Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.11 no.2 São Paulo dez. 2009
ARTIGOS
O efeito de contingências de reforçamento programadas sobre o relato de eventos privados
The effect of programmed contingencies of reinforcement on private events report
Luciano de Sousa Cunha1,2,I,II; Elizeu Batista Borloti3,I
I Universidade Federal do Espirito Santo
II Associação Educacional de Vitória
RESUMO
Este experimento investigou o controle de contingências programadas sobre eventos privados do tipo sentir, empregando um procedimento que eliciou tais eventos e evocou o tacto dos mesmos, elucidando como as contingências de reforçamento programadas se relacionam com tactos de eventos privados. Participaram 20 estudantes, de ambos os sexos (11-14 anos) que executaram tarefas do software Psychotacto2.0. O software simulou quatro contingências básicas (reforço e punição, positiva e negativa) coletando relatos verbais sobre sentimentos em cada contingência. Resultados: Em cada fase, predominaram os relatos: Reforçamento Positivo: contentamento, ansiedade, satisfação e alegria; Punição Negativa: frustração, desapontamento, tristeza e apreensão; Punição Positiva: raiva, aborrecimento, ansiedade, apreensão e medo; Reforçamento Negativo: ansiedade, apreensão e alívio. Conclui-se que a exposição às contingências pode eliciar eventos privados do tipo sentir e produzir tactos que coincidem em grande parte com os tactos esperados em cada contingência, de acordo com análises teóricas dos estudos em Análise do Comportamento.
Palavras-chave: Análise do comportamento; Tacto de eventos privados; Contingências programadas; Software.
ABSTRACT
The aim of this experiment was to investigate the control of programmed contingencies on private events (feelings), using a procedure that caused those events and evoked the tact of them (feelings), explaining how programmed contingencies of reinforcement are linked with the tacts of private events. Twenty students (both sex aged between 11 and 14 years old) executed the assignments from the software PsychoTacto 2.0. The software simulated four basic contingencies (positive and negative reinforcement, positive and negative punishment), and at the end of each step the students told what they felt. Answers were measured. Results: In each phase predominated reports: Positive Reinforcement: contentment, anxiety, satisfaction and joy reports. Negative Punishment: frustration, disappointment, sadness and apprehension reports. Positive Punishment: anger, disgust, anxiety, apprehension and fear. Negative Reinforcement: anxiety, apprehension and relief. It follows that data indicate that the exhibition to contingencies can eliciate private events (feelings) and produce tacts of them, according to theoretical analysis of Behavior Analysis studies.
Keywords: Behavior analysis; Tact of private events; Programmed contingencies; Software.
Psicólogos, por influência dos filósofos, têm se voltado para dentro de si próprios em busca de explicações sobre seus comportamentos. Pode-se dizer que a busca pelo autoconhecimento se origina da idéia de que o homem é constituído por uma substância física, corpórea e outra imaterial, transcendental ou mental e é a partir dessa dicotomia físico-mental que as emoções merecem destaque, à medida que a Psicologia pode ser interpretada como um campo de saber que, segundo Tourinho (2003), aborda certos conjuntos de problemas historicamente constituídos, que dizem respeito, em geral, a sentimentos, pensamentos e emoções.
No entanto, a dicotomia físico- mental foi rejeitada por Skinner (1945) quando ele se propôs a discutir a natureza das emoções, não se limitando, portanto, aos fenômenos que são publicamente e consensualmente observáveis, como o fez Watson e os positivistas lógicos.
Desta forma, Skinner classifica as emoções como eventos privados, tema discutido em vários de seus trabalhos (e.g. 1945, 1953/2003a, 1963/1969, 1968/2003b, 1974/2003c). Para Skinner (1945), eventos privados são aqueles eventos inacessíveis à observação pública direta e a partir de então, analistas do comportamento têm usado o termo para referirem-se a sentimentos, pensamentos, emoções, cognições, sensações, memória, sonhos, etc. Em outro de seus escritos posteriores, Skinner (1969/1984; 1971) reafirmou que seria tolice negar a existência de um mundo privado, mas que também seria tolice afirmar que, por ser privado, ele teria uma natureza diferente da do mundo público.
Portanto, as emoções são entendidas como relações comportamentais, sujeitas às mesmas leis e princípios que outros comportamentos operantes e respondentes.
(...) ao se voltar para os determinantes externos do comportamento, a Análise do Comportamento evidenciou progresso significativo na compreensão do fenômeno comportamental. Isso sugere que um progresso científico na direção de uma maior capacidade de previsão e produção do comportamento pode independer da análise do que eventualmente esteja ocorrendo no interior de cada um. (Tourinho, 1995/2001, pág.176)
A partir dessa discussão, alguns autores (Tourinho, 2006a; 2006b; 2009; Kantor & Smith, 1975) ressaltam que, enquanto fenômenos psicológicos ou comportamentais, emoções podem ser abordadas como relações. Condições anatomofisiológicas não definem esses fenômenos e em certas circunstâncias analíticas podem, inclusive, ser ignoradas, uma vez que é importante olhar para os três níveis de variação e seleção do comportamento (filogenética, ontogenética e cultural) envolvidos nessas relações. Desta forma, segundo Tourinho (2009), embora seja possível dizer que emoções e sentimentos têm uma base filogenética, a história ambiental de um indivíduo produzirá um conjunto de relações entrelaçadas que vão muito além daquela determinação.
Tourinho (2009) afirma que os eventos privados receberam pouca atenção da comunidade de analistas do comportamento até pelo menos a década de 1990 (Cf. Anderson, Hawkins, Freeman & Scotti, 2000; Anderson, Hawkins & Scotti, 1997; Banaco, 1999; Dougher, 1993a, 1993b, 1994, 2000; Dougher & Hackbert, 2000; Friman, Hayes & Wilson, 1998; Moore, 2000; Wilson & Hayes, 2000). Para ele:
Alguma atenção mais sistemática passou a ser dada ao assunto apenas quando analistas do comportamento com atuação clínica afirmaram a necessidade de resgatar, nesse campo da prática psicológica, os princípios analítico-comportamentais e assinalaram que, na terapia verbal face a face, o assunto eventos privados é recorrente e demanda um tratamento mais avançado do que aquele delineado nos escritos de Skinner. (Tourinho, 2009, p.21)
Assim, pode-se afirmar que, de acordo com Simonassi, Tourinho & Silva, (2001), e como mencionado anterior- mente, estudos sobre eventos privados têm sido escassos na literatura da Análise do Comportamento, a despeito da importância do tema e do esforço interpretativo de Skinner.
No final da década de 80, Skinner (1989/2003d) defendeu a relevância de uma análise funcional do comportamento operante relatar eventos privados (pensamentos ou sentimentos). O relato ainda continua sendo uma via de acesso ao como as pessoas se sentem e isto é, geralmente, tão importante quanto o que elas fazem. (Skinner, 1989/2003d, p.3). Na visão de Skinner, a via de acesso mais freqüente do pesquisador às emoções (dado seu caráter privado) seria perguntar às pessoas o que elas estão sentindo ou pensando (ou o que sentiram ou pensaram). A partir desse relato, seria possível inferir algo sobre o impacto das suas histórias (filogenética, ontogenética e cultural) naquilo que sentem.
Lidando com esta limitação de acesso direto ao sentir ou ao pensar, algumas estratégias metodológicas foram empregadas na análise desses eventos (por exemplo, Lubinsky & Thompson, 1987; Hayes, White & Bisset, 1998; Simonassi, Tourinho & Silva, 2001). O presente trabalho se inclui neste grupo de investigações ao produzir e discutir dados experimentais acerca do comportamento verbal tacto sob controle dos estímulos privados do tipo sentir (Baum, 1999) que acompanham o comportamento operante no desempenho diante de um software. O instrumento foi elaborado especialmente para o estudo de relatos verbais acerca de eventos privados do tipo sentir eliciados por diferentes contingências de reforçamento.
O objetivo deste estudo foi investigar o controle de contingências programadas sobre eventos privados do tipo sentir, empregando um procedimento que eliciou tais eventos e evocou o tacto dos mesmos (sentimentos) de modo a elucidar como as contingências de reforçamento programadas no software se relacionam com os tactos dos eventos privados do tipo sentir.
No caso dos eventos privados do tipo sentir, torna-se necessária uma distinção entre o que é sentido e o que é relatado como sentimento (Abib, 1982; Cunha & Borloti, 2005).
Aquilo que é sentido é uma condição corporal e não é uma causa inicial ou iniciadora (Skinner, 1989/2003d, p.15) do comportamento. Como um evento privado, o sentido é outro produto da relação ambiente-organismo, ou seja, outro produto das contingências que atuam sobre o comportamento e também sobre o funcionamento fisiológico do organismo em sua totalidade. Como um produto, pode ser concomitante, paralelo ou contíguo ao comportamento, tornando o aspecto temporal irrelevante. Entretanto, este aspecto temporal tem conduzido leigos e alguns teóricos a confundirem o que se sente ao agir com causa da ação.
O que é sentido pode ser interpretado como um comportamento respondente, eliciado por uma determinada contingência presente na história de vida, imbricada numa história filogenética e cultural. No entanto, sua análise não termina aí. Tourinho (2006a, 2006b) acrescenta que o sentido pode passar a ter uma função discriminativa para uma resposta verbal, e que, por esta razão, não é apenas uma condição corporal qualquer. Além de adquirir essa função, o sentido pode alterar a função discriminativa de certos estímulos aos operantes a ele relacionados.
É assim que emerge o que será definido como sentimento: o sentido passa a ser experimentado sob controle das contingências experimentadas no contexto e sob controle das contingências verbais mantidas por uma comunidade, ou seja, o sujeito é exposto a uma contingência que é responsável por eliciar o estado corporal, e pode relatar qual é esse estado diante de uma audiência, que controla as especificidades do relato. O sentido é discriminado, ou experimentado corporalmente, e nomeado como um sentimento.
Devido à interação entre os três níveis de variação e seleção, a discussão sobre eventos privados aparece sempre mesclada à discussão dos processos verbais que se dão no contato entre a pessoa que sente e a sua comunidade verbal. Portanto, a compreensão do sentimento depende da compreensão das relações verbais envolvidas na discriminação do sentido.
Skinner (1957/1978) apresentou o conceito de comportamento verbal diferenciando-o do comportamento não verbal. As diferenças apontadas por ele foram discutidas em detalhes por Catania (1986) e a principal delas diz respeito ao fato de o comportamento verbal afetar o ambiente físico somente pela mediação de outro repertório (de outra pessoa ou do próprio falante) especialmente treinado pela cultura. Assim, os operantes verbais agem indiretamente sobre o ambiente físico, já que sua conseqüência definidora é dada por esse outro repertório mediador (genericamente chamado de ouvinte). Essa mediação confere o caráter social do comportamento verbal, especialmente daquele relacionado à função discriminativa dos eventos privados, uma vez que só quando o mundo privado de uma pessoa se torna importante para as demais é que ele se torna importante para ela própria (Skinner, 1974/2003c, p.31).
Apesar das propriedades dinâmicas (relacionadas à mediação intercambiável das funções de falante e ouvinte) e topográficas (relacionadas às propriedades formais da resposta verbal motora ou vocal: movimento, velocidade, intensidade, por exemplo) que fizeram com que Skinner (1957/1978) conferisse um status especial ao comportamento verbal, o termo refere um comportamento modelado e mantido da mesma forma que o não verbal: por um controle de estímulos antecedentes e conseqüentes (Skinner, 1957/1978). Quando sob controle de discriminativos não verbais presentes na hora ou pouco antes da resposta, o comportamento verbal é um tipo de tacto:
um operante verbal, no qual uma resposta de certa forma é evocada (ou pelo menos reforçada) por um objeto particular ou um acontecimento ou propriedade do objeto ou acontecimento. Explicamos a força mostrando que na presença desse objeto ou acontecimento tal resposta é caracteristicamente reforçada em determinada comunidade verba. (Skinner, 1957/1978, p.108).
De Rose (1995/2001) explicita que a característica do tacto é, portanto, o controle singular que algum aspecto do mundo exerce sobre a forma da resposta. Em um experimento, por exemplo, quando o evento que controla o tacto é público, ele pode ser compartilhado pelo participante e pelo experimentador, mas quando tais eventos são privados, não é isto o que ocorre. Nessas situações, o experimentador precisa pedir que o participante fale sobre os mesmos (De Rose, 1995/2001) e reforçar de modo generalizado o relato, dando atenção ao que for relatado (é evidente que a pergunta do experimentador é um mando-questão que estabelece uma condição minimamente aversiva, cuja cessação é uma consequência específica que controla de modo concomitante o responder; entretanto, em geral, nesse caso, a relação de mando não é preponderante). Assim, ao falar, o participante fica sob controle do sentido (um estímulo privado com função discriminativa) e da conseqüência generalizada do tacto do sentido a partir de um nome de sentimento.
O sentimento propriamente dito, então, ao mesmo tempo em que está sob o controle de estímulos discriminativos não verbais (o sentido e o ouvinte) e reforçadores generalizados (atenção), configurando uma relação de tacto. Por esta razão há uma diferenciação das tarefas do fisiologista e do analista do comportamento nesse campo de estudo: tanto as condições sentidas quanto o que é feito ao senti-las deve ser confiado ao fisiologista. O que fica para o analista comportamental são as histórias genética e pessoal responsáveis pelas condições que o fisiologista descobrirá (Skinner, 1989/2003d, p.24). Essas histórias ditam que no estudo experimental dos sentimentos deve-se focar 1) as contingências que controlam o sentido e 2) as contingências verbais que controlam o relato do sentido como uma relação de tacto (Skinner, 1989/2003d). Estes dois focos diferem a abordagem comportamental do sentimento das abordagens tradicionais (Tourinho, 2006b), pois essas últimas têm uma visão internalista do sentimento ao passo que a abordagem comportamental olha para o contexto do ambiente genético e pessoal responsável pelo sentido e pelo sentimento (Tourinho, 1995/2001). No behaviorismo radical, as relações funcionais entre as contingências e os processos respondentes do sentir e os processos operantes do relatar o sentir ou do emitir outra ação antes, durante ou após o sentir são aquelas que devem ser buscadas para explicar esses processos interrelacionados. Ao focar as contingências,
(...) a Análise do Comportamento evidenciou progresso significativo na compreensão do fenômeno comportamental. Isso sugere que um progresso científico na direção de uma maior capacidade de previsão e produção do comportamento pode independer da análise do que eventualmente esteja ocorrendo no interior de cada um. (Tourinho, 1995/2001, pág.176)
Alguns autores (C.f. Engelmann, 1978; Borloti, Fonseca, Charpinel & Lira, 2009) citam que esta previsão e produção do comportamento deve levar em conta o ambiente cultural que mantém as contingências verbais que controlam o tacto do sentido já que o vocabulário das línguas naturais compreende um grande número de nomes de sentimentos
A importância cultural do conhecimento alheio sobre eventos privados (por exemplo, na educação de crianças, na resolução de problema ou na psicoterapia) permitiu que vários autores (Holland & Skinner, 1961/1973; Millenson, 1967/1973; Skinner, 1974/2003c; Skinner, 1989/2003d; Lubinsky & Thompson, 1987; Hayes, Jacobsom, Follette & Dougher, 1994; Banaco, 1999; Simonassi, et al. 2001, dentre outros) discutissem as relações entre tactos e contingências específicas. Todos afirmam que diferentes contingências de reforçamento controlam diferentes sentidos (respondentes) e diferentes tactos (operantes).
Entretanto, apesar desta diversidade verbal, Cunha, Chequer, Martinelli & Borloti (2005) catalogaram da produção científica de vários analistas de comportamento os principais nomes de sentimentos produzidos em cada uma das quatro contingências básicas: reforçamento (positivo e negativo) e punição (positiva e negativa). Da descrição dos autores se conclui que os operantes fé, confiança, segurança, interesse, ambição, determinação, obstinação, perseverança, excitação, entusiasmo, dedicação, compulsão (Skinner, 1974/2003c), alegria, prazer, satisfação (Skinner, 1989/2003d), elação e êxtase (Millenson, 1967/1973) parecem estar relacionados à contingência de reforçamento postitivo. Em contrapartida, frustração (Holland & Skinner, 1961/1973), depressão, incerteza, desapontamento, impotência, desencorajamento, inibição, timidez, embaraço (Skinner, 1974/2003c), tristeza (Hayes et al., 1994; Banaco, 1999), alívio, sossego e calma (Banaco, 1999) parecem estar relacionados à contingência de punição negativa
Ansiedade (Hayes, et al., 1994), vergonha, culpa (Skinner, 1974/2003c), raiva (Banaco, 1999), medo (Holland & Skinner, 1961/1973), cólera e aborrecimento (Millenson, 1967/1973) parecem estar relacionados à punição positiva. Em contrapartida, ansiedade, fuga, agressividade, vergonha (Skinner, 1974/2003c), terror, apreensão, alívio (Millenson, 1967/1973) e aversão (Holland & Skinner, 1961/1973) parecem estar relacionados ao processo de reforçamento negativo.
Se forem considerados como relações de tacto, os operantes acima, de certa forma, apontam a importância de se enfatizar o que é sentido como função das contingências envolvidas na sua produção. Entretanto, grande parte desta defesa como atestam as referências catalogadas pelos autores é produto de análises interpretativas em estudos conceituais ou teóricos. Supostamente, se essas contingências forem arranjadas em condições experimentais planejadas, elas possibilitarão uma análise detalhada das variáveis envolvidas na produção dos estados sentidos e do relato desses estados, bem como de outras respostas não verbais e verbais que acompanham esses estados e relatos.
Base teórica do delineamento
Na configuração do delineamento descrito adiante, considerou-se uma contingência como sendo a relação existente entre eventos comportamentais e/ou ambientais (De Souza, 1995/2001). Assim, contingência é a probabilidade de um evento ser afetado a partir da ocorrência de outro. Tal relação define operações entre respostas e estímulos (como no caso de uma resposta de tacto diante de um estímulo privado sentido).
Este experimento examinou apenas os efeitos das operações básicas de reforçamento (positivo e negativo) e punição (positiva e negativa). Catania (1998/1999) refere estes termos da seguinte maneira: um estímulo é reforçador positivo se sua apresentação aumenta o responder que o produz, ou um reforçador negativo se sua remoção aumenta o responder que o suspende ou o adia (p.418); e um estímulo é um punidor positivo, se sua apresentação reduz a probabilidade de respostas que o produzem ou um punidor negativo, se sua remoção reduz a probabilidade de respostas que o terminam (p.416).
Segundo Sidman (1989/1995), no reforçamento positivo a ação de uma pessoa é seguida pela adição, produção ou aparecimento de algo novo; algo que não estava lá antes do ato. No reforçamento negativo uma ação subtrai, remove ou elimina algo, fazendo com que uma condição ou coisa que estava lá antes do ato desapareça. Quando o comporta- mento é reforçado positivamente obtém- se algo; quando reforçado negativamente remove-se algo, foge-se ou esquiva-se de algo. Ambos os tipos de conseqüências tornam mais provável que se faça a mesma coisa outra vez. Ambos são, portanto, reforçadores.
Cada tipo de reforçamento tem uma contraparte espelhada em cada tipo de punição:
Algumas vezes fazemos coisas que terminam reforçadores positivos, algumas vezes produzimos reforçadores negativos. Estas contrapartes simétricas de reforçamento positivo e negativo constituem a punição. Punição pode, portanto, assumir uma de duas formas. Um tipo de punição confronta-nos com o término ou retirada de alguma coisa que comumente seria um reforçador positivo, o outro tipo confronta-nos com a produção de algo que normalmente seria um reforçador negativo. (Sidman, 1989/1995, p.59)
Esta definição de contrapartes informa que depois da apresentação de reforçadores positivos, sua retirada constitui a operação chamada de punição negativa; e, após a apresentação de estímulos aversivos (punição positiva), a sua retirada constitui reforçamento negativo, considerando que haja um aumento na probabilidade de emissão da classe de respostas que os eliminem. Como descrito adiante, esta definição justifica o procedimento experimental adotado neste estudo, uma vez que tais apresentações e retiradas produzem sentidos a serem discriminados e tacteados pelos participantes.
Método
Participantes
Foram selecionados 20 estudantes, com idade entre 11 e 14 anos, que cursavam o ensino fundamental em uma escola particular de Vitória-ES, em igual número em relação ao sexo. Seus responsáveis concordaram com a participação assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Instrumentos e material
As sessões experimentais foram realizadas no ambiente do laboratório de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Espírito Santo, livre de interferências externas, equipado com um computador notebook, com um processador de 2.0 Ghz, 512 Mb Ram, disco rígido de 40 Gb, monitor colorido de 15, mouse e caixas acústicas com potência de 1500 watts pmpo.
O software utilizado contém um programa específico para o estudo dos efeitos de diferentes contingências programadas sobre o comportamento verbal tacto - Psychotacto (Cunha, Chequer, Cunha, Martinelli & Borloti 2004), em sua versão 2.0. O programa é executado em ambiente Windows e apresenta janelas para o cadastramento dos dados do participante (identificação, idade, sexo, naturalidade e escolaridade). Durante o procedimento, o computador apresenta em sua tela inicial quatro estímulos similares a cartas, sendo uma localizada na parte superior central da tela (estímulo modelo) e as demais alinhadas horizontalmente, na parte inferior da tela (estímulos de comparação). À direita do estímulo modelo há um display de contagem de pontos (ou de cupons para o sorteio de cinqüenta reais, R$ 50,00, cuja função é descrita a seguir). Respostas (cliques) em uma das cartas inferiores disponibilizam na tela uma conseqüência (pontos acrescentados ou retirados do display, dependendo da contingência em vigor; e desenho de um rosto feliz ou triste), que indica se a resposta dada pelo participante está certa ou errada, respectivamente. O número de acertos e erros já está programado, e estes são randomizados, de modo a ocorrerem de acordo com a programação prévia, não dependendo do desempenho do participante.
Procedimento
Cada participante foi encaminhado ao laboratório e solicitado a sentar-se diante do computador. Após o participante ser cadastrado no programa, o procedimento iniciou-se com a seguinte instrução na tela: Você terá a sua frente uma tela de computador com 4 cartas, sendo que uma estará com seu número à mostra (carta modelo), e outras três ocultas (cartas com os números virados para baixo). Sua tarefa será tentar acertar, através de um clique com o mouse, qual das três cartas ocultas é igual à carta modelo. Ao clicar em uma das cartas, o computador irá mostrar qual era a carta clicada, informando se e sua resposta está certa ou errada e o número de cupons que você terá direito para concorrer ao sorteio de cinquenta reais. Você receberá esses cupons ao longo da tarefa, de acordo com o número exibido na parte superior direita da tela. Tente acertar o máximo possível, pois quanto mais cupons você ganhar, mais chance terá para ganhar o sorteio de cinqüenta reais. Quando a tarefa terminar você será avisado. Compreendeu? Caso seja necessário, poderá consultar o cartão que está ao seu lado. Clique em iniciar para começar a tarefa. Após ler a instrução geral, o participante clicava no botão iniciar a tarefa e, então, aparecia a tela inicial.
Cada participante ganhava cupons (que foram iguais para cada participante) para participar do sorteio de R$ 50,00 (cinquenta reais), um reforçador condicionado potencial. Portanto, o participante se comportava e, durante o desenrolar do procedimento, seus acertos e erros eram convertidos em números de cupons no display para concorrer ao sorteio do dinheiro. Critchfield, et al. (2003) verificaram que o dinheiro era um reforçador efetivo, assim como a perda de dinheiro era também um punidor efetivo, sendo esse o critério adotado para a utilização do dinheiro ao invés de outros reforçadores.
As quatro contingências (Reforçamento Positivo, Reforçamento Negativo, Punição Positiva e Punição Negativa) foram agrupadas e compuseram dois procedimentos compostos por duas fases cada: Procedimento 1) Reforçamento Positivo (fase 1) e Punição Negativa (fase 2), e Procedimento 2) Punição Positiva (fase 1) e Reforçamento Negativo (fase 2). Este agrupamento se deveu ao fato de que para se garantir que o participante seja exposto à Punição Negativa, ele deve passar por uma história de Reforçamento Positivo e, para ser exposto ao Reforçamento Negativo, deve passar por uma história de Punição Positiva (Sidman, 1989/1995). Deste modo, cada procedimento possuiu um total de cem telas, sendo cinquenta telas para cada agrupamento de contingência.
A distribuição dos reforçadores (cupons) se deu de maneira intermitente, visando evitar que o participante discriminasse que o procedimento envolvia resultados programados. Este tipo de esquema de reforçamento também foi utilizado para dificultar a discriminação da contingência em vigor por Jacobs & Hackenberg (2000).
Portanto, os acertos e erros foram variáveis controladas ao longo do procedimento a partir da programação prévia do software, na qual foi configurada uma contingência específica com esquemas específicos. Os critérios para escolha do número de acertos e erros estiveram ligados ao tipo de contingência à qual os participantes foram expostos. A contagem de cupons durante o procedimento foi cumulativa.
Os 20 participantes foram divididos em 2 grupos iguais, com 10 participantes cada, sendo 5 meninos e 5 meninas. Cada grupo foi submetido a um procedimento. No Procedimento 1, os 10 participantes clicavam, acertavam e recebiam cupons para o sorteio (Reforçamento Positivo); ou clicavam, erravam e perdiam os cupons que haviam recebido (Punição Negativa). Durante o procedimento 2 as contingências incluíram eventos que, no linguajar comum, chamamos de `irritantes´, `desconfortáveis´, `dolorosos´, `desagradáveis´, `nocivos´ e assim por diante (Millenson, 1967, p. 383). Assim, na contingência de Punição Positiva houve um ruído incômodo (som de choque com duração de três segundos no volume máximo do amplificador do equipamento, que tem potência de 1500 watts pmpo)), que foi apresentado por 3 segundos toda vez que houve a ocorrência de uma resposta errada. Na contingência de Reforçamento Negativo houve a presença do mesmo ruído, porém, esse foi contínuo até que uma resposta certa o interrompesse por 3 segundos. (Uma pergunta poderia surgir diante da utilização da punição: como manter o responder numa operação de punição, se uma das características da punição é a supressão de respostas? Uma pista da resposta é fornecida por Skinner, 1989/2003d, que diz que a programação para o responder, em um esquema de reforçamento intermitente produz a manutenção de comportamentos resistentes à extinção na ocasião em que reforçadores ocorrerem infreqüente- mente. Por isso, durante a fase na qual o participante foi exposto à punição positiva, foi usado um esquema de reforçamento intermitente de razão variável, no qual o sujeito teve acesso a reforços esporádicos).
Na metade de cada fase do procedimento, o desempenho dos participantes era interrompidos e aparecia na tela uma mensagem na qual se lia Você está na metade da tarefa. Agora responda, qual dos sentimentos corresponde mais precisamente ao que você sentiu durante esta primeira metade da tarefa? Clique na opção que melhor representa sua resposta. Ao final do experimento o participante também respondia uma pergunta semelhante: Você terminou a tarefa. Agora responda, qual dos sentimentos abaixo corresponde precisamente ao que você sentiu durante esta segunda metade da tarefa?. Junto com essa mensagem, tanto na metade quanto no final dos procedimentos, a tela disponibilizou uma questão de múltipla escolha com doze (12) opções de respostas de nomes de sentimentos para que o participante escolhesse uma opção e a assinalasse com um x. As perguntas foram feitas na metade e após cada procedimento para aumentar a validade do relato, a partir da afirmação de Engelmann (1978) e Kritch & Bostow (1993): quanto maior a proximidade temporal entre o relato e o sentido, maior a probabilidade de o participante emitir um relato fidedigno (ou com maior correspondência com o sentido).
As opções disponíveis para os participantes foram: Alegria, Satisfação, Contentamento, Frustração, Desapontamento, Tristeza, Medo, Raiva, Aborrecimento, Ansiedade, Apreensão e Alívio. Tais opções descrevem os principais e mais típicos estados corporais supostamente eliciados por cada contingência, conforme catalogação dos principais nomes de sentimentos produzidos em cada uma das quatro contingências básicas citada anteriormente. As opções de resposta foram definidas a partir dessa catalogação e dos resultados de um estudo piloto com pessoas da mesma idade e grupo social dos participantes, de modo a indicar respostas com maior probabilidade de reforçamento prévio por uma parte da comunidade verbal dos participantes.
Vocalizações espontâneas dos participantes também foram registradas, de modo a possibilitar ao experimentador inferir algo sobre a história prévia do participante ou sobre intensidade da contingência a qual o mesmo estava sendo exposto.
Resultados e discussão
Na Figura 2, verifica-se a freqüência absoluta e relativa dos relatos de sentimentos dos participantes em cada contingência.
A partir das informações contidas na Figura 2, pode-se perceber que os participantes expostos ao Procedimento 1 (N=10), após a fase Reforçamento Positivo, relataram que durante essa fase sentiram contentamento (N=3, 30%), ansiedade (N=3, 30%), satisfação (N=2, 20%) e alegria (N=2, 20%). Por outro lado, quando expostos à fase Punição Negativa do mesmo Procedimento 1, relataram que sentiram frustração (N=5, 50%), desapontamento (N=2, 20%), tristeza (N=2, 20%) e apreensão (N=1,10%).
Já os participantes expostos ao Procedimento 2 (N=10), durante a fase Punição Positiva, relataram que sentiram raiva (N=3, 30%), aborrecimento (N=2, 20%), ansiedade (N=2, 20%), apreensão (N=2, 20%) e medo (N=1, 10%). Já durante a fase Reforçamento Negativo, desse mesmo Procedimento 2, os participantes relataram que sentiram ansiedade (N=4, 40%), apreensão (N=3, 30%) e alívio (N=3, 30%).
Considerando que no questionário as opções de nomes de sentimentos foram divididas em blocos, os sentimentos relatados pelos participantes foram informados na Figura 2 divididos em blocos, de acordo com a inclusão de um nome de sentimento como esperado para cada uma das quatro contingências. Considerou-se esperado um nome de sentimento relacionado a uma contingência básica, indicada na catalogação de nomes de sentimentos citada anteriormente.
Desta forma, de acordo com a Figura 2 e a divisão dos sentimentos em blocos, pode-se perceber que no Procedimento 1 fase Reforçamento Positivo os relatos de sentimentos inferidos como produtos do reforçamento positivo foram respondidos por 70% (N=7) dos participantes. Por outro lado, nessa mesma fase houve 30% (N=3) de relatos de sentimentos que estariam relacionados ao Reforçamento Negativo. Ainda durante o Procedimento 1 fase Punição Negativa, os relatos de sentimentos inferidos como produtos da punição negativa foram respondidos por 90% (N=9) dos participantes. Entretanto, nessa mesma fase houve 10% (N=1) de relatos de sentimentos convencionalmente relacionados ao Reforçamento Negativo.
No Procedimento 2 - fase Punição Positiva os sentimentos que estariam relacionados à punição positiva foram respondidos por 60% (N=6) dos participantes. Entretanto, 40% (N=4) dos participantes relataram também senti- mentos relacionados ao Reforçamento Negativo. Já no Procedimento 2 - fase Reforçamento Negativo os sentimentos que estariam relacionados ao Reforçamento Negativo foram respondidos por 100% (N=10) dos participantes.
Ao fazer uma análise dos nomes de sentimentos relatados pelos participantes podemos inferir que as contingências programadas produziram os estados corporais descritos pelos participantes, por meio do relato verbal, que se aproximou de forma correspondente aos sentimentos descritos como produto de cada uma das quatro contingências programadas nos procedimentos. De acordo com muitos dos analistas de comportamento (aqueles citados na catalogação feita por Cunha, Chequer, Martinelli & Borloti, 2005, descrita anteriormente) considera-se que, em geral, os relatos de sentimentos em cada contingência programada no software são relatos esperados, e isto pôde ser produzido nas contingências programadas.
Durante o Procedimento 2, na Fase Punição Positiva, 60% (N=6) dos participantes relataram que sentiram medo, raiva e aborrecimento, enquanto os relatos de ansiedade e apreensão tiveram frequência de 60% (N=6). Esses relatos também podem ser considerados esperados, a partir das afirmações de Millenson (1967/1973) e Sidman (1989/1995), que dizem que o uso de estimulação aversiva pode estar relacionado a esses tipos de sentimentos. Já durante a Fase Reforçamento Negativo predominaram os relatos de ansiedade, apreensão e alívio (100%; N=10), considerados esperados, o que denota que o ruído se configurou como um estímulo aversivo condicionado pareado com o erro; ou então, que esses sentimentos estiveram associados a uma sensação produzida pela remoção da estimulação aversiva.
Mesmo os relatos que tradicionalmente deveriam ser produto de outra contingência podem ser considerados esperados. Nas fases Reforçamento Positivo e Punição Negativa, por exemplo, os relatos de ansiedade e apreensão são esperados. As ocorrências desses relatos se devem ao fato de os participantes estarem em um tipo de jogo, o que pode indicar que ansiedade e apreensão se aproximam de excitação ou emoção. Há algumas explicações para isto. Skinner (1974/2003c) afirma que todos os sistemas de jogos se baseiam em esquemas de reforço intermitente, embora seus efeitos sejam geralmente atribuídos a sentimentos. Para Skinner, frequentemente, as pessoas dizem jogar pela excitação (que exerce a função de reforçador interoceptivo), mas este sentimento é entendido como um produto das contingências de reforçamento que definem o jogo. Então, de acordo com a análise de Skinner, os relatos de ansiedade e apreensão poderiam ocorrer nessas fases.
De todo modo, considerando ou não a análise funcional das respostas supostamente não esperadas, a comparação entre os relatos de sentimentos dos participantes e as descrições de sentimentos catalogadas por Cunha, Chequer, Martinelli & Borloti (2005) sugere uma considerável correspondência entre a resposta emitida pelo participante e aquelas consideradas esperadas. As respostas não esperadas podem ser consideradas como variações nos relatos esperados e podem ser interpretadas pelo que propõe Millenson (1967/1973). Segundo ele algumas emoções, aparentemente diferentes, podem ser consideradas correspondentes a diferenças na intensidade do reforçador positivo ou negativo em que estão baseadas, de acordo com a história do participante e a intensidade da contingência atual operando sobre seu comportamento. Portanto, a variação desses relatos esperados sugere que a sua emissão pode ter sido determinada por idiossincrasias da história ontogenética dos participantes, como já havia sido sugerido por Ono (2004), que demonstrou o quanto à história prévia interfere, de modo decisivo, na resposta de escolha. Por exemplo, um dos participantes, um menino de 11 anos, realizava a tarefa pensando em como o seu pai ficaria orgulhoso de seu desempenho e isto pode ter adicionado um valor potencial ao reforçador empregado. Essa história prévia também pode ter exercido controle sobre o seu comportamento de escolha quando, na fase 2, ele tentou acertar variando a ordem de sequência das cartas clicadas.
Conclusão
Pode-se concluir, a partir dos resultados apresentados, que a exposição às contingências (programadas em um software) pode eliciar eventos privados do tipo sentir e produzir tactos dos mesmos. Esses tactos coincidem em grande parte com os tactos esperados ocorrerem em cada uma das contingências, de acordo com as análises teóricas dos estudos em Análise do Comportamento.
Embora a validade desses tactos seja questionada na Análise do Comportamento, por se tratar de tactos de eventos acessíveis apenas à própria pessoa que os experimenta, esses poderiam estar relacionados a algum propósito (a exemplo do que ocorre na mentira), ou poderiam ter sido aprendidos com falhas, pois ensinar o tacto de evento privado é mais difícil do que ensinar o tacto de um objeto ou evento público qualquer. Considerando estes dois aspectos, e também o fato de que o acesso aos eventos privados é indireto, uma dúvida poderia surgir a partir dos resultados deste estudo: ele é, de fato, um estudo sobre sentimentos?
As discussões epistemológicas de Abib (1982) dizem que sim. E esta é a razão do interesse por este estudo. Para ele, uma Psicologia que do ponto de vista de uma análise experimental, ou mesmo interpretativa, nada a tenha a propor sobre o conhecimento da experiência subjetiva, não deve despertar o menor interesse, além, talvez, de mera curiosidade técnica ou intelectual. Uma psicologia (pode-se citar como exemplo aquela de base no behaviorismo metodológico) que afirma a existência de estados subjetivos, mas por critérios metodológicos os relega a planos secundários, deixa espaço em seu interior para a sobrevivência da questão metafísica da relação dualista entre alma e corpo.
Segundo Abib (1982), estados e condições corporais internas são eventos privados acessíveis através de instrumentos, mesmo supondo que estes instrumentos ainda não existam. Entretanto, isso não constitui obstáculo a sua acessibilidade, uma vez que este acesso seria possível com o progresso técnico-científico. Não existe então impossibilidade lógica ou empírica, pois é imaginável teoricamente e realizável empiricamente. Nesse sentido, talvez, a diferença entre eventos privados e públicos pudesse ser definida em termos de graus de acessibilidade e jamais de diferença de natureza. Assim como não faz sentido afirmar que o vermelho que eu vejo é igual ou diferente do vermelho que outra pessoa experiencia (vê), também não faz sentido descrever sentimentos de outra pessoa. Nunca existirão instrumentos para medir essas experiências, por isso, elas são privadas para sempre.
Resta, então, aos pesquisadores, lidar com essa limitação de um modo metodologicamente criativo, arranjando as contingências que poderiam eliciar supostos eventos privados, e registrando possíveis correlatos comportamentais públicos desses eventos.
Um ambiente controlado permite a definição e a medida de alguns correlatos de eventos privados e, portanto, ainda é mais adequado que o ambiente cotidiano para identificação das contingências diretas que controlam tanto a eliciação destes eventos quanto o tacto dos mesmos. Entretanto, de acordo com a afirmação de Friman, Hayes & Wilson (1998), uma explicação sobre eventos privados considerando apenas contingências diretas é válida, mas insuficiente para explicar o fenômeno porque outras análises podem ser requeridas na medida em que respostas verbais podem participar de relações derivadas.
De modo superficial estas outras análises poderiam ser apontadas a partir de estudos ou dados relativos à história de vida dos participantes. Possivelmente, extensões deste estudo são necessárias. Outras variáveis (ou indicadores de variáveis) também poderiam ser alteradas. Por exemplo, uma variabilidade regional-geográfica e um número maior de participantes poderia garantir história culturais distintas, cuja função sobre o relato de sentimentos poderia ser analisado em estudos correlacionais nos quais a significância de certas diferenças poderia ser verificada com ferramentas estatísticas apropriadas.
Em síntese, é possível adicionar a seguinte consideração final à conclusão deste estudo: a ocorrência de eventos privados é função das contingências de reforçamento; as propriedades das relações entre os eventos comportamentais e ambientais definidores de cada uma das quatro contingências se relacionam aos sentidos. Esses são tateados como sentimentos diferentes em função da relação de tacto específica para cada contingência, mediada pelas perguntas do procedimento / experimentador como audiência. Esta relação é que dá sentido ao sentido, tornando-o um sentimento. Aos olhos do experimentador, os eventos privados são acessíveis apenas indiretamente, via correlatos verbais e não-verbais correspondentes ao evento privado e à contingência da qual todos esses eventos comportamentais adquirem funções diferentes, porém interligadas.
Desta forma, pode-se dizer que o software se mostrou eficiente, e adequado para novas pesquisas, possibilitando o planejamento de outros delineamentos experimentais, à medida que um ambiente controlado possibilita a identificação de variáveis importantes que afetam os eventos privados do tipo sentir.
De toda a discussão que motivou a pergunta reflexiva à conclusão, seguem as palavras de Skinner:
Ao invés de concluir que o homem só pode conhecer sua experiência subjetiva e que ele está limitado para sempre ao seu mundo privado e que o mundo externo é apenas um constructo uma teoria comportamental do conhecimento sugere que é o mundo privado que, embora não seja inteiramente desconhecido, não pode, provavelmente, ser tão bem conhecido como o mundo externo (Skinner, 1969/1984, p.228).
Referências Bibliográficas
Abib, J. A. D. (1982). Skinner, Materialista Metafísico? Never Mind, no matter In: B. Prado Júnior (Org). Filosofia e Comportamento. (pp. 92-109). São Paulo: Brasiliense. [ Links ]
Anderson, C. M., Hawkins, R. P. & Scotti, J. R. (1997). Private events in behavior analysis: Conceptual basis and clinical relevance. Behavior Therapy, 28, 157-179. [ Links ]
Anderson, C. M., Hawkins, R. P., Freeman, K. A. & Scotti, J. R. (2000). Private events: Do they belong in a science of human behavior? The Behavior Analyst, 23, 1-10. [ Links ]
Banaco, R. A. (1999). O acesso a eventos privados na prática clínica: um fim ou um meio? Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1, 135-142. [ Links ]
Baum, W. M. (1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, Comportamento e Cultura.(M.T.A. Silva, M.A. Matos & N. E. Micheletto, Trad.). Porto alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Borloti, E. B., Fonseca, C. A., Charpinel, C. P. & Lira, K. M. (2009). Uma análise etimológico-funcional de nomes de sentimentos. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 11(1), 77-95. [ Links ]
Catania, A. C. (1986). On The Diference Between Verbal and nonverbal behavior. The Analysis of Verbal Behavior, 4, 2-9. [ Links ]
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição (4ª ed., D. G. Souza, Trad.). Porto Alegre: Artmed Editora. (Trabalho original publicado em 1998). [ Links ]
Critchfield, T. S., Paletz, E. M., MacAleese, K. R. & Newland, M. C. (2003). Punishment in human choice: Direct or competitive suppression? Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 80, 1-27. [ Links ]
Cunha, L. S. & Borloti, E. B. (2005). Skinner, o sentimento e o sentido. In: E. B. Borloti, S. R. F. Enumo & M. Ribeiro (Orgs.) Análise do Comportamento: Teorias e Práticas. (pp. 47-57). Santo André: ESETec. [ Links ]
Cunha, L. S., Chequer, M. A. A., Cunha, J. G. L., Martinelli, J. C. M. & Borloti, E. B. (2004). PsychoTacto: Apresentação de um software para o estudo de relatos verbais sob o efeito de diferentes contingências. Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental e II Encontro Internacional da Association for Behavior Analysis. Campinas, Brasil. [ Links ]
Cunha, L. S., Chequer, M. A. A., Martinelli, J. C. M. & Borloti, E. B. (2005). Tacto de eventos privados: estudo de relatos verbais sob efeito de diferentes contingências de reforçamento. In: H. J. Guilhardi & N. C. Aguirre (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição vol 15. Expondo a variabilidade. (pp. 338-349). Santo André: ESETec. [ Links ]
De Rose, J. C. C. (2001). O relato verbal segundo a perspectiva da análise do comportamento: contribuições conceituais e experimentais. In: R. A. Banaco (Org). Sobre Comportamento e Cognição. vol. 1: Aspectos teóricos, metodológicos e formação em análise do comportamento e terapia comportamental. (pp. 146-161).Santo André, SP: ESETec. (Trabalho original publicado em 1995). [ Links ]
De Souza, D. G. (1995/2001). O que é contingência. In: R. A. Banaco (Org). Sobre Comportamento e Cognição. vol. 1: Aspectos teóricos, metodológicos e formação em análise do comportamento e terapia comportamental. (pp. 82-87). Santo André, SP: ESETec. (Trabalho original publicado em 1995). [ Links ]
Dougher, M. J. & Hackbert, L. (2000). Estabilishing operations, cognition, and emotion. The Behavior Analyst, 23, 11-24. [ Links ]
Engelmann, A. (1978). Os estados subjetivos: Uma tentativa de classificação de seus relatos verbais. São Paulo: Editora Ática. [ Links ]
Friman, P. C., Hayes, S. C. & Wilson, K. (1998). Why behavior analysts should study emotion: The example of anxiety. Journal of Applied Behavior Analysis, 31, 137-156. [ Links ]
Hayes, S. C., Jacobsom N. S., Follette, V. M. & Dougher, M. J. (Eds.). (1994). Acceptance and change: Omtent and context in psychotherapy. Reno, NV: Context Press. [ Links ]
Hayes, S. C., White, D., & Bisset, R. T. (1998). Protocol Analysis and the silent dog method of analyzing the impact of self-generated rules. The Analysis of Verbal Behavior, 15, 57-63. [ Links ]
Holland, J. G. & Skinner, B. F. (1973). A Análise do Comportamento, (R. Azzi, Trad.). São Paulo: E. P. U. (Trabalho original publicado em 1961). [ Links ]
Jacobs, E. A. & Hackenberg, T. D. (2000). Human performance on negative slope schedules of points exchangeable for money: A failure of molar maximization. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 73, 241-260. [ Links ]
Kantor, J. R. & Smith, N. W. (1975). The reaction system. Em J. R. Kantor & N. W. Smith (Eds.), The science of psychology: An interbehavioral survey (pp.47-55). Chicago: Principia Press. [ Links ]
Kritch, K. M. & Bostow, D. E. (1993). Verbal responses to past events: intraverbal relations, or tacts to private events? The analysis of Verbal Behavior, 11, 1-7. [ Links ]
Lubinsky, D. & Thompson, T. (1987). An animal model of the interpersonal communication of interoceptive (private) states. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 48, 1-15. [ Links ]
Millenson, J. R. (1967). Princípios de Análise do Comportamento. (A. A. Souza, & D. Rezende, Trad.). Brasília: Coordenada. (Trabalho original Publicado em 1973). [ Links ]
Moore, J. (2000). Thinking about thinking and feeling about feeling. The Behavior Analyst, 23, 167-186. [ Links ]
Ono, K. (2004). Effects of experience on preference between forced and free choice. Journal Of Experimental Analysis of Behavior, 81, 27-37. [ Links ]
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. (M. A. Anderry, & M. T. Sério, Trad.). Campinas: Editoral Psy II. (Trabalho original publicado em 1989). [ Links ]
Simonassi, L. E., Tourinho, E. Z. & Silva, A. V. (2001). Comportamento Privado: Acessibilidade em Relação com Comportamento Público. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14 (1), 133-142. [ Links ]
Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Rewiew, 52, 270-277/291-294. [ Links ]
Skinner, B. F. (1969). Behaviorism at fifty. In: B. F. Skinner (Ed.) Contingencies of reinforcement: A theoretical analysis (pp.221-268). New York: Appleton-Century- Crofts. (Trabalho original publicado em 1963). [ Links ]
Skinner, B. F. (1971) Beyond Freedom and Dignity. New York: Alfred A. Knopf. [ Links ]
Skinner, B. F. (1978). O Comportamento Verbal. (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix. (Trabalho original publicado em 1957). [ Links ]
Skinner, B. F. (1984). Contingências do reforço: uma análise teórica. (R. Moreno, Trad.). Coleção Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1969). [ Links ]
Skinner, B. F. (2003a). Ciência e Comportamento Humano. (J. C. Todorov & R. Azzi, Trad.) 11ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (Trabalho Original Publicado em 1953). [ Links ]
Skinner, B. F. (2003b). The technology of teaching. Acton, Massachusstes: Copley. (Trabalho original publicado em 1968). [ Links ]
Skinner, B. F. (2003c). Sobre o Behaviorismo (8ª ed., M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix. (Trabalho original Publicado em 1974). [ Links ]
Skinner, B. F. (2003d). Questões Recentes na Análise Comportamental. (A. L. Néri, Trad.). 4ª ed. Campinas: Papirus Editora. (Trabalho original Publicado em 1989). [ Links ]
Tourinho, E. Z. (2001). Eventos privados em uma ciência do comportamento. In: R. A. Banaco (Org). Sobre Comportamento e Cognição vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e formação em análise do comportamento e terapia comportamental. (pp. 172-184). Santo André: ESETec. (Trabalho original Publicado em 1995). [ Links ]
Tourinho, E. Z. (2003). A produção de conhecimento em Psicologia: A análise do comportamento. Psicologia: Ciência e Profissão, 23 (2), 30-41. [ Links ]
Tourinho, E. Z. (2006a). Private stimuli, covert responses and private events: Conceptual remarks. The Behavior Analyst, 29, 13-31. [ Links ]
Tourinho, E. Z. (2006b). On the distinction between private events and the physiology in the organism. The Behavior Analyst Today, 7 (4), 548-559. [ Links ]
Tourinho, E. Z. (2009). Subjetividade e Relações Comportamentais. São Paulo: Paradigma. [ Links ]
Wilson, K. G. & Hayes, S. C. (2000). Why it is crucial to understand thinking and feeling: An analysis and application to drug abuse. The Behavior Analyst, 23, 25-43. [ Links ]
Endereço para correspondência
Luciano de Sousa Cunha
Rua Rodovia Serafim Derenzi,3 115
29030-026, São Pedro, Vitória, ES, Brazil.
Recebido em: 16/03/2008
Aceito para publicação em: 29/05/2009
1 Doutorando em Psicologia, Universidade Federal do Espirito Santo, Vitória, ES, Brasil.
2 Professor, Curso de Psicologia e Gestor de Estágios em Psicologia, Associação Educacional de Vitória (AEV/FAESA).
3 Professor Doutor, Universidade Federal do Espirito Santo, Vitória, ES, Brasil.