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Revista Mal Estar e Subjetividade
versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644
Rev. Mal-Estar Subj. v.6 n.1 Fortaleza mar. 2006
HOMENAGEM PÓSTUMA
A Editoria da Revista Mal-estar e Subjetividade, enlutada com o falecimento do Conselheiro editorial Eugênio Fernandez Garcia, ocorrido em dezembro de 2005, rende-lhe publicamente esta homenagem póstuma e se junta aos seus familiares nessa difícil tarefa de construção de um sentido para a falta deflagrada com a sua ausência.
Eugênio, como chamávamos ao nosso querido amigo, foi apresentado ao editor desta revista durante um quase frio mês de novembro do ano de 1992, na Faculdade de Filosofia da Universidade Complutense de Madri. Era a primeira aula do Seminário Saber e Desejo, prevista para o programa de doutorado em Fundamentos y desarrollos psicoanalíticos do qual Eugênio era responsável naquela universidade, formando a equipe docente com outros integrantes da Universidade Autônoma de Madri, da Universidade Nacional de Estudos a Distância (UNED) e da Universidade Pontifícia de Comillas.
A elegância de suas construções e o humor inteligente com que apresentava as articulações mais complexas do conteúdo fronteiriço entre a filosofia e a psicanálise serviram para construir rapidamente em todos seus alunos uma grande admiração pelo mestre. Firme em suas elaborações, porém constantemente flexível na escuta de novos pensamentos, deixava a todos bastante à vontade para perguntar, questionar, duvidar e desenvolver uma posição a respeito do que ele dizia.
De trato fácil e cativante, Eugênio era um daqueles raros doutores europeus que convidava seus alunos para uma copa na cafeteria da universidade, um gesto pleno e indicador de que a aula poderia se estender a um banquete em que as idéias recém apresentadas seguiam sustentadas por aqueles que, ávidos porsaber, bem poderiam ser comparados aos seguidores do mestre nos imemoráveis tempos da filosofia praticada em solo grego.
Atento a todos, era um amigo que, ao receber seus alunos para uma devolução de trabalho sobre o seminário proferido, seguia página a página as idéias construídas, destacando o que era proveitoso e realçando o caráter do trabalho realizado pelo aluno. Um dia, ao final de uma devolução, me disse Eugênio: Ias mejores cosas viene dei otro lado dei Atlântico. Esta frase eu jamais esqueci e a tomei desde minha posição de estrangeiro em terras alheias como uma marca causada por um mestre que tanto sabia ouvir e, sobretudo, dizer da sua posição hospitaleira, e, sem nenhum constrangimento, elogios ao forasteiro quando necessário fosse. Desta forma o incluía sem o exagero do amparo.
Participante do meu tribunal de defesa de tese doutorai - pois é assim que se chama na Espanha - manteve o humor inteligente, não se esquivando em rebater críticas indevidas e alavancar a função importante de um trabalho doutorai. Sua posição firme e sua excelente qualidade acadêmica, além da grande amizade com seus pares, levaram por aquela época Eugênio ao Vice-decanato da Faculdade de Filosofia da Universidade Complutense de Madri.
Por aquele antanho, eu já havia regressado a Fortaleza, quando em 1998, tive a honra de recebê-lo para proferir a Conferência Magna do 1°. Congresso Mal-estar e Subjetividade. Incansável trabalhador, depois de um vôo de 13 horas entre Madri /São Paulo/ Fortaleza, chegou ao Auditório onde se realizava a abertura do evento e diante dos 400 participantes nos ensinou nuanças importantes da fronteira que tão bem se ocupou na sua brilhante carreira de filósofo. Falou sobre o Mal-estar em Nietsche e Freud.
É esta brilhante conferência que abre a publicação da Revista Mal-estar e Subjetividade. Ali vamos encontrar, logo na primeira página, as primeiras palavras escritas de um texto que Eugênio nos brindou com tanta alegria e vigor. As palavras do mestre estão registradas. Ainda que tenhamos de nos contentar com elas, pois a bem da verdade, desejaria ouvi-las outra vez da boca do sábio, com a certeza de que ao escutá-las acompanharíamos sagazmente um dado outro que atualizaria o anterior.
O importante nesse exercício é que quem o conheceu, como eu, ao ler esses registros, nos resta a imaginação e a memória para quando estancarmos em um ponto, uma vírgula, um final de parágrafo, possamos reviver cenas em que Eugênio esperava, sábio e calmamente, que uma idéia pudesse afluir do aluno a quem causava o desejo de saber.
Adeus, amigo.
Henrique Figueiredo Carneiro
Editor e Organizador