SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 número23Participação política, manifestações culturais e mecanismos de resistênciaEmpoderamento e controle social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN) índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.12 no.23 São Paulo jan. 2012

 

ARTIGOS

 

Fóruns comunitários: uma estratégia de construção participativa do desenvolvimento local

 

Community forums: a strategy for building participatory local development

 

Foros comunitarios: una estrategia de construcción participativa del desarrollo local

 

 

Deyseane M. A. Lima*, I; Ticiana Santiago de Sá**, I, II; Ângela de Alencar Araripe Pinheiro***, I, II

I Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
II Núcleo Cearense de Pesquisa e Estudo sobre a Criança (NUCEPEC)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo discute a experiência de realização dos fóruns Comunitários promovidos pelas Raízes de Cidadania em duas comunidades do município de Fortaleza (Mucuripe e Conjunto Palmeiras) como uma proposta democrática de desenvolvimento comunitário através da participação social. A realização dos mesmos é uma iniciativa das políticas públicas de atenção e proteção social básica do município que visam uma integração das políticas e dos atores sociais na pactuação de ações com o foco na participação e emancipação pessoal e comunitária. A análise da proposta metodológica dos fóruns, desenvolvida através de uma pesquisa-ação, destaca a importância da integração do Estado e da Sociedade Civil no desenvolvimento de práticas dialógico-participativas em âmbito municipal e comunitário, tarefa vivida pelos atores sociais em estudo, como um desafio político e metodológico realidade que apontou para a necessidade de esclarecimento dos profissionais e gestores acerca da metodologia em estudo.

Palavras-chave: Participação, Políticas públicas, Comunidade, Democracia, Emancipação.


ABSTRACT

The article discusses the experience of the Community forums achievement promoted by "Raízes da Cidadania" in two communities in Fortaleza (Mucuripe and Conjunto Palmeiras) as a democratic proposal for the community development promoted by the social participation. The achievement of such initiative is a kind of public policy attention and basic social protection of the city which aims the integration of policies and social actors and focuses not only on participation, but also in personal and community empowerment. The analysis of the forums methodology proposition developed through an action-research, highlights the importance of the State and Civil Society integration in the development of dialogical-participatory practices in the municipal and community environment. This task is being experienced by the social actors under study, as a methodological and political challenge that really points to the need for the professionals and managers' clarification about the methodology under study.

Keywords: Participation, Public policy, Community, Democracy, Emancipation.


RESUMEN

El artículo describe la experiencia de llevar a cabo los foros promovidos por "Raízes da Cidadania" en dos comunidades en Fortaleza (Mucuripe y Conjunto Palmeiras) como una propuesta democrática de desarrollo comunitario a través de la participación social. La realización de los mismos es una iniciativa de las políticas públicas de atención y protección social básica en la ciudad destinadas a la integración de los actores políticos y sociales en la negociación de acciones con un enfoque en la participación y el empoderamiento personal y comunitario. El análisis de la propuesta metodológica de los foros, desarrollada a través de una Investigación-acción, pone de relieve la importancia de la integración del Estado y la sociedad civil en el desarrollo de prácticas dialógicas-participativa en el ámbito municipal e comunitario tarea vivida por los atores sociales en estudio, como un desafío político y metodológico realidad que señala la necesidad de necesidad de esclarecimiento de los profesionales y gestores acerca de la metodología en estudio.

Palabras clave: Participación, Políticas públicas, Comunidad, Democracia, Emancipación.


 

 

Introdução

 

1. Democracia e Participação Social: Uma Estratégia de Desenvolvimento Local

[...] acontece que uma coisa é conceber a democracia como um método para a formulação e tomada de decisões no âmbito estatal; e outra bem distinta é imaginá-la como uma forma de vida, como um cotidiano de relação entre homens e mulheres que orienta e regula ao conjunto das atividades de uma comunidade. (José Nun citado por Borón, 1994:9)

Atualmente comemoramos mais de quarenta anos do Maio de 68 e mais de duas décadas da promulgação da Constituição Cidadã Brasileira, dois grandes marcos do desenvolvimento de políticas e práticas sociais que pautadas na mobilização e organização política para a transformação social contribuíram para o desenvolvimento e para a construção dos significados que embasam a concepção de democracia como uma prática sócio-política a ser conquistada dialogicamente por meio de uma vivência histórica e cotidiana que não se pode restringir a uma metodologia de governo.

Partindo desta concepção de democracia, o presente artigo se propõe a investigar como, no contexto atual da América Latina, mas especificamente em duas comunidades urbanas do nordeste brasileiro, constituem-se as possibilidades de exercício da cidadania através dos fóruns locais comunitários numa proposta de parceria entre o poder público e a sociedade civil.

A concepção de democracia defendida pelos cientistas políticos é pautada nos princípios da cidadania, na soberania popular na garantia dos Direitos Humanos, compreendidos como sociais e políticos. De forma que pensar a cidadania sem articular transformações econômicas, culturais e históricas é torná-la apenas uma caricatura, um jogo perverso e burocrático de legitimação do status quo e da degradação humana. É esquecer e negar o potencial ativo e histórico do povo nas políticas e práticas sociais contemporâneas. Povos, que mesmo nos ditames da Constituição Cidadã, ainda são apontados como apenas alvos, usuários ou beneficiários de políticas compensatórias e de ajustes, tal com denuncia Sposati (2002). Mas como transformar os atores e as práticas sociais ditas democráticas em experiências de participação e transformação sócio-políticas?

A promoção dos fóruns comunitários que são compreendidos como uma metodologia de desenvolvimento local realizados para integrar intersetorialmente as políticas de assistência e proteção social básica do município com os contextos e potenciais locais nos marcos da descentralização territorial, política e participativa, propostos pela Constituição de 1988.

A partir das diretrizes desta Constituição, cada vez mais nos documentos oficiais, nos textos das políticas públicas e vivências de alguns moradores o município é percebido como lugar estratégico, vivo, dinâmico e concreto de atuação, uma rede de relações sociais, políticas, afetivas, econômicas e simbólicas. Assim, o município organizado em diferentes comunidades, bairros, territórios, regionais, dentre outros, constituem-se como foco de inúmeras políticas públicas de nível básico englobando as de atenção básica e as de proteção social básica. Estas têm como foco trabalhar os potenciais de desenvolvimento pessoal e comunitário como faces de uma mesma moeda.

Neste processo a integração municipal de atuação entre as políticas e atores locais em âmbito comunitário merece destaque, uma vez que a comunidade, compreendida neste estudo como para além de um todo harmônico ou utópico, mas como um grupo social dinâmico, histórico, cultural e com organização singular que compartilha interesses, necessidades, problemas e potencialidades, constitui-se como campo fértil e privilegiado de vivência e conexão mais próxima entre os moradores e destes com o município (Góis, 2005).

De forma que trabalhar com comunidade na perspectiva de tecer e articular as políticas públicas na busca do desenvolvimento social é compreender e fortalecer os processos de construção da identidade pessoal e social de seus moradores, as interações constitutivas dos mesmos, o sentimento de pertença, a vinculação, a ação e o compromisso social. Isto faz com que, num processo dialético por meio de estratégias dialógico-participativas, não só o desenvolvimento dos moradores ou da sociedade seja potencializado, como também o das políticas públicas em suas estratégias e seus significados.

Dessa forma, não se trata de desenvolver técnicas, realizar diagnósticos ou aplicar programas pré-traçados em realidades singulares, mas de maneira articulada integrar os diferentes saberes, atores e políticas sociais de acordo com os potenciais comunitários numa diretriz popular e compartilhada de atuação, traçar estratégias de organização e desenvolvimento social. Neste intuito, Soares e Bava (2002), ao analisarem os desafios da gestão municipal democrática, afirmam que a tarefa do poder público não se deve restringir a "conservar, limpar e embelezar a cidade", mas contribuir para o desenvolvimento social e integrado da mesma. Tal proposta de desenvolvimento ainda é um desafio para os países latino americanos, como contextualiza Borón (1994), ao destacar a mudança de papel do Estado que deve ser compreendido em suas responsabilidades regulatórias e ético-políticas, para além do processo de desmonte e burocratização que as demandas econômicas neoliberais da globalização procuram imprimir.

Diante do exposto, na atuação dialética e integrada, desenvolvida através de estratégias dialógico-participativas, como proposto nos fóruns comunitários, é que se consegue avançar na construção de numa democracia vivida, como contextualizam Toro e Werneck (1996:26):

[...] não o pode ser decretada, não pode ser imposta. A Democracia só pode ser vivida e construída [...] é uma tomada de decisão, tomada por toda uma sociedade, de construir e viver uma ordem social onde os Direitos Humanos e a vida digna sejam possíveis para todos.

Uma das formas, senão a principal, de vivência e efetivação da democracia é através da participação popular. Concepção presente nos textos das políticas públicas, nas linhas e entrelinhas de diversos discursos sociais de origem e interesses ideológicos diversos. Como contextualiza Souza (1996:81):

Hoje em dia, a participação é linguagem comum nas diversas camadas da população em que pesem existirem interesses e preocupações contraditórias e antagônicas entre aqueles que fazem as classes fundamentais da sociedade. Nesse sentido, assumir a perspectiva da participação exige, antes de qualquer outra atitude que se examine: participação por quê? Em função de quem? O que é mesmo participação?

Bordenave (2002) afirma que a participação é uma necessidade fundamental e constitutiva do ser humano, que se refere a uma intervenção ativa na construção da sociedade, na interação com os outros, na expressão de sentimentos e o desenvolvimento pessoal e social. Posicionamento reforçado por Paula e Câmara (2007:98):

[...] a participação social, enquanto expressão da atividade humana, colabora com o processo de humanização, na medida em que, ao envolver situações de planejamento, convivência social, diálogo e tomada de decisões, possibilita ao indivíduo se reconhecer e se afirmar enquanto pertencente a uma realidade histórica e socialmente construída e que, por isso, é capaz de transformá-la, ao mesmo tempo em que se transforma. Nesse processo se dá, portanto, o aprofundamento da consciência de si mesmo e da realidade na qual vive, incluindo, também, a vinculação afetiva e emocional entre os indivíduos. Nesse sentido, participar envolve o esforço reflexivo e também afetivo que configuram um só processo de transformação da realidade, no qual os sujeitos se percebem como construtores do município e de si mesmo.

Este espaço público passa a ser permeado pelos interesses coletivos e pelos trabalhos conjuntos e cooperativos que são presenciados na participação comunitária (Góis, 2005). Em que essa participação passa a ser compreendida como cidadania conquistada pelos atores locais, sujeitos de direitos, protagonistas da sua história, e não pelos usuários do serviço público (Telles, 1999).

Dessa forma, enfatiza-se a criação deste espaço público e de sua ampliação em relação à representação da sociedade civil, de uma cidadania ativa e a possibilidade de participação na gestão das políticas e de alguns programas políticos por meio dos fóruns.

A participação comunitária é uma forma de a comunidade manifestar-se política e socialmente, a partir da sua própria realidade e compreendendo-a como integrante da sociedade em que vivencia. Assim, é possível, de acordo com Bodernave (2002), que a participação no âmbito comunitário, promova o engajamento dos seus moradores na sociedade como cidadãos participativos.

Um exemplo deste tipo de participação é a desenvolvida nos fóruns comunitários, que acontecem em Fortaleza desde 2006 e representam um espaço de construção coletiva entre a comunidade e os profissionais da Raiz da Cidadania, propiciando um diálogo entre o saber popular e o saber técnico-científico.

 

2. A Participação nos Fóruns Comunitários das Raízes de Cidadania

O projeto Raízes de Cidadania é desenvolvido pela Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), órgão responsável em âmbito municipal pelas políticas públicas para as crianças e adolescentes da cidade de Fortaleza. Este projeto atua em dezoito comunidades de baixo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH e baixo Índice de Desenvolvimento Infantil – IDI. Tem como foco a mobilização e o desenvolvimento comunitário, através de uma atuação interdisciplinar e dialógica, busca fomentar a participação popular na gestão compartilhada de ações públicas para crianças e adolescentes contribuindo para promoção, defesa e exercício dos direitos. Assim, as Raízes constituem-se como espaços estratégicos de articulação de redes comunitárias e de políticas públicas municipais.

Dentre as atividades desenvolvidas pelo projeto situam-se os fóruns comunitários que acontecem anualmente nas comunidades acompanhadas pelas Raízes de Cidadania em que as equipes buscam através da integração, negociação e vivência dos objetivos traçados para a realização dos fóruns fomentar uma rede de cooperação, pactuação de ações e sustentação de políticas e práticas emancipatórias com as comunidades.

Viabilizando práticas não só consultivas, normativas ou técnicas as políticas públicas desenvolvidas de acordo com a Construção Cidadã de 1988 trazem o marco da participação democrática em sua constituição e princípios. O que ainda é um grande desafio a ser compreendido e vivido no contexto da América Latina especialmente pelas contradições sociais e da cultura política assistencialista e clientelista que marcam sua história.

A participação social nos fóruns, de acordo com os estudos teóricos na área, busca ser potencializada por diferentes características constitutivas dos fóruns e das interações sociais que este pode vir a desenvolver, a saber:

▪ No desenvolvimento de uma ação territorial, onde a vida acontece em sua historicidade, singularidade, trabalhando os desafios, potencialidades e significados locais fomentando ainda uma atuação intersetorial (Braga, 2006).

▪ Na vivência cultural, política e formativa das metodologias propostas pelos fóruns que privilegiam o reflexivo-vivencial, o diálogo, o encontro, a experiência (Góis, 2005).

▪ Na horizontalidade das discussões presentes no exercício critico de problematização com a realidade vivida fortalecendo na arena social laços de autonomia e solidariedade nos desafios partilhados (Avritzer & Costa, 2004).

▪ Na diversidade de atores sociais, interesses, saberes, experiências de vida e visão de mundo que compõem o fórum possibilitando trabalhar para além do já instituído, mas na dialogia constitutiva destes processos contribuir para a formação política e social na vivência da democracia (Braga, 2006).

▪ Na promoção de uma perspectiva não apenas consultiva delegativa ou de adaptação as escolhas de seus representantes. Os participantes dos fóruns são convidados a desenvolver uma postura ativa, posicionada, sensível sobre sua realidade articulando dialeticamente desenvolvimento pessoal e social (Borón, 1994).

▪ Na problematização de posturas clientelistas ou culpabilizatórias, seja dos cidadãos ou dos governos, aproxima a discussão da política de questões sociais em que o compromisso de desenvolvimento e transformação é partilhado e faz parte do cotidiano, suscitando o desenvolvimento de redes de cooperação (Telles, 1999).

 

3. Percursos Metodológicos do Estudo

Durante os encontros preparatórios dos fóruns comunitários os profissionais das Raízes de Cidadania solicitaram o apoio do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (NUCEPEC)1, para atuar com os atores comunitários do Conjunto Palmeiras e do Mucuripe, auxiliar com subsídios teóricos e de facilitação de grupo na discussão do tema deste ano "Se essa rua fosse minha: reflexões e ações sobre a situação de crianças e adolescentes em situação de rua".

A escolha pela problemática decorreu de questionamentos que foram surgindo durante a construção da dissertação do mestrado das pesquisadoras e profissionais, que se referem à psicologia social e à educação.

Dessa forma, possibilitou a leitura dos projetos dos fóruns comunitários e do mapeamento psicossocial participativo dos locais que atuamos. Este mapeamento, para Lima (2010) é uma metodologia participativa que facilita o reconhecimento da comunidade e o levantamento das dificuldades e potenciais neste meio de maneira interativa e vivencial.

Além disto, visitamos a comunidade e participamos dos fóruns, através da pesquisa-ação, com o foco na observação participante e na aplicação de entrevistas semiestruturadas.

A pesquisa-ação, para Thiollent (1986), constitui-se coletiva e empiricamente no processo em que tanto os pesquisadores, quanto os representantes da situação ou do problema em foco devem envolver-se de modo cooperativo e participativo no desenvolvimento de sua práxis. Já a observação participante é considerada por André (2000:49) como uma observação contextualizada e que permite a interação entre o pesquisador e a realidade estudada. É "um estudo aprofundado de uma unidade em sua complexidade e em seu dinamismo próprio".

Portanto, as visitas às equipes e a comunidades propiciaram um processo de interação e convivência com o modo de vida do lugar, descrever os sentidos e perspectivas, os valores e normas por meio das quais os atores sociais em determinadas condições de vida constroem sua realidade, destacando a compreensão dos enlaces e nexos do cotidiano através de uma observação direta e exploratória da realidade investigada.

As entrevistas foram realizadas numa proposta metodológica construcionista que analisa as práticas discursivas e produções de sentido no cotidiano (Spink, 2000) nas quais se indagava aos profissionais e moradores locais como compreendem, caracterizam os fóruns em seus significados, avanços e desafios.

Assim, foram entrevistadas duas psicólogas, uma assistente social e uma assessora comunitária das equipes multiprofissionais que atuam no projeto, com diferentes experiências e tempo de atuação. Dentre as dezoito comunidades que realizavam concomitantemente os fóruns comunitários locais, as estudantes em negociação com as demandas de articulação das equipes foram convidadas a atuar nas comunidades do Conjunto Palmeiras e do Mucuripe localizadas na periferia de Fortaleza possuindo grande potencial histórico de luta e organização social, são fruto do processo de ordenação urbana excludente da cidade.

 

4. Compreendendo a Participação Popular: uma análise dos fóruns comunitários no Conjunto Palmeiras e Mucuripe

Ao entrar em contato com as múltiplas realidades que permeiam o cotidiano das comunidades através pesquisa-ação e da observação-participante desenvolvida às equipes e moradores das comunidades observamos o desenvolvimento da dinâmica comunitária plural.

Pelos corredores das unidades das Raízes de Cidadania circulavam principalmente crianças e mulheres que participavam de grupo ou oficina temática ou buscavam alguma orientação ou encaminhamento para os "benefícios sociais". Já nas ruas eram constantes as interações e os diálogos entre os moradores, que apesar da dificuldade de acesso e vivência de seus direitos e de condições dignas de desenvolvimento pessoal e social possuíam vitalidade, que se expressava na diversidade de organizações sociais, culturais e políticas que constituem o tecido comunitário local, como observado através da leitura dos mapeamentos psicossociais participativos disponibilizados pelas equipes das Raízes.

Na realização dos fóruns, no entanto, poucas instituições descritas naqueles instrumentais marcaram presença no evento. Tal realidade foi justificada pela dificuldade de mobilização comunitária que os profissionais afirmaram apresentar no momento, como comenta a assistente social entrevistada "tivemos pouco tempo para promover o fórum, além da equipe ter mudado bastante, nos últimos fóruns não conseguimos desenvolver o que havíamos pactuado".

Apesar da pouca diversidade de movimentos sociais nos fóruns, observamos a participação horizontal de homens e mulheres em diferentes faixas etárias, crianças, adolescentes, idosos que exerciam diversas funções na comunidade. Estes diferentes atores sociais nas suas falas, danças, relatos de experiências vividas no bairro constituíram um rico e plural debate, na comunidade do Conjunto Palmeiras. Já no Mucuripe não se observou a mesma diversidade de atores sociais, a atividade foi marcada pela participação principalmente de jovens engajados nos diferentes projetos sociais locais mediados pela reflexão e vivência artística facilitada por grupos culturais da comunidade.

Um fato que chamou bastante a atenção das pesquisadoras foi a necessidade de representantes das políticas públicas na atividade desenvolvida nas duas comunidades, pois os profissionais das Raízes desenvolviam uma postura gerencial, cuidando mais da infraestrutura e suporte do evento do que facilitando o encontro (problematização e pactuação de propostas).

Mas, que propostas? Pactuadas com quem? Estas foram as questões que inquietaram as pesquisadoras sobre a possibilidade de nos dois casos terem ocorrido junto à população apenas um encontro comunitário ou oficina subestimando a proposta política e metodológica dos fóruns comunitários locais como apontado por Góis (2005).

No fórum realizado no Conjunto Palmeiras as pesquisadoras ao facilitarem as discussões instigaram técnicos e moradores no desenvolvimento de uma postura não só crítica, mas criativa e propositiva pautada na realidade local. A dificuldade foi maior na comunidade do Mucuripe em que os moradores quando indagados sobre o fórum se referiam a este ora como oficina, ora como evento retratando as apresentações culturais, o tema das oficinas ou o souvenir que haviam recebido por sua participação no fórum.

Que participação? Que fórum? Através das discussões apresentadas ao longo do texto evidencia-se que para que a participação aconteça, seja constitutiva e significada precisa-se ir além da mera presença ou reprodução de modelos de gestão, mas um exercício dialógico e amoroso de formação do homem e transformação da realidade, como comenta Freire (1983).

Em seu projeto político pedagógico, nos fóruns comunitários, caracterizam-se pela diversidade de participantes e pela integração comunidade/município agregando desenvolvimento político e social nas intervenções de políticas e práticas. No entanto, no cotidiano das comunidades investigadas observamos que a realização do fórum refletiu um modelo de estado e gestão burocrático, denunciado por Borón (1994).

O que na desresponsabilização do estado reforça uma proposta delegativa de democracia, só que às avessas em que o "poder" e principalmente as responsabilidades de regulação e desenvolvimento social não estão no poder dos governantes, mas no povo que deve ser responsável pela resolução das problemáticas sociais e histórias que os oprime desenvolvendo uma cultura não de corresponsabilidade, mas de culpabilização, fatalismo e precarização do desenvolvimento social. Como alertaram as profissionais ao comentarem:

O difícil não é nem tanto promover os fóruns, que apesar das dificuldades de orçamento e infraestrutura da instituição resolvemos através da articulação com os parceiros da raiz na comunidade, mas dar continuidade, criar ações, mantê-las tipo um grupo continuado, uma ação conjunta, nestes três anos ainda não foi possível (Psicóloga). [sic]

O fórum não pode ser pontual, deve conseguir realizar encaminhamentos, parcerias locais, desenvolver ações continuadas, trabalhar a cultura assistencialista, a participação condicionada a algumas ofertas, desenvolver as pessoas e as potencialidades da comunidade, fazer com que ela se reconheça se valorize, se encontre, pra isso precisa dar continuidade, dar valor também e suporte a política, não somos só nós e os moradores que temos que participar ... não pode ser só um desabafo, nem uma conversa precisamos ter algo concreto... (Psicóloga). [sic]

Observamos a dificuldade tanto da população, como dos gestores e de profissionais das raízes e da rede de proteção e promoção social que atua nas comunidades de compreensão sobre o papel das Raízes de Cidadania e dos fóruns comunitários, bem como na mobilização social e facilitação da atividade, como comenta: "os fóruns são como uma grande assembleia é para a população discutir seus problemas" (Assistente Social) [sic]

Compreendemos, no entanto, que além da discussão os fóruns devem favorecer o diálogo e a práxis focada nas problemáticas e no potencial ativo e criativo do homem e da rede social em que se insere como contextualiza Freire (2000b).

Ressaltamos que a dificuldade não era partilhada por todos, uma vez que ao caracterizar os fóruns e as experiências vividas os profissionais destacam, "é um momento de aprendizado, de conhecimento e valorização da cultura desse povo também, de encontro, de se divertir, identificar os potenciais comunitários, construir algumas coisas com eles". (Assessora Comunitária). [sic]

Tal realidade evidenciou-se no Conjunto Palmeiras pela pouca quantidade de moradores e instituições de referência do trabalho social na área, caracterizando a atividade como um encontro comunitário. Já no Mucuripe, a participação foi comprometida pela pouca diversidade de atores sociais envolvidos, privilegiando a interação entre grupos culturais e políticos locais, mas restringindo suas atividades ao público jovem. Este segmento apesar de ser representativo na demografia do bairro não o totaliza em valores, potencialidades, posturas e interesses compartilhados, contrariando a idéia de democracia como uma arena múltipla de interesses, perspectivas e posturas em tensão e negociação (Braga, 2006).

Os obstáculos para a construção do fórum democrático evidenciaram-se nas estratégias utilizadas, pois no Mucuripe consistiu na divisão dos participantes por afinidades e encaminhamentos para participar de oficinas promovidas por instituições. O que contribui para a valorização, trocas, reconhecimento destes sujeitos, mas não para o desenvolvimento engajado, função das práticas democráticas, como comenta Nogueira (2005).

Assim, no Mucuripe trabalhou a visibilidade e a informação cultural, mas não a formação pautada na pluralidade de atores e perspectivas, na problematização e posicionamentos da realidade vivida. No Conjunto Palmeiras os impedimentos metodológicos residiram na disposição das cadeiras, que não contribuía para o desenvolvimento de um fluxo ativo e horizontal de interação e na participação dos profissionais na mobilização e facilitação do encontro que apresentaram uma postura mais técnica ou gerencial do que coparticipante do desenvolvimento local e da democracia.

A construção democrática não deva limitar-se a um recurso metodológico ou simbólico, como criticam Borón (1994) e Giddens (1994), pois o foco seria a compreensão e o desenvolvimento comunitário que contribui para a problematização da realidade e da práxis dos sujeitos envolvidos nos processo, como afirma Freire (2000a).

 

Considerações e Perspectivas

Neste artigo deparamo-nos com questionamentos sobre a participação social dos atores locais nos fóruns comunitários no Conjunto Palmeiras e Mucuripe, fazendo-nos refletir sobre a Constituição de 1988 no nosso país, da relação entre Estado e sociedade; e da participação como facilitadora do desenvolvimento local a partir da cooperação e da dialogicidade presente nesse espaço público.

Nesta perspectiva, os fóruns comunitários têm fundamental importância como espaços públicos construídos pela sociedade civil, representada pela comunidade e pelo Estado, por seus profissionais e por instituições parceiras. Numa proposta, em que todos os seus membros são responsáveis pela ação e reflexão das problemáticas e pelo desenvolvimento comunitário.

Assim, focaliza-se a comunidade como propulsora do seu desenvolvimento e de ações, que são definidos e compartilhados com o contexto, possibilita a participação, a sustentabilidade, a cooperação dos moradores entre si e com o sistema político, histórico cultural que constituem, visando minimizar o assistencialismo, a anomia e a dependência que marcam relações sociais na América Latina (Góis, 2005).

A participação, portanto, seria uma estratégia essencial para a articulação dos atores sociais, fortalecendo a comunidade e aumentando o seu poder decisório no sentido de facilitar a obtenção dos seus objetivos pessoais e coletivos. É um momento em que os atores sociais se tornam protagonistas do desenvolvimento da comunidade. No entanto, observaram-se algumas armadilhas enredadas nos discursos e práticas acerca da importância e da efetivação da participação social nas práticas de integração comunidade/município ou prefeitura/sociedade civil, dentre as quais se destacam a omissão do Estado, a falta de compreensão teórico-metodológica e ético-política da proposta dos fóruns somados aos desafios de efetivar na a sociedade civil uma democracia vivida efetivamente.

Vale ressaltar que apontar os limites sejam eles metodológicos, políticos ou históricos de desenvolver as estratégias democráticas de vivência e ampliação da cidadania por meio da participação integrada e corresponsável do estado e da sociedade civil não significa inviabilizar ou apostar numa proposta utópica, fatalista ou normativa de democracia, mas de reinventá-la, como ressalta Nogueira (2005).

Tarefa que tanto os profissionais quanto os próprios moradores se encarregavam de desenvolver através de estratégias de participação seja por meio da dialogia e de forma lúdica nas atividades socioculturais que marcam a proposta de desenvolvimento de fóruns comunitários. Nesta perspectiva a inclusão e o desenvolvimento dos fóruns comunitários como uma estratégia do plano de ação de um projeto municipal, constituem-se um avanço histórico que precisa ganhar respaldo e sustentabilidade orçamentária e intersetorial nas políticas públicas.

 

Referências

Amman, Safira. B. (1978). Participação social. São Paulo: Cortez: Moraes.         [ Links ]

Avritzer, Leonardo., & Costa, Sérgio. (2004). Teoria Crítica, Democracia e Esfera Pública: concepções e usos na América Latina. DADOS – Revista de Ciências Sociais, 47(4), 703- 728, Rio de Janeiro

André, Marli E. D. (2000). Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus.         [ Links ]

Bordenave, Juan E. D. (2002). O que é participação. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Borón, Atilio. (1994). Estado, capitalismo e democracia na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra.         [ Links ]

Braga, Elza M. F. (2006). Participação de atores locais e ampliação do espaço público: caminhos da experiência do CONSAD de Baturité. Em Adelita Neto Carleial (Org.), Projetos Nacionais e conflitos na América Latina. Fortaleza: Edições UFC, UECE, UNAM.         [ Links ]

Freire, Paulo. (2000a). Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.         [ Links ]

Freire, Paulo. (2000b). Pedagogia da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra.         [ Links ]

Freire, Paulo. (1983). Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra.         [ Links ]

Giddens, Anthony. (1994). Admirável mundo novo. Caderno CRH, (21), Salvador: UFBA.         [ Links ]

Góis, César W. L. (2005). Atividade e consciência. Fortaleza: Instituto Paulo Freire.         [ Links ]

Lima, Deyseane Maria Araújo. (2010). ProJovem Urbano da Escola Papa João XXIII do Bairro Vila União: Significados atribuídos pelos jovens na perspectiva da Psicologia Comunitária e da Psicologia Ambiental. Dissertação de Mestrado em Psicologia. Programa de Pós Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.         [ Links ]

Nogueira, Marco A. (2005). Um estado para a sociedade civil temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Paula, Luana R. C. de., & Câmara, Cândida M. F. (2007). Psicologia Comunitária e gestão municipal: contribuições para o desenvolvimento local. Em Andréa Carla Filgueiras Cordeiro, Emanuel Meireles, & Verônica Morais Ximenes (Org.). Psicologia e(m) transformação social: práticas e diálogos. Fortaleza: Aquarela.         [ Links ]

Souza, Maria L. (1996). Desenvolvimento de comunidade e participação. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Sposati, Aalaíza. (2002) Regulação social tardia: características das políticas latinoamericanas na passagem entre o segundo e o terceiro milênio. Anais VII Congresso Internacional do CLAD sobre l Reforma do Estado y da Administração Pública, Lisboa, Portugal, 8-11. Acessado em: 15 de dezembro de 2008, de: <http://www.clad.org.ve/fulltext/0044509.pdf>         [ Links ].

Spink, Mary Jane P. (2000). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Soares, José. A., & Caccia-Bava, Silvio. (1998). Os desafios da gestão municipal democrática. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Telles, Vera. S. (1999). A nova questão social brasileira: ou como as figuras de nosso atraso viraram símbolo de nossa modernidade. Caderno CRH, 12(30). Bahia. Acessado em: 06 de dezembro de 2008, de: <http://www.cadernocrh.ufba.br/viewarticle.php?id=234>         [ Links ].

Thiollent, Michel. (1986). Metodologia da pesquisa-ação (2ª ed.) São Paulo: Cortez.

Toro, José B. A., & Werneck, Nisia. M. D. (1996). Mobilização social: Um modelo de construir a democracia e a participação. Unicef, Brasil.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Deyseane M. A. Lima
E-mail: deyseanelima@yahoo.com.br

Ticiana Santiago de Sá
E-mail: ticianasantiagodes@yahoo.com.br

Ângela de Alencar Araripe Pinheiro
E-mail: a3pinheiro@gmail.com

Recebido em: 31/03/2011
Revisado em: 06/06/2011
Revisado em: 13/11/2011
Aceito em: 26/01/2012

 

 

* Psicóloga. Especialista em Educação Inclusiva (UECE) e Educação a Distância (SENAC/CE). Mestre em Psicologia (UFC). Integrante do Núcleo Cearense de Pesquisa e Estudo sobre a Criança (NUCEPEC). Doutoranda em Educação na Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
** Psicóloga. Mestre em Psicologia (UFC). Consultora do Núcleo Cearense de Pesquisa e Estudo sobre a Criança (NUCEPEC). Doutoranda em Educação na Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
*** Psicóloga. Mestre em Psicologia. Doutora em Sociologia. Autora do livro"Criança e Adolescente no Brasil: Porque o Abismo entre a Lei e a Realidade", resultado de sua tese de doutorado. Integrante e fundadora do Núcleo Cearense de Pesquisa e Estudo sobre a Criança (NUCEPEC), do qual participou da defesa dos direitos de crianças e adolescentes no Ceará. Professora da graduação em psicologia da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
1 Núcleo de extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC), vinculado ao Departamento de Psicologia, que surgiu em 1984. Desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão, ação direta e ação política.