, ou seja, um tema atual e propulsor. Utilizando a teoria analítica de Jung, ele aborda questões bastante pertinentes, mencionando que a pele é o nosso envoltório, podendo ser considerada o sistema que delineia nossa individualidade e que nos coloca em contato com o mundo e com as pessoas.
Psicossomática e Dermatologia
Os escritos iniciais da Dermatologia Psicossomática, segundo Medansky et al (1981) são atribuídos a Erasmus Wilson que, em 1867, referiu a influência nervosa da pele com relação ao coçar, alopécia e ilusões de parasitoses.
Outros dermatologistas, nessa época, mostravam interesse nesta área. Damon, em 1868, publicou o livro Neuroses Cutâneas, e em 1981, Bloch criou o termo neurodermatite. Em 1895, Kaposi escreveu sobre as neuroses da pele (AZULAY; AZULAY, 1997).
Na década de 1930, conforme Moffaert (1992), Obermayer e Becker, Stokes, Schaffer e Beerman e Wittkower e Russel, nos Estados Unidos, realizavam muitas pesquisas nesta área. Mas, em razão dos estudos destes dermatologistas estarem baseados na observação clínica, esbarraram ao encontrar os rigorosos critérios do set científico, cuja ênfase estava no previsível e na reprodução dos dados. Com isto, muito se perdeu de pesquisas mais específicas à questão dermatológica, apesar de muitos estudos, a partir do advento da Psicanálise, terem apontado a pele como exemplificação de problemas psicológicos.
Spitz (1977) é um dos autores que apresentou extensivos trabalhos, referindo-se aos distúrbios iniciais nas relações mãe-criança como um dos fatores causais da Demartite Atópica, principalmente, se esses distúrbios ocorressem antes do desenvolvimento da fala. Segundo este pesquisador, uma combinação da excitabilidade da criança e a inabilidade de uma imatura e hostil mãe para gratificar as necessidades cutâneas táteis do bebê seria responsável pelas desordens de pele na criança.
Apesar de vários outros trabalhos ressaltarem a manifestação de conflitos inconscientes pela pele, só mais recentemente, a partir da década de 1980, ressurge o interesse por parte dos dermatologistas para o estudo da relação psique/corpo. Segundo Koblenzer (1988) e Folks e Kinney (1992), isso se deve, principalmente, à clara associação de estressores psicossociais, à baixa auto-estima e ao estigma social em pacientes com problemas dermatológicos.
Esses mesmos pesquisadores realizaram uma revisão de artigos publicados, referindo a associação entre fatores psicológicos e condições dermatológicas, entre os anos de 1980 e 1990, e encontraram 418 citações. Referem que o surgimento desta literatura culminou num número de significativos achados sobre a doença dermatológica e o papel dos fatores psicológicos. Entre as síndromes encontradas que estariam relacionadas a fatores psicológicos estariam: pruridos, hiperidrose, dermatite atópica, urticária, rosácea, alopécia e psoríase.
Como refere Müller (2001), o vitiligo não é citado pelos pesquisadores acima. Porém, segundo os estudos da autora, os quais revelam o aparecimento do vitiligo após uma situação de estresse emocional, ele também estaria associado a fatores psicológicos.
Na prática clínica, conforme Bastiaans (1989), os médicos estão familiarizados com pacientes com problemas cutâneos os quais, quando seus desejos são frustrados, demonstram um incontrolável acesso de se arranhar, como uma expressão de sua frustração e infelicidade. Para o mesmo autor, somente quando estes adultos tornam-se conscientes de suas fantasias agressivas é que apresentam progressos.
Para Moffaert (1992), a visibilidade de muitas dermatoses tem sérias conseqüências psicológicas, pois freqüentemente é carregada de conotação de contágio ou falta de higiene, e pode causar no paciente sentimento de ostracismo, resultando em sentimentos autodepreciativos que podem levar ao medo social e vergonha. Por outro lado, os distúrbios emocionais, segundo Ginsburg (1996), podem agravar ou retardar a recuperação da desordem de pele ou, de fato, precipitar recaídas naquelas pessoas predispostas.
Engel (1977) referia a necessidade de um novo modelo médico, no qual o paciente pudesse ser visto e compreendido como um ser total, em que os aspectos sociais, psicológicos e ambientais seriam considerados.
Contudo, nos artigos que se referem aos aspectos psicológicos relacionados à Dermatologia, com freqüência percebe-se um predomínio da visão biomédica, da causalidade linear da doença e do conceito psicossomático retrógrado, e não como refere Ramos (1995, p. 36), no sentido de que todas as doenças são vistas como psicossomáticas, porque envolvem “a inter-relação contínua entre corpo e mente na sua origem, desenvolvimento e cura”.
A classificação dermatológica das doenças cutâneas na literatura médica deixa bem visível esta dicotomia psique/corpo, como mostra a classificação sugerida por Fitzpatrick et al (1997), e que é a mais aceita atualmente.
Mas autores como Koblenzer (1996), Moffaert (1992) e Azulay e Azulay (1997) reforçam a idéia do dermatologista tratar o paciente inteiro, considerando os aspectos emocionais/ambientais, envolvidos na doença.
Folks e Kinney (1992) referem que muitas condições dermatológicas estão sendo consideradas do ponto de vista da predisposição genética, da personalidade, e de fatores biopsicossociais. As doenças de pele afetam significativamente os relacionamentos, a comunicação e, em particular, o contato sexual com o indivíduo. Estudos recentes, segundo estes autores, mostram que estressores psicossociais, perdas, aspectos de desemprego, mau ajustamento interpessoal, desordens de ansiedade e fatores psicológicos de personalidade, como hostilidade e baixa estima, estão relacionados com condições dermatológicas.
Também Levi (1991), e Bengt, Bo, Eneroth e Anders (1991) confirmam em suas pesquisas que o estresse afeta o organismo humano. Estes autores afirmam que estressores psicossociais vêm sendo associados ao começo e desenvolvimento clínico de neurodermatites, dermatites atópicas, psoríase e vitiligo.
Estresse tem sido definido, por Koblenzer, como um dos vários eventos não-específicos, gerados interna ou externamente, que por criar demandas sobre o organismo, “provoca uma ação não-específica de resposta corporal que leva a uma variedade de mudanças temporárias ou permanentes, fisiológicas ou psicológicas” (KOBLENZER, 1988, p. 23).
A saúde mental e física, para a mesma autora, existe quando o nível do estresse e as respostas defensivas do organismo para o estresse estão em equilíbrio. Mas quando o estresse é suficiente para aniquilar as defesas, então os sintomas irão se desenvolver: as respostas podem ser biológicas ou psicossociais. Para Hautmann e Panconesi (1997) este conceito de estresse constitui o centro da visão psicosociobiológica da doença, a qual assegura que o estresse, em qualquer uma das áreas, psicológica, biológica ou social, pode aniquilar as defesas e precipitar ou perpetuar doenças. A escolha da doença e o tempo de surgimento, segundo estes pesquisadores, são determinados por uma série de fatos complexos, como: predisposição, a situação atual e as experiências de vida iniciais.
A criança cujas necessidades de estimulação tátil cutânea não foram apropriadamente supridas na infância pode desenvolver uma tendência a regredir em seu desenvolvimento emocional, em resposta ao estresse, com o desenvolvimento ou ressurgimento dos sintomas físicos relacionados à pele (KOBLENZER, 1983). Estes sintomas, para a autora, podem estar relacionados com agressão, controle dos impulsos e mecanismos imunológicos, entre outros.
A doença, para Koblenzer (1996), é freqüentemente precedida por um período de distúrbio psicológico durante o qual o indivíduo sente-se não-apto para enfrentar. Esta falha no mecanismo de enfrentamento psicológico pode então ativar medidas emergenciais, transmitidas neurologicamente e que alteram o equilíbrio biológico. Assim, é facilitado o desenvolvimento da doença.
A ligação entre os aspectos neurológicos e psicológicos começa a acontecer com o desenvolvimento da Psiconeuroimunologia. Este novo ramo tem demonstrado que todos os mecanismos imunes podem ser influenciados pelo estresse (RASMUSSEN, 1990). E o mais relevante é que os mecanismos imunológicos estão sendo associados por pesquisadores, na Patofisiologia, ao número crescente de doenças de pele.
A própria origem embriológica comum da pele e do sistema nervoso central é a base suficiente para assumir que o que ocorre num sistema pode ter sua contrapartida no outro (MEDANSKY et al 1981; RASMUSSEN, 1990).
Logo, essa visão sistêmica do corpo humano, trazida de forma mais “concreta” pela Psiconeuroimunologia, exige também intervenções mais abrangentes. Assim, no que se refere ao tratamento das doenças cutâneas, no entendimento da Psicodermatologia, além do tratamento médico alia-se, com freqüência, segundo Moffaert (1992), Folks e Kinney (1992), Ginsburg (1996), Goleman e Gurin (1997), Azulay e Azulay (1997):
a) tratamento psicoterápico;
b) técnicas de relaxamento, hipnose, grupos de auto-ajuda;
c) trabalho em conjunto do médico com o psicoterapeuta;
d) uso de drogas psicotrópicas, principalmente ansiolíticos e antidepressivos.
Essas intervenções exigem um tratamento individual – único – àquele paciente.
Como refere Weinman, Petrie e Morris (1996) cada paciente tem uma representação de sua doença que é única. Estes autores sustentam que o paciente tem suas próprias crenças sobre a identidade, causa, duração e até mesmo cura da sua doença. Leventhal, citado por estes autores, propõe que estas representações refletem a resposta cognitiva do paciente para os sintomas e a doença, e que as respostas emocionais são processadas paralelamente à representação de doença.
Para Medansky et al (1981) bons resultados podem ser obtidos com todos esses modelos de terapia, mas o importante é que o médico saiba o valor dessas técnicas e saiba como encaminhar seu paciente. O mesmo autor conclui que a “medicina precisa ser praticada como ciência e como arte. Ciência é o tratamento da doença, arte é a relação com o paciente” (p. 135).
Desta maneira, percebemos que a Psicodermatologia, ao estudar a relação pele/psiquismo/pele, busca romper com uma visão unicausal de doença, em favor de um modelo mais integrativo e multifatorial (MÜLLER, 2001).
Conclusões
Mesmo diante de tantos estudos que nos remetem à importância da integração mente e corpo, e que nos apontam para a necessidade de construirmos uma área da saúde menos dissociada e individualista, ainda podemos observar contradições entre a teoria e a prática, ou seja, entre o que encontramos na literatura e o que ocorre em nosso meio. Segundo Azambuja (2000) os estudantes dos cursos de Medicina são treinados para tratar doenças sem antes estudar a saúde, o que aponta para um desconhecimento e descomprometimento em relação a esse conceito. Conforme o autor, encontra-se aí o paradoxo da Medicina: querer chegar à saúde através do estudo da doença, em vez de descobrir primeiro a natureza que faz o corpo tornar-se saudável.
Podemos pensar que esse paradoxo não ocorre apenas no meio médico, visto que nos demais cursos da área da saúde destacam-se ainda os estudos referentes às patologias. Carecemos, portanto, de uma abordagem mais próxima ao conceito de saúde, ou seja, que leve em consideração não só o lado obscuro e sombrio do homem, mas sim suas potencialidades internas e sua capacidade de regenerar-se e redescobrir-se diante da vida.
Cardoso Filho (2000) complementa essa questão ao referir que a Medicina Organicista jamais poderá dar conta do equilíbrio da saúde humana, nem tampouco as teorias psicológicas redentoras. Ressalta com isso a necessidade dos profissionais da saúde entrarem num caminho mais humano, o qual implicará numa articulação entre funcionalidade do orgânico e a dinâmica do psíquico.
A psicossomática entraria, então, nesse novo caminho de apreender o sentido do homem como um todo (CARDOSO FILHO, 2000). E, hoje, um novo ramo vem se desenvolvendo a partir da Psicossomática: a Psiconeuroimunologia.
Pensando de forma crítica, podemos dizer que esse novo ramo vem trazendo inúmeras contribuições para os estudos referentes à integração mente e corpo, aproximando áreas como Medicina e Psicologia, as quais, assim como o psíquico e o físico, não podem ser encaradas separadamente.
Diversos autores nos lembram que o homem pode comunicar-se de várias formas, e que a pele pode ser uma via dessa comunicação. A pele representa, assim, um caminho para pedir ajuda, demonstrando uma necessidade de ser olhada, além dela mesma. Olhar através da pele é olhar além do corpo, além do concreto, além do óbvio. E é justamente esse “olhar além”, o qual significa poder perceber o ser humano em toda sua complexidade, que nos diferencia como profissionais da saúde. Aqui estaria, enfim, nosso maior desafio. Dizemos desafio pelo fato de que “olhar para dentro” do outro é algo desafiador, pois faz com que tenhamos que, muitas vezes, olhar para dentro de nós mesmos. E, olhando para nós, pessoas que também adoecem e sofrem, enxergaremos nossos medos, falhas e limitações. São lançados aqui, então, dois desafios a todos os profissionais ligados à promoção e prevenção da saúde: primeiro, o de lidarmos com o outro e com nós mesmo, na proximidade do contato; segundo, o de propormos uma reelaboração em nossos conceitos, em nossa formação e em nossa visão de ser humano.
Assim, frente a essas reflexões e questionamentos, podemos pensar numa Psicologia num sentido mais amplo, ou seja, numa Psicologia da Saúde, que tratará, além da doença e de seus significados, de um ser humano inteiro, relacional e capaz de progredir em todas as direções.
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Endereço para correspondência
Patrícia Fleck
Rua Barão de Ubá, 676 – Bela Vista
Porto Alegre – RS
CEP: 90450-090
e-mail:patriciafleck@yahoo.com.br
Tramitação:
Recebido em 20/07/04
Aceito em 20/03/05