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Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

versão impressa ISSN 1519-0307versão On-line ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.21 no.1 São Paulo jan./jun. 2021

https://doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v21n1p109-128 

Instrumentação e avaliação das medidas de pimáx e pemáx na função pulmonar de pessoas com distrofia de Duchenne: uma revisão

 

Instrumentation and evaluation of measurements of mip and mep in the pulmonary function of people with Duchenne muscular dystrophy: a review

 

Instrumentación y evaluación de pimáx y pemáx en la función pulmonar de personas con distrofia de Duchenne: una revisión

 

 

Ana Cristina de Sousa MurrayI; Fatima Aparecida CaromanoII; Silvana Amanda do CarmoIII; Mariana Callil VoosIV; Ronaldo Luiz da SilvaV

IUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: anamurraymspt@gmail.com
IIUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: caromano@usp.br
IIIUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: docarmosila@gmail.com
IVUniversidade de São Paulo (USP) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: ftmarivoos@gmail.com
VUniversidade São Camilo, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: da_silva.ronaldo_luis@courrier.uqam.ca

 

 


RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: o decréscimo da função pulmonar nas pessoas com distrofia muscular de Duchenne (DMD) contribui para um quadro de morbidade significativa devido à fraqueza progressiva dos músculos respiratórios. A caracterização da função respiratória dessa população é bem descrita mundialmente, utilizando para tal testes de função pulmonar com instrumentos específicos que incluem medidas de pressões respiratórias máximas. A avaliação e a medição dessas pressões são de relevância clínica e necessárias para a adequação terapêutica. Por não haver uma normatização no protocolo do equipamento a ser utilizado, existe uma grande variabilidade entre as avaliações. Neste artigo, demonstramos isso e sugerimos seguir o protocolo já desenvolvido pelas associações europeia e americana e o Consenso Brasileiro de Espirometria, criando, dessa forma, uma normatização para a avaliação clínica de pessoas com DMD.
OBJETIVOS: identificar e caracterizar os principais critérios e instrumentos de avaliação da pressão inspiratória máxima (Pimáx) e pressão expiratória máxima (Pemáx) na função pulmonar em pessoas com DMD.
MÉTODO: Este estudo se trata de uma revisão bibliográfica analítica de artigos científicos, subdividida em quatro fases: coleta, seleção, tabulação dos dados e caracterização dos instrumentos de avaliação. Os termos, em português, utilizados foram: distrofia muscular de Duchenne e/ou pressões respiratórias máximas e/ou faixa etária. Em inglês, foram: Duchenne muscular dystrophy and/or maximal respiratory pressure and/or age group. Para a seleção de artigos, foram utilizados critérios de inclusão.
RESULTADOS: Os resultados encontrados foram tabulados segundo número de pacientes, objetivos, critérios de inclusão e instrumentos de avaliação.
CONCLUSÃO: Os objetivos foram alcançados. Não houve uma única normatização entre os artigos estudados; apenas um utilizou o critério de avaliação para pessoas com doenças neuromusculares descrito pela American Thoracic Society (ATS), e nenhum seguiu uma padronização do instrumento. Entretanto, as avaliações utilizadas, que foram desenvolvidas com padrões de pessoas não doentes, ainda são opções para a correlação de um padrão da avaliação da função respiratória em pacientes com DMD.

Palavras-chave: Distrofia muscular de Duchenne. Pressões respiratórias máximas. Faixa etária. Função pulmonar. Sistema respiratório.


ABSTRACT

CONTEXTUALIZATION: the decrease in pulmonary function in people with Duchenne muscular dystrophy (DMD) contributes to a significant morbidity due to the progressive weakness of the respiratory muscles. The characterization of respiratory function of this population is well-described worldwide, using pulmonary function tests with specific instruments that include measurements of maximal respiratory pressures. The assessment and measurement of these pressures are of clinical relevance and necessary for therapeutic adequacy. As there is no standardization in the protocol of the equipment to be used, there is great variability between the evaluations. In this article, we demonstrate this and suggest following the protocol already developed by European and American associations and the Brazilian Consensuson Spirometry, creating a standard for the clinical evaluation of people with DMD.
OBJECTIVES: identifying and characterizing the main criteria and instruments for evaluating maximum inspiratory pressure (MIP) and maximum expiratory pressure (MEP) in pulmonary functions of people with DMD.
METHOD: this study is an analytical bibliographic review of scientific articles and was subdivided into four phases: collection, selection, tabulation of data and characterization of evaluation instruments. The terms used in Portuguese were: distrofia muscular de Duchenne e/ou pressões respiratórias máximas e/ou faixa etária. In English: Duchenne muscular dystrophy and/or maximal respiratory pressure and/or age group. Inclusion criteria was used to select the articles.
RESULTS: the results were tabulated according to the number of patients, objectives, inclusion criteria and evaluation instruments.
CONCLUSION: the objectives were achieved, there was not a single standardization among the articles studied; only one used the evaluation criteria for people with neuromuscular diseases described by the American Thoracic Society (ATS), and none followed a standardization of the instrument. However, the evaluations that were done, which were developed with standards for non-sick people, are still options for correlating a standard for assessing respiratory function in patients with DMD.

Keywords: Duchenne muscular dystrophy. Maximal respiratory pressure. Age group. Pulmonary function. Respiratory system.


RESUMEN

CONTEXTUALIZACIÓN: la disminución de la función pulmonar en personas con distrofia muscular de Duchenne (DMD) contribuye a un cuadro de morbilidad significativa debido a la progresiva debilidad de la musculatura respiratoria. La caracterización de la función respiratoria de esta población es bien descrita mundialmente, utilizando para esto pruebas de función pulmonar con instrumentos específicos que incluyen medidas de presiones respiratorias máximas. La evaluación y medición de estas presiones es relevante y necesaria para la adecuación terapéutica. Como no existe una estandarización en el protocolo del instrumento, existe una gran variabilidad entre las evaluaciones. En este artículo demostramos eso y sugerimos seguir el protocolo ya desarrollado por las asociaciones europeas, americanas y el Consenso Brasileño de Espirometría, creando así un estándar para la evaluación clínica de personas con DMD.
OBJETIVOS: identificar y caracterizar los principales criterios e instrumentos para la evaluación de presión inspiratoria máxima (Pimáx) y presión espiratoria máxima (Pemáx) en la función pulmonar en personas con DMD.
MÉTODO: este estudio es una revisión bibliográfica analítica de artículos científicos subdividida en cuatro fases: recolección, selección, tabulación de datos y caracterización de los instrumentos de evaluación. Los términos utilizados fueron, en portugués: distrofia muscular de Duchenne e/ou pressões respiratórias máximas e/ou faixa etária. En inglés: Duchenne muscular dystrophy and/or maximal respiratory pressure and/or age group. Se utilizaron criterios de inclusión para seleccionar los artículos.
RESULTADOS: Se tabularon los resultados según el número de pacientes, objetivos, criterios de inclusión e instrumentos de evaluación.
CONCLUSIÓN: se alcanzaron los objetivos, no hubo una estandarización entre los artículos estudiados; solo uno utilizó los criterios de evaluación para personas con enfermedades neuromusculares descritos por la American Thoracic Society (ATS), y ninguno siguió una estandarización del instrumento. Pero las evaluaciones utilizadas, que se desarrollaron con estándares para personas no enfermas, son opciones para correlacionar un estándar para evaluar la función respiratoria en pacientes con DMD.

Palabras clave: Distrofia muscular de Duchenne. Presiones respiratorias máximas. Rango de edad. Función pulmonar. Aparato respiratorio.


 

 

INTRODUÇÃO

A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é uma doença genética da proteína distrofina. Essa alteração leva à acentuada ou completa ausência da proteína, que, presente no sarcolema das fibras musculares, é essencial para a contração e proteção da fibra na sua função contrátil (FORTES; KOLLER; ARAÚJO, 2018; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE], 2010). A incidência de DMD é aproximadamente 1:3.600 a cada 6.000 recém-nascidos do sexo masculino (FORTES; KOLLER; ARAÚJO, 2018). Estudos indicam que, no Brasil, ocorrem 700 novos casos de DMD ao ano (GARCIA JÚNIOR et al., 2013; IBGE, 2010). A suspeita da doença ocorre em função dos achados clínico-funcionais e, em alguns casos, por causa de histórico familiar. Ela pode ser confirmada por meio da análise da quantidade de distrofina no tecido muscular, coletado pela biópsia muscular, que é a forma clássica de diagnóstico (FINDER et al., 2004).

Sendo assim, a confirmação mais fidedigna do diagnóstico é realizada por exames de DNA, que indicam alteração no gene Xp21 (ZATZ et al., 2014). É possível avaliar, por meio dos exames multiplex ligation-dependent probe amplification (MLPA) e sequenciamento de nova geração (new generation sequencing - NGS), as deleções e duplicações neste gene, que são responsáveis pela doença em aproximadamente 70% dos pacientes (ZATZ et al., 2014).

O Consenso Brasileiro de Espirometria (ARAÚJO et al., 2017) recomenda para a avaliação diagnóstica e tratamento desses pacientes as seguintes normas: 1. o teste genético deve ser o primeiro a dar o resultado ou confirmação do diagnóstico de DMD; 2. pacientes diagnosticados com DMD devem fazer uso de corticoides a partir dos 2 anos de idade, quando os déficits motores aparecem na fase 2 da doença, ou na fase 3, quando o declínio motor é evidente, e todos os pacientes acima de 5 anos de idade com ou sem déficit funcional devem utilizar o medicamento; e 3. os autores recomendam cautela com a medicação e terapias para os pacientes na fase 3, em razão da dificuldade de estudos mais aprofundados sobre essa fase e do fato de existirem poucos artigos publicados. O ponto em comum entre o Consenso Brasileiro de Espirometria e a literatura internacional (FINDER et al., 2004) é o uso de testes de função pulmonar como parâmetro primário para avaliação e tratamento desses pacientes.

O curso do comprometimento físico é progressivo e irreversível (COHEN, 2001). As primeiras manifestações clínicas acabam por impedir a criança de correr e pular, justificando o diagnóstico precoce. Entre 7 e 11 anos, a criança pode apresentar importantes contraturas musculares e fibrotendíneas, envolvendo principalmente membros inferiores, especialmente na musculatura da panturrilha, desencadeando a marcha anserina, marcha digitígrada ou ainda andar miopático (HENRICSON et al., 2013). Em decorrência disso, em torno dos 12 anos de idade, a maior parte dos pacientes começa a perder a marcha e passa a necessitar de cadeira de rodas para locomoção (SELESTRIN, 2014).

A progressiva fraqueza muscular causada por essa doença aos poucos leva ao comprometimento da musculatura de sustentação do tronco e dos músculos respiratórios (GARCIA JÚNIOR et al., 2013). Além disso, as alterações posturais causadas pela DMD podem prejudicar ainda mais a capacidade respiratória (FORTES; KOLLER; ARAÚJO, 2018). A alteração da biomecânica respiratória e pulmonar induz alterações nos volumes e capacidades pulmonares, verificadas por achados em prova de função pulmonar, que inclui a medida da capacidade vital forçada, pressão inspiratória máxima (Pimáx) e pressão expiratória máxima (Pemáx), entre outras (SCHMIDT, 2018).

As intercorrências respiratórias decorrentes da DMD são relacionadas a uma alteração restritiva a priori em razão da fraqueza dos músculos de sustentação do tronco, diafragma, intercostais e músculos respiratórios acessórios (SELESTRIN, 2014). A tosse torna-se ineficaz, pois não há força para gerar a velocidade de fluxo necessária, podendo acompanhar retenção de secreção, o que, por sua vez, predispõe a infecções que podem ser de caráter redicivantes, como, por exemplo, as atelectasias e pneumonias, podendo chegar ao desenvolvimento da insuficiência respiratória (BUSHBY et al., 2010a).

Essas complicações são as causas mais comuns de morbidade e mortalidade em DMD, mas podem ser retardadas com cuidados paliativos (ARAÚJO et al., 2018). As avaliações respiratórias e os testes de função pulmonar são instrumentos usados para avaliar o grau de comprometimento respiratório desses pacientes e incluem minimamente medidas de capacidade vital forçada (CVF), as Pimáx e Pemáx e o pico de fluxo (PF) (SELESTRIN, 2014). As pressões são avaliadas com o uso protocolar do manovacuômetro, e elas demonstram a qualidade e a capacidade de respiração do paciente.

Nosso objetivo neste artigo é demonstrar a atual variabilidade entre as avaliações de pessoas com DMD e propor um guia protocolar de entendimento das pressões e seus resultados, para que isso fique mais fácil e aplicável no dia a dia do fisioterapeuta. Isso também irá assegurar à equipe que auxilia no tratamento desses pacientes a confiança de que o tratamento está sendo aplicado de forma adequada, mantendo as capacidades físicas em conformidade com os padrões que preservam a qualidade de vida.

Nosso trabalho busca identificar e caracterizar os principais critérios e instrumentos de avaliação da Pimáx e Pemáx na função pulmonar em pessoas com DMD de acordo com os artigos estudados. O foco de explicação é a pressão respiratória, não as medidas de CVF e o pico de fluxo de tosse, já que os aparelhos de pressão e fluxo são diferentes; além disso, buscamos simplificar a relevância clínica para ajudar o fisioterapeuta. Os artigos pesquisados também só mencionaram as pressões.

Como existe grande variabilidade de evolução do quadro clínico dessa doença, não esperamos encontrar a correlação de um padrão para a avaliação da função respiratória correlacionando a idade e o instrumento utilizado.

 

MÉTODOS

Este estudo se trata de uma revisão bibliográfica analítica de artigos científicos que se subdividiu em quatro fases: coleta, seleção, tabulação dos dados e a caracterização dos instrumentos de avaliação.

Na primeira fase foram coletados artigos científicos de 1998 a 2020, utilizando como fonte de consulta as bases de dados: MedLine, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (Scielo), PubMed, Dedalus, Cochrane Central Register of Controlled Trials (Central), PEDro, US National Institutes for Health Clinical Trials Register e National Institute for Health Research UK. Foram utilizados descritores na língua portuguesa (distrofia muscular de Duchenne e/ou pressão inspiratória máxima/Pimáx e/ou pressão expiratória máxima/Pemáx e/ou testes de função pulmonar e/ou faixa etária) e na língua inglesa (Duchenne muscular dystrophy and/or maximum expiratory pressure/MEP and/or maximum inspiratory pressure/MIP and/or respiratory function tests and/or age group), com foco em artigos que apresentassem algum instrumento de avaliação; também houve a busca manual das referências citadas nos artigos encontrados.

Durante a primeira fase, a estratégia de busca na MedLine, Lilacs, Dedalus e Scielo foi baseada na utilização da combinação dos seguintes termos: Pimáx and/or Pemáx and/or distrofia muscular de Duchenne, como descritores de assunto, e humanos, em espécie. Em um segundo momento, as palavras Pimáx e Pemáx foram trocadas por testes de função pulmonar: testes de função pulmonar and/or distrofia muscular de Duchenne, e humanos, em espécie. Por fim, as palavras testes de função pulmonar foram trocadas por faixa etária: faixa etária and/or distrofia muscular de Duchenne.

A estratégia de busca na Cochrane Central Register of Controlled Trials (Central), PubMed, PEDro, US National Institutes for Health Clinical Trials Register, National Institute for Health Research UK e MedLine foi baseada na utilização da combinação dos seguintes termos: MEP and/or MIP and/or Duchenne muscular dystrophy and/or humans. Posteriormente, as palavras MEP e MIP foram trocadas por respiratory function tests e depois por age group, seguindo a mesma ordem utilizada para as buscas na língua portuguesa. Para a busca na Dedalus, foi utilizada a combinação dos seguintes termos: MEP and/or MIP and/or respiratory function tests and/or Duchenne muscular dystrophy and/or analysis NOT animal.

Na segunda fase foram selecionados os artigos coletados seguindo critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão foram: artigos somente sobre pessoas com DMD, de sexo masculino, com idades entre 2 e 25 anos e que tiveram avaliações de pressões inspiratórias e expiratórias máximas e mínimas; artigos em que a combinação dos termos tenha aparecido nas palavras-chave, título e/ou resumo, artigos de ensaio clínico e artigos em português, inglês, espanhol e alemão. Os critérios de exclusão adotados foram: artigos em que a amostra não fosse humana, amostra não portadora de DMD, artigos sem especificação do método de análise utilizado e artigos cuja faixa etária da amostra fosse acima de 25 anos. Artigos sobre pacientes com mais de 25 anos foram excluídos, pois a expectativa de vida dessas pessoas é entre 16 e 19 anos no Brasil e, consequentemente, acima dessa faixa, os casos não são comuns. Nossa expectativa era de que os critérios de avaliação de pressões respiratórias para doenças neuromusculares fossem usados frequentemente.

Na terceira fase, os estudos foram tabulados em relação ao objetivo, número e características dos pacientes, critérios de inclusão e instrumentos de avaliação da função pulmonar especificamente para Pimáx e Pemáx.

Na quarta fase, foram discutidos os resultados obtidos com os artigos tabulados. Esses artigos, o autor e o ano de publicação, a população estudada, o objetivo, os instrumentos de avaliação, a conclusão e o resultado dos estudos foram compilados em uma tabela (Tabela 1). Os artigos escolhidos foram os que utilizaram a Pimáx e a Pemáx como técnicas para a avaliação da força muscular respiratória, com ou sem uso de corticosteroides, entre outros fatores que poderiam influenciá-la.

 

 

RESULTADOS

Foram encontrados 48 artigos, dos quais 37 foram excluídos por não se enquadrarem nos critérios de avaliação e o instrumento utilizado para a mensuração desses. Sendo assim, 11 artigos foram considerados adequados, segundo os quesitos de inclusão.

De acordo com os resultados obtidos, pôde-se identificar que os instrumentos utilizados não seguiram um padrão para a avaliação de pacientes com DMD. Foi descrito em quatro artigos o uso do manovacuômetro analógico; em dois artigos, o uso de espirômetro; em dois artigos, o uso do pneumotacógrafo; em um artigo, o uso do pressiômetro; em um artigo, o uso de vacuômetro; em um artigo, o uso do Micro RPM (respiratory pressure meter)/espirômetro computadorizado; e em um artigo, o uso de espirômetro VMAX 22 com marcador de gás nitrogênio.

Quanto aos critérios de avaliação, sete artigos utilizaram as diretrizes da European Respiratory Society (ERS) e da American Thoracic Society (ATS); um artigo, o Consenso Brasileiro de Espirometria; um artigo, as Diretrizes para Teste de Função Pulmonar; um artigo, o predito descrito por Wilson et al. (1984); e um artigo, o predito descrito por Santiago et al. (2008). Apenas um artigo utilizou os critérios de avaliação para pessoas com doenças neuromusculares estabelecidos pela ATS.

 

DISCUSSÃO

De acordo com os resultados obtidos, encontramos o uso de manovacuômetro analógico com maior frequência do que os outros equipamentos (SELESTRIN, 2014; RODINI et al., 2012; MACHADO, 2010; CAROMANO et al., 2010). A razão da escolha desse equipamento é descrita pela literatura como uma avaliação confiável para testes de pressão respiratória, pois pode ser realizada com ou sem a colaboração efetiva da pessoa portadora de DMD, além de ser o menos invasivo de todos os equipamentos, o que o determina como mais confiável (ARAÚJO et al., 2018; BUSHBY et al., 2010a; NICOT et al., 2006; BACH, 2004; FINDER et al., 2004; PEREIRA, 2002).

Lomauro, D'Angelo e Aliverti (2015), Mayer et al. (2015), Khirani et al. (2014) e Nicot et al. (2006) concluíram que não há diferenças estatisticamente significantes entre a porcentagem na curva de erros de estudos das pressões respiratórias quando se faz uso do equipamento analógico e quando se utilizam equipamentos mais sofisticados. Porém, com relação ao uso do equipamento analógico, todos os pacientes foram capazes de realizar a avaliação, o que permite o uso dessa mensuração como protocolo de avaliação e um tratamento ao alcance de todas as populações.

Mayer et al. (2015) caracterizaram a função pulmonar de 60 pacientes com DMD cadeirantes em uso de corticoterapia, de diferentes origens (asiáticos, europeus e africanos), residentes nos Estados Unidos, com idades entre 5 e 24 anos, por meio de avaliação da CVF e das pressões respiratórias máximas. A avaliação da função pulmonar foi realizada com o equipamento Renaissance II Spirometer e KoKo Spirometer. Os critérios de avaliação usados foram os recomendados pela ATS, modificados para pacientes com doenças neuromusculares. Encontraram-se valores similares aos preditos e declínio com a idade, sendo o quadro clínico mais desfavorável a partir dos 10 anos de idade. Não houve diferenças estatisticamente significantes na função pulmonar de pacientes deambulantes que faziam uso de corticoides, em comparação aos pacientes deambulantes sem o uso de corticoides, definindo a espirometria como modo cientificamente aceitável para a avaliação respiratória de pessoas com DMD. Os autores concluem que o uso de critérios de avaliação modificados para pessoas com DMD fornecem um meio mais confiável de determinar a mudança das funções pulmonares ao longo do desenvolvimento da doença.

Em um estudo multicêntrico euro-americano de 2017, Meier et al. caracterizam a função pulmonar de 64 pacientes com DMD, com idades entre 10 e 18 anos, correlacionando a idade, CVF e pressões respiratórias com o uso de corticoterapia pela escala de Brooke, que se refere à capacidade de movimentação dos membros superiores. A avaliação de Pimáx e Pemáx foi mensurada com MicroRPM Instrument. Os critérios usados para a avaliação foram os da ATS e ERS. Concluíram que não há diferenças significativas entre os dados avaliados e os resultados descritos anteriormente pela literatura, como, por exemplo, o declínio evidente da pressão respiratória a partir dos 10 anos de idade, independentemente da qualidade funcional do paciente.

Machado (2010) avaliou a evolução respiratória em 87 pacientes com DMD submetidos à corticoterapia. Observou-se que os valores absolutos, a CVF, o volume expiratório forçado (VEF) e a Pimáx mantiveram-se dentro da faixa predita entre 13 e 14 anos, e a Pemáx, entre 9 e 10 anos (em valores relativos comparados aos valores de pacientes saudáveis). Para a avaliação de CVF, Pimáx e Pemáx, foi utilizado o manovacuômetro analógico da Comercial Médica. A avaliação foi realizada com 87 pacientes entre 7 e 23 anos, acompanhados durante dois anos. Seu estudo não demonstrou claramente a manutenção da função respiratória com o início da corticoterapia, indicando que essa intervenção é mais efetiva quando iniciada antes dos 7 anos.

Rodini et al. (2012) avaliaram 12 pacientes com DMD na faixa etária entre 10 e 22 anos (pacientes ambulatoriais da Associação de Assistência à Criança Deficiente [AACD]). O estudo foi sobre a influência da adequação postural em cadeira de rodas na função respiratória de pacientes com DMD. Os resultados encontrados relataram que os valores de Pimáx e Pemáx foram maiores do que os descritos pela literatura. Esses valores foram estatisticamente significantes para pacientes com adequação postural em suas cadeiras.

Selestrin (2014) avaliou 101 pessoas com DMD, brasileiros provenientes do Ambulatório de Distrofia Muscular da divisão da clínica-neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), com idades entre 4 e 18 anos, todos do sexo masculino. O estudo descreveu o desempenho da população estudada por faixas etárias nas provas de função pulmonar. A conclusão desse estudo é que houve uma diferença estatisticamente significante na variabilidade entre o grau de acometimento de cada paciente quando comparado com a idade. Dessa forma, confirmou-se o uso da avaliação da CVF e das Pimáx e Pemáx como principal parâmetro da avaliação respiratória em DMD, inclusive como estratégia de gerenciamento do paciente crônico, sendo um modelo de tratamento com menor custo e maior eficiência.

Khirani et al. (2014) avaliaram 48 pacientes com DMD franceses, com idades entre 6 e 19 anos. Esse estudo descreveu a evolução dos músculos respiratórios em técnicas não invasivas e invasivas de avaliação respiratória em pacientes com DMD. Concluiu-se que testes não invasivos e as avaliações de Pimáx e Pemáx auxiliam e quantificam de forma importante o declínio da força inspiratória e expiratória, decorrente da fraqueza da musculatura respiratória.

Nicot et al. (2006) avaliaram a força dos músculos respiratórios com o uso de testes volitivos e não volitivos, comparando-os com o de CVF, Pimáx, Pemáx e pico de fluxo de tosse em 20 pacientes com DMD, com idades entre 2 e 18 anos. Concluiu-se que os testes invasivos simples, como o Sniff, teste de mensuração da pressão inspiratória nasal, e as manobras de tosse, são mais fáceis de se aplicar em pacientes muito jovens comparados com os métodos tradicionais, porém, todos os pacientes foram capazes de realizar os testes de pressão (Pimáx e Pemáx), e estatisticamente não houve diferença significante entre eles.

Este estudo buscou expandir a compreensão da avaliação de força muscular respiratória de pacientes com DMD de forma simples e objetiva. A mensuração de Pimáx e Pemáx descrita na literatura estudada comprova que, independentemente da idade e da qualidade cognitiva do paciente a ser avaliado, esses parâmetros são os mais eficientes para esse tipo de avaliação. Porém, não há uma padronização do uso de um equipamento específico, analógico ou microprocessado para a avaliação das pressões, levando à hipótese de que não existe um equipamento para a escolha, sendo que diversos instrumentos são usados para mensurar os valores dos testes pulmonares em diferentes estágios da DMD. Critérios de avaliação modificados para pacientes com doenças neuromusculares deveriam fazer parte da rotina dos testes de pressão respiratória, como descrito pela literatura.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os 11 artigos apresentaram critérios de avaliação utilizados como indicativos pela ATS, ERS, Consenso Brasileiro de Espirometria, Diretrizes para Testes de Função Pulmonar e predito de Wilson et al. (1984), que foi realizado em adultos e crianças brancas saudáveis. Apenas um artigo seguiu as orientações específicas para a avaliação respiratória de pessoas portadoras de DMD.

Como o objetivo de todos os artigos estudados era a avaliação das pressões respiratórias de pessoas com DMD, fica caracterizado que a prova de função pulmonar é feita com o protocolo elaborado para pacientes com doenças respiratórias, sem considerar o refinamento dos métodos de avaliação já existentes para pacientes com doenças neuromusculares. Especificamente para pessoas com DMD, esse tipo de avaliação já deveria ser usada na prática clínica. É evidente a necessidade de adequação das diretrizes de avaliação das pressões respiratórias em pessoas com DMD.

Os instrumentos utilizados para mensurar as pressões máximas foram diversos, mas, como todos tinham o mesmo objetivo, existe a necessidade de uma padronização do instrumento mais adequado e, de acordo com nosso estudo, evidenciou-se o uso do manovacuômetro analógico, provavelmente por ser mais simples de se manusear e por causa do baixo custo. Contudo, ainda é escassa a quantidade de artigos que especificam o tipo de avaliação neuromuscular e o instrumento adequado para essas pessoas. Os resultados sugerem a necessidade de mais estudos com o intuito de verificar quais são os melhores instrumentos para esse tipo de avaliação e sobre o uso da avaliação das funções pulmonares em indivíduos com DMD, modificadas e descritas pela ATS. Com isso, podemos ter maior eficácia na terapia aplicada, melhorando a força muscular respiratória e evitando com mais eficiência o progressivo declínio das capacidades pulmonares.

 

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Recebido em: 23/01/2021
Aprovado em: 23/04/2021

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