SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número3Relações étnico-raciais e psicologia: publicações em periódicos da SciELO e LilacsEstudo transversal sobre imagem corporal de adolescentes índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.3 São Paulo dez. 2013

 

DESENVOLVIMENTO HUMANO

 

Indicadores de autoconceito em adolescentes: autorrelato sobre aspectos positivos e preocupações

 

Self-concept indicators on adolescents: self-report of concerns and positive aspects

 

Indicadores de autoconcepto en adolescentes: auto-informe de aspectos positivos y preocupaciones

 

 

Alessandra M. Fernandes Moscaritolo; Marina Monzani da Rocha; Edwiges Ferreira de Mattos Silvares

Universidade de São Paulo, São Paulo - SP - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com o objetivo de analisar indicadores de autoconceito entre adolescentes, 343 alunos de escolas públicas e particulares da cidade de São Paulo, com idade entre 11 e 18 anos, responderam a questões sobre preocupações relacionadas ao ambiente escolar, preocupações gerais e seus aspectos mais positivos. Foi observado que, no geral, eles se mostram hábeis para indicar aspectos positivos de seus comportamentos, com características específicas das respostas variando em função de gênero, idade e tipo de escola. As preocupações dos jovens estão bastante relacionadas ao ambiente escolar, principalmente ao desempenho acadêmico. Preocupações com o futuro são apresentadas principalmente pelos adolescentes mais velhos. Os resultados favorecem a afirmação de que o contexto no qual o jovem está inserido é decisivo para a construção de um autoconceito positivo, o que leva à reflexão sobre a necessidade de ambientes domésticos e escolares ricos e estimulantes para um desenvolvimento saudável.

Palavras-chave: adolescência; autoconceito; desenvolvimento; preocupações; aspectos positivos.


ABSTRACT

Aiming to analyze self-concept indicators among adolescents, 343 students from public and private schools in the city of São Paulo, aged 11 and 18, answered questions about concerns related to the school, general concerns and their most positive aspect. Overall, it was observed that they are skillful to indicate positive aspects of their behavior, with specific responses varying according to gender, age and type of school. Youths concerns are mostly related to the school environment, primarily academic performance. Concerns about the future are presented mainly by older adolescents. The results favor the claim that the context in which the adolescents are inserted is critical to build a positive self-concept, which leads to reflection about the need for household and school environments rich and stimulating, in order to an healthy development.

Keywords: adolescence; self-concept; development; concerns; positive aspect.


RESUMEN

Con el objetivo de analizar indicadores del autoconcepto en adolescentes, 343 estudiantes de escuelas públicas y privadas de la ciudad de São Paulo, entre 11 y 18 años de edad, respondieron a preguntas acerca de preocupaciones relacionadas con el ámbito escolar, las preocupaciones generales y sus aspectos más positivos. Se observó que, en general, se muestran hábiles para indicar los aspectos positivos de su conducta, con respuestas específicas que varían de acuerdo al género, edad y tipo de escuela. Las preocupaciones de los jóvenes están estrechamente relacionadas con el ámbito escolar, sobre todo con el rendimiento académico. Preocupaciones con el futuro se presentan principalmente por los adolescentes mayores. Los resultados apoyan la afirmación de que el contexto en el que los jóvenes se insertan es fundamental para la construcción de un concepto positivo de sí, lo que lleva a la reflexión sobre la necesidad de hogares y ambientes escolares ricos y estimulantes para el desarrollo saludable.

Palabras clave: adolescencia; auto-concepto; desarrollo; preocupaciones; aspectos positivos.


 

 

A definição de autoconceito é um tanto controversa na literatura, sendo frequentemente confundida com autoestima. É importante considerar que ambos os termos são constructos teóricos hipotéticos que resumem certos elementos do comportamento humano. De forma geral, é aceito que autoconceito refere-se à visão global que alguém tem de si mesmo, enquanto autoestima é uma atribuição de valor a essa visão (Butler & Gasson, 2005).

De acordo com essa concepção, autoconceito é a atitude valorativa que uma pessoa tem sobre si própria, incluindo estima, sentimentos e atitudes que o indivíduo cons-trói direcionados a si mesmo. Esse constructo se baseia na qualidade das relações sociais vivenciadas, tanto no contexto familiar quanto no ambiente escolar (Cole & Cole, 2004). Assim, considera-se que um bom autoconceito desempenha um papel-chave na adaptação adequada do sujeito em relação a seu meio (Sánchez & Escribano, 1999).

Compreender o autoconceito dos adolescentes pode ser uma forma eficiente de obter dados sobre seu comportamento. Stevanato, Loureiro, Linhares e Marturano (2003), por exemplo, encontraram uma associação entre autoconceito da criança e dificuldade de aprendizagem, e a presença de dificuldade esteve diretamente associada a um autoconceito inferior. Campos e Marturano (2003), por sua vez, verificaram que os adolescentes que durante a infância revelaram melhores níveis de competência interpessoal atingiram melhor adaptação psicossocial em três áreas: ajustamento comportamental, desempenho acadêmico e autoconceito, evidenciando a relação do autoconceito com o comportamento geral do jovem.

Sapienza, Aznar-Farias e Silvares (2009), em um estudo sobre competência social, práticas educativas parentais e rendimento acadêmico em adolescentes, demonstraram a existência de correlação entre problemas de comportamento e autoestima, mau desempenho acadêmico e competências sociais insuficientes. De acordo com as autoras, para que haja aprendizado significativo, o adolescente precisa não só assimilar o conteúdo escolar, como também interagir positivamente com seus pares e professores, o que pressupõe níveis ajustados de competência social. Dessa forma, a competência social é muito importante para um bom autoconceito nessa faixa etária, na qual, de acordo com as próprias autoras,

[...] começam as cobranças dos pais, pares e de si mesmo por um padrão de desempenho normalmente caracterizado por uma boa performance escolar, o que envolve notas e o comportamento na escola [...]. Um dos maiores desafios do estudante adolescente é se ajustar às exigências do professor e às expectativas dos colegas em relação a esse desempenho (Sapienza et al., 2009, p. 370).

Dentre vários fatores, a escola é, sem dúvida, um fator extremamente importante na constituição do autoconceito e da autoestima dos adolescentes. De acordo com Del Prette e Del Prette (2003), escolares com dificuldades tendem a avaliar-se como menos colaborativos, menos queridos e menos espertos do que seus colegas, além de apresentarem autoestima mais baixa e problemas para interagir socialmente.

Rath e Nanda (2012) encontraram resultados semelhantes em um estudo elaborado para avaliar o efeito de competência e gênero no autoconceito de adolescentes. Os resultados indicaram que os academicamente competentes apresentam um autoconceito melhor do que os menos competentes, possivelmente em função da valorização social recebida. A força dessa relação se mostrou maior para os meninos nos aspectos físico e pessoal, e mais forte para as meninas nos aspectos familiar e social, e, no autoconceito geral, não foi encontrada diferença por gênero.

Em suma, ter uma noção positiva sobre si mesmo na adolescência está associado ao funcionamento bem adaptado, ou seja, à apresentação de melhores índices de competência acadêmica e social. Um bom autoconceito, além disso, está relacionado a várias qualidades pessoais, tais como: independência, responsabilidade, tolerância a frustrações, aceite de desafios e solidariedade. No sentido inverso, uma baixa autoestima ou uma noção negativa sobre si mesmo está frequentemente relacionada a diversos fatores psicossociais: depressão, gravidez na adolescência, pensamentos suicidas, desemprego, transtornos alimentares e dificuldade em criar e manter relacionamentos sociais (Butler & Gasson, 2005).

O presente estudo tem como objetivo verificar indicadores de autoconceito em adolescentes a partir de preocupações relativas a eles no ambiente escolar, em outros contextos e na autoavaliação de seus aspectos positivos. Nas análises, serão consideradas as variáveis faixa etária, gênero e tipo de escola (pública ou particular).

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 157 meninos e 186 meninas, com idades entre 11 a 18 anos, alunos dos ensinos fundamental e médio de duas escolas públicas (N = 197) e de uma escola particular (N = 146), todas localizadas na cidade de São Paulo.

Instrumento

O inventário de autoavaliação para adolescentes, versão brasileira do youth self-report (YSR) (Achenbach & Rescorla, 2001), já validado no país (Rocha, 2012), é respondido por adolescentes na faixa etária dos 11 a 18 anos. A primeira parte do questionário permite avaliar as competências do jovem em três áreas: atividades, social e escolar. A soma dos escores obtidos nessas escalas fornece um escore total de competências. A segunda parte do YSR avalia problemas de comportamento em oito escalas-síndromes empiricamente baseadas, sendo três delas agrupadas na Escala de Internalização (Ansiedade/Depressão, Retraimento/Depressão, Queixas Somáticas), duas na Escala de Externalização (Violação de Regras, Comportamento Agressivo) e nas escalas Problemas de Atenção, Problemas Sociais e Problemas com o Pensamento, que, somadas às outras escalas-síndromes, configuram o índice geral escala total de problemas de comportamento.

O YSR apresenta também três questões abertas, nas quais se solicita ao adolescente que escreva sobre (I) suas preocupações relativas à escola - "Por favor, descreva quaisquer preocupações e problemas que você tenha com relação à escola" - , (II) outras preocupações - "Por favor, descreva qualquer outra preocupação que você tenha" - e (III) seus aspectos mais positivos - "Por favor, descreva seus aspectos mais positivos". Essas questões serão o foco de análise no presente estudo.

Procedimento

Com autorização expressa pela diretoria das escolas e assentimento dos participantes, o questionário foi respondido pelos próprios adolescentes no espaço de uma aula comum, no período letivo.

Categorias

Uma análise preliminar do conteúdo das respostas nas três questões abertas do YSR foi realizada para que categorias pudessem ser elaboradas. Para verificação da universalidade dos critérios elaborados, dois juízes realizaram separadamente a categorização das respostas de 20% da amostra com base nas descrições estabelecidas. A concordância entre os avaliadores foi de 100%, indicada pelo teste Kappa, o que mostrou que as categorias eram precisas e poderiam ser utilizadas para toda amostra.

Quanto aos problemas relacionados à escola, a primeira questão aberta do inventário, as categorias e os critérios utilizados para aplicá-las estão descritos no Quadro 1.

 

 

O Quadro 2 apresenta as categorias elaboradas para as respostas dadas pelos participantes para a questão sobre outras preocupações ou problemas.

.

 

 

Por fim, a categorização dos aspectos positivos é descrita no Quadro 3.

 

 

Além das categorias apresentadas nas tabelas 1, 2 e 3, todas as perguntas ainda receberam respostas nas seguintes categorias:

Nenhuma: verbalização de não haver nada. Exemplos: nenhuma, não e nada.

Outras respostas: letra ilegível, respostas inadequadas para a questão ou outro tipo de resposta.

Análise dos resultados

Na análise estatística, utilizou-se o programa SPSS 19.0. O teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado para verificar se a proporção de respostas afirmativas dentro de cada categoria diferia significativamente em função das variáveis estudadas: gênero (masculino versus feminino), tipo de escola (pública versus particular) e faixa etária (de 11 a 14 anos versus de 15 a 18 anos).

 

Resultados

Sobre problemas escolares

A primeira questão aberta do YSR solicita que o adolescente cite alguns de seus problemas relativos à escola. Enquanto 32 jovens (9,3%) deixaram essa questão sem resposta (em branco), os 311 restantes apresentaram 346 respostas, uma média de 1,1 por respondente. Destaca-se a quantidade de jovens que se declararam preocupados com o seu desempenho acadêmico (29% do total das respostas). Além disso, 25% das respostas foram indicações explícitas de não haver nenhuma preocupação relativa à escola. Merecem destaque, ainda, qualidade dos profissionais (9%) e relacionamento com colegas (8%). A Tabela 1 apresenta a porcentagem de respostas em cada categoria e a comparação em função das variáveis gênero, tipo de escola e faixa etária.

Na comparação por gênero, apenas duas categorias tiveram diferença significativa: os meninos queixaram-se mais da estrutura física da escola, e as meninas destacaram mais problemas relativos à qualidade dos profissionais. Sobre o tipo de escola como referencial, os estudantes de escola pública citaram mais vezes problemas relativos à estrutura física da escola e à qualidade dos profissionais, e também indicaram mais frequentemente não ter nenhuma preocupação. Já os alunos de escola particular citaram mais frequentemente preocupar-se com o alto nível de exigência da escola, com dificuldades de aprendizagem, com o próprio comportamento e notadamente com o desempenho acadêmico. Quanto à faixa etária, verificou-se que os adolescentes mais novos apresentaram mais queixas quanto à qualidade dos profissionais e ao baixo nível de exigência, enquanto os mais velhos reportam mais problemas na metodologia adotada pela escola e no alto nível de exigência.

Sobre outros problemas

Na segunda questão aberta do YSR, solicita-se que o adolescente indique outras preocupações. Um total de 62 participantes deixou essa questão sem respostas (18% da amostra). Os 281 restantes apresentaram 306 respostas, uma média de 1,1 por participante. A maior parte dos adolescentes (34% das respostas) respondeu que não possui nenhuma outra preocupação, 18% deixaram o item em branco, e apenas 48% apontaram efetivamente alguma outra preocupação. As preocupações mais citadas foram as escolares (11%), aquelas relativas ao futuro (10%), preocupações com o âmbito relacional (9%) e preocupação relacionada a terceiros (8%). A Tabela 1 apresenta as porcentagens de respostas em cada categoria para cada questão e os resultados comparativos em função das variáveis.

 

 

Atentando para a comparação por gênero, no que se refere a outras preocupações, verificou-se que as meninas reportam mais frequentemente preocupações com terceiros e que os meninos indicaram mais outras respostas. Na comparação por tipo de escola, por sua vez, houve diferença significativa nas categorias relacional, futuro, próprio comportamento e humanitárias, as quais foram mais citadas pelos alunos de escola particular. Os alunos de escola pública novamente indicaram com mais frequência não terem nenhuma outra preocupação (p < 0,05). Quanto à faixa etária, os adolescentes mais velhos indicaram mais frequentemente que têm preocupações financeiras e relativas ao futuro.

Sobre seus aspectos mais positivos

A terceira questão aberta do YSR solicita que o adolescente enumere os seus aspectos mais positivos. A categoria de respostas mais frequente foi aquela que valorizou os aspectos relacionais (26% das respostas dadas a essa questão). Uma parcela significativa das respostas (19%) valorizou as características de temperamento expansivo, ou seja, aqueles adjetivos que indicam extroversão. Os aspectos da moralidade e da intelectualidade do indivíduo foram citados em 10% e 8% das respostas, respectivamente. Apesar de 21% dos participantes terem deixado o item em branco, apenas 2,9% das respostas eram explícitas indicações de não haver nenhum aspecto positivo em si mesmo (nenhuma). Outras respostas foram dadas em 5,5% dos casos. Na Tabela 1, observam-se a porcentagem total de respostas em cada categoria e os resultados da comparação entre os grupos.

Para os aspectos positivos, as meninas reportaram significativamente mais aspectos relacionais, bem como suas características de temperamento expansivo, na descrição de seus aspectos mais positivos. Já os meninos citaram comparativamente mais as suas habilidades esportivas.

Quando se analisam as diferenças por tipo de escola, os alunos de escola particular reportaram expressivamente mais vezes do que os de escola pública os seus aspectos relacionais, diretivos, suas qualidades expansivas e suas habilidades artísticas e gerais. Além disso, os alunos de escola pública deixaram a questão em branco com maior frequência.

Tomando a faixa etária como nível de análise, verificou-se que os jovens com mais idade destacaram mais vezes seus aspectos diretivos e de moralidade do que os demais, enquanto os mais novos citaram comparativamente mais os seus aspectos físicos.

 

Discussão

As respostas dadas por adolescentes às três questões abertas apresentadas em um instrumento mundialmente utilizado para avaliação de competências e problemas de comportamento de adolescentes - o YSR - foram analisadas com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre o autoconceito de adolescentes de uma amostra brasileira. Observou-se, no geral, que o ambiente escolar é uma grande fonte de preocupações para o adolescente, visto que as respostas à pergunta sobre problemas relacionados à escola são mais numerosas do que as sobre os outros tipos de problema. Até mesmo quando se pergunta sobre outros problemas, alguns jovens apontam situações escolares entre suas preocupações, endossando essa afirmação. A escola é, sem dúvida, um contexto importantíssimo do desenvolvimento infantojuvenil, no qual o jovem começa a travar contato com suas próprias responsabilidades e tomar decisões próprias que dizem respeito, por exemplo, ao futuro profissional.

Dentre as preocupações com o contexto escolar, os jovens reportaram principalmente questões relacionadas com o desempenho (notas e avaliações), o que pode apontar para uma grande valorização do bom desempenho por parte da família, dos professores e até mesmo dos colegas, o que faz com que o adolescente procure atender a tais expectativas. Caso não as alcance, tem a sua própria autoestima prejudicada, já que experiências positivas no contexto escolar são determinantes para favorecer a autoestima do adolescente (Sapienza et al., 2009).

Sobre os aspectos mais positivos, as respostas mais frequentes estavam relacionadas às habilidades sociais do jovem (aspectos relacionais). De fato, desenvolver habilidades sociais essenciais para que possam interagir de maneira satisfatória com adultos e pares, nos diferentes contextos, é uma tarefa da criança e do adolescente (Del Prette & Del Prette, 2005). Deve se considerar, entretanto, que esse tipo de repertório é socialmente reforçado, o que aumenta a probabilidade tanto de ser emitido quanto de ser reportado em autorrelatos.

Uma das barreiras para obter dados mais consistentes foi o número massivo de respostas "nenhuma" ou deixadas em branco. Como as questões abertas exigem um esforço um pouco maior por parte dos respondentes e por estarem localizadas em meio a diversas questões fechadas que constituem a grande maioria do YSR, pode-se levantar a hipótese de que os jovens tenham pouca motivação para responder a tais itens, já que são mais trabalhosos do que os demais, em que o respondente precise simplesmente assinalar a resposta.

Observa-se, no entanto, que, embora pouco mais de um quinto da amostra tenha deixado a terceira questão em branco, as respostas "nenhuma" são muito mais recorrentes nas questões sobre preocupações (25% e 34%) do que naquela sobre os aspectos positivos (2%). Isso pode indicar que o jovem, no geral, tende a registrar mais os seus pontos positivos do que as suas preocupações e problemas, sugerindo uma maior valorização das próprias habilidades e competências. Tal ponto também foi apontado por Rocha (2012), que encontrou altos escores nos itens que avaliam aspectos positivos na parte quantitativa do YSR, indicando que os adolescentes tendem a fazer diversas afirmações positivas sobre si, independentemente de terem sido encaminhados para serviços de saúde mental. É importante levar em consideração que tudo aquilo que o adolescente escreve no inventário será lido e avaliado por um terceiro, e isso pode fazer com que ele procure ressaltar o que tem de positivo, mais do que suas preocupações, que podem expor as suas fragilidades e de seu meio. Pesquisas posteriores que controlem o aspecto "socialmente desejável" da resposta são necessárias para compreender melhor a fonte de tal valorização.

Alguns dados interessantes foram levantados nas análises das variáveis gênero, faixa etária e tipo de escola. Na questão sobre os problemas relativos ao contexto escolar, os adolescentes mais velhos (de 15 a 18 anos) declararam perceber problemas metodológicos, enquanto os mais novos (de 11 a 14 anos) atribuíram com maior frequência o problema à qualidade dos profissionais. Isso pode estar correlacionado a uma habilidade maior do adolescente mais velho em compreender as causas dos problemas que vê em sua escola de forma mais ampla, inserindo à sua explicação outros contextos mais abstratos, o que estaria mais próximo de uma avaliação mais adulta da situação. Essa observação converge para a teoria de Piaget (1994) sobre o desenvolvimento cognitivo humano, segundo a qual os adolescentes atingem o nível mais alto de desenvolvimento cognitivo - as operações formais - quando desenvolvem o pensamento abstrato. Essa nova capacidade permite que o adolescente imagine possibilidades, teste hipóteses e formule teorias (Papalia & Olds, 2000).

Os mais velhos também se queixam mais do alto nível de exigência da escola, enquanto os menores com mais frequência assinalaram que sua escola possui um baixo nível de exigência. Considerando que grande parte dos adolescentes mais velhos está no ensino médio, quando na maioria das escolas são introduzidas matérias com maior nível de complexidade, as suas respostas podem estar refletindo esse novo nível de exigência. Além disso, é no ensino médio que grande parte das escolas passa a enfocar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o vestibular, exames para a seleção de candidatos nas universidades brasileiras, o que pode afetar bastante a forma como o adolescente sente as pressões exercidas sobre ele. Como os jovens de 11 a 14 afirmaram com mais frequência que o nível de exigência sobre eles é baixo, pode-se pensar que talvez haja uma mudança brusca naquilo que se espera do estudante de ensino fundamental em comparação ao que se espera do aluno do ensino médio, causando dificuldades de adaptação.

Outros pontos de maior preocupação por parte dos adolescentes mais velhos foram questões relativas às finanças e ao futuro. Brandão (2004) afirma que o ensino médio foi concebido como etapa final da educação básica, cujo propósito é preparar o jovem para a continuidade de estudos e para o mundo. Dessa forma, a maior preocupação com aspectos financeiros e com futuro é condizente com o momento de vida e de ensino pelo qual esses jovens estão passando, mais próximo da vida adulta, autônoma e profissional.

Diferenças nos tipos de preocupações mais relatadas também foram encontradas em função do tipo de escola frequentada pelo adolescente. A preocupação com o próprio desempenho foi significativamente maior nos jovens de escola particular. Os alunos de escola pública, por sua vez, mostraram-se mais preocupados com a estrutura física de sua escola e com a qualidade dos profissionais que atuam na instituição, o que pode refletir, em alguma medida, a realidade de uma parcela das escolas públicas nas quais faltam professores e funcionários e que, por diversas vezes, apresentam condições físicas precárias. Libâneo (2012) discute justamente o fato de as escolas públicas brasileiras terem um papel de acolhimento social para os pobres, enquanto as escolas particulares se configuram como escolas do conhecimento para os ricos. Um estudo realizado por Oliveira, Pinto e Souza (2003) sobre a perspectiva de futuro entre adolescentes indicou que alunos das redes pública e privada tinham expectativas otimistas em relação ao futuro, mas, como também foi encontrado no presente trabalho, os da rede particular reportavam maior preocupação com bons resultados na escola. As autoras consideram a hipótese de que esta diferença por acontecer em virtude do fato de os adolescentes das escolas privadas pertencerem às camadas sociais nas quais a pressão por resultados é mais intensa, hipótese está que é sustentada pelo maior número de relatos de preocupações referentes ao ingresso na universidade obtido nesta população, tanto no estudo de Oliveira et al. (2003), quanto no presente estudo.

Os alunos de escolas públicas também apresentaram com maior frequência respostas que indicavam ausência de preocupações. Ainda que os adolescentes da rede particular citem comparativamente mais preocupações em diversas categorias, tanto com relação à escola quanto às outras preocupações, não é coerente afirmar que os da rede pública possuam menos razões para preocupação. Pode-se hipotetizar que esses jovens sejam menos cobrados pela instituição ou que simplesmente prefiram omitir as preocupações que realmente possuem. Trabalhos futuros de entrevista que explorem diretamente as respostas oferecidas para as questões apresentadas podem indicar qual hipótese apresenta maior fundamento.

Com relação aos aspectos mais positivos, as meninas citaram mais as suas habilidades sociais, dentre as categorias aspectos relacionais e temperamento expansivo. Esse resultado corrobora o encontrado por Bandeira, Rocha, Freitas, Del Prette e Del Prette (2006), que indicam que, desde a infância, as meninas tendem a obter melhores resultados na autoavaliação de suas habilidades sociais, e por Rath e Nanda (2012), que encontraram índices de autoconceito mais elevado para os aspectos social e familiar entre adolescentes do gênero feminino. Os meninos, por sua vez, valorizaram mais suas habilidades esportivas do que elas, assim como no estudo de Rath e Nanda (2012), no qual os meninos obtiveram índices de autoconceito mais elevados para os aspectos físicos. Tal resultado pode ser explicado pelo grande desenvolvimento físico e por qualidades como força, velocidade e agilidade que os meninos apresentam na adolescência (Papalia & Olds, 2000). Aliado a isso, o esporte também pode ganhar uma importância fundamental na socialização dos jovens, que, desde a infância, geralmente apresentam um maior autoconceito relacionado às habilidades físicas em comparação com as meninas (Pereira, Cia, & Barham, 2008). É provável que, por isso, o adolescente mais novo também cite com maior frequência seus aspectos físicos do que o jovem de 15 a 18 anos, já que, para esse último, grande parte do desenvolvimento corporal já ocorreu e, portanto, não constitui mais um diferencial individual (Cole & Cole, 2004).

O adolescente mais velho mostrou privilegiar com maior frequência seus aspectos diretivos, aqueles que descrevem atitudes positivas diante de objetivos, e a sua moralidade. Tais resultados mostram que esse adolescente dá maior relevância a características já mais voltadas para o trabalho, apontando para maior autonomia nas tomadas de decisão, o que é positivo no momento de vida em que se encontram. Esse resultado também é coerente se analisado sobre a ótica do desenvolvimento da moral, proposto por Piaget (1994).

Os jovens da rede particular ressaltaram também mais aspectos diretivos, o que dá suporte para a hipótese de que eles são mais estimulados pelo meio a buscar o sucesso profissional e a realizar tarefas. Contudo, eles também apresentaram mais respostas categorizadas como aspectos relacionais, temperamento expansivo, habilidades artísticas e habilidades gerais. A justificativa para a diferença nas duas últimas pode estar no maior acesso a atividades que favoreçam o desenvolvimento desse tipo de comportamento, já que são habilidades que geralmente exigem algum investimento por parte da escola ou da família.

Outro resultado que dá suporte a essa hipótese é o de que os participantes da rede pública deixaram a pergunta sobre os aspectos positivos em branco com frequência maior do que os da particular. Como isso não ocorreu nas perguntas sobre preocupações, pode-se afirmar que a ausência de respostas é um indício de que os adolescentes da escola pública possuam um autoconceito menos valoroso. São necessárias pesquisas futuras que mostrem se o fator que é determinante para tal resultado é a diferença socioeconômica ou alguma outra variável que se imponha nesse ambiente, mas que o presente estudo não pretende vislumbrar.

Em todas as perguntas analisadas, observou-se que o fator tipo de escola foi o que gerou contrastes mais significativos. Isso mostra o quanto o ambiente é decisivo para que o jovem construa um bom autoconceito e tenha preocupações adequadas aos desafios que encontrará nesse momento de sua vida. Tanto no fator gênero quanto no fator idade, o aspecto biológico exerce forte influência. Já o fator tipo de escola é puramente social ou socioeconômico, marcado principalmente pela diferença entre o poder aquisitivo das famílias. Portanto, não é sensato atribuir todas as diferenças vistas entre os jovens apenas a suas escolas, o que nos levaria ao único caminho de culpabilizar a falta de estrutura generalizada da escola pública. É preciso ir além e pensar que a defasagem entre escola pública e particular é também retrato de uma sociedade que experimenta a desigualdade em todos os contextos, desigualdade que, inevitavelmente, estará em alguma medida refletida na subjetividade de suas crianças, adolescentes e adultos.

Antes de fazermos as considerações finais sobre este estudo, é mister mencionar algumas de suas limitações. Ainda que o objetivo deste trabalho tenha sido alcançado, pois conseguiu verificar indicadores de autoconceito em adolescentes e sua variação em função do gênero, da idade e do nível social, o construto autoconceito, em si, não foi mensurado. As conclusões formuladas aqui teriam maior peso se, além das questões abertas do YSR, outro instrumento de mensuração de autoconceito tivesse feito parte da metodologia empregada. Os resultados derivados da aplicação desse instrumento de autoconceito associados aos dados das preocupações e aspectos positivos dos adolescentes dariam muito maior força às considerações formuladas nesta seção.

Outra limitação a ser sanada em investigações futuras é a extensão das afirmações extraídas para além da amostra com a qual o presente estudo foi realizado. Ainda que nas considerações tecidas tenhamos mencionado o fato de que se trata de uma amostra brasileira, os dados foram coletados na cidade de São Paulo, e teria sido de grande interesse estender a pesquisa para outras cidades, viabilizando a identificação de semelhanças e diferenças regionais. Além disso, estudos em diferentes países poderiam gerar conclusões mais abrangentes sobre o autoconceito dos adolescentes, bem como sobre as categorias geradas a partir das respostas dadas às questões do YSR para cumprir esse objetivo. Trabalhos futuros poderão ser feitos nesse sentido se o mesmo interesse por entender melhor o funcionamento do adolescente se estender para outros pesquisadores.

Ao explorar o conteúdo das respostas de adolescentes às questões sobre suas preocupações e seus aspectos positivos, o presente estudo cumpriu o objetivo de analisar fatores relacionados ao autoconceito de jovens, à visão global que eles possuem de si mesmos. Observou-se que, no geral, eles se mostram hábeis para indicar aspectos positivos de seus comportamentos. Verificou-se também que as características específicas das respostas variam em função do gênero, da idade e, principalmente, do tipo de escola, trazendo possivelmente a variável socioeconômica à tona. As preocupações dos jovens estão bastante relacionadas ao ambiente escolar, principalmente ao desempenho acadêmico. Preocupações com o futuro também são apresentadas, especialmente entre os mais velhos, evidenciando o efeito das contingências nas quais eles estão inseridos. Os resultados obtidos favorecem a afirmação de que o contexto no qual o jovem está inserido é decisivo para a construção de um autoconceito positivo, o que leva à reflexão sobre a necessidade de ambientes domésticos e escolares ricos e estimulantes para que ocorra um desenvolvimento saudável.

 

Referências

Achenbach, T. M., & Rescorla, L. A. (2001). Manual for the aseba school-age forms & profiles. Burlington: University of Vermont, Research Center for Children, Youth & Families.         [ Links ]

Bandeira, M., Rocha, S. S., Freitas, L. C., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2006). Habilidades sociais e variáveis sociodemográficas em estudantes do ensino fundamental. Psicologia em Estudo, 11(3), 541-549.         [ Links ]

Brandão, C. F. (2004). Estrutura e funcionamento do ensino. São Paulo: Avercamp.         [ Links ]

Butler, R. J., & Gasson, S. L. (2005). Self esteem/self concept scales for children and adolescents: a review. Child and Adolescent Mental Health, 10(4), 190-201.         [ Links ]

Campos, M. A. S., & Marturano, E. M. (2003). Competência interpessoal, problemas escolares e a transição da meninice à adolescência. Paidéia, 13(25), 73-84.         [ Links ]

Cole, M., & Cole, S. R. (2004). O desenvolvimento da criança e do adolescente. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2003). Habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem: teoria e pesquisa sob um enfoque multimodal. In A. Del Prette, & Z. A. P. Del Prette (Orgs.). Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem (pp. 167-206). Campinas: Alínea.         [ Links ]

Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Libâneo, J. C. (2012). O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa, 38(1), 13-28.         [ Links ]

Oliveira, M. C. S. L., Pinto, R. G., & Souza, A. S. (2003). Perspectivas de futuro entre adolescentes: universidade, trabalho e relacionamentos na transição para a vida adulta. Temas em Psicologia, 11(1), 16-27.         [ Links ]

Papalia, D. E., & Olds, S. W. (2000). Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Pereira, C. S., Cia, F., & Barham, E. J. (2008). Autoconceito, habilidades sociais, problemas de comportamento e desempenho acadêmico na puberdade: inter-relações e diferenças entre sexos. Interação em Psicologia, 12(2), 203-213.         [ Links ]

Piaget, J. (1994). O juízo moral na criança (2a ed.). São Paulo: Summus.         [ Links ]

Rath, S., & Nanda, S. (2012). Adolescent's self-concept: understanding the role of gender and academic competence. International Journal of Research Studies in Psychology, 1(2), 63-71.         [ Links ]

Rocha, M. M. (2012). Autoavaliação de competências e problemas de comportamento entre adolescentes brasileiros: um estudo de validação do Inventário de Autoavaliação para Adolescentes (YSR/2001). Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.         [ Links ]

Sánchez, A. V., & Escribano, E. A. (1999). Medição do auto-conceito. Bauru: Edusc.         [ Links ]

Sapienza, G., Aznar-Farias, M., & Silvares, E. F. M. (2009). Competência social, funcionamento adaptativo e rendimento acadêmico do adolescente. In R. C. Wielenska (Org.). Sobre comportamento e cognição: desafios, soluções e questionamentos. Santo André: Esetec.         [ Links ]

Stevanato, I. S., Loureiro, S. R., Linhares, M. B. M., & Marturano, E. M. (2003). Autoconceito de crianças com dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento. Psicologia em Estudo, 8(1), 67-76.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Edwiges Ferreira de Mattos Silvares
Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia Clínica
Avenida Prof. Melo Moraes, 1.721, Cidade Universitária
São Paulo - SP - Brasil. CEP: 05508-030
E-mail: efdmsilv@usp.br

Submissão: 06.08.2013
Aceitação: 06.09.2013