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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.1 São Paulo jun. 2007

 

ARTIGOS

 

O fantasiar como recurso na clínica comportamental infantil

 

Fantasy as an instrument in child behavioral therapy

 

 

Gabriella Mendes HaberI, 1; João dos Santos CarmoII, 2, 3

I Universidade Federal do Pará – UFPA
II Universidade da Amazônia – UNAMA

 

 


RESUMO

A psicoterapia realizada junto a crianças utiliza, dentre diversos recursos, o fantasiar, que possibilita a identificação de sentimentos, regras e eventos ambientais determinantes de comportamentos inadequados. O presente trabalho objetivou comparar as informações da literatura especializada com entrevistas sobre as habilidades e conhecimentos necessários ao psicólogo da abordagem comportamental, a fim de atuar eficientemente, utilizando o fantasiar como um recurso auxiliar à compreensão funcional e intervenção. Entrevistas a quatro psicólogas que atuam junto a crianças e seus familiares, no contexto clínico, foram utilizadas como fontes de informações. Compararam-se as informações obtidas à literatura. Os depoimentos corroboraram a literatura quanto à importância do conhecimento teórico, técnicas de aprendizagem, análise funcional, desenvolvimento de repertório lúdico e empatia. Quanto à definição de fantasiar, não foi encontrada consistência/concordância entre as entrevistadas; a literatura também não apresenta definição consistente. Ao final, indicaram-se quais aspectos do trabalho envolvendo o fantasiar podem ser contemplados em pesquisas futuras.

Palavras-chave: Intervenção comportamental, Fantasiar, Comportamento verbal, Crianças.


ABSTRACT

Among other means, child psychotherapy uses fantasy that permits to identify feelings, rules and contingencies which maintain inadequate behaviors. This research aims to compare the information in scientific literature to psychologists' opinion about what abilities and knowledge are necessary to an efficient intervention using the fantasy as an auxiliary to understand and plan behavioral changes. The methodology applied is the survey of four interviews made to psychologists that work with children and their relatives in the clinical context. The data were compared to information from the scientific literature and the investigators evaluated issues that could be analyzed in future researches. Literature is confirmed by the psychologists’ statements about the relevance of theoretical knowledge, strategies of learning, functional analysis, and empathy. Nor consistence neither agreement about the definition of fantasy was found among the psychologists. Such definition is not found in literature either. Future researches on fantasy are suggested.

Keywords: Behavioral intervention, Fantasy, Verbal behavior, Children.


 

 

Aprender sobre como interagir produtivamente com a criança em contexto psicoterápico é indispensável para o psicólogo que atua na área clínica infantil. Essas informações são igualmente importantes aos familiares que participam no atendimento à criança, e que devem utilizar e identificar formas adequadas de se comportar, a fim de contribuir para a ocorrência de mudanças desejadas.

É importante entender que, nas interações da criança, a demonstração de empatia, o comportamento de fantasiar, a aquisição de regras e o desenvolvimento de respostas assertivas são aspectos relevantes, pois indicam como o ambiente tem influenciado o comportamento. As relações, portanto, demonstram níveis de tais características, ao mesmo tempo em que favorecem novas aprendizagens, devido à exposição a outras contingências ou modelos comportamentais.

A respeito do termo empatia, Schilinger Jr. (1995) afirma que, nas teorias cognitivas do desenvolvimento, há muitas formas de defini-lo, dependendo de qual componente seja enfatizado - o cognitivo, o afetivo ou o comportamental. Para Falcone (2000, p. 68), por exemplo, a empatia é uma habilidade social que pode ser definida como "a capacidade de compreender acuradamente os pensamentos e sentimentos do outro e de transmitir entendimento sem fazer julgamentos, de tal forma que a outra pessoa se sinta compreendida".

Schilinger Jr. (1995) adota outra perspectiva, pois considera mais coerente com a Análise do Comportamento, a investigação de quais variáveis estariam no controle de quaisquer comportamentos ditos empáticos, ou seja, o que leva ao desenvolvimento de relações comportamentais que são assim classificadas por apresentarem aspectos em comum. A origem do comportamento, portanto, está relacionada à interação com o meio.

Os comportamentos assertivos diferenciam-se de comportamentos empáticos, pois os primeiros se referem à "habilidade de expressar sentimentos e desejos de forma honesta, direta e apropriada, sem violar os direitos dos outros" (Lange & Jakuboski, 1983 citado por Falcone, 2000, p. 50). O desenvolvimento de respostas assertivas possibilitaria a "liberdade de escolha e o exercício do autocontrole” (Alberti & Emmons, 1978, p. 26).

Em relação ao aprendizado de regras, o qual ocorre a partir das interações da criança em seu meio social, pode-se dizer que está relacionado aos valores que são repassados, principalmente no convívio familiar, no caso de crianças que ainda não freqüentam escolas. Sendo que tais valores não se restringem ao que é ensinado verbalmente, mas também dizem respeito às experiências de sofrer conseqüências em determinadas circunstâncias e, posteriormente, comportar-se de forma generalizada, podendo tornar-se insensível a contingências de outros contextos.

Forehand e Wierson (1993) sugerem que se deve considerar a influência dos fatores relativos ao desenvolvimento na avaliação e planejamento da intervenção comportamental. Ao conhecer quais são as tarefas e habilidades requeridas em cada período, compreende-se como a aprendizagem de padrões comportamentais inapropriados num período de vida pode contribuir para o desenvolvimento de quadros psicopatológicos. Esse conheci-mento também auxiliaria o profissional a planejar suas intervenções em três áreas: compreensão de conceitos; coerência entre objetivos terapêuticos e as habilidades requeridas em determinado período; estratégias de reforçamento compatíveis com cada idade.

Além de o terapeuta recorrer a inúmeras fontes de informação (entrevistas com os familiares, visita à escola, contato com outros profissionais), o comportamento de fantasiar possibilita a identificação de comportamentos empáticos, assertivos, de quais as seqüências comportamentais que surgem durante a sessão. Também é possível ter acesso às regras, aos comportamentos inadequados, à percepção da criança sobre as suas ações, relacionando tais dados à história de reforçamento.

De acordo com Regra (1999), a identificação de comportamentos a modificar dificilmente é realizada pela criança ou, mesmo que isto aconteça, ela pode alterar o relato, a fim de minimizar a probabilidade de punição de comportamentos tidos como inadequados.

Portanto, o fantasiar pode ser utilizado como um recurso cuja finalidade é facilitar a discriminação de "padrões de comportamento das personagens da história que podem fazer parte do repertório de comportamentos das crianças e de seus familiares” (Regra, 1999, p. 107). É possível identificar as contingências em vigor, a formação de conceitos dos personagens a respeito de si e das situações nas quais estão envolvidos e as regras que, provavelmente, estão no controle dos comportamentos (Regra, 2004).

O comportamento de fantasiar é, pois, um recurso de diagnóstico e intervenção (Nalin-Regra, 1993), uma vez que o psicólogo poderá planejar a intervenção com base nas informações fornecidas pela criança e atuar nos "momentos de fantasia", levando o cliente a discriminar os determinantes de seus comportamentos inadequa-dos e as possíveis alternativas. Assim, ao esclarecer sobre o uso deste recurso, o modelo analítico-comportamental forneceria, para a comunidade científica, uma explicação sobre como atuar no contexto clínico infantil.

Devido ao fato de este recurso oferecer tais possibilidades aos que trabalham junto a crianças, optou-se por investigar a sua utilização no contexto clínico, já que pode beneficiar os clientes e seus familiares, contribuindo para o bemestar e desenvolvimento de interações positivamente reforçadoras. Assim, a psicologia estaria participando na construção de relações satisfatórias, pois, para Silvares (2001), as interações infantis negativas, em geral, podem estar associadas a dificuldades de relacionamento interpessoal, à dependência química e a transtornos psiquiátricos na vida adulta.

Deste modo, o presente trabalho tem como finalidade investigar quais são as habilidades e conhecimentos que o psicólogo clínico da abordagem comportamental deve adquirir, a fim de instalar, manter e generalizar comportamentos adaptativos ao atuar junto a crianças. A partir desta investigação, pretende-se também identificar a noção de fantasiar na abordagem comportamental, avaliando sua importância como recurso que possibilita o acesso a comportamentos abertos e encobertos, e eventos ambientais, auxiliando a compreensão funcional e a intervenção, além de comparar se as informações obtidas por meio de entrevistas confirmam os achados da literatura especializada.

O termo fantasiar é compreendido, neste trabalho, como recurso terapêutico e como comportamento. Como recurso, auxilia o acesso do psicólogo a diferentes classes de respostas e, como comportamento, sua manifestação depende da relação estabelecida com o meio.

Esta afirmação pode ser corroborada a partir da seguinte declaração de Regra (1993: p. 51):

(...) o interesse em trabalhar com o relato verbal de estórias fictícias (fantasia), onde a criança descreve os sentimentos dos personagens e as possíveis regras que governam seus comportamentos, se deve ao fato de que este instrumento – a fantasia – favorece a identificação de possíveis sentimentos da própria criança, através de inferências baseadas em seu relato verbal.

A autora não utiliza o termo fantasiar (infinitivo) e sim fantasia, referindo-se a esta como comportamento de relatar, quando o cliente descreve os sentimentos dos personagens, e como instrumento, quando fala em como atingir o objetivo de levar o cliente a relatar os comportamentos dos personagens, ou seja, através da estória, mas que em outros casos pode ser por meio do trabalho com argila, massa de modelar, fantoches e outros.

Estudar fantasia4, de acordo com Regra (2004), pode ser considerado científico quando permite descrever e explicar, com base na relação funcional, comportamentos verbais e não-verbais (o perceber e o sentir). Em relação ao sentir, Viscott (1982 citado por Otero, 1993, p. 63) afirma que "os sentimentos nos dizem se o que estamos experimentando é ameaçador, doloroso, lamentável, triste ou alegre.". Para Nalin-Regra (1993), os relatos do mundo interior são pistas sobre as condições responsáveis por influenciar comportamentos no passado, presente e probabilidade de manifestação no futuro.

O fantasiar pode ser compreendido e utilizado cientificamente se o terapeuta levar em consideração o maior número de fontes de informações sobre as relações que são estabelecidas com o ambiente. Assim, há o acesso às variáveis que controlam o comportamento do cliente as quais, durante as atividades, são expressas simbolicamen-te, demonstrando como conceitos podem ter sido formados a partir de determinadas situações. Deste modo, o acesso do terapeuta a eventos privados (por meio de inferências) e às relações condicionais estabelecidas com o ambiente é facilitado.

É necessário discorrer brevemente a respeito da concepção de desenvolvimento segundo a Análise do Comportamento, pois, devido ao fato de este trabalho investigar a interação com crianças ao fantasiarem, não se deve explicar esta classe de resposta em termos mentalistas. Também é importante falar sobre os eventos privados e comportamento verbal, uma vez que a compreensão destes assuntos é indispensá-vel para a atuação na clínica, já que o psicólogo terá acesso às contingências de reforçamento, em parte, pelo relato verbal do cliente.

 

Eventos privados e comportamento verbal

Para Skinner (1989), o ser humano é um todo integrado que deve ser compreendido de acordo com sua relação ambiental, referindo-se aos eventos priva-dos como físicos, diferenciando-se dos eventos abertos somente por não ser possível observá-los publicamente. Os eventos privados são identificados como comportamentos, estados ou condições internas do organismo, ou seja, estímulos internos. Segundo Tourinho (1993, p. 29): “Na perspectiva Skinneriana, o que caracteriza os eventos privados é exatamente o fato de constituírem uma parte do universo de cada indivíduo à qual só ele próprio tem acesso”.

Skinner (1989) afirma que o comportamento não é causado por sentimento, pensamento ou qualquer evento privado imediatamente antecedente, mas por toda história de relações entre o indivíduo e seu ambiente. Como não há dois indivíduos com a mesma história de vida, cada pessoa reage de forma singular, mesmo que esses indivíduos sejam expostos a uma situação idêntica no presente.

Geralmente, há dificuldades para descrever eventos privados; por exemplo, o indivíduo que sente dores físicas com muita intensidade, poderá não conseguir descrevê-las a um médico. Isto ocorre porque não adquiriu um repertório verbal adequado para descrever com clareza os sentimentos, em virtude de uma falta de ensino adequado para o indivíduo realizar discriminações mais precisas.

No entanto, ao estudá-lo a fim de compreender o pensar e o sentir, deve-se levar em consideração que o relato verbal, assim como outros comportamentos, é controlado pela audiência. Portanto, "é suscetível a reforçamento, modelagem e instrução [..]" (Hübner, 1999, p. 2). Deste modo, é fundamental conhecer a história de reforçamento da pessoa, a fim de verificar a correspondência entre o relato e o relatado.

Skinner (1978) fala sobre oito categorias funcionais de comportamento verbal do falante - o ecoar, o copiar, o textualizar ou pré-ler (textual), o transcrever, o intraverbal, o mandar, o tatear e o coordenar - e três categorias funcionais para o comportamento do ouvinte - o rastrear, o aceder e o aumentar. Neste trabalho, especial atenção é dispensada aos tatos metafóricos ou relatos verbais que contêm extensões metafóricas, porque tal categoria funcional está relacionada a estímulos que possuem propriedades semelhantes. Assim, os acontecimentos fantasiados teriam relação com o dia-a-dia da criança.

Se, aparentemente, não há similaridade entre os estímulos, a mesma pode ser encontrada na reação emocional provocada por estes. Segundo Hübner (1999), respostas emocionais poderiam mediar a evocação de extensões metafóricas, ou surgirem em conseqüência de sua emissão. Portanto, a autora considera a extensão metafórica um operante verbal "carregado de emoção" (p.7).

Em virtude desta característica, a metáfora torna o comportamento verbal mais efetivo, uma vez que "toca" o ouvinte de forma especial, pois pode levar ao surgimento de respostas emocionais, o que é uma vantagem em relação a outras categorias de comportamento verbal. Portanto, recorrer à metáfora facilitaria, para o terapeuta, a inferência sobre os pensamentos e sentimentos do indivíduo em relação a determinadas contingências. Além disto, o tato metafórico, que é mediado por emoções, fornece respostas mais diretas sobre os sentimentos do que os dados obtidos em entrevista, em que o cliente fala, mas pode não expressar a intensidade das emoções (Hübner, 1999).

Então, pergunta-se: como a comunidade verbal ensinaria a relatar eventos privados por meio de expressões metafóricas tais como: "paixão ardente", "explosão de raiva"? De acordo com Skinner (1978), este tipo de comportamento autodescritivo tem como base a similaridade entre os estímulos públicos e privados. O papel da comunidade verbal seria o de ensinar, por meio de reforça-mento diferencial, a identificar e descrever estímulos públicos e, com base na semelhança entre estes e o que é sentido, o indivíduo aprenderia a recorrer a metáforas.

 

Algumas considerações sobre a terapia comportamental infantil

É importante enfatizar que o tratamento com crianças passou por transformações que levaram a uma nova compreensão sobre os comportamentos indesejáveis. A modificação do comportamento utilizava os princípios da aprendizagem, a fim de alterar comportamentos específicos, geralmente públicos, levando em consideração apenas os eventos antecedentes e conseqüentes, sem avaliar questões que envolvessem a relação da criança com os pais e destes com o terapeuta e outras variáveis do contexto. O psicólogo não trabalhava diretamente com a criança. Todo procedimento era mediado pelos pais ou professores.

Atualmente, é considerado fundamental o trabalho junto à criança e à família, pois esta é um sistema social no qual os comportamentos dependem das relações estabelecidas entre os membros. A partir de tais relações, são estabelecidos comportamentos apropriados ou não. Sendo assim, a terapia comportamental infantil deve trabalhar também com os pais na orientação, a fim de levá-los a observar, descrever e analisar funcionalmente os comportamentos, modificar percepções sobre si, a criança e a interação estabelecida, identificar os sentimentos em relação a si, a criança, e possivelmente o que esta sente (Otero, 1989).

Deve-se, portanto, "trabalhar nas causas dos problemas das crianças e não apenas nos seus efeitos que estariam circunscritos à criança em si" (Otero, 1989, p. 577), sendo necessário modificar a compreensão inicial da família de que a criança seria a detentora exclusiva da problemática.

Deste modo, além do trabalho com a criança, é indispensável que se orientem os pais para que interajam de modo que não levem à manifestação de comportamentos inadequados, conduzindo o cliente a aprender comportamentos mais eficientes para o desenvolvimento de relações positivamente reforçadoras, pois se observa que há maior progresso com a participação dos pais. De acordo com Conte (1987, p. 34) “a prática da Terapia Comportamental Infantil se caracteriza por um duplo ou triplo processo, onde as alterações de comportamento devem ocorrer tanto com os pais como com as crianças”.

O comportamento passa a ser considerado, pela família e pela criança, como função de variáveis ambientais, que são passíveis de identificação e manipulação. Então, o cliente aprende a reconhecer e saber como atuar em relação aos antecedentes e conseqüentes de seu comportamento. Para isto, é fundamental o vínculo entre o terapeuta e a criança, o qual facilita a disponibilidade para a aprendizagem de respostas adaptativas.

No processo terapêutico, é importante que seja efetivada a avaliação da queixa, ou seja, operacionalizar, identificar comportamentos-problema, fazer um levantamento de como os mesmos se apresentam, qual a sua duração e freqüência. A avaliação comportamental em relação à queixa ocorre ao longo da coleta de dados sobre comportamentos adequados e inadequados do cliente. "É também importante para o planejamento da intervenção, coletar dados sobre estímulos potencialmente reforçadores e punitivos do ambiente" (Philips, 1971 citado por Conte, 1987, p. 35). A participação da criança na avaliação é de suma importância, pois facilita detectar como se apresentam os comportamentos-problema e a análise de em qual direção será efetivada a intervenção. Ressalta-se que, segundo Torós (2001), diagnóstico e tratamento ocorrem simultaneamente, pois enquanto há intervenção os comportamentos continuam sendo avaliados.

Atualmente, portanto, é necessário investigar os encobertos do cliente, os quais não eram analisados, porque se acreditava que o estabelecimento de contingências diferentes alteraria os eventos privados (Silvares, 2000). É possível que alterações ocorram parcialmente, já que auto-regras e conceitos podem afetar a sensibilidade a novas contingências.

Hayes (1987) levanta a hipótese de que regras, dependendo do contexto, poderiam gerar padrões de respostas que impediriam a pessoa de entrar em contato com as contingências em vigor respondendo efetivamente. Apesar disso, regras também podem ser úteis para que o indivíduo continue se comportando quando os reforçadores estiverem escassos no ambiente.

O fantasiar é um recurso que tem, entre suas finalidades, auxiliar a identificar regras, fornecendo pistas sobre a formação de conceitos e regras, além de possibilitar que o cliente expresse sentimentos e relate eventos externos.

Seguir regras incondicionalmente estaria associado a quadros psicopatológi-cos (Hayes, Kohlenberg & Melacon, 1987). Sendo que existiriam aquelas sobre os bons e os maus sentimentos, formuladas a partir do aprendizado sobre o que deve ou não ser sentido.

Assim, surgiriam as armadilhas do raciocínio lógico, pois se a raiva, por exemplo, é um mau sentimento, é possível que a pessoa se sinta culpada ao experimentá-la, intensificando o mal-estar.

Deste modo, formas ineficientes de eliminar o desconforto podem ser tentadas. Assim, por exemplo, é possível que a criança conclua que "sentimentos são causas de comportamentos, portanto, sentimentos ruins geram comportamentos ruins, então, tenho atos maus e sou mau, sendo mau não mereço e não posso ser amado e assim sucessivamente" (Conte & Regra, 2000, p. 91).

Ao fantasiar, então, o próprio cliente deve fornecer o significado (Regra, 2000), pois o fantasiar “conduz à descrição de eventos para realização da análise funcional e sinaliza novas discriminações conduzindo a criança a [...] estabelecer novas relações condicionais (Conte & Regra, 2000: p. 128)”, ou seja, as regras inadequadas possivelmente seriam quebradas, o que levaria a mudanças no comportamento verbal e não-verbal.

As investigações sobre a equivalência de estímulos também contribuem para a compreensão da formação de conceitos a respeito das características pessoais, pois as palavras utilizadas para rotular alguém podem tornar-se membros de uma classe de equivalência, levando à discriminação de aspectos sobre si que não foram explicitamente ensinados. Esta aprendizagem, conseqüentemente, se reflete no autoconhecimento e no relato verbal do cliente sobre a percepção que tem de si (Regra, 2004).

 

O fantasiar na terapia comportamental infantil

Durante o processo de avaliação, além do fantasiar, como já citado anteriormente, é necessário recorrer a diversas fontes de conhecimento científico e de informações sobre o cliente, tais como família, professores, profissionais que prestem atendimento, e variar o método de coleta, "entrevista com os pais, observação da criança na escola e em casa, desenho, redações, inventário e monitoramento de atividades diárias" (Baptista & Sousa, 2001, p. 523). Em relação à forma da coleta de informações para realizar a análise funcional, Silvares (2000) aponta que deve ser diversificada, de acordo com a idade e os interesses do cliente, uma vez que as atividades propostas a uma criança devem ser diferentes das sugeridas a um adolescente, por exemplo.

Segundo Regra (2001), a variedade de materiais é importante para que seja possível realizar inúmeras atividades como desenhos, brincadeiras com bonecas e carros, fantoches, massa de modelar, jogos, entre outros. Regra (2001, p. 375) afirma:

A integração de atividades múltiplas em uma só sessão favorece a ocorrência de comportamentos verbais e não-verbais relevantes para os objetivos terapêuticos, uma vez que cada tipo de tarefa propicia a emissão de determinados tipos de classes de respostas.

Nalin-Regra (1993) descreve um modelo de intervenção adaptado de Oaklander (1978), no qual se propõe a escolha de uma entre cinco atividades (desenho livre, desenho em quadrinhos, história de gravura, argila e construção de cenas com brinquedos). Ao final da atividade, o cliente é solicitado a fantasiar, sendo registrado o relato verbal. Perguntas podem ser feitas, tanto para esclarecer pontos obscuros ou omissões, como para identificar incoerências no relato. Além disto, a criança pode escolher algum dos elementos abordados para ser ela ou cada um dos familiares.

Estes procedimentos, segundo Nalin-Regra (1993), objetivam levar a criança a realizar comparações com sua vida. Se não for possível realizar essa relação, devem-se focalizar os sentimentos e dificuldades expressos pelas personagens na fantasia, e a possibilidade de resolvê-los. Quando as semelhanças entre a fantasia e a vida real são identificadas, analisam-se os comportamentos das pessoas de seu ambiente e as formas alternativas de modificar as contingências.

Ao avaliar os dados coletados durante estas atividades, o terapeuta analítico-comportamental enfatiza a relação funcional entre a pessoa e o meio para explicar a conduta humana. Wielenska (1993), considera que as classificações do DSM-III-R5 e da CID-10 apresentam limitações para a compreensão de eventos públicos e privados relevantes na avaliação e intervenção, por causa dos termos mentalistas que permeiam estas obras e da ênfase dada à topografia.

Na realização da formulação da avaliação diagnóstica, é possível constatar que a realização da análise funcional é a chave para a intervenção bem-sucedida, uma vez que a aplicação de técnicas com base em análise funcional incompleta geraria o surgimento de outros comportamentos inadequados, o que é conhecido como "substituição do sintoma" (Silvares, 2000). Na realidade, não é suficiente extinguir comportamentos problemáticos, já que se devem instalar respostas incompatíveis, porque a autora citada afirma que a criança, quando apresenta comportamentos inadequados, está tentando resolver um problema. Também é importante planejar a intervenção de forma que ocorra a generalização dos comportamentos desejáveis para o maior número de ambientes, e que estas modificações se mantenham a longo prazo e sem efeitos colaterais.

Para alcançar estes objetivos, a investigação detalhada das variáveis permite a compreensão funcional do caso que, de acordo com Silvares (2000), envolve consideração de dois tipos de análise funcional: a microscópica, que é a busca pelos determinantes do comportamento atual, e a macroscópica, que visa descrever a interação do comportamento problemático que está inserido em um determinado contexto, com os demais comportamentos que são emitidos nos diversos ambientes nos quais o cliente se relaciona.

A fim de identificar tais variáveis, a relação terapêutica também tem sido investigada, já que pode ser considerada como uma amostra significativa da interação que o cliente desenvolve em outros ambientes. É importante para a adesão ao tratamento, pois o problema presente no cotidiano provavelmente se manifestará no contato com o psicólogo e, então, a partir da interação no contexto clínico, torna-se possível aprender formas mais efetivas de respostas (Meyer & Vermes, 2001). De acordo com Kohlenberg & Tsai (2001, p. 27), observar os comportamentos clinicamente relevantes que têm trazido problemas aos clientes é o "coração da FAP (Functional Analytic Psychotherapy)."

Kohlenberg & Tsai (1978 citado por Meyer & Vermes, 2001) elaboraram uma proposta sistematizada para aplicação da FAP na clínica, contendo alguns ajustes propostos por Conte & Brandão (1999) visando à adaptação para que fosse viável o atendimento a crianças e adolescentes.

Segundo Conte & Regra (2000), o terapeuta deve desenvolver as seguintes habilidades: apresentar comportamentos empáticos, os quais demonstram respeito pelo cliente, já que o mesmo é assegurado sobre o sigilo e é tratado em linguagem adequada ao seu padrão verbal -, sendo ouvido no estabelecimento de quais comportamentos dele e dos outros devem mudar, a fim de fazê-lo sentir-se melhor; a diretividade, que é caracterizada pelo encorajamento a enfrentar situações difíceis, ou seja, minimizar respostas de fugaesquiva, prescrever tarefas para semana, que são elaboradas junto à criança, além de determinar limites pelo estabelecimento de quais atividades podem ser realizadas, a fim de que o cliente não se envolva em ações que não atendam aos objetivos terapêuticos. As autoras dizem ainda que é necessário desenvolver:

a) pleno repertório de estratégias lúdicas; b) autoconhecimento; c) habilidade de conciliar necessidades dos pais, da criança, observar, relatar, sintetizar (compor), analisar (decompor), discriminar e responder, modelar suas reações aos objetivos do cliente, clarificar seus objetivos, avaliar o progresso [...], fazer os confrontos necessários sem provocar esquiva da terapia por parte dos pais ou da criança, ser capaz de estabelecer uma relação de honestidade e confiança com a criança e os pais (Conte & Regra, 2000, p. 128).

Além da qualidade da relação terapêutica, Torós (2001) afirma que é necessário dominar princípios da aprendizagem (comportamento operante e respondente) e da aprendizagem social. É enriquecedor ainda possuir conhecimentos gerais - medicina, neurofisiologia, sociologia, ciência, política. Afinal, o psicólogo é um profissional que trabalha inserido num contexto político-econômico-social, o qual influencia, significativamente, o seu comportamento e o de seus clientes.

O objetivo principal do presente estudo foi investigar quais são as habilidades e conhecimentos que o psicólogo clínico da abordagem comportamental deve adquirir a fim de instalar, manter e generalizar comportamentos adaptativos ao atuar junto a crianças, e identificar a noção de fantasiar na abordagem comportamental.

Também objetivou avaliar a importância do comportamento de fantasiar como recurso que possibilita o acesso a comportamentos abertos e encobertos e eventos ambientais, auxiliando a compreensão funcional e intervenção. Além disso, a investigação teve a finalidade de comparar se as informações obtidas através de entrevistas confirmam as informações encontradas na literatura especializada.

 

Método

Participantes: quatro terapeutas do sexo feminino que atuam em clínica infantil participaram do estudo. A amostra foi selecionada a partir de um universo de dez terapeutas, as quais foram contatadas previamente. Destas, apenas seis possuíam experiência no atendimento com crianças. Ao longo das seções de Resultados e Discussão, por questões éticas, as entrevistadas serão tratadas por uma sigla: P1 pertencia à abordagem comportamental (assim designada por se tratar da entrevistapiloto, a qual foi englobada nos dados por não apresentar falhas no procedimento de aplicação da técnica de coleta de dados); E2 e E3 também eram da abordagem comportamental, enquanto E1 designava-se como terapeuta cognitivo–comportamental.

Como terapeutas, as entrevistadas pos-suíam, em média, o tempo de 7,5 anos (P1); 2 anos (E1); 5 anos (E2); 7,5 anos (E3).

Local: a coleta de informações ocorreu nos consultórios em que as terapeutas atuavam.

Instrumentos e técnicas: utilizou-se, como técnica, a entrevista semi-estruturada, contendo quatro questões fechadas e dez abertas. Para as participantes P1 e E1, as entrevistas foram gravadas com as devidas autorizações. E2 e E3, em função do pouco tempo de que dispunham, preferiram responder por escrito às questões, devolvendo-as posteriormente.

Procedimentos : posteriormente à aprovação pelo Comitê de Ética do projeto de pesquisa e ao fornecimento, pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP-10), da lista de dez psicólogos clínicos da abordagem comportamental, contataram-se os mesmos. Destes, somente quatro atuavam junto a crianças e apresentavam disponibilidade de tempo para participar da investigação.

Forneceram-se, a cada participante, informações gerais sobre os objetivos do estudo, relevância, sigilo ético, informações a serem prestadas e outras informações contidas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Posteriormente a esta etapa, agendaram-se com P1 e E1 entrevistas individuais. Após as entrevistas, procedeu-se à transcrição de cada uma delas. As transcrições foram entregues às entrevistadas, a fim de que estas verificas-sem se haveria necessidade de alteração no conteúdo. Apenas P1 modificou partes de seu relato.

Quanto a E2 e E3, após a leitura e assinatura do TCLE, conforme já esclare-cido, estas responderam, por escrito, ao roteiro de questões.

Os dados obtidos foram organizados em quadros-síntese e analisados com base na literatura exposta na Introdução deste relato.

 

Resultados e Discussão

A seguir, serão apresentados quadros-síntese contendo os aspectos principais das informações fornecidas pelas participantes. Estes quadros permitem a visualização das respostas de cada terapeu-ta e, ao mesmo tempo, fornecem base de comparação entre as falas das participantes. Optou-se por apresentar os quadros, seguidos de descrição breve e discussão, a fim de tornar mais dinâmica a relação entre dados obtidos e interpretação feita.

A pergunta temática 2 (“No trabalho com crianças você utiliza o fantasiar?”), foi respondida afirmativamente por todas as entrevistadas, não constando, portanto, em forma de quadro. A literatura não fornece uma alternativa para o trabalho com crianças que não seja utilizando o fantasiar, pois Conte & Regra (2000) afirmam que, se o cliente encontra dificuldades para se empenhar neste tipo de comportamento, faz-se necessário desenvolver, primeiramente, um trabalho para que isto aconteça.

O Quadro 1 apresenta as respostas das entrevistas à pergunta temática 3 (“Como você define o fantasiar?”). P1 e E3 mencionaram o fantasiar como evento privado, e E2 disse que é um instrumento que possibilita a discriminação de comportamentos abertos e encobertos. Apesar de a resposta das duas participantes enfatizar os eventos privados, as mesmas, em outros momentos de suas entrevistas, informaram que concebem como importan-te “[...]tanto o que é externo como o que é interno, mas não se explica o comportamen-to...usando proposições mentalistas...[o sentimento] não é utilizado para isto, e sim dentro de uma cadeia comportamental” (P1), e E3 expressou que considera a análise funcional necessária. E1 não respondeu à questão e disse que fantasiar é um meio inato para superar dificuldades, o que contradiz Conte & Regra (2000), que, embora não questionem se este comportamento é natural, expõem os possíveis determinantes de sua ocorrência ou não. A fala de E1 está de acordo com Goleman (1995), que concebe a simples emissão de tal comportamento como um recurso terapêutico, sendo que o questionamento proposto por Silvares (2000) refere-se à eficácia deste comportamento, e não à sua finalidade, que é tentar levar ao sentimento de segurança, por meio da repetição, em ambiente tranqüilo, de uma situação desagradável.

 

 

Conforme visto no Quadro 2, P1 considerou que o fantasiar é motivador e possibilita o vínculo terapêutico; já para E1, é uma forma de expressar o que acontece em seu ambiente. E2 afirmou que ajuda, tanto o terapeuta a ter acesso a contingências e a repercussão destas, quanto a criança a expressar sentimentos. E3 ressaltou um aspecto não citado em nenhum momento das outras entrevistas, mencionando o fato de a criança conseguir fazer equivalência de estímulos “com pessoas de sua família, escola ou amizade”.

 

 

Segundo Kohlenberg & Tsai (2001), estabelecer o vínculo terapêutico é funda-mental para atingir os objetivos propostos, já que o cliente passa a emitir os comportamentos clinicamente relevantes e, então, é possível observar que mudanças precisam ser efetivadas.

Para Regra (1999), o cliente poderia mostrar, por meio das personagens, comportamentos que não relata em sessão a fim de evitar punição. Por outro lado, o fantasiar pode ser útil em função de poder ser utilizado também com clientes que realizam descrições predominantemente topográficas e não sabem como expressar claramente os encobertos. Os clientes falariam dos comportamentos abertos e encobertos, sendo auxiliados pelo terapeuta a relacioná-los com as contingências ambientais.

Em relação às habilidades e conhecimentos necessários para utilizar o fantasiar (Quadro 3), todas as entrevistadas citaram a importância do embasamento teórico. Somente P1 falou sobre gostar de crianças; apenas E2 apontou que a criança não deve ser vista como simples prolongamento dos pais, sendo, portanto fundamental, de acordo com Silvares (2000), que as possíveis regras que estejam tornando o comportamento insensível às contingências sejam trabalhadas direta-mente com a criança para que esta teste se há relação com o presente. Além disso, como ensina Otero (1989), também é indispensável a participação dos familiares, pois se devem discutir questões relativas a práticas educativas; E3 diferenciou sua resposta das demais, ao mencionar que, em relação à teoria, são necessários conhecimentos de equivalência de estímulos e algumas habilidades terapêuticas, citadas por Conte & Regra (2000).

 

 

As entrevistadas foram unânimes em dizer que consideram os eventos privados e públicos importantes (ver Quadro 4). P1 afirmou que apenas os encobertos não devem ser entendidos como explicação para os comportamentos abertos, apresentando opinião, de acordo com Skinner (1989), de que quaisquer comportamentos têm a mesma natureza, mudando apenas o acesso (público ou privado). E2 mencionou que a terapia comportamental infantil é diferente da modificação do comportamento. Conte & Regra (2000) explicam que, atualmente, consideram-se as variáveis de contexto além dos estímulos imediatamente antecedentes e conseqüentes, ou seja, a terapeuta considerou a análise funcional miscroscópica e macroscópica. E3 expressou que utiliza os dados, tanto abertos quanto relatos de encobertos, para formular hipóteses. Portanto, os encobertos devem ser entendidos como fazendo parte de uma cadeia comportamental, e não como a causa última dos comportamentos.

 

 

Em relação à realização da análise funcional, conforme visto no Quadro 5, P1 considerou que é necessário abranger, além de eventos antecedentes e conseqüentes atuais, a história de vida do indivíduo. E1 falou que deve ser feita análise sobre o fantasiar que estaria sendo disfuncional para a criança, e o que o está mantendo. E2 verbalizou compreender que o fantasiar deve ser analisado de acordo com princípios teóricos e metodológicos da Análise do Comportamento, não diferindo, portanto, de quaisquer outros comportamentos, o que está de acordo com o exposto por Silvares (2000) sobre a necessidade de utilizar estratégias diversificadas para realizar a análise e intervenção. E3 disse que é necessário levantar hipóteses que possibilitem compreender a instalação e manutenção para intervir da melhor forma. Mais uma vez, a participação dos pais é ressaltada (E3), a fim de promover mudanças ambientais.

Em relação à questão 9 (“Descreva uma situação de atendimento em que o fantasiar tenha acontecido”), P1 relatou como adaptou sua intervenção de acordo com o modelo fornecido por Oaklander (1980), fazendo inquérito sobre um desenho, por exemplo. Nesse procedimento destacase a inferência da terapeuta acerca dos sentimentos da cliente, sobre a qual diz que “[...] como uma roseira, ninguém cuida dela quando, na realidade, ela está se sentindo de lado”. Esta percepção foi possível devido ao uso da metáfora como recurso de análise que facilita o entendimento das semelhan-ças entre as propriedades dos eventos. E1 descreveu a aplicação da dessensibilização sistemática, sendo que uma criança por ela atendida participou na confecção de materiais para produzir a “chuva”, o que está de acordo com a sugestão de Regra (2001), de que o cliente participe da elaboração do plano terapêutico.

 

 

Ainda nesta questão, a entrevistada E2 descreveu o relato do cliente sobre o que fantasiou, investigou a semelhança entre o objeto imaginado (um urso de pelúcia) e a criança, sendo tal comparação um tato metafórico, o que facilita o acesso a eventos públicos e privados. A intervenção está de acordo com a sugestão de Nalin-Regra (1993) a respeito do método de coleta de informações sobre as contingências de reforçamento. No entanto, a psicóloga não falou se procurou saber em que circunstâncias, com que pessoas, o cliente seria tratado semelhantemente ao objeto imaginado.

 

Considerações Finais

Segundo os relatos de intervenção, é possível afirmar que, na prática clínica, o fantasiar é um recurso que o psicólogo da abordagem comportamental pode utilizar ao trabalhar com crianças, já que motiva a emissão de comportamentos publicamente observáveis e o relato verbal de eventos privados. Apesar disso, a literatura ainda não apresenta uma definição precisa do termo fantasiar e/ou fantasia.

Em relação às habilidades e conhecimentos, as entrevistadas corroboraram a literatura, no que diz respeito à importância do conhecimento teórico, aplicação de técnicas da aprendizagem, realização da análise funcional, desenvolvimento de repertório lúdico e demonstra-ção de empatia.

As falas possibilitaram realizar a comparação com as informações fornecidas pela literatura e considera-se que não houve discrepância, pois, a importância do fan-tasiar foi identificada a partir de suas possibilidades: acesso a contingências relevantes, emoções, regras e auto-regras, além de ajudar a estabelecer o vínculo terapeutacliente.

Deste modo, as entrevistadas não apresentaram uma concepção mentalista e, mesmo E1, ao falar de fantasia como processo que ajuda a canalizar emoções ou meio de fuga de situações desagradáveis que necessitaria de intervenção, a fim de levar a criança a entrar mais em contato com a realidade, enfrentando-a -, considerou a importância de realizar análise funcional do fantasiar. Porém, E1 afirma que a finalidade desta análise seria verificar quando e de que maneira ocorre a fantasia, e não avaliar a relação entre o relato verbal do cliente e as contingências, ou seja, a entrevistada aborda o fantasiar como problemático em si mesmo, já que levaria a criança ao distanciamento do sofrimento.

Considera-se válido que, futuramente, o estudo aqui apresentado seja replicado, desta vez com um maior número de terapeutas analítico-comportamentais, a fim de que se possa elaborar um conceito mais preciso de fantasiar. Outra possibilidade seria a investigar a definição do conceito de fantasiar em outras abordagens psicológicas para operacionalizá-lo de acordo com os princípios da Análise do Comportamento.

Sugere-se que, em futuras pesquisas acerca do fantasiar, investigue-se como este recurso pode ser aplicado em outros contextos como o escolar e o jurídico, uma vez que, no primeiro caso, o psicólogo realiza, junto aos alunos, oficinas que geralmente envolvem atividades lúdicas. E, no segundo caso, em determinadas situações de conflitos familiares, as crianças são ouvidas por perito, e o relato é fa-cilmente influenciado por ameaça, chantagens e promessas de um dos genitores ou ambos. Através do fantasiar, supõe-se que o relato seria mais fidedigno, auxiliando o estudo da situação.

Em relação ao contexto clínico, considera-se que seria enriquecedora a realização de pesquisas sobre as peculiaridades do trabalho com grupo de crianças, haja vista a escassez de literatura analíticocomportamental a este respeito. Também é relevante investigar a atuação do psicólogo junto a clientes que apresentam necessidades especiais, pois é interessante conhecer como outras formas de comunicação são utilizadas com crianças surdas ou mudas, por exemplo, a fim de levá-las, durante o fantasiar, a expressar quais variáveis exercem controle sobre os seus comportamentos. Outro fato sobre a terapia de crianças refere-se à dificuldade em encontrar textos ou livros que relatem a intervenção utilizando recursos diversificados. Embora Silvares (2000) mencione inúmeras atividades que podem ser realizadas com crianças, o que também está de acordo com os relatos das psicólogas entrevistadas, a maioria das experiências divulgadas em meios científicos diz respeito ao trabalho com desenho. Na literatura consultada, apenas um trabalho (Conte, 1999) apresenta o recorte de uma sessão utilizando argila, e um texto de Regra (2001) descreve o atendimento em forma de brincar de faz-de-conta. Vasconcelos e colaboradores (2006), numa análise das contingências presentes nas histórias infantis, asseveram que estas possibilitam a discussão de temas variados. A reflexão acerca dos comportamentos dos personagens em diferentes situações possibilita o exercício da solução de problemas. Os autores sugerem que se estimule a criança a fantasiar alternativas para os comportamentos inapropriados dos personagens.

A continuação de estudos como os sugeridos acima, bem como a ampliação da amostra no presente estudo, poderão ampliar nosso entendimento acerca da utilização de recursos e técnicas que possibilitem o acesso à história de contingências do cliente e, portanto, uma intervenção terapêutica mais eficaz.

 

 

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Recebido em: 09/05/2006
Primeira decisão editorial em: 02/11/2006
Versão final em: 02/10/2007
Aceito em: 03/08/2007

 

 

1 Psicóloga pela Universidade da Amazônia, mestranda em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará. E-mail: gabriellahaber@gmail.com
2 Psicólogo, Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, Professor Titular do Curso de Psicologia da Universidade da Amazônia. E-mail: carmojs@unama.br
3 Os autores agradecem ao Prof. Dr. Marcelo Quintino Galvão Baptista (UFPA, Departamento de Psicologia Experimental) pelas sugestões apresentadas ao texto.
4 Regra utiliza o termo fantasia na mesma acepção em que utilizamos, no presente texto, o termo fantasiar.
5 A autora cita o DSM-III-R, por ser a versão em vigor à época de seu estudo.