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Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

versão impressa ISSN 1519-0307versão On-line ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.17 no.2 São Paulo dez. 2017

https://doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v17n2p56-64 

ARTIGOS

 

Relatos de mães de crianças com transtorno do espectro autista em uma abordagem grupal

 

Reports of mothers of children with autism spectrum disorder in a group setting

 

Relatos de madres de niños autistas com transtorno del espectro autista em uma abordagem grupal

 

 

Marilia Luiz PereiraI; Daniela BordiniII; Marcelo C. ZappitelliIII

IUniversidade Federal de São Paulo
IIUniversidade Federal de São Paulo
IIIUniversidade Federal de São Paulo

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Pesquisas apontam que as características próprias das crianças com transtornos do espectro autista (TEA) como as dificuldades na comunicação e na interação social, o comportamento estereotipado e o restrito repertório de interesses e atividades produzem impacto na família exigindo dos pais ajustes na dinâmica familiar. A condição crônica desse transtorno, a demanda por cuidados especializados em longo prazo e o nível de dependência dessas crianças sobrecarregam os pais aumentando seu nível de estresse.
OBJETIVO: Atender pais de crianças com TEA através de uma intervenção grupal de base psicodinâmica.
MÉTODO: Grupo psicoterápico de base psicodinâmica com duração de uma hora semanal formado por mães de crianças com TEA, por um período de seis meses (novembro de 2016 a maio de 2017). O conteúdo discutido em cada sessão foi transcrito e analisado qualitativamente.
RESULTADOS E CONCLUSÕES: Esse artigo relata as reflexões sobre o impacto e o significado do TEA na vida das famílias e o desafio de serem pais de uma criança que tem dificuldades na comunicação e déficit relacional. Estabeleceu-se um espaço de reflexão e de elaboração que permitiu um maior entendimento de questões específicas que envolvem o TEA e suas implicações no funcionamento familiar.

Palavras chaves: transtorno do espectro autista, relações familiares, psicoterapia de grupo.


ABSTRACT

Research has shown that the characteristics of children with autistic spectrum disorder (ASD), such as difficulties of communication and social interaction, stereotyped behavior as well as the restricted repertoire of interests and activities make an impact on families requiring readjustments in the family dynamics. The chronic condition of this disorder, the demand for specialized long-term care and the level of dependence of these children overwhelm parents increasing their level of stress.
OBJECTIVE: To take care of parents of children with ASD in a psychodynamic group setting.
METHOD: Weekly psychodynamic groups of parents (mothers) of children with ASD for six months (November 2016 - May 2017). All therapy sessions were transcribed and qualitatively analysed.
RESULTS AND CONCLUSION: The present study reports the reflections on the impact and significance of ASD in the lives of these families and the challenges of being parents of a child who has difficulties of communication and relational deficits. It was established a space of reflection and insight that allowed a greater understanding of issues related to ASD and its consequences for family functioning.

Keywords: autistic spectrum disorder, family relations, psychotherapy, group.


RESUMEN

INTRODUCCIÓN: Pesquisas apuntan qué las características propias de los niños con trastornos del espectro autista (TEA) cómo las dificultades en la comunicación y en la interacción social, lo comportamiento estereotipado y lo restricto repertorio de intereses y atividades producen impacto en la familia exigiendo de los padres ajustes en la dinámica familiar . La condición crónica de este trastorno, la demanda por cuidados especializados em plazo ancho y el nivel de dependencia de estos niños sobrecargan a los padres aumentando su nivel de estrés.
OBJETIVO: Atender padres de niños con TEA a través de una intervención grupal de base psicodinámica.
MÉTODO: Grupo psicoterápico de base psicodinámica con duración de una hora semanal formado por madres de niños con TEA, por un período de seis meses (noviembre de 2016 a mayo de 2017). El contenido discutido en cada sesión fue transcrito y analizado cualitativamente.
RESULTADOS Y CONCLUSIONES: Este archivo relata las reflexiones em respecto del impacto y lo significado del TEA en la vida de esas familias y lo desafío de ser padres de un niño que tiene dificultades en la comunicación y el déficit relacional. Se estableció un espacio de reflexión y de elaboración que permitió un mayor entendimiento de cuestiones específicas que involucran al TEA y sus implicaciones en el funcionamiento familiar.

Palabras claves: trastorno del espectro autista, relaciones familiares, psicoterapia de grupo.


 

 

1 - INTRODUÇÃO

Cuidar de uma criança com algum transtorno crônico tem implicações sobre a qualidade de vida do cuidador/pais especialmente as mães. Já está bem documentado na literatura que uma série de problemas de saúde mental tais como sintomas de ansiedade e sintomas depressivos e ainda problemas de saúde física além de conflitos conjugais e restrições das atividades sociais são relatados como frequentes em pais de crianças com TEA (SHU; LUNG, 2005; KARST; VAN HECKE, 2012).

A percepção da mãe sobre sua própria maternidade influencia como ela se define e como dá significado a sua vida. O desejo fantasiado da criança em gestação precisa se adequar a um filho que nasce com características próprias (alteração na socialização, comunicação e cognição) necessitando, portanto de suporte emocional e assistência adequada para cuidar (GOMES et al., 2015). Essas peculiaridades alteram a dinâmica familiar exigindo dos pais, cuidados prolongados e permanentes períodos de dedicação. A sobrecarga emocional dos pais surge como um dos principais desafios e maior tensão principalmente sobre as mães (HASTINGS, 2003).

Os pais de crianças com TEA tendem a ter dificuldades para desempenharem seus papéis, pois essas crianças apresentam déficits na reciprocidade sócio emocional o que pode levar a uma menor capacidade dos pais em reconhecerem as necessidades emocionais de seus filhos dadas às dificuldades que esses possuem em se expressar (KARST; VAN HECKE, 2012).

São vários fatores que podem contribuir para o estresse dos pais como o prejuízo cognitivo da criança com TEA, a irritabilidade, a hiperatividade, a dependência com as AVD (atividades da vida diária), as recusas, os distúrbios de linguagem, as dificuldades na aprendizagem e nas interações sociais e os cuidados específicos com a criança que podem perdurar por toda a vida. O nível de estresse dos pais tende a permanecer estável ao longo do tempo e depende proporcionalmente do suporte social (DUARTE et al., 2005; RAO; BEIDEL, 2009; KARST; VAN HECKE, 2012; BURRELL; IVES; UNWIN, 2017).

A demanda de um filho com TEA sobre os pais tende a resultar em implicações físicas e psicológicas levando a uma maior probabilidade dos pais apresentarem mais problemas de saúde mental como depressão e ansiedade em comparação com pais de crianças com outros problemas crônicos como, por exemplo, retardo mental. E ainda, as mães tendem a ter mais ansiedade do que os pais e seus sintomas depressivos a permanecerem por longos períodos (HASTINGS, 2003; GAU et al., 2012). As mães também têm pior saúde física e diminuição do bem-estar psicológico do que os pais. (BENSON; KARLOF, 2009; CARTER; MARTINEZ-PEDRAZA; GRAY, 2009; SAWYER et al., 2011). A presença de sintomas depressivos afeta a sintonia dos pais com a criança implicando em prejuízos ainda maiores na interação social na linguagem e na atenção compartilhada (KARST; VAN HECKE, 2012).

Pais de crianças com TEA têm menor probabilidade de se irritarem excessivamente com seus filhos apesar de ficarem incomodados com seus comportamentos, atribuindo o comportamento inadequado aos sintomas do TEA ao invés da personalidade ou temperamento, e podem sentir-se culpados pelos comportamentos do filho o que contribui para diminuir a eficácia parental e o bem-estar dos pais (KARST; VAN HECKE, 2012).

A intensa proximidade no relacionamento entre a mãe e a criança com TEA que em geral se estabelece pode ter implicações negativas nos outros filhos que ficariam num segundo plano (GLASBERG, 2000). A presença de conflitos conjugais devido ao maior estresse advindo dos problemas de comportamento das crianças com TEA contribui para altos índices de divórcio entre pais de crianças com TEA quando comparados com os pais de crianças com desenvolvimento normal, sendo que o risco para o divórcio persiste desde a infância até a fase adulta. Esse risco prolongado é devido ao estresse continuado e às demandas dos adolescentes e adultos com TEA que permanecem vivendo com a família nuclear (KARST; VAN HECKE, 2012).

Com relação ao impacto de se ter um irmão com TEA existem poucas investigações, mas os relacionamentos podem ser positivos com seus irmãos apesar da diminuição da atenção dos pais em função das dificuldades do filho com TEA, o irmão pode ser o "professor ou mediador social" para a criança com TEA. Ainda assim tem se subestimado a extensão na qual os filhos não afetados entendem o impacto do TEA sobre família e podem internalizar culpa pelas dificuldades familiares (GLASBERG, 2000; KARST; VAN HECKE, 2012).

Em geral, há uma tendência em se desenvolver um isolamento social dos pais devido às características essenciais do TEA ou ainda devido aos problemas de comportamento subsequentes que aparecem em seus filhos (MANDELL; SALZER, 2007), e se isso por um lado pode aliviar inicialmente a ansiedade dos pais, em longo prazo passa a ter um efeito negativo, pois limita a participação desses em atividades sociais as quais servem de recurso para aprendizagem social e para melhora na qualidade de vida da família como um todo (LAM et al., 2010).

Diante dessas potenciais implicações no funcionamento de famílias com crianças com TEA, o cuidador necessita de suporte emocional adequado para lidar com essa situação peculiar. Consequentemente, um grupo terapêutico para familiares surge como uma possibilidade de intervenção para os cuidadores enfrentarem o estresse de maneira mais harmônica e eficaz (MANDELL; SALZER, 2007; CORCORAN; BERRY; HILL, 2015). De modo geral, este tipo de intervenção tende a melhorar as habilidades parentais e a reduzir o estresse na medida em que diminui também o isolamento social propiciando um sentimento de apoio emocional através da troca de experiências.

O objetivo do grupo terapêutico do presente estudo seria criar um contexto terapêutico de proteção, de acolhimento e de confiança para trazer à tona as experiências de vida dos pais que retratam seus conflitos e vivências entrando em maior contato consigo mesmos e com os outros. Esta ambiência confiável e segura proporciona continência e suporte para angústias e conflitos interpessoais decorrentes da convivência da criança com TEA e ainda contribuir para encontrar novas maneiras de se relacionar.

A abordagem teórica baseou-se em uma compreensão de base psicanalítica fundamentada por conceitos de alguns autores sobre a constituição do psiquismo. O conceito de holding (WINNICOTT, 1978) no qual através dos cuidados maternos há uma sustentação tanto corporal quanto psíquica da criança contribuindo para a criação de um continente psíquico capaz de transformar experiências primitivas em experiências humanas, simbólicas. Para esse autor o bebê não existe sozinho, é a interação afetiva constante com a mãe que é fundamental para a saúde psíquica da criança, pois ela proporciona à criança uma frustração necessária, a fim de desenvolver seu desejo e sua capacidade de individuação. O conceito de holding adaptado para o campo terapêutico aponta a importância da necessidade de ambientes adequados para os processos de maturação e desenvolvimento dos indivíduos na medida em que estabelece uma atitude atenta e não intrusiva. Considerando uma analogia entre o trabalho terapêutico e o cuidado da mãe para com o bebê, o grupo pode funcionar como um ambiente adequado e protetor (entrar em sintonia) proporcionando aos pais um espaço que propicie a formação de vínculos e traga à tona suas experiências de vida, sentindo-se acolhidos podem falar de suas questões e conflitos, entrando em maior contato consigo mesmo e com os outros. Outro conceito teórico considerado na formulação teórica do grupo foi a capacidade de rêverie (BION, 1987) com a qual a mãe seria capaz de metabolizar angústias ainda insuportáveis para seu bebê transformando-as em experiências viáveis para uma mente imatura. Aqui o grupo funcionaria também como um dispositivo com o potencial de acolher angústias dos pais transformando-as em algo passível de ser sonhado, elaborado.

 

2 - MÉTODO

Participantes

Durante as reuniões e discussões clínicas dos casos atendidos no ambulatório de cognição professor Marcos T. Mercadante (TEAMM) da Universidade federal de São Paulo (UNIFESP) 12 mães foram encaminhadas pela equipe multiprofissional para participação no grupo terapêutico de acordo com os seguintes critérios: a criança já ter o diagnóstico confirmado de TEA, estar frequentando o ambulatório e a família apresentar disfunção relacional (perdas, luto, conflitos conjugais e dificuldades no desempenho do papel parental). Dessas 12 mães elencadas somente quatro aceitaram participar do Grupo Terapêutico. Das quatro mães, somente duas participaram até o final. As mães que não puderem aderir ao grupo alegaram não ter com quem deixar o filho com TEA no período do grupo e também da distância entre suas residências e a instituição (UNIFESP). Com isso, se impôs a questão de se manter ou não o grupo com esse número pequeno de participantes, porém devido à existência de demandas por parte dos pais com desejo de participar, optou-se por prosseguir com a proposta inicial, ou seja, 20 sessões.

Procedimento

Foram realizados encontros semanais, com uma (1) hora de duração no período de novembro/2016 a maio/2017, totalizando vinte (20) sessões. O Grupo foi conduzido por dois profissionais, uma assistente social com formação em terapia familiar sistêmica, e um psiquiatra com formação em psicanálise. As sessões foram baseadas nas demandas espontâneas trazidas pelas mães e o material foi sendo construído conjuntamente na medida em que as experiências puderam ser compartilhadas e refletidas possibilitando elaborações e um reposicionamento frente ao conteúdo abordado. O conteúdo de cada sessão foi transcrito e analisado qualitativamente através de uma abordagem psicodinâmica, identificando temas recorrentes e compartilhados pelos participantes do grupo. Todos os participantes do grupo assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento.

Utilizou-se como referencial teórico dos grupos uma integração de conceitos sistêmicos e psicodinâmicos. No tocante à terapia sistêmica considerou-se a reciprocidade das inter-relações intra e extrafamiliares (MINUCHIN; FISHMAN, 1990).

Critérios de inclusão

Mães de crianças com diagnóstico de TEA, participantes do Ambulatório do Transtorno do Espectro Autista da Universidade Federal de São Paulo/Unifesp.

 

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

As mães que participaram efetivamente nos grupos possuíam idades entre 39 e 44 anos. Uma era casada e a outra viúva há 10 meses, uma tinha ensino superior e a outra ensino médio completo cursando ensino técnico. A renda média se encaixava na faixa C1 para uma participante e B1 para a outra segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP (2016). Os filhos que estavam em tratamento em nosso serviço eram do sexo masculino e possuíam quatro e seis anos de idade.

O objetivo geral do grupo estudado foi proporcionar uma reflexão sobre a vivência e sobre o impacto em se ter um filho com TEA e a partir disso, cinco outros temas relacionados foram desenvolvidos durante os atendimentos, a saber: expectativas em relação ao grupo; diagnóstico de TEA; impacto do TEA na família, acesso à rede de serviços e planos futuros. Sendo que esses cinco temas abordados são recorrentes na literatura. Ooi et al., em meta-síntese de 2016 sobre as experiências dos pais em se ter filhos com TEA, destacaram quatro temas subdivididos em 17 domínios dos 50 artigos analisados: experiências dos pais (domínios: recebendo o diagnóstico, demandas e manejo, carreira profissional, lazer e saúde dos pais, esperança e crenças, preocupação com o futuro), impacto na família (domínios: reações da família de extensa, relacionamento conjugal), impacto social (domínios: grupos de apoio para os pais, isolamento e estigma público) serviços de saúde e escola (domínios: acesso aos serviços públicos inclusão escolar), confirmando os temas discutidos no grupo terapêutico que serão desenvolvidos a seguir.

Expectativa em relação ao Grupo

As mães participantes do grupo terapêutico ao se apresentar referiram que sentiam falta de um atendimento mais específico para elas onde pudessem trocar experiências com outras mães de crianças com TEA, ("curiosidade em saber o que acontece com as mães das outras crianças" e "ter apoio de outras mães que estão no mesmo barco"), pois até esse momento todas as intervenções a que tinham se submetido eram centradas no filho com transtorno, tendo pouco espaço voltado mais especificamente para elas.

Recebendo o Diagnóstico

Ao receber o diagnóstico de TEA em um filho, os pais em geral desenvolvem uma reação emocional adversa com sentimentos de ódio, desesperança e até mesmo de culpa por uma possível transmissão genética (De PAPE; LINDSAY, 2015). E, ainda por falta de entendimento do transtorno ou por descrença pode haver uma negação do diagnóstico (MITCHELL; HOLDT, 2014). Por outro lado, receber o diagnóstico pode ter um efeito positivo permitindo aos pais que comecem a lidar com a situação e a se sentirem ancorados à medida que possam compreender mais o que está ocorrendo com seu filho (OOI et al., 2016). O diagnóstico também pode levar a uma incerteza quanto ao futuro e a uma potencial dependência exagerada dos filhos aumentando a preocupação dos pais com a exclusão social e com o desempenho acadêmico.

As mães do grupo terapêutico em questão relataram variadas dificuldades que enfrentaram em relação ao diagnóstico, por um lado um sentimento de alívio ("agora sabemos o que meu filho tem"), e por outro um sentimento de frustração e insegurança ("será que vou dar contar de cuidar de um filho assim"), essas dificuldades foram identificadas na demora em se obter o diagnóstico ("passamos por vários médicos") dificuldade em lidar com o diagnóstico ("não queria ouvir a palavra autismo"), no acesso precário ao sistema de saúde ("esperei um ano para conseguir vaga para meu filho no serviço público"), preocupação com a situação financeira ("não temos dinheiro suficiente para bancar todo o tratamento que ele precisa"), falta de apoio familiar ("meu marido fala que sou louca quando falo das dificuldades do meu filho. Só eu que vejo"), e preocupação com o futuro ("quem irá cuidar do meu filho quando eu morrer"). Esses fatores são considerados produtores de altos níveis de estresse.

Um aspecto de interesse que se impõe nesse momento é a elaboração do desejo fantasiado da gestação que precisa ser trabalhado para se adequar ao filho que se apresenta com características próprias (dificuldade na comunicação, socialização e muitas vezes na cognição) e que necessita de cuidados diferenciados, incluindo adaptações na parentalidade e à educação como um todo, além de variadas intervenções terapêuticas. Essas peculiaridades geralmente alteram a dinâmica familiar uma vez que exigem cuidados prolongados e períodos de grande dedicação por parte dos pais. (GOMES et al., 2015).

Impacto do TEA na família

Estudos têm demonstrado uma taxa maior de divórcio em famílias com crianças com TEA comparadas a famílias com crianças com desenvolvimento (HARTLEY et al., 2010; HOCK; TIMM; RAMISCH, 2012,) em muitas situações surgem conflitos conjugais em função da falta de tempo para o par conjugal devido às demandas aumentadas da criança com TEA, desentendimentos sobre como cuidar e até culpar um ao outro pela existência de um filho com TEA.

As famílias podem ainda ter problemas em estabelecer atividades típicas como ir a restaurantes, cinema e festas devido a uma repercussão negativa do comportamento da criança com TEA. O tempo com toda a família reunida fica mais escasso, e em algumas vezes os pais se dividem, um fica com a criança com TEA e o outro sai com os outros filhos. Os pais também se preocupam com os outros filhos e podem sentir culpa por eles serem negligenciados e os irmãos podem sentir ciúmes da atenção dispensada ao irmão com TEA (GLASBERG, 2000; KARST; VAN HECKE, 2012; CORCORAN; BERRY; HILL, 2015).

Os comportamentos da criança com TEA são desafios para a vida diária dos pais, birras e agressões podem ser imprevisíveis e podem aparecer como respostas às mudanças na rotina ou no meio ambiente o que traz implicações emocionais e físicas aos pais. As crianças com TEA podem ter uma hipersensibilidade sensorial (latidos de cachorros, som alto, forte luz solar) que associada a dificuldades com o autocuidado e possíveis restrições alimentares podem contribuir ainda mais para essa sobrecarga emocional dos pais levando a mudanças nas atividades do dia a dia. (SCHAAF et al., 2011; OOI et al., 2016).

Em relação à experiência desse estudo as mães do grupo terapêutico referiram que tiveram apoio de suas famílias de origem para ajudá-las a enfrentar essas demandas de seus filhos referentes às dificuldades na comunicação da criança em se fazer compreender pelos outros, nas dificuldades na realização de atividades da vida diária (AVD), que são as atividades rotineiras e que fazem parte os cuidados básicos (banho, escovar dente, trocar-se, etc.) e do comportamento que envolve a manifestação de comportamentos rígidos, agressivos e repetitivos.

Rede de apoio (acesso aos serviços de saúde e escola)

Após o diagnóstico confirmado os pais iniciam a busca por tratamento especializado e os serviços públicos são restritos e com longas filas de espera. Na esfera particular os tratamentos são muito caros e com pouca cobertura pelos planos de saúde. As intervenções melhoram as dificuldades comportamentais, a linguagem, as habilidades sociais, o nível de desenvolvimento emocional e consequentemente há uma melhora do funcionamento global da criança com melhor inserção social e utilização dos recursos da comunidade (MULLIGAN et al., 2012; OOI et al., 2016). O envolvimento dos pais em todas as etapas do tratamento é essencial para garantir maior adesão às intervenções propostas e manejar as demandas da criança com TEA.

Os relatos das mães do grupo terapêutico em questão confirmaram os achados da literatura à medida que apontavam para a importância das orientações multidisciplinares que receberam ao longo de todo o tratamento tanto em relação a melhoras do quadro psicopatológico dos seus filhos quanto no que se refere ao manejo dos cuidados com os filhos. Outro aspecto levantado que está presente literatura foi a dificuldade no acesso aos serviços de saúde, a demora em se obter a confirmação diagnóstica, e também problemas escolares, como inserção nas escolas (educação inclusiva versus escola especial), dúvidas sobre a necessidade ou não de currículo adaptado.

Projeto pessoal - "O que quero para minha vida"

De um modo geral, há um aumento de demanda em se ter um filho com TEA afetando a vida dos pais em diversos aspectos como nos estudos, trabalho, carreira, tempo para o lazer e até atividades do dia-a-dia. Muitas mães desistem de suas carreiras para cuidar do filho, pois a criança não consegue suportar as mudanças na rotina do trabalho e as mães nem sempre contam com apoio social. Os pais se tornam muitas vezes o único provedor da família e os altos custos com o tratamento aumenta o nível de estresse e preocupação dos familiares (MIDENCE; O'NEILL, 1999; DE PAPE; LINDSAY, 2015).

As mães do grupo deste estudo puderam perceber o quanto haviam se afastado da vida social, dos amigos e dos interesses que antes possuíam, focando a vida quase que exclusivamente na criança com TEA, a vida conjugal ficou em segundo plano e a atenção aos outros filhos ficou prejudicada. Esses aspectos foram abordados durante os atendimentos e observou-se que a possibilidade de os identificar foi um passo importante para um reposicionamento direcionado a mudanças.

 

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora os dados obtidos deste trabalho de grupo com mães de crianças com TEA tenha sido resultado de um estudo com um número bem reduzido de participantes e, portanto, pouco representativo, qualitativamente as narrativas das mães apontaram para a relevância desse formato de grupo terapêutico, na medida em que dá possibilidades a essas mães de se expressarem e lidarem com suas próprias angústias. Foi possível também refletir sobre o impacto e o significado do TEA nas suas vidas e de suas famílias bem como o desafio de serem pais de uma criança que tem dificuldades na comunicação e déficit relacional. O grupo também contribuiu para que os participantes desenvolvessem um relacionamento mais favorável com seus filhos, as relações interpessoais se ampliaram e ainda puderam ser incluídos em um novo círculo social.

Outro ponto que merece destaque é o fato da dificuldade inicial em aderir a essa proposta de grupo por parte dos familiares, conseguimos evidenciar mesmo neste pequeno estudo que apesar da necessidade e dos encaminhamentos terem sido realizados pelos profissionais que atendem as crianças, houve uma resistência em participar da proposta. Isso adviria de um receio da exposição frente aos outros participantes, de um receio dos conteúdos que possam emergir (temores, insegurança, incapacidades, insuficiências, culpas, desesperança).

Como proposta de continuidade desse trabalho sugere-se a manutenção de grupos neste formato para um maior aprofundamento das questões apresentadas e proporcionar o surgimento de novas demandas o que vai ao encontro da importância de se considerar os aspectos da família no tratamento desses casos. Para viabilizar a adesão dos pais ao grupo criou-se um dispositivo de atendimento das crianças no mesmo horário do atendimento dos pais.

 

5 - REFERÊNCIAS

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Data de submissão: 22.09.2017
Data de aceite: 28.11.2017

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