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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev.Mal-Estar Subj vol.13 no.1-2 Fortaleza jun. 2013

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

A repercussão da sociedade de consumo nos vínculos afetivos dos adolescentes

 

The repercurssion of consumption society in the affective bonds of teenagers

 

La repercusión de la sociedad de consumo en los enlaces afectivos de los adolecentes

 

Le répercussion du société de consommation en liens affectifs de les ados

 

 

Karla Cristina Rocha RibeiroI; Regina Perez Christoffolli AbecheII

IProf. Ms do curso de Psicologia da Faculdade Ingá- Uningá. E-mail.: karlafenix@yahoo.com.br
IIProf. Dra. do Mestrado em Psicologia, PPI-UEM. E-mail.: abeche@wnet.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo está vinculado ao projeto de pesquisa-intervenção "Phenix: a ousadia do renascimento do indivíduo-sujeito - fase II" e objetiva fornecer subsídios teóricos para a prática semanal dos acadêmicos do Curso de Psicologia da UEM em sua intervenção junto aos adolescentes de um centro social da periferia da cidade de Maringá. Consiste em uma pesquisa bibliográfica a partir de renomados autores que investigam o tema dos vínculos afetivos prevalentes na atual sociedade, principalmente na fase da adolescência. Para percorrer este caminho analisamos alguns aspectos do cenário político-econômico e cultural a partir da Idade Média até a contemporaneidade, bem como a constituição do psiquismo a partir das relações afetivas estabelecidas entre os homens na contemporaneidade e mais propriamente na fase da adolescência, por ser esta uma fase de grandes mudanças e de novas identificações. Partimos da compreensão de Freud de que o homem é um ser construído no contato com a cultura, um ser do afeto, da falta e do conflito. Portanto, ele necessariamente necessita da relação com seus pares para empreender seu processo de sobrevivência e de individuação. Esperamos que, mediante a reflexão crítica da realidade, seja possível rever conceitos e vislumbrar mudanças, num tempo em que o debate sobre a afetividade e o estabelecimento de laços fraternos se configura como uma saída dos vínculos desruptivos que nos assolam. É importante ressaltar que este estudo não pretende ter uma postura reducionista e finalizante, pois, considera sobretudo a complexidade deste tema, a unicidade e a singularidade dos indivíduos, cada um dos quais apresenta ações e reações tão diversas e inesperadas diante do mesmo "espetáculo" a que estamos todos assujeitados. Da mesma forma, este artigo reitera a importância de pesquisas empíricas com os jovens e adolescentes de forma que a coleta de dados possa então estabelecer maior riqueza com o arcabouço teórico aqui exposto.

Palavras-chave: adolescência; vínculos afetivos; indústria cultural; sociedade de consumo.


ABSTRACT

This article is linked to the intervention research project: "Phenix: the daring of subject individual's renaissance - phase II" and aims to provide reflections for the weekly practice of Psychology students of UEM in their interventions with teenagers of a social center of Maringa's periphery. It consists in a bibliographic research starting with authors that investigate the theme of affective bonds in the current society, mainly in the teenagers' phase. To follow this path we analyze some aspects of the political economic and cultural scenario since Middle Age until Contemporaneity, as well as the psyche constitution regarding the affective relations established by men in contemporaneity, but mainly during adolescence, since this phase provides great change and new identifications. We understand men from Freud's point of view, as beings constituted in the contact with culture, an affective, conflictive and lacking human being. Therefore, he necessarily needs to relate with pals to proceed his survival and individuation. We expect that this critical reflection on reality makes it possible to revise concepts and the perception of changes, in a time when the debate on affections and fraternal bonds mean a way out from the disruptive bonds that ravages us. It is important to highlight that the intention of this study is not reductionist and conclusive, once it considers above all the complexity of the theme, individuals' singularity and their exclusive reaction against the "spectacle" that we are all submitted. In the same way, this article reiterates the importance of empirical researches with teenagers and youths, so that data collection can bring new insights in relation to the theory exposed here.

Keywords: adolescence; affective bonds; cultural industry; consumer society.


RESUMEN

Este artículo está relacionado con el proyecto de investigación-intervención "Phenix: la audacia del renacimiento del individuo-sujeto - fase II" y tiene como objetivo proporcionar sustento teórico para la práctica semanal del curso de psicología académica de la UEM en su intervención con adolescentes de un centro social en las afueras de la ciudad de Maringá. Consiste en una investigación bibliográfica de autores consagrados que investigan el tema de los vínculos afectivos prevalentes en la sociedad actual, principalmente en la etapa de la adolescencia. Para recorrer este camino analizamos algunos aspectos del escenario económico, político y cultural de la edad media a la contemporánea, así como la constitución de la psique de las relaciones establecidas entre los hombres en tiempos contemporáneos y más concretamente en la etapa de la adolescencia, siendo esta una fase de grandes cambios y nuevas identidades. Partimos de Freud para entender los hombres como un ser construido en contacto con la cultura, un ser del afecto, de la falta y del conflicto. Por lo tanto, requiere necesariamente la relación con sus compañeros para llevar a cabo su proceso de individuación y supervivencia. Esperamos que, a través de la reflexión crítica de la realidad, seá posible revisar conceptos y prever los cambios, en un momento cuando el debate sobre la afectividad y el establecimiento de los lazos fraternos se configura como una salida de los lazos desruptivos a hacer estragos. Es importante señalar que este estudio no pretende tener una postura reduccionista y acabado apagado por lo tanto, considera la complejidad de este tema, la unicidad y singularidad de los individuos, cada uno de los cuales presenta acciones y reacciones tan diverso e inesperado en el mismo "espectáculo" que todos estamos sometidos. Asimismo, este artículo reitera la importancia de la investigación empírica con jóvenes y adolescentes para que la recolección de datos puede establecer una mayor riqueza con la teórica aquí expuestos.

Palabras-clave: adolescencia; lazos afectivos; industria cultural; la sociedad de consumo.


RÉSUMÉ

Cet article est lié à l'intervention-projet de recherche "Phenix : l'audace de la Renaissance de l'individu-sujet - phase II" et vise à fournir un appui théorique à la pratique hebdomadaire de cours universitaire de psychologie de l'UEM dans son intervention auprès des adolescents d'un centre social à la périphérie de la ville de Maringá. Se compose d'une recherche bibliographique des auteurs de renom qui enquête sur le thème des liens affectifs répandue dans la société actuelle, surtout au stade de l'adolescence. Pour parcourir ce chemin que nous analysons certains aspects de la scène politique et économique et culturelle du Moyen Age au contemporain, ainsi que la Constitution de la psyché des relations établies entre les hommes, à l'époque contemporaine et plus précisément au stade de l'adolescence, cela étant une phase de grands changements et de nouveaux identifiants. Nous sommes partis de Freud la compréhension que l'homme est qu'un être construit en contact avec la culture, un être de l'affection, de l'absence et le conflit. Par conséquent, il faut nécessairement la relation avec leurs pairs d'entreprendre sa survie et son processus d'individuation. Nous espérons que, par une réflexion critique de la réalité, il sera possible de revoir les concepts et envisager des changements, à un moment où le débat sur l'affectivité et la mise en place d'obligations fraternelles est configuré comme sortie des liens desruptivos à ravager. Il est important de noter que cette étude n'est pas prévue d'avoir une position réductionniste et arrivée devant considère donc la complexité de cette rubrique, l'unité et l'unicité des individus, chacun d'entre eux présente les actions et réactions aussi diverses et inattendues sur le même « spectacle » que nous sommes tous soumis. De même, cet article réaffirme l'importance de la recherche empirique avec les jeunes et les adolescents afin que la collecte de données peut alors établir une plus grande richesse avec le théoriques exposés ici.

Mots-clés: l'adolescence; des liens affectifs; industrie culturelle; la société de consommation.


 

 

Introdução

Este artigo apresenta um estudo dos vínculos afetivos prevalentes na atual sociedade de consumo, principalmente na fase da adolescência. Parte da perspectiva que o cenário histórico e social constitui um fator imprescindível na construção subjetiva dos homens, a qual ocorre mediante o processo de socialização. Em outras palavras, os indivíduos dependem uns dos outros, e por contínuos processos de identificação com os valores da cultura, expressos nas relações interpessoais, eles se constituem sujeitos em relação a si próprios e ao outro.

Para estabelecer a relação entre indivíduo e cultura utilizou-se o referencial teórico da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, principalmente do pensador Theodor Adorno, e para compreender os mecanismos subjetivos e culturais envolvidos na questão dos vínculos afetivos recorreu-se à psicanálise. Uma vez que o estudo dos vínculos afetivos entre os homens implica entender o vínculo como uma relação particular com o objeto, tanto interno quanto externo (Pichon-Riviere, 1986), efetuou-se uma análise psicossocial para compreender as estruturas envolvidas nos processos afetivos entre os homens.

Para Aries (1991), cada época histórica e cada sociedade cria seus próprios discursos no sentido de construir subjetividades que possam manter os papéis sociais que irão prover a manutenção do status quo imposto pelos grupos sociais hegemônicos.

Desse modo, a fim de compreender as mudanças socioeconômicas e culturais na história e avaliar as ressonâncias externas na subjetividade e na forma de socialização dos indivíduos, fenômenos que repercutem em mudanças qualitativas na construção dos vínculos afetivos entre as pessoas em geral e de modo especial entre os adolescentes, faremos um breve recorte a partir do período histórico referente à transição da Idade Média para o início da construção da chamada Modernidade.

 

A Dimensão Histórica dos Vínculos Afetivos

O final do século XV foi um período de rompimento com os valores medievais. Nesse momento histórico constatou-se a mudança do sistema de produção feudal para o início do capitalismo no limiar do século XVI, o que provocou mudanças substanciais na forma de trabalho, e por consequência, nas mediações sociais dos indivíduos. O trabalho que no modelo medieval era executado por artesãos em oficinas foi paulatinamente substituído pela produção em série nas fábricas, modelo em que prevalecia a impessoalidade, além de que as rotinas eram exaustivas e alienantes. Nessa sociedade de produção, as instituições família e Igreja exerciam forte presença enquanto ideologia organizadora das trocas sociais, e sintetizavam o poder da autoridade paterna.

Outra mudança relevante ocorreu no campo da organização social do trabalho, pois até a Idade Média as classes sociais se limitavam a nobres, servos e clero. Segundo Aranha (1986), esta situação se alterou com o advento de uma nova classe comercial, a burguesia, que, advinda dos burgos, era formada por antigos servos que, por meio de seu trabalho haviam comprado sua liberdade, desligando-se assim do poderio do senhor feudal.

Entre as transformações ocorridas em quase todos os campos de atuação humana no período de instalação do capitalismo encontra-se a substituição da teoria geocêntrica pela nova teoria heliocêntrica. Esta teoria não apenas retirou a Terra do centro do universo, mas também esfacelou a construção estética que dividia o mundo entre "mundo superior dos céus" e "mundo inferior da Terra".

Neste contexto, o (re)nascimento científico ocorreu como uma expressão da nova classe burguesa, que necessitava ter a ciência a seu serviço para investigar e manipular a natureza com o objetivo de atender à sua proposta de máximo lucro. Ademais, a ciência deixou de ser monopólio da teologia e passou a se ligar indissoluvelmente à razão técnica, com vistas a solidificar o papel social da nova classe emergente.

Surge assim um novo modelo de homem social, cujo pensamento norteador era o antropocentrismo, ou seja, o homem como centro do universo. Em outras palavras, o homem moderno colocou-se a si próprio no centro dos interesses e na tomada de decisões. Com isso, descobriu sua capacidade racional de investigar os problemas da natureza e questionar os paradigmas relativos ao conhecimento que tinha de si mesmo:

[...] o que ocorre, então, é o surgimento de um novo homem, cujo valor se encontra não mais na família ou na linhagem, mas no prestígio resultante do seu esforço e capacidade de trabalho. (Aranha, 1986, p.141)

Este panorama científico, político e social ficou historicamente conhecido como o período do Renascimento, ou seja, como o resgate dos ideais da antiguidade greco-romana que especulavam sobre a explicação do mundo antes do período da Idade Média. Estas transformações construíram o alicerce para uma série de outras mudanças, que fizeram do século XVIII o chamado "Século das Luzes", mais conhecido como período do Iluminismo. A mudança principal de paradigma que este movimento trouxe em seu cerne era a busca pela razão e pelas evidências intelectuais, mas, sobretudo a audácia da dúvida acerca de explicações já existentes. Neste ponto, em que a ciência já se encontrava aliada à técnica, iniciou-se o despontar de um homem que não mais se contentava em explorar a natureza, antes queria dominá-la. Tal exaltação do poder do homem provinha em grande parte do ideal burguês de inteligência e espírito de iniciativa.

O sistema capitalista ganhou corpo e foi desse período um acontecimento crucial para o fortalecimento do modo de produção capitalista: a Revolução Industrial, a qual foi marcada pelo aparecimento da máquina a vapor, em meados do século XVIII, e introduziu o processo de mecanização das indústrias e o aumento da produção. Várias outras revoluções se sucederam a essa: a independência dos EUA (1776) e a Revolução Francesa, em 1789 são exemplos disso. Esta última, devido a sua importância histórica e social, constou como o marco político que inaugurou a Idade Moderna (Aranha, 1986).

Durante esse período houve um crescimento exacerbado das cidades, devido à migração dos camponeses do campo para as cidades. Com isso, sucederam-se mudanças na forma de trabalho, principalmente com o advento das fábricas, onde as horas de trabalho eram exaustivas e o homem não tinha uma visão completa da produção, desenvolvendo apenas uma função na execução da tarefa. Este processo de transformação do trabalho gerou a alienação do sujeito em relação ao objeto produzido, ou seja, ele se tornou incapaz de se reconhecer como produtor dos bens materiais e a ele foram negados seus próprios processos criativos e subjetivos, dispensados na produção das mercadorias. A produção em série acarretou também uma perda da identidade por parte do trabalhador. Ainda segundo Santos (1986), com a Revolução Industrial a substituição progressiva do homem pela máquina gerou um tipo de indivíduo mecanizado, que se tornou solitário na multidão das grandes cidades.

Neste panorama, Fucks (2003) anuncia que, mesmo submetido a mudanças qualitativas no padrão econômico e social, o homem, se comparado com o da Idade Média, ainda procurava dotar a sua vida de consistência moral e sentido ético, e dava um lugar preponderante aos sentimentos e um suporte emocional a seus vínculos e instituições. Tentava se libertar de poderes e discursos unívocos e cristalizados que pudessem colocar em risco seu futuro, e para isso possuía parceiros nas lutas e confrontos coletivos. A autora analisa ainda que os vínculos de amor se faziam presentes, até mesmo carregados de exaltação e dramaticidade. Pode-se dizer que o homem moderno vivenciava e revolucionava o processo histórico como ser agente das mudanças sociais. Já na contemporaneidade, majoritariamente configuram-se sujeitos indiferentes em relação ao campo afetivo romântico, sem grandes ideais e, por consequência, sem disposição para estabelecer projetos individuais ou coletivos.

Nas relações interpessoais a possibilidade de dialogar cede espaço a imagem e a palavra perde relevância como suporte do pensamento e da subjetividade, e também como suporte da intersubjetividade e do vínculo. (Fucks, 2003, p.73)

Com o capitalismo melhor instalado houve uma reconfiguração nos modelos sociais nos mais diversos âmbitos. A sociedade de produção deu lugar a uma sociedade de consumo, e por consequência, novas mediações sociais e ideológicas foram estabelecidas. Neste sentido, ao mesmo tempo em as instituições familiares e estatais perderam força, potencializaram-se os aparatos ideológicos que visam ao estímulo crescente à circulação e consumo de mercadorias.

De acordo com Lyon (1994, tal qual citado por Outeiral, 2000), o atual panorama social decorre dos processos históricos anteriores, mas não consiste em uma mera repetição destes. Este período, denominado de pós-Modernidade por alguns autores, constitui a fase pós-industrial de um conjunto de mudanças profundas ocorridas desde o final do século XX nos países industrializados. Apesar de polêmico e não ser o intuito investigar se estamos ou não na pós-Modernidade, o tempo denominado de pós-Modernidade tem sido recorrente e expressa as características do momento atual, razão pela qual neste artigo será utilizado o termo Contemporaneidade. As mudanças atuais englobam modificações na forma de trabalho, sendo prevalente a forma do trabalho flexível. O ambiente, que até então era vivenciado apenas como espaço físico, com o avanço da tecnologia torna-se também virtual e pode ser experimentado como tal, e os indivíduos saem do chão das fábricas e são transportados para os novos templos do consumo, os shoppings centers.

Segundo Adorno (1986a), a grande propagadora da ideologia que fomenta o consumo é a chamada Indústria Cultural, que transmite as ideias da classe dominante para o restante da sociedade a fim de reduzir o indivíduo à condição de massa amorfa e fazê-lo funcionar mentalmente de forma regressiva para assim garantir o avanço econômico e o lucro capitalista. Seu objetivo é perpetuar o consumismo e o status quo capitalista.

Para melhor entender o conceito de indústria cultural, Adorno (1986a) escreve que

[...] A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto de seus consumidores. Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais ela se dirige, as massas não são então o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo; acessório de maquinaria. O consumidor não é rei como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é sujeito da indústria, mas seu objeto (Adorno, 1986a, p. 92-93).

Ou seja, para o autor, a cultura na sociedade de consumo de massa pela primeira vez não exerce mais o papel de processo civilizatório comum a todas as sociedades (conjunto de instituições criadas pelo homem para mediar sua relação entre si e proteger o homem contra a natureza, Freud, (1930/1981a), ficando esse papel reduzido ao seu aspecto mercantil de produção e consumo em massa. No contexto da indústria cultural o indivíduo permanece submetido aos valores social-mercadológicos da cultura de massa, mas estes não provêm das massas, permanecendo padronizados e transformados em consumidores, isto é, violentados, porque reduzidos a uma lógica monetária e individualista. Os indivíduos não encontram possibilidades subjetivas de se constituir como sujeitos autônomos nem de manter íntegra sua capacidade cognoscitiva.

Para Santos (1986), o indivíduo inserido na ideologia da sociedade de consumo atual é o indivíduo atomizado, individualista, pois vive sem projetos, sem ideais, a não ser o de cultuar sua autoimagem e buscar a satisfação no aqui-e-agora por meio do consumo. O apelo exacerbado ao consumo, proveniente de uma sobrecarga de informações vindas de todos os meios de comunicação, torna o indivíduo, em certa medida, desinteressado e indiferente em relação aos problemas sociais: "saturada de informações e serviços, a massa começa a dar uma banana para as coisas públicas... é sua colorida apatia frente aos grandes problemas sociais e humanos". (Santos, 1986, p.88).

Adorno, 1986b e Debord, 1997 anunciam que na atualidade a sociedade passa por mudanças nos tipos de vínculo em que a falta de leis e parâmetros de amorosidade, tanto no interior das famílias quanto nos demais grupos, faz com que a cooptação do indivíduo pela massa seja continuada. As preocupações do homem atual privilegiam o imediato, e as antigas instituições - como a família - ganham uma forma mais liberal; o senso de história e continuidade perde o sentido e o homem passa a viver sem tradições e sem projetos futuros.

Para Baudrillard (1991), um dos aspectos mais gerais capazes de caracterizar este período histórico é o chamado simulacro. Simulacros são entendidos como "cópias que não têm originais ou de originais que foram perdidos. São imagens assassinas do real, assassinas de seu próprio modelo" (p.12). Para esse autor, o simulacro não se refere a nenhuma realidade, ele apresenta-se como uma hiper-realidade que visa compensar o desaparecimento do real e possibilita ao indivíduo o pseudoacesso aos bens materiais produzidos por meio de um profundo apelo ideológico, que enfraquece o ego e contribui como princípio norteador para a reprodução das condições sociais vigentes (Adorno, 1986b). Para explicitar este pensamento Fucks (2003) registra que há prevalência da aparência em detrimento de qualquer profundidade, mais intercâmbio de imagens do que de emoções e palavras.

O impacto psicológico do simulacro na vida do indivíduo, no dizer de Alves et al (2005) encontra-se refletido no consumismo compulsivo e alienante, que por meio de uma indústria de informação fomenta o consumo personalizado e faz com que a mercadoria gere nas pessoas uma (falsa) sensação de preenchimento e felicidade.

A passagem de uma sociedade de produção de mercadorias para uma sociedade de consumo mediada por uma propagação da cultura de massa em escala global conduziu ao esfacelamento de valores morais e institucionais existentes até então.

Assim, a ideologia do consumismo apreendido no trânsito com a cultura - mundo do trabalho, mídia, relações interpessoais - desfaz princípios, regras e valores e com isso deixa o indivíduo entregue a si mesmo, sem o amparo dos pares e da cultura. Este desamparo reflete-se na constituição subjetiva e em última instância promove novas reconfigurações no ethos cultural.

 

A Relação entre Construção de Identidade e Sociedade Atual

Para Ciampa (1994) o processo de construção da identidade ocorre por meio do processo de identificação, e os dois encontram-se interligados, de modo que um não se constitui sem o outro, estão ambos em movimento constante no decorrer da vida do sujeito.

De acordo com Laplanche e Pontalis (1988):

Identificação é um processo psicológico pelo qual o indivíduo assimila um aspecto, um atributo do outro e se transforma total ou parcialmente segundo o modelo desta pessoa. (Laplanche & Pontalis, 1988, p.295)

Ciampa (1994) então indaga: Nós nos tornamos algo que não éramos ou nos tornamos algo que já éramos e estava como que 'embutido' dentro de nós? (p.61). Ou seja, seria a cultura a maior influência da constituição do ego do sujeito ou seriam os traços psicológicos e biológicos? Segundo o mesmo autor, não é possível dissociar uma coisa da outra, já que a identidade é uma totalidade contraditória, mutável, formada por múltiplas combinações, que se alteram devido ao trabalho da cultura, ou espontaneamente, ao longo da vida de cada sujeito. A identidade enquanto emanação da existência concreta do sujeito é formada de múltiplas determinações e papéis sociais que refletem a estrutura social ao mesmo tempo em que reagem sobre ela conservando-a ou a transformando (Ciampa 1994, p.67).

No que se refere à identidade constituída a partir do contato com o contexto social atual, Alves et al (2005) afirma que o estado de realidade pouco objetiva e por vezes virtual significa não só a dissolução da realidade objetiva, mas também a dissolução do sujeito humano que se encontra vazio, sem nenhuma vida interior ou intimidade e sem referenciais sólidos nos quais possa se apoiar para construir seus valores. Pelo contrário, os valores morais estão submetidos à lógica do mercado, segundo a qual o consumo compulsivo e alienado assume o centro da cena.

A fugacidade do consumismo banalizado e da vida perpassada pela mercadoria denuncia em seu âmago tanto a vitória do estilo de vida capitalista de livre comércio quanto a sua repercussão na precariedade e fragilidade dos vínculos humanos. As leis e as regras morais que deveriam ser os enunciados organizadores do coletivo - segundo Freud (1915/1981b), a força de uma comunidade - despontam na cultura contemporânea de forma frágil e pouco delineada, ou seja, não suficientes para se tornarem referenciais gerais.

Atualmente, a mercadoria equivale ao grande outro da relação e o dinheiro o grande mediador das trocas sociais afetivas. Vivemos um tempo de valores voláteis e da vida acoplada à mercadoria. Um exemplo disso está nas palavras de Adorno e Horkheimer:

A maneira pela qual uma jovem aceita e se desincumbe de um namoro obrigatório (...) até mesmo a vida interior organizada segundo os conceitos classificatórios da psicologia profunda vulgarizada, tudo isso atesta a tentativa de fazer de si mesmo um aparelho eficiente e que corresponda, mesmo nos mais profundos impulsos instintivos, ao modelo apresentado pela indústria cultural. As mais íntimas relações das pessoas estão tão completamente reificadas para elas próprias que a ideia de algo peculiar a elas só perdura na mais extrema abstração. A mimese compulsiva dos consumidores, pela qual se identificam às mercadorias culturais que eles, ao mesmo tempo, decifram muito bem. (Adorno & Horkheimer, 1985, p.145)

Com isso, o autor aponta para o fato de que, os valores morais que humanizam os indivíduos, assim como suas relações afetivas, estão sendo paulatinamente substituídos pelos valores da cultura do consumo e pelos modelos identificatórios de massa; ou seja, a mídia em geral trabalha criando a ilusão de personagens perfeitos com os quais os indivíduos se identificam por meio do consumismo das marcas de produtos veiculadas por tais personagens. Neste sentido, o outro humano sai de cena e entra a mercadoria com suas promessas de beleza, força, charme, glória, fama, amor, fabricadas especialmente para trazer o engano da felicidade aos seus consumidores incautos.

A satisfação a qualquer custo atende a uma dimensão pulsional do id, ou seja, uma instância primária e inconsciente do psiquismo que visa à satisfação imediata e não escolhe seus objetos. O id funciona segundo as leis de onisciência, onipresença e onipotência, e deseja a satisfação libidinal ilimitada, que o meio externo promete por meio de um jogo de enganos e seduções, expresso na imagem glamourizada e fetichizada das mercadorias, a qual tem por objetivo manter o indivíduo encapsulado no consumo alienante e compulsório em detrimento de atender às necessidades e ao conforto do ser humano.

Desse modo, a cultura do consumismo, ao ludibriar o consumidor "impondo-lhe" a satisfação exclusivamente via aquisição de mercadorias a qualquer custo, mobiliza as fantasias localizadas no id, sendo que este acaba por sucumbir aos apelos sensacionalistas de uma máquina mortífera (mercado), que para a sua manutenção se utiliza, na maioria das vezes, do investimento de energia proveniente do id. Este processo mantém o indivíduo regredido e infantilizado, à mercê dos ditames sociais e de processos mentais primários. A escolha pertence ao ego, que, ao ser constantemente ferido em sua autonomia, acaba por se enfraquecer e consequentemente impossibilitar-se de escolher/decidir (Freud, 1927/1981c). Assim,

a fraqueza do ego associada ao investimento que o próprio processo ideológico exige dos que nele estão envolvidos constitui a base subjetiva para a reprodução das condições sociais vigentes. (Cohn, 1986, p.18)

O apetite voraz dos vários tipos de mídia, a entrega à própria sorte e a submissão à lógica da industrialização da cultura delineiam este novo contexto social, que repercute na constituição subjetiva dos indivíduos. Em outras palavras, este arcabouço ideológico será introjetado durante o processo da construção da identidade, que se constituirá de modo a dar adesão ao sistema vigente que produz e mantém o status quo.

Segundo Araújo, Caniato e Cesnik (2005), os valores da sociedade atual, por serem voláteis e mutantes, não representam para o sujeito um norte, ou seja, não possibilitam a criação de um vínculo sólido. Dufour (2001, p.4) corrobora esta linha de pensamento ao anunciar que os valores da contemporaneidade manifestam o mesmo sintoma de decadência. E não paramos de perceber o declínio da figura do Pai na modernidade ocidental.

No entanto, para que esse indivíduo possa se constituir enquanto sujeito de sua própria história, com a autonomia de quem passou pelo processo de individuação, é salutar que ele tenha pertencido ou se haja submetido a um grupo para que possa romper com este de forma a "desidealizá-lo" e continuar a construir sua identidade sabendo-se humano/finito. É por meio do sentimento de pertinência a uma família ou a um grupo social que o indivíduo se encontra em condições de buscar seu amparo.

 

As Relações Humanas da Época Atual

Segundo Freud (1930/1981a), a cultura é o processo de dominação da natureza pelo homem e a busca humana pelo aperfeiçoamento. Em outras palavras, a cultura, no plano ideal (hipotético), seria capaz de possibilitar a vida em sociedade e o amparo material para uma digna e justa condição de existência dos homens.

Freud (1930/1981a) afirma, ainda, que, na condição de ser da dependência, o homem busca no outro humano e na vida coletiva as garantias de sua sobrevivência e as estratégias para lidar com suas três grandes fontes de sofrimento, que para o autor consistem na falência do próprio corpo, na impossibilidade de dominar totalmente a natureza e na relação com os outros homens.

Destarte o processo civilizatório decorre de uma tentativa do indivíduo de buscar o amparo da cultura para garantir a sua sobrevivência, mas sua entrada na cultura ocorre por meio de uma acentuada restrição/renúncia dos instintos, pois a civilização impõe grandes sacrifícios à sexualidade e à agressividade do homem. Portanto a renúncia pulsional equivale ao preço da vida em sociedade, de modo que o indivíduo precisa fazer um investimento libidinal na repressão dos instintos desagregadores do coletivo, por conseguinte a repressão é o que norteará os limites entre o proibido e o permitido.

Para Freud (1930/1981a) o superego de um indivíduo tem origem análoga à construção social da ordem e da lei, e por este motivo podemos traçar paralelos entre o superego individual e as leis que ordenam a sociedade.

Segundo Levisky (1998), a cultura atual não cultiva valores humanos que preconizem o convívio em grupo, mas sim, valores desagregadores, que se manifestam no individualismo exacerbado, na incitação ao lucro e na liberalidade das pulsões, proporcionando assim vínculos frágeis e imediatos entre os indivíduos. Ainda segundo o autor, as configurações da cultura atual concorrem para a manutenção e a renovação do mercado e causam sérios prejuízos à construção da subjetividade dos indivíduos e em especial dos adolescentes:

[...] o esmaecimento dos limites, dos valores, dos costumes, da ética e da moral geram confusão, indiferença e sentimentos de impotência prejudicando a estruturação egóica do jovem que necessita da contraposição para alcançar seus próprios valores e construir sua autoimagem (Levisky, 1998, p. 25).

Estes novos valores que permeiam a cultura contemporânea levaram a um novo tipo de processo de subjetivação humana, em que os elementos oferecidos para a construção da identidade vêm sendo bombardeados por modelos identificatórios - difundidos pela mídia - repletos de valores da cultura atual, com o objetivo de formar subjetividades cúmplices do poder hegemônico (Adorno, 1986a). Desse modo, o período de desenvolvimento chamado de "adolescência" ganhou na cultura atual uma nova configuração.

 

Ser Adolescente na Contemporaneidade

O termo adolescer tem suas raízes na civilização greco-romana, que empregava o verbo adolere para designar arder, queimar. Esse verbo, juntamente com o prefixo ad, indica em direção a (Pinheiro & Moura, 2000, p.232); assim, o termo adolescer significa ir em direção à dor, ao que arde ao que queima.

A adolescência como se conhece hoje demorou a surgir. Segundo Stengel (2003), até o século XVIII adolescência e infância se confundiam. O surgimento da adolescência como uma idade autônoma e particular no ciclo do desenvolvimento data do final da Primeira Guerra Mundial. Nesse período o adolescente se tornou alvo de ações educativas, políticas, sociais e também do mercado consumidor de vários bens destinados exclusivamente a esse período do desenvolvimento.

A infância é encarregada de preparar o futuro, de se preparar para alcançar o sucesso que faltou aos adultos. Tal tarefa é longa e laboriosa, isso força a invenção da adolescência, que é um derivado contemporâneo da infância moderna. (Calligaris, 2000, p.67).

Existe uma fase de transição universal entre a infância e a idade adulta, determinada por mudanças biológicas, a qual é denominada de pubescência. Já a adolescência é um "ato da cultura" (Stengel, 2003, p.23), o modo como cada sociedade trata este período é determinado culturalmente, segundo costumes e formas de organização da sociedade. A identidade só poderá ser construída em referência a um mundo no qual o individuo está objetivamente localizado e a partir da interação social (Stengel, 2003, p.25).

Calligaris (2000) descreve a adolescência como uma das formações culturais mais poderosas da contemporaneidade, por ser este um momento de assimilar valores da comunidade, da vida adulta e também de grandes conflitos. O autor defende a ideia de que a

[...] adolescência é uma interpretação de sonhos adultos, produzida por uma moratória que força o adolescente a tentar descobrir o que os adultos querem dele. As condutas adolescentes são tão variadas quanto os sonhos e desejos reprimidos dos adultos. Por isso elas parecem (e talvez sejam) todas transgressoras. No mínimo, transgridem a vontade explicita dos adultos. (Calligaris, 2000, p.33)

A imagem da adolescência constitui-se como uma via de mão dupla: de um lado um ser "mutante" que tenta adentrar no mundo do adulto e ser reconhecido como adulto; de outro, os adultos, que formam dos adolescentes a imagem de livres e rebeldes, imagem que corresponde à atuação de seus próprios desejos, principalmente numa cultura em que os valores centrais são individualismo e independência, que expressam parte dos conflitos do período da adolescência. Assim, como a cultura dispensa os adultos do seu papel de tutela, a rebeldia do adolescente acaba por se tornar um ideal cultural. Calligaris (2000) afirma que a adolescência surge como um ideal necessário ao mundo contemporâneo, precisamente por criar uma atmosfera de rebeldia, de liberdade individual e de desobediência. Ou seja, cabem aos adolescentes a transgressão de valores e a criação de condutas que incorporem o desejo de parte de uma sociedade. Os adolescentes não são somente um ideal em relação à infância, mas também um ideal identificatório, pois os adultos podem querer ser adolescentes.

Idealizar os prazeres da adolescência é uma maneira de querer menos consolo com perspectivas futuras e mais satisfação imediata. Queremos ver os adolescentes felizes porque eles seriam apenas a caricatura despreocupada de nós mesmos. Portanto, atingíveis (Calligaris, 2000, p.70).

De acordo com Ramos e Martins-Pinheiro (2000), a cultura atual impôs a necessidade de nomear a adolescência como um produto da época, em substituição aos rituais abandonados que faziam parte deste período. Surge assim como "algo novo", como uma fase que existe por si só, sem depender do outro.

A abolição da distância entre o sujeito e o outro. A pós-modernidade corresponde, com efeito, ao espaço onde se começou a definir o sujeito social por sua autonomia (...) e onde se começou a dar uma definição de sujeito auto referencial. (Dufour, 2001, p.20)

O autor postula que os valores socioculturais da época atual transformaram a distância em relação ao outro na distância de si mesmo. Neste contexto, em que a adolescência é um ideal para todas as idades, o adolescente acabou se tornando um ideal para si mesmo. Ele é levado, pelo olhar complacente dos adultos e admirador das crianças, a se tornar cada vez mais a cópia de um estereótipo criado para atender à atual sociedade de consumo.

De acordo com Parra (1983), neste período o indivíduo realiza de maneira acentuada seus processos de socialização fora do ambiente familiar e desloca-se da família para seus pares, indivíduos com a mesma idade e com vivências parecidas. A comunidade do adolescente passa a ser um grupo restrito de pares que com ele compartilha o estilo de vida, em decorrência das mesmas escolhas. Nesses grupos ele procura uma integração e uma aceitação que não consegue no mundo adulto. Por isso os adolescentes criam grupos em que possam encontrar e trocar aquilo que os adultos se recusam a dar-lhes. Este processo se configura como uma continuação do processo de identificação que este sujeito iniciou nos primeiros anos de vida, e está intimamente relacionado à novela familiar anteriormente vivida.

Para Bleichmar (1981), o indivíduo-sujeito se constitui na sua relação edípica. No menino, ao se encontrar em uma relação simbiótica com a mãe e ao descobrir que seu corpo é diferente do corpo da mãe, entra em cena a angústia da castração, que o faz aceitar os interditos (função do pai) de uma terceira pessoa na relação. Já para a menina, a entrada no Édipo ocorre pela constatação de que ela é castrada, e por isso, decepcionada por se perceber faltante, rompe com a mãe. Nas palavras de Araújo:

Nessa trama o pai é o representante da lei, dos valores, ou seja, da cultura. A criança não aceita facilmente a entrada desse pai que representa o interditor, é sob forte sentimento de ambivalência, uma disputa pulsional dramática entre o amor e o ódio que a criança sucumbe e admite a condição de ser o terceiro excluído. (Araújo, 2005, p.6)

Nessa trama o pai é o representante da lei, dos valores, ou seja, da cultura. A criança não aceita facilmente a entrada desse pai que representa o interditor, é sob forte sentimento de ambivalência, uma disputa pulsional dramática entre o amor e o ódio que a criança sucumbe e admite a condição de ser o terceiro excluído. (Araújo et al, 2005, p.6)

Nas palavras de Ramos e Martins-Pinheiro (2000), a criança precisa aceitar conviver com a existência do pai como um terceiro limitador, para que a fusão mãe-bebê possa ser desfeita e possa surgir um ser pensante capaz de produzir novos encontros e novas histórias. Esse processo de passagem pelo complexo de Édipo, que para Freud é considerado positivo, tem como instância psíquica emergente o superego, que exerce o papel de regulador dos investimentos narcísicos (em si mesmo) e propicia as forças necessárias para este sujeito se sentir capaz de viver como o terceiro excluído e buscar novas relações, com novos pares fora do contexto da sua própria família. Desse modo, Fucks (2003) analisa que é a partir do significado simbólico da função paterna que a espécie humana pode se reproduzir, inclusive na subjetividade. O processo civilizatório se apoia justamente na figura do pai, pois o sujeito se priva da satisfação irrestrita e instintiva do desejo sexual para buscar na cultura (correlato do pai) o amparo e a necessária proteção para a vida em sociedade.

Não obstante, a autoridade parental, que é ponto central nestes processos identificatórios, depara-se na atualidade com uma série de entraves sociais e até mesmo culturais para existir. Os meios de comunicação, que influenciam também os pares - os amigos dos adolescentes - acabam por ter mais espaço no processo educacional do jovem do que os próprios pais. Para Costa:

O efeito mais daninho do enfraquecimento da autoridade é a generalização social do desrespeito e da indiferença para com o outro. Sabemos, pelo menos desde Freud, que o amor ao próximo é uma destas tarefas impossíveis pedidas ao sujeito. Nossa capacidade de amar - se por isto entendermos a disposição para cuidar, proteger, orientar de perto, abrir mão de interesses próprios, etc, em benefício dos que amamos - pois bem, isto é um trabalho dificílimo. Mesmo para os que entendem amor ao próximo como prega o cristianismo, isto é, como amor CARITAS, pôr em prática tal amor é algo que se busca aperfeiçoar por toda a vida, é um exercício que apenas termina quando se morre. (Costa, 1989, p.21).

Assim, a autoridade parental é a responsável por cultivar no sujeito a tolerância à frustração e o manejo dos conflitos. Sendo o homem o ser da dependência, o desenvolvimento do ego está ligado à maneira pela qual o sujeito irá lidar com seus conflitos, ao modo como irão mediar as demandas internas e externas e principalmente à forma como irá se relacionar com seus pares e empreender seus vínculos, tendo-se em vista que o superego é uma parte do ego modificada (Freud, 1927/1981c). O bom diálogo entre ego e superego dependerá, em grande parte, da maneira como tal superego se configura, ou seja, da relação que este sujeito tenha construído com seus pais, no ambiente familiar, a qual é proveniente de sua educação e de seu processo de socialização.

A repressão, a renúncia e a introjeção das leis são fundamentais e fundantes de identidades autônomas e egos capazes de síntese. A destruição deste processo atua numa rede de prejuízos que vão desde a massificação dos indivíduos aos processos ideológicos sociais até a destruição de vínculos de amor e valores morais preservadores da vida.

Já na década de 1950, Adorno (2003) postulava que o relacionamento dos filhos com os pais começava a ficar cheio de sombras. O autor reconhecia o poder agregador e revolucionário da família e entendia que sua destruição pela ideologia da sociedade seria nefasta para o indivíduo, enfraquecendo-o e condicionando-o a uma servidão voluntária.

 

Vínculos Afetivos na Sociedade Atual

Maar (2003, p.19) afirma que as relações sociais não afetam somente as condições da produção econômica e material, mas também interagem no plano da subjetividade. Portanto, para investigar os vínculos afetivos na sociedade de consumo atual faz-se necessário investigar primeiro a constituição do superego concernente aos valores impingidos socialmente e internalizados pelo sujeito. Segundo Pichon-Riviere (1986), vínculo é uma interação dialética entre os objetos internos e os externos do sujeito. Ainda segundo o autor, vínculo consiste em:

uma estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto, e sua mutua inter-relação com processos de comunicação e aprendizagem (Pichon-Riviere,1988, p.12).

Com isso, entende-se que a constituição de vínculos requer não somente o mecanismo interno, mas também valores apreendidos socialmente por meio da comunicação e da aprendizagem em uma dada cultura.

Freud (1927/1981c), ao descrever o ego e o superego, afirma que se o indivíduo não é capaz de construir no ego algumas restrições por meio do ideal de ego (aquilo que se deseja ser) e do superego, o ego acaba por servir de modo prevalente ao id (pulsões). Destarte, o superego quando, não há a introjeção de um ideal de ego que possibilite a restrição, o limite responsável por estabelecer os limites entre o eu e o não-eu, encontra-se impossibilitado para contribuir na diferenciação eu-não eu, ou seja ser um, diferenciar-se do outro Assim, os limites (ou a falta deles) são postulados pela cultura do gozo absoluto, em que o ideal de ego, ou seja, aquilo que se quer ser (pai, mãe) encontra-se substituído pelos modelos identificatórios da cultura de massa. Quando o superego não se constitui de um interdito claro e afetivo, favorece o mundo externo ser internalizado sem julgamento ou crítica pelo aparelho perceptual ao mundo interno dos sujeitos (função do ego).

Desse modo, a cultura desampara o indivíduo ao deixá-lo entregue ao sofrimento da violência simbólica destrutiva escamoteada pela ideologia da indústria cultural Tal situação dificulta ao indivíduo acionar sua capacidade de discriminar e de se proteger, ao mesmo tempo em que o submete a uma sociedade do espetáculo (Debord, 1997), na qual se vive a imagem, sob a lógica de ser o que se aparenta ter. Neste ínterim a exibição do corpo e da sua performance passam a ser a identidade do indivíduo. Este então é lançado na ciranda da homogeneização da cultura e do avanço tecnológico desenfreado, o que de um lado abre inúmeras possibilidades de subjetivação, e de outro, causa uma perda da substancialidade, em decorrência justamente dessa perda de experiências individuais (Amaral, 2001). Isto se deve a que os valores impingidos nos indivíduos pelos meios de comunicação de massa são apenas vivências de um real fabricado.

Segundo Franco (2003), vivência consiste na circunstância que não permite ao indivíduo o tempo necessário para assimilar o estímulo, mas ao contrário, obriga-o a responder instantaneamente a tais estímulos ameaçadores, os quais, por seu ímpeto e fugacidade, impedem o sujeito de assimilá-los ou de sedimentá-los, e desse modo, de se apropriar deles na forma de conhecimento acumulado, ou ainda, de experiência de vida. A experiência, segundo esse mesmo autor, pode ser concebida como o conhecimento resultante do desenvolvimento total de um processo de trabalho longo e demorado, o qual implica também o domínio de sua forma de assimilação e transmissão. Neste ponto, a cultura, outrora concebida como o processo civilizatório que busca em sua gênese ideal dar amparo aos homens, na época atual passa por um esvaziamento, pois, segundo Cohn (1986), é um tipo de cultura tomada em seu aspecto mercantil. Desse modo, não pode ser considerada cultura, pois está subordinada à lógica da circulação da mercadoria e não mais a sua própria lógica (Cohn, 1986, p.93).

Neste eixo de pensamento, para Amaral (2001), na atualidade existe um grande paradoxo imposto pela cultura ao superego do indivíduo: de um lado exige-se que ele se submeta aos ditames da sociedade, nela se diluindo, e do outro, que ele se transforme em um modelo original desta sociedade sob a fantasia, imposta pela mídia, de que cada indivíduo é diferente um do outro. Em ambos os casos, porém, a ideia é que o indivíduo se basta a si mesmo e que a figura do outro é simplesmente a figura do objeto de um desejo narcísico, cuja finalidade é a satisfação imediata.

No caso da adolescência, que é o alvo dos desejos da sociedade do consumo, com certa frequência ouve-se falar de "adolescentes sem limites". Dado o já exposto sobre a falência da autoridade paterna, isso parece significar que os adultos desistiram dos adolescentes ao esperar que estes ajam como adultos e não causem problemas como infringir leis ou questionar criticamente a realidade. Assim, para Amaral (2001), estas atuações agressivas dos adolescentes, como é o caso da FEBEM, podem estar representando uma tentativa falha de ser sujeito, de sobreviver numa sociedade cujo processo de globalização abriu fendas sérias em vários campos da atividade humana, como as relações pessoais.

O jovem, na tentativa de se construir, acaba por sujeitar-se aos ditames da cultura do consumo e vivenciar a angústia deste processo.

Ainda, segundo Amaral (2001), o adolescente, ao se deparar com um ambiente familiar sem contornos, sem projetos, em que os laços familiares estão depauperados por estarem calcados nos valores de uma sociedade sem contornos sociais que propiciem a troca de afeto entre os homens na forma de experiências, e não somente de vivências e encontros fugazes, não tem muitas opções a não ser o funcionamento-limite, ou seja, a transitoriedade da vida em toda a sua radicalidade quer viva ele na criminalidade, quer em outras formas de atuação: Um funcionamento que aponta para uma verdadeira explosão de uma sexualidade sem contornos (Amaral, 2001, p.1019). Trata-se de um indivíduo a quem foram roubadas as possibilidades do acesso entre o dentro e o fora, entre o sujeito e o objeto, enfim, a experiência formativa que os constituiria como sujeitos emancipados, pois capazes de lidar com os engodos da cultura, por meio do superego protetor e de auxiliar na construção do sujeito. Constata-se, que neste cenário contemporâneo o superego permanece como um superego arcaico e hostil, que, ao invés de proteger o indivíduo, culpabiliza-o e o agride. Desta forma, a violência impingida socialmente e internalizada pelo superego volta-se contra o próprio ego do indivíduo (sentimento de culpabilidade) e essa autopunição originária no superego atua como algoz do ego.

Para Peres (2002), na obra de Freud existem três proposições do conceito de superego. A primeira proposição representa os interditos da cultura, a consciência moral, a autocensura. A segunda, refere-se ao ideal de ego, ao narcisismo e às identificações realizadas pelo indivíduo ao longo de seu processo de desenvolvimento. O superego da criança seria constituído, não segundo o modelo dos pais, mas segundo o superego destes.

Neste ponto temos duas interessantes proposições quanto ao superego: resultante das primeiras identificações e herdeiro do Complexo de Édipo. O que a autora discute, porém, é a terceira forma de constituição do superego, a saber, o superego do ponto de vista pulsional. De acordo com esta teoria, o superego, como instância internalizada a partir do mundo externo, sofre também constantes influências da pulsão de morte, que para Freud (1927/1981c) advém, em parte, dos perigos oferecidos pelo ambiente externo; ou seja, a pulsão de morte é uma força de origem instintiva, mas também é reforçada (absorvida de fora) pela violência da cultura.

Quando um ambiente/cultura mobiliza os aspectos da pulsão de morte no indivíduo, por meio de aspectos punitivos e atacantes vindos de uma cultura em que a autoridade paterna encontra-se desautorizada, e os limites protetores da vida estão frágeis, o superego resultante de tal dinâmica se configura como uma instância arcaica e hostil, regredida do ponto de vista psicodinâmico.

As famílias nas quais este processo alienante de socialização já tomou as rédeas acabam por culpar os jovens por comportamentos não satisfatórios e não promovem o diálogo e a reflexão crítica sobre o problema, enfim, não reforçam a capacidade de pensar e lidar com os conflitos. Isso acarreta além da dificuldade de discernir, a dificuldade de perceber no outro o amparo necessário ao desenvolvimento afetivo maduro.

Para Freud (1978), ocorre então um processo que ela denominou de "identificação com o agressor", um estágio relevante da formação do superego. Essa identificação consiste em internalizar as críticas do outro; ou seja, quando um jovem repete constantemente este processo de internalização da crítica e introjeta as qualidades de seus objetos ideais, o outro está fornecendo o material para a formação do superego. A crítica internalizada não é imediatamente transformada em autocrítica e a identificação com o agressor é sucedida por um ataque agressivo ao mundo externo, ou seja, a ofensa internalizada é projetada.

O desamparo ao qual a cultura submete os sujeitos não deixa tempo nem oferece condições objetivas para possibilitar a construção de uma subjetividade na qual os adolescentes procedam ao movimento de integração das experiências boas e más, que também é a superação de conflitos. Isso, segundo Klein (1946/1995), leva ao mau desenvolvimento da capacidade de recobrar objetos bons, de crer no amor e desenvolver a criatividade do ego. O desejo e a capacidade de restauração do bom objeto, interno e externo, constituem a base da capacidade do ego de manter amor e relações no contexto dos conflitos e dificuldades pelos quais o indivíduo transita na sua trajetória de vida.

Não obstante, parece ser dificultada, nesta sociedade de consumo de massa, a possibilidade de o indivíduo se constituir como sujeito em contato com outros homens - nas relações sociais, na família, etc. - isto é, de criar vínculos que proporcionem a constituição de um superego capaz de oferecer limites e também amparo.

Num tempo de vínculos afetivos pouco duradouros,

a liberação do gozo absoluto, afirmada como lei categórica, traz em si o paradoxo do assujeitamento dos objetos, colocados que são na condição de coisas a manipular. Estamos diante de uma espécie de proclamação extrema da onipotência narcísica" (Peres, 2002, p.67)

Sendo o outro o objeto do gozo, o vínculo prevalente nesta dinâmica consiste no vínculo sadomasoquista no qual o outro parece cristalizado numa posição necessariamente subjugada, na medida em que é visto apenas como via de satisfação de um desejo e ao mesmo tempo também faz sofrer. O outro humano é negado em sua alteridade, na singularidade de seu desejo, e assim, não há troca de experiências, mas sim, um contato fugaz, mediado pelo consumismo estabelecido em relações do tipo "ficar com", em que o outro é tratado como mercadoria.

Para Debord (1997), toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos, onde tudo - inclusive os vínculos afetivos - tornou-se uma representação. O espetáculo é uma relação social entre pessoas mediada por imagens, em que o mais importante é parecer ser e ter, e não de fato ser.

Fucks (2003) acrescenta que há a prevalência da aparência, em detrimento de qualquer profundidade, e também mais intercâmbio de imagens do que de pensamentos, emoções e palavras.

Peres (2002) traz a ideia de que a liberdade do momento atual consiste em uma pseudoliberdade, que significa a inexistência de laços que conduzam os indivíduos pela vida, uma vez que as quedas das figuras de autoridade/alteridade incrementaram a angústia de culpabilidade, o que levou à fragilidade da relação com o outro e a fissuras na própria identidade. Segundo a autora, a doença atual é uma doença de vínculos.

Uma liberdade do vazio que não encontra outra resposta a não ser a angústia. É possível que nosso maior mal-estar repouse exatamente nessa doença de vínculos, ou do narcisismo. (Peres, 2002, p.12)

Neste ínterim, segundo Fucks (2003), pode acontecer que o outro seja transformado em objeto narcísico e que a identidade fique ligada a ele prioritariamente, isto é, que ele seja um objeto idealizado de cuja apropriação dependerá o todo do ser. Nas relações atuais, sadomasoquistas, a sexualidade aparece desligada do amor. Essa liberalização da sexualidade, no entanto, não parece haver conduzido ao seu enriquecimento, ao aumento da satisfação pulsional, à libertação do desejo e à expansão das possibilidades de prazer (Fucks, 2003). Ao contrário, o gozo aparece com significado diferente do significado de prazer ou desejo: um sentido esvaziado de relações humanas e humanizadoras.

Para Peres (2002), seria necessária uma nova série de enunciados identificatórios para que os protagonistas de uma relação pudessem vir a assumir um lugar marcado pela alteridade. Esta elaboração exige do indivíduo um trabalho de luto, no qual se abra mão da onipotência do desejo e se possa enxergar o outro não como objeto de gozo, mas como um ser humano que construa felicidade e busque a vida em suas relações, o que necessariamente depende da presença do outro. É por meio do reconhecimento da autoridade, da preocupação com a vida em sociedade e da renúncia pulsional que se poderá empreender a alteridade, ou seja, a capacidade do indivíduo de ver no outro um amparo a si mesmo.

 

Considerações Finais

No trajeto deste artigo procuramos demonstrar, por meio de uma concepção histórica da construção da subjetividade e crítica do ponto de vista social, quais as implicações psicodinâmicas e culturais na construção de vínculos afetivos em sociedade. Para isso, mostrou-se que o indivíduo se constitui em contato com a cultura e que cada cultura "produz" sujeitos históricos diferentes. Dessa maneira, as mudanças sociais ocorridas com o processo de desenvolvimento tecnológico, como descreve Maar (2003), afetaram não somente as condições da produção econômica e material, mas também a construção subjetiva dos sujeitos ao longo do processo de transformação.

Nesta vertente, as relações humanas foram diluídas pela sociedade industrial e o indivíduo deixou de ser o foco do processo de formação de vínculos afetivos, sendo relegado a segundo plano, já que o mais importante é o poder da mercadoria. Desse modo, do ponto de vista das relações humanas afetivas, o processo ao qual a sociedade esteve engendrada até a contemporaneidade, mostrou-se oneroso para a subjetividade humana, uma vez que a falta de ideais sólidos e amorosos, que permitam ao sujeito se humanizar, estão sujeitos à lógica do capital e da circulação de mercadorias. A ausência da capacidade de sonhar, de empreender a crítica social e de se relacionar com seus pares de maneira a reconhecer a alteridade e compartilhar de um projeto de vida parece ser o substrato do intenso processo de aculturação pelo qual passa a sociedade atual.

Adorno (2003) analisa que qualquer indivíduo pode sentir-se mal-amado, porque cada um é deficiente na capacidade de amar. Para o autor, antes de pensarmos nas razoes que impossibilitam o amor é necessário entender quais as causas sociais da frieza humana, ou seja, da incapacidade humana de criar vínculos de amor. Buscar o amor será inútil enquanto não se entender a ordem social que produz e reproduz a frieza. "O incentivo ao amor constitui ele próprio parte de uma ideologia que perpetua a frieza". (Adorno, 2003, p.135).

Ainda assim, existem possibilidades de conscientização dos mecanismos subjetivos em geral, os quais, se conhecidos, poderiam operar em favor da vida coletiva e amorosa. Um deles é o esclarecimento racional, a consciência cultural necessária/suficiente para permitir ao indivíduo resistir. Dessa maneira, os indivíduos poderão deixar de ser complacentes com a ordem social estabelecida via indústria cultural e se libertar da posição suicida em que se encontram atualmente. É por meio do pensar crítico e do resgate dos vínculos de amor que se torna possível empreender alguma mudança na qualidade da vida afetiva dos homens e, quiçá, construir o direito de sonhar.

Nosso intento foi o de questionar as condições muitas vezes desumanizadoras - uma cultura mercantil e ideológica - a que os homens estão submetidos, e por meio desta crítica social, pensar caminhos para mudanças. Faz- se necessário uma série de pesquisas empíricas com jovens e adolescentes com a finalidade de cotejar a teoria com a realidade atual. Fica aqui a contribuição e a reflexão, e acima disso, a esperança de que todos, em algum momento, tenham a condição subjetiva necessária para alçar-se à capacidade demasiadamente humana de sonhar.

 

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Recebido em 01 de dezembro de 2009
Aceito em 12 de março de 2011
Revisado em 18 de junho de 2013

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