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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.14 no.2 São Paulo ago. 2012

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Ensino de relações condicionais monetárias por meio de "Matching to Sample" para crianças surdas com e sem pré-requisitos matemáticos

 

Teaching conditional monetary relations through Matching to Sample to deaf children with and without mathematical prerequisites

 

 

Priscila Giselli Silva MagalhãesI,*; Grauben José Alves de AssisI,**; Rosana Aparecida RossitII

IUniversidade Federal do Pará
IIUniversidade Federal de São Paulo - Campus de Santos

 

 


RESUMO

O estudo pretendeu verificar o efeito de um procedimento de ensino de escolha de acordo com o modelo (MTS) sobre aprendizagem de relações monetárias em crianças surdas com e sem pré-requisitos matemáticos. Participaram seis crianças surdas distribuídas em dois grupos experimentais (com e sem pré-requisitos matemáticos). Houve ensino via MTS entre valores em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e: preços (AB), figuras de moedas (AC) e figuras de cédulas (AD), seguidos dos testes de simetria e transitividade. A maioria dos participantes apresentou emergência de relações. O ensino via MTS em componentes envolveu relações entre preços e figuras de moedas (DB) e figuras de notas e figuras de moedas (DC), seguido de testes de simetria, transitividade e de generalização (simulação de compra e venda). Houve diferença no desempenho entre os participantes dos Grupos I e II, o que confirma a importância de pré-requisitos para aprendizagem de relações monetárias.

Palavras-chave: relações condicionais, equivalência monetária; crianças surdas; pré-requisitos matemáticos.


ABSTRACT

The study aims to determine the effect of a teaching procedure of matching to sample (MTS) on the learning of monetary relations in deaf children with mathematic prerequisites and without them. Six deaf children were divided into two experimental groups (with and without mathematic prerequisites). They were taught via MTS about values in Brazilian Sign Language (LIBRAS) and their relations to: prices (AB), pictures of coins (AC) and facsimile of Brazilian Real bills (AD), followed by tests of symmetry and transitivity. Most participants showed emerging relations. Teaching via component-matching-training involved relations between facsimile of Brazilian Real bills and prices (DB) and facsimile of Brazilian Real bills and pictures of coins (DC), followed by tests of symmetry, transitivity and generalization (simulation of buying and selling). There was a difference in performance between the participants in Groups I and II, which confirm the importance of mathematic prerequisites to learn monetary relations.

Keywords: conditional relations, monetary equivalence; deaf children; mathematic prerequisites.


 

 

Introdução

Para o dia-a-dia da vida em sociedade, várias habilidades são necessárias, por exemplo: a leitura, a escrita, a compreensão de símbolos e sinais, o manuseio do dinheiro, entre outras. Especialmente no caso da habilidade de manusear dinheiro, há uma complexidade em função de a mesma exigir diferentes comportamentos matemáticos. Esta característica tem chamado a atenção de pesquisadores em diferentes áreas.

Na Análise do Comportamento há importantes contribuições para a compreensão do comportamento conceitual numérico, havendo na literatura vários estudos, especialmente com pessoas que apresentam atraso no desenvolvimento cognitivo (Lynch & Cuvo, 1995; Rossit & Goyos, 2009), pré-escolares (Drachenberg, 1990; Monteiro & Medeiros, 2002), alunos do ensino fundamental (Donini, Del Rey, & Micheletto, 2006; Haydu, Costa, & Pullin, 2006), sem fazer uso de qualquer mediação verbal.

Na literatura da Análise do Comportamento, há uma controvérsia sobre a necessidade ou não de se ensinar os pré-requisitos básicos antes de se introduzir o ensino do manuseio de dinheiro. Resnick, Wang e Kaplan (1973), Spradlin, Cotter, Steves e Friedman (1974), Stoddard, Bradley e McIlvane (1987), Stoddard et al. (1989), Cuvo e Davis (1996) apontam que para o aprendizado das habilidades que envolvem raciocínio lógico, tais como reconhecer números, noção de quantidade, contar objetos, reconhecer moedas e notas, relacionar dinheiro com o preço de produtos, combinar moedas de acordo com valores, há a necessidade de se ensinar habilidades matemáticas básicas. Por outro lado, Gardill e Browder (1995) demonstraram a efetividade de um programa, no qual ensinaram a discriminação entre três classes de estímulos de compras (máquina de vendas, loja simulada e lanchonete da escola) para três pessoas com deficiência mental que não possuíam os pré-requisitos acadêmicos básicos. Esses participantes aprenderam a usar dinheiro para fazer compras, sem terem habilidades de contagem ou serem capazes de, verbalmente, identificar o nome de notas e moedas.

Faz-se necessária a descrição de alguns estudos da área da análise do comportamento responsável por investigar as habilidades monetárias, descritas como o comportamento de relacionar condicionalmente estímulos com valores monetários correspondentes (preço impresso, moedas e notas). Por exemplo: diante do preço impresso de um produto no supermercado, o indivíduo entrega moedas com o valor correspondente ao preço. Isto ajuda a esclarecer e revelar os possíveis requisitos e as sequências envolvidas na aquisição de novos repertórios.

No estudo conduzido por Stoddard, Bradley e Mcllvane (1987), uma participante adulta com atraso no desenvolvimento cognitivo aprendeu classes de 5¢ e de 10¢. A classe de 5¢ continha os estímulos preço impresso "5¢", cinco moedas de 1¢ e uma moeda de 5¢. A classe de 10¢ continha os estímulos preços impressos "5¢5¢" e "10¢", uma moeda de 10¢, dez moedas de 1¢ e duas moedas de 5¢. Após o ensino de relações entre diferentes moedas e um preço impresso de valor igual, a participante pode, então, combinar moedas a cada um de seus valores sem treino adicional. O estudo mostrou-se importante em função do ensino ter permitido um grande número de equivalências monetárias individuais.

A Equivalência monetária foi definida informalmente por Stoddard, Brown, Hurlbert, Manoli, & McIlvane, (1989) como "relações entre estímulos de igual valor monetário" (p. 414). Estas relações emergem após o ensino de combinações de moedas a um determinado valor (modelo), ou seja, há o emparelhamento de novas combinações, sem treino explícito.

Neste mesmo trabalho, em 1989, os autores ensinaram habilidades monetárias para pessoas com retardo mental. Os autores utilizaram três tipos de procedimentos: a) emparelhamento com o modelo de resposta construída (CRMTS); b) exclusão; e c) ensino de emparelhamento com componentes. Os participantes foram três alunos com atraso no desenvolvimento cognitivo com idade entre 16 e 41. Inicialmente, foram aplicados pré-testes através do MTS entre preços impressos e moedas (norteamericanas) para identificar o repertório de entrada dos participantes. Em seguida, foi realizado um ensino de CRMTS com moedas, nos valores de 1 a 50 centavos apresentados em múltiplos de cinco. Posteriormente, foi realizado um ensino de emparelhamento de componentes com todas as combinações de moedas não testadas anteriormente e um ensino por exclusão por meio de MTS de combinações de moedas e preços. Testes de novas relações moedapreço e preço-moeda foram aplicados, através do procedimento de CRMTS. Os autores concluíram que o método foi eficiente para o ensino de habilidades monetárias. Entretanto, não houve clareza se o desempenho final dos participantes se deu em função do ensino ou dos pré-requisitos que os participantes tinham.

No Brasil, um estudo realizado por Rossit (2003) buscou desenvolver e avaliar um currículo baseado no paradigma da equivalência de estímulos para ensinar o manuseio de dinheiro para alunos com atraso no desenvolvimento cognitivo. Participaram 11 estudantes de uma escola de Educação Especial, com idade entre 9 e 32 anos. Foram conduzidos quatro estudos para ensinar diferentes relações envolvidas no comportamento de manusear dinheiro, através de um software. Inicialmente, foram realizados prétestes para identificar o repertório de entrada dos participantes. No estudo 1, foi utilizado o procedimento de MTS para ensinar relações entre numeral ditado e numeral impresso, e entre valor monetário ditado e figura de moeda, e em seguida testadas as relações de simetria e transitividade. Posteriormente, utilizou-se o procedimento de CRMTS para ensinar relações entre componentes numéricos e numeral impresso e testou-se a relação inversa utilizando moedas reais como componentes. No estudo 2, foram ensinadas relações via MTS entre conjunto de moedas e preço impresso, testadas as relações simétricas e, em seguida, testadas relações entre conjunto de moedas e moedas via CRMTS. O estudo 3 seguiu os mesmos parâmetros do estudo 2, mas em vez de moedas utilizaram-se cédulas no ensino. No estudo 4, a autora ensinou relações via MTS entre valor ditado e preço impresso e valor ditado e conjunto de cédulas e moedas, depois foram testadas relações entre preço impresso e conjunto de notas e moedas e de nomeação destes estímulos e, por fim, foram testadas relações via CRMTS entre conjunto de notas e moedas e notas e moedas verdadeiras e entre preço impresso e notas e moedas verdadeiras. Os resultados demonstraram a emergência gradual das relações em tarefas de CRMTS através dos estudos, desde o insucesso total no estudo 1 até o sucesso total dos participantes no estudo 4. A autora concluiu que o desempenho inicial pode ser explicado pela ausência ou déficit de repertório de contagem ou adição de moedas para formar um valor monetário e a falta de familiaridade dos participantes neste tipo de tarefa, o que, posteriormente, com o ensino de relações mais complexas nos demais estudos, possibilitou a melhora no desempenho.

No estudo de Magalhães e Assis (2011), buscouse verificar o efeito de um procedimento de ensino de relações condicionais através do procedimento MTS e CRMTS sobre a produção de equivalência monetária em crianças surdas com e sem pré-requisitos matemáticos. Participaram 10 crianças surdas distribuídas em dois grupos experimentais: crianças com pré-requisitos matemáticos (Grupo I) e crianças sem pré-requisitos matemáticos (Grupo II). Os participantes foram submetidos ao ensino de relações condicionais via MTS entre valores monetários em LIBRAS e numerais decimais (AB), e figuras de moedas (AC) e figuras de notas (AD), seguido dos testes de simetria e transitividade. Os resultados obtidos replicam os resultados da literatura quanto ao ensino de habilidades monetárias com participantes com atraso no desenvolvimento cognitivo através dos procedimentos de MTS. Os autores concluíram que as diferenças no repertório de entrada dos participantes pareceram não interferir na aprendizagem, isto é, os pré-requisitos devem estar no planejamento das contingências de ensino e não no sujeito.

É importante destacar que existe uma controvérsia na literatura sobre a importância de pré-requisitos no repertório de entrada dos participantes para a aprendizagem de relações condicionais monetárias. De um lado, alguns autores defendem a importância de habilidades específicas para aprendizagem de relações monetárias (Stoddard, et al. 1987; Stoddard, et al. 1989). Por outro lado, outros autores (Rossit, 2003; Rossit & Goyos, 2009) consideram que o procedimento de ensino seria suficiente para a emergência de relações complexas, como equivalência monetária.

Entretanto, em algumas pesquisas (Stoddard et al., 1987; Stoddard et, al., 1989), os participantes apresentaram pré-requisitos, não ficando claro qual o grau de funcionalidade das relações a serem ensinadas como parte de um procedimento baseado no paradigma de equivalência (cf. Sidman, 1994). Diante da literatura revisada, faz-se necessário então verificar: 1) se indivíduos com diferentes repertórios matemáticos de entrada aprenderiam de modos diferentes e 2) se o procedimento de ensino de MTS se mostra eficiente no ensino destas relações.

O objetivo deste trabalho é verificar o efeito de um procedimento de ensino de escolha com o modelo (MTS) sobre aprendizagem de relações monetárias em crianças surdas com e sem pré-requisitos monetários.

 

Método

Participantes

participaram seis crianças matriculadas na Unidade de Ensino Especializada para surdos localizada na cidade de Belém (SEDUC-PARÁ), todos com surdez neurossensorial congênita e com perda auditiva acima de 91db (surdez profunda) (Carvalho, 2005).

Para participar do experimento, as crianças deveriam ter um repertório mínimo de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), que envolvia a compreensão de instruções básicas usadas no experimento. Esse repertório foi verificado juntamente com os pré-testes iniciais em que, além do repertório matemático, avaliava a compreensão das instruções a serem fornecidas em todo o experimento.

 

Tabela 1

 

Os participantes foram selecionados e seus responsáveis assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme exigência da Resolução CNS 196/96, e a Resolução CFP Nº 016/2000. Além disso, a presente pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em Pesquisa em seres humanos do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará (protocolo nº 049/08 CEP/ICS-UFPA).

As crianças foram distribuídas em dois grupos experimentais: Grupo I, com habilidades matemáticas e Grupo II, sem habilidades matemáticas sendo que o critério para inclusão no Grupo I era o acerto de pelo menos 80% do pré-teste de habilidades monetárias e para o Grupo II o acerto de até 20% do teste. Ver tabela 4.

 

Estímulos

Os estímulos foram todos visuais, compostos por: numerais em LIBRAS (Conjunto A); numerais decimais (conjunto B); figuras de moedas (Conjunto C); figuras de cédulas (Conjunto D). Ver Tabela 2:

 

Ambiente Experimental

O ambiente experimental foi uma sala da Unidade de Ensino Especializada, medindo aproximadamente 4 m2, com relativo isolamento acústico e climatizada.

 

Material e Equipamento

Na etapa de pré-testes foram utilizados cartões com numerais arábicos e sinais em LIBRAS, representativos dos numerais, cartões com figuras de bolinhas distribuídas aleatoriamente no cartão (quantidades de 1 a 10), com os sinais em LIBRAS correspondentes ao valores monetários e com numerais em valores decimais (correspondente aos valores monetários), fichas de material plástico (todas com tamanho e cores iguais), moedas reais, fac-símiles de cédulas e 26 produtos usados no teste de simulação de compra e venda.

Nas etapas de ensino e testes a coleta de dados foi informatizada. Um notebook usando um software (REL 5.3.3 for Windows Versão atualizada - Santos, Silva, Baptista, & Assis, 1997) apresentou os estímulos (Sinais em LIBRAS correspondentes aos valores monetários, numerais decimais, figuras de moedas e figuras de cédulas), controlou o intervalo entre tentativas, animação gráfica como consequência às respostas corretas e registrou as respostas corretas e incorretas. Além de cada configuração de estímulos em posições aleatoriamente distribuídas.

 

Procedimento

Levantamento de preferências

Utilizou-se um teste de preferência por itens baseado em Fischer et al. (1992), substituindo-se as instruções orais por LIBRAS. Os itens foram organizados em três categorias: materiais escolares, alimentos e brinquedos, sendo que se utilizaram seis itens de cada categoria. Os itens eram disponibilizados aos pares e pedia-se para que a criança selecionasse qual o de sua maior preferência. Então foi feita uma escala de preferência dos itens, os quais foram classificados em níveis alto, médio e baixo.

Pré-testes

Pré-teste de avaliação de repertório matemático básico

Este teste baseou-se no Protocolo de Avaliação de Comportamentos Matemáticos Básicos, desenvolvido por Rossit (2003), com adaptação das instruções orais para instruções em LIBRAS e de estímulos auditivos para visuais.

O protocolo envolvia diferentes tarefas: 1) contagem mecânica (recitar numerais de 1 a 10), 2) sequenciar numerais nos valores de um a vinte, 3) retirar de uma pilha a quantidade de ficha especificada pela experimentadora (por exemplo, eram apresentadas 10 fichas sobre a mesa e solicitava-se ao participante "pegue 4 fichas!"), 4) contar fichas, 5) subtrair fichas (por exemplo, apresentar seis fichas e perguntar "se eu tirar três fichas, quantas sobram?"), 6) escolher cartão com mais figuras, 7) identificar conjunto com menos fichas, 8) identificar cartões com a mesma quantidade de figuras, 9) MTS entre moedas e valores monetários em LI-BRAS, 10) MTS entre notas e valores monetários em LIBRAS, 11) MTS entre preços e valores monetários em LIBRAS, 12) MTS entre valores monetários em LIBRAS e moedas, 13) MTS entre valores monetários em LIBRAS e notas, 14) CRMTS com moedas e conjuntos de moedas e notas e conjuntos de notas.

 

Tabela 3

 

Pré-teste de simulação de compra e venda de produtos

Foram apresentados 26 produtos com diversos valores afixados com adesivos e foram utilizadas moedas reais e notas similares às em circulação no Brasil. O teste envolvia cinco situações: 1) o participante comprava produtos com valor inteiro em centavos (compráveis com uma única moeda), 2) participante comprava produtos com valores fracionados em centavos (compráveis com mais de uma moeda), 3) participante comprava produtos com valores inteiros em real, 4) participante comprava produtos com valores fracionados em real (compráveis com mais de uma cédula ou com cédulas e moedas) e 5) participante vendia produtos com valores inteiros e fracionados em centavos e em real. Os produtos deveriam ser comprados um a um. Nas quatro primeiras situações, o participante deveria entregar o valor correspondente em dinheiro. Na quinta situação, a experimentadora comprava produtos do participante e este devia entregar o troco corretamente. Ambas as etapas de pré-testes ocorreram sem consequência.

 

Procedimento Específico

No delineamento experimental estavam previstas 26 fases, nas quais foram ensinadas e testadas relações via MTS.

Ensino de relações de identidade via MTS

Esta fase teve o objetivo de instalar comportamentos de responder condicionalmente e relações não presentes no repertório comportamental dos participantes. Foi utilizada uma matriz 3x3, em que o modelo era móvel. Foram ensinadas relações com os estímulos do conjunto A (valores monetários em LIBRAS), B (Numerais decimais), C (Figuras de moedas) e D (Figuras de cédulas).

A experimentadora e o participante sentavam-se em frente ao computador, lado a lado. A experimentadora mostrava a tela do computador e dava a instrução, em LIBRAS, para que o participante tocasse no estímulo modelo. Em seguida, três estímulos de comparação eram apresentados e a experimentadora solicitava ao participante que escolhesse o estímulo "igual" ao modelo. Caso o participante respondesse corretamente, uma animação gráfica era apresentada por 3 s na tela do computador e paralelamente a experimentadora fazia um sinal em LIBRAS indicando o acerto e, após cada tentativa correta, os estímulos eram reapresentados aleatoriamente na tela do computador. Caso o participante respondesse incorretamente havia o escurecimento da tela por 3s e durante este time out qualquer resposta na tela não produziria consequência. Além disso, após cada resposta incorreta os estímulos reapareciam na mesma posição anterior, configurando um procedimento de correção. Foram programadas 36 tentativas, sendo seis para cada valor e o critério de acerto foi de 100%. Caso o participante não alcançasse o critério de acerto, havia reexposição ao bloco de tentativas por no máximo três vezes. As sessões tinham duração máxima de 20 minutos.

Ensino de relações condicionais via MTS

Os parâmetros com relação ao tipo de procedimento, configuração da tela do computador, critério de acerto, uso de consequências para respostas corretas e incorretas e duração das sessões foram os mesmos das fases de ensino por identidade, mas envolviam o ensino de relações condicionais entre valores monetários em LIBRAS e numerais decimais (AB), figuras de moedas (AC) e figuras de notas (AD). Solicitava-se que o participante escolhesse um estímulo correspondente ao modelo.

No ensino com tentativas consecutivas, a relação AB envolvia cinco valores que eram apresentados em blocos de seis tentativas, totalizando 30 tentativas. Nas relações AC e AD, havia seis valores apresentados em blocos de seis tentativas, totalizando 36 tentativas. O critério de acerto era de seis tentativas consecutivas, sem erro.

No ensino com tentativas randomizadas, eram apresentados os mesmos valores do ensino com tentativas consecutivas, sendo que no ensino da relação AB foram 30 tentativas, e no ensino das relações AC e AD foram 36 tentativas apresentadas aleatoriamente. O critério de acerto era de 100%. Ou seja, se o participante apresentasse menos de 100% de acertos, ele era reexposto à fase de ensino. Ver exemplo de configuração de tela nesta fase de ensino na figura 1.

 

 

Teste de relações condicionais via MTS

Nesta fase, o objetivo era verificar se relações entre preços e valores monetários em LIBRAS (BA), figuras de moedas e valores monetários em LIBRAS (CA), figuras de notas e valores monetários em LI-BRAS (DA), preços e figuras de moedas (BC), figuras de moedas e preços (CB) poderiam emergir em função do ensino de relações condicionais AB, AC e AD. A experimentadora mostrava a tela do computador e dava a instrução, em LIBRAS, para que o participante tocasse no estímulo modelo. Em seguida, três estímulos de comparação eram apresentados e a experimentadora solicitava ao participante que escolhesse um estímulo, sem dar mais instruções. Não havia consequenciação para acertos ou erros e o participante avançava entre as tentativas independentemente de seu desempenho. As relações testadas foram consideradas emergentes quando a porcentagem de acertos foi igual ou superior a 90%.

Ensino de Emparelhamento de Componentes

No ensino das relações entre preços e figuras de moedas (BC) e figuras de cédulas e figuras de moedas (DC), foram utilizados estímulos em componentes numéricos como modelos (por exemplo, "1,00 + 1,00") que deveriam ser relacionados condicionalmente ao estímulo de comparação com valor monetário correspondente (ex: 2,00). No ensino da relação BC, uma sessão envolvia seis tentativas para cada um dos cinco valores (0,05, 0,10, 0,25, 0,50 e 1,00), totalizando 30 tentativas. No ensino da relação DC, a sessão envolvia seis tentativas para cada um dos quatro valores (1,00; 2,00; 5,00 e 10,00), totalizando 24 tentativas. As consequências e duração das sessões foram as mesmas para ensino com tentativas consecutivas e randomizadas. Caso o participante respondesse corretamente, uma animação gráfica era apresentada por 3 s na tela do computador. Caso respondesse incorretamente, havia o escurecimento da tela por 3 s. Cada sessão teve duração máxima de 20 minutos. Ver exemplo de configuração de tela nesta fase de ensino na figura 2.

 

 

Testes de Emparelhamento de Componentes

Nesta fase foram testadas as relações entre figuras de moedas e numerais decimais (CB), figuras de moedas e figuras de moedas (CC), preços e figuras de notas (BD) e figuras de notas e figuras de notas (DD). Os parâmetros quanto à configuração de tela do computador e instruções eram as mesmas da fase de ensino de MTS em componentes, mas não havia consequências para acerto ou erro e o participante avançava para a próxima tentativa independentemente do desempenho. Considerou-se emergência de relações quando a porcentagem de acerto foi igual ou superior a 90%.

Teste de Generalização (teste de compra e venda)

Nesta fase, o teste de simulação de compra e venda de produtos foi aplicado novamente, seguindo-se os mesmos parâmetros da primeira aplicação. O objetivo foi verificar se ocorreriam mudanças significativas no desempenho dos participantes e se haveria generalização do desempenho aprendido. Considerou-se emergência de relações quando a porcentagem de acerto foi igual ou superior a 90%.

 

RESULTADOS

Na tabela 4 podem ser observadas porcentagens de acerto dos participantes dos Grupos I e II no préteste. Observou-se que os participantes ALE, JAI e TIF, do Grupo I, tiveram desempenho semelhante entre si, com as mais altas porcentagens de acerto e os participantes ALS, EDI e MAT, do Grupo II, tiveram as porcentagens de acerto mais baixas, principalmente na tarefa de recitar os números de 1 a 10 (1) e de CRMTS com moedas e notas (14). Portanto, conforme os critérios de inclusão nos grupos, podem-se observar diferenças nos repertórios de entrada dos participantes dos dois grupos.

A figura 3 apresenta as porcentagens de acerto dos participantes nas fases de ensino de relações condicionais em MTS e MTS em componentes. No ensino de identidade, observou-se que a maioria dos participantes atingiu o critério de acerto da relação AA (valores em LIBRAS) na segunda sessão. No ensino das relações BB (preços), todos os participantes do Grupo 1 atingiram o critério de acerto na primeira sessão, ao passo que todos os participantes do Grupo II atingiram o critério de acerto na segunda sessão. No ensino das relações CC (moedas) e DD (notas) a maioria dos participantes atingiu o critério de acerto na primeira sessão.

No ensino via MTS da relação entre valores monetários em LIBRAS e numerais decimais (AB), todos os seis participantes atingiram o critério de 100%, sendo que os seis tiveram porcentagens de acerto acima de 90% na primeira sessão. No ensino entre valores monetários em LIBRAS e figuras de moedas (AC) os participantes TIF (Grupo I), EDI e MAT (Grupo II) atingiram o critério de acerto na primeira sessão. Já os participantes ALE e JAI (Grupo I) e ALS (Grupo II) responderam com 97%, 94% e 98%, respectivamente e atingiram o critério de acerto na segunda sessão. No ensino da relação entre valores monetários e notas (AD), todos os seis participantes atingiram o critério de acerto na primeira sessão.

No ensino de MTS em componentes, com o modelo composto, os participantes ALE, JAI e TIF (Grupo I) atingiram o critério de acerto na segunda sessão da relação BC (preço impresso-figura de moeda) e os participantes ALS, EDI e MAT (Grupo II) atingiram o critério na terceira sessão.

Nos testes em MTS houve emergência de todas as relações para a participante TIF do Grupo I. Para ALE e JAI, houve emergência de quatro relações em MTS sendo BA, CA, DA e BC e BA, CA, DA e CB, respectivamente. Para os participantes ALS e EDI, do Grupo II, houve emergência de três das cinco relações em MTS, sendo nas relações CA, DA, e CB. Para MAT, houve emergência de duas relações (CA e BA).

Nos testes via MTS em componentes, observou-se que houve emergência apenas da relação BD (preçofigura de nota) para a participante TIF do Grupo I. Para os demais participantes não houve emergência de qualquer relação. Sendo que os participantes com as porcentagens de acertos mais altas foram JAI e TIF do Grupo I. Além disso, os participantes do Grupo II não obtiveram qualquer acerto nas relações CC e BD (Ver figura 4).

No Teste de generalização (simulação de compra e venda), os participantes responderam com porcentagem de acerto variando entre 38% e 68%, o que, de acordo com os critérios adotados, indica que não houve generalização do desempenho. Entretanto, ao se comparar o desempenho neste teste com o desempenho na primeira aplicação do teste de compra e venda, como mostram as figura 4 e 5, pode-se observar que houve aumento na porcentagem de acertos para todos os participantes de ambos os grupos.

A figura 6 apresenta as porcentagens de acerto dos participantes nos testes de manutenção. O desempenho foi semelhante àqueles apresentados nos testes iniciais. Nas relações testadas em MTS, pode-se observar que houve manutenção de todas as relações para os participantes AMN, ADM, CSS e TFF. Também houve manutenção das relações DA (nota-valor em LIBRAS) para APS, DSV, EDS e JCM, das relações BC e CB para APS, CSS, DSV, EDS, JCM e MSN, das relações BA e CA para o participante JCM. Para o participante JSO não havia emergência de relação nos testes iniciais e nos testes de manutenção houve emergência das relações DA e CB.

Nas relações testadas via MTS em componentes, a maioria dos participantes apresentou aumento nas porcentagens de acerto, embora tenha havido emergência de poucas relações.

 

DISCUSSÃO

O presente trabalho buscou verificar o efeito de um procedimento de ensino de escolha com o modelo (MTS) sobre aprendizagem de relações monetárias em crianças surdas com e sem pré-requisitos matemáticos.

Os resultados apresentados nos pré-testes demonstram as diferenças nos repertórios de entrada dos participantes, o que estava de acordo com o critério de inclusão dos participantes nos dois grupos (com e sem pré-requisitos matemáticos), corroborando dados da literatura sobre a importância do mapeamento do repertório de entrada dos participantes para compreender o nível de funcionalidade das relações ensinadas (Magalhães e Assis, no prelo; Rossit, 2003; Rossit & Goyos, 2009).

Os pré-testes também indicam que houve maior número de respostas incorretas nas tarefas de CRMTS envolvendo moedas e notas, o que confirma os dados obtidos por Rossit & Goyos, (2005; 2009).

Os resultados das fases de ensino demonstram que houve o aprendizado de relações em tentativas com MTS para todos os participantes, confirmando dados da literatura sobre a eficiência deste procedimento na aprendizagem de relações monetárias (Magalhães & Assis, no prelo; Rossit & Goyos, 2005; 2009; Stoddard et al., 1987; Stoddard et al., 1989), embora os participantes do Grupo II tenham precisado de maior número de reexposição às tentativas para alcançar o critério de acerto no ensino de algumas relações condicionais.

Nos testes de relações com o uso do MTS, pôdese observar que houve emergência de relações entre estímulos para a maioria dos participantes. Portanto, esses resultados corroboram os dados na literatura sobre equivalência (cf. Sidman, 1994) e sobre a eficiência do procedimento de MTS no ensino de relações condicionais arbitrárias (Dube, McDonald, Mclvane & Mackay, 1991; Green & Saunders, 1998). Entretanto, observou-se que houve um maior número de relações emergentes para os participantes do Grupo I (com pré-requisitos matemáticos). Este resultado contraria dados de Magalhães e Assis (2011) e chamam atenção para a discussão sobre a importância dos pré-requisitos matemáticos para a aprendizagem de habilidades monetárias.

No ensino utilizando o procedimento MTS em componentes, o desempenho foi semelhante entre os participantes em que houve necessidade de mais reexposições às tentativas para que os participantes atingissem o critério de acertos, indicando que houve mais dificuldade nessas tarefas em relação às tarefas de MTS. Esses resultados se assemelham aos dados obtidos com o procedimento de CRMTS (Magalhães & Assis, 2011; Rossit & Goyos, 2005; 2009), no qual as relações condicionais são entre combinações de estímulos (preços ou moedas) e o valor monetário correspondente (Stoddard, Brown, Hurlbert, Manoli, & McIlvane, 1989), o que exige repertórios mais complexos como o de soma, por exemplo. Por isso, implicariam maiores dificuldades na aprendizagem.

Nos testes de relações em MTS em componentes, também observou-se maior dificuldade no respon-der para os participantes em relação ao MTS, já que houve emergência de apenas uma relação para um participante do Grupo I.

Em relação à importância de pré-requisitos, houve diferenças no desempenho dos participantes, ou seja, os participantes do Grupo I, com pré-requisitos matemáticos, exibiram um desempenho superior na aprendizagem de relações condicionais monetárias por meio do MTS que o Grupo II, sem pré-requisitos matemáticos, o que contraria dados da literatura (Magalhães & Assis, no prelo).

Portanto, os resultados contrariam a hipótese de que a aprendizagem de relações entre estímulos seria independente, ou seja, mesmo que haja um amplo repertório instalado (Green, 1993; Rossit & Goyos, 2005; 2009).

Esses resultados podem diferir dos resultados obtidos por Magalhães & Assis (aceito) em função de os repertórios de entrada entre os participantes dos dois grupos (com e sem pré-requisitos) do presente experimento serem mais complexos do que no experimento daqueles autores. Portanto, um maior rigor utilizado para o critério de inclusão nos grupos pode ter influenciado decisivamente nos resultados.

Os resultados nos testes de generalização também mostraram que houve aumento na porcentagem de acertos para a maioria dos participantes, o que indica que o procedimento de MTS e as relações ensinadas parecem ter oferecido requisitos para o desenvolvimento de tal desempenho (Magalhães & Assis, no prelo; Rossit & Goyos, 2005; 2009).

Nos testes de manutenção, o desempenho foi similar ao apresentado nos testes iniciais, o que aponta para a manutenção das classes estabelecidas (Saunders, Wachter & Spradlin, 1988).

Concluiu-se que os resultados demonstraram a aprendizagem de relações condicionais envolvendo valores monetários em LIBRAS e numerais decimais, figuras de moedas e figuras de notas em crianças surdas, mas houve diferenças no desempenho tanto na fase de ensino quanto na de testes de relações emergentes entre os participantes com prérequisitos (Grupo I) e sem pré-requisitos (Grupo II). Nesse sentido, o trabalho apresenta uma novidade, pois demonstrou a importância dos pré-requisitos para aprendizagem de relações monetárias.

Entretanto, não é completamente resolvida a controvérsia existente na literatura sobre a importância de pré-requisitos no repertório de entrada dos participantes para a realização desse tipo de tarefa, já que os resultados aqui apresentados divergem de alguns dados da literatura (Magalhães & Assis, aceito; Rossit, 2003; Rossit & Goyos, 2009), os quais consideraram que o procedimento de ensino seria suficiente para a emergência de relações complexas como equivalência monetária.

Portanto, faz-se necessária a continuação da investigação sobre os pré-requisitos matemáticos para o ensino de relações matemáticas, considerando o tipo de procedimento e o controle de variáveis experimentais como a utilização de critérios claros no mapeamento do repertório de entrada dos participantes.

 

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Recebido em 11 de outubro de 2011
Modificado em 15 de abril de 2012
Aceito em 10 de maio de 2012

 

 

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