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Revista Psicologia Política
versão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.12 no.24 São Paulo ago. 2012
EDITORIAL
Diálogos interdisciplinares: a produção da psicologia política para os direitos humanos
Interdisciplinary dialogues: the production of political psychology for human rigths
Diálogos interdisciplinarios: la producción de la psicología política para derechos humanos
Alessandro Soares da Silva*
Universidade de São Paulo - USP
Até o ano de 2011 o segundo fascículo seria o fechamento do volume da revista. Mas como já anunciamos em outro editorial, neste ano a Revista Psicologia Política deixa de ser uma publicação semestral e passa a ser uma publicação quadrimestral. Assim este fascículo é referente aos meses de maio a agosto de 2012, sendo o que virá editado com o apoio da Associação Ibero-Latinoamericana de Psicologia Política (AILPP). Essa parceria nos ajudará a ampliar o alcance da revista enquanto um veículo que abre espaço para a produção de investigadoras/es que estão mais além das fronteiras brasileiras. Mesmo sendo um periódico de âmbito nacional, ela ganha uma dimensão cada vez mais internacional. Ela torna-se um espaço de encontros e diálogos ainda mais interessante e inovador.
Na esteira dessas mudanças e em tempos nos quais a quantificação acadêmica têm dominado o cenário da produção científica no Brasil (e no mundo), é que temos tentado fazer de nossa RPP um espaço para a divulgação de contribuições acadêmicas fruto de um trabalho intenso entre autores(as), pareceristas e Editor. Desse trabalho rigoroso é que emergem textos que efetivamente podem contribuir enormemente à consolidação da Psicologia Política Brasileira. Não podemos deixar de reconhecer os esforços da comunidade científica que se agrega em torno ao campo da Psicologia Política.
Nossa revista não quer ser apenas um espaço de produção de textos que são politica e socialmente comprometidos. Não se trata aqui de publicarmos artigos de uma psicologia comprometida politicamente, pois isso não faz do manuscrito um manuscrito de Psicologia Política.
Ainda que esses textos possam ser muito bons, ter discussões demasiado interessantes, eles não deveriam encontrar abrigo neste periódico, pois, do contrário, nosso veículo de informação científica se tornaria um periódico genérico ou quem sabe de Psicologia Social. Para evitarmos isso, estamos procurando aprofundar o diálogo com as(os) autoras(es) que buscam a Revista Psicologia Política para submeter sua produção. É importante que antes de submeter um texto ao periódico, os(as) autores(as) verifiquem que tipo de produção já foi publicada na revista; que deixem claro que vinculação seu texto guarda com a Psicologia Política e que aportes a ela ele traz.
Fazer isso nos ajuda a pensar melhor sobre os rumos e as perspectivas para a Psicologia Política que se têm construído em distintos rincões, desde distintos lugares metodológicos, epistêmicos e hermenêuticos. Como já se explicitou na primeira revista que publicou a Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP):
A Revista é uma publicação dirigida ao campo de estudos interdisciplinar da Psicologia Política. Constitui-se, portanto, em um periódico de estudos das problemáticas no campo da Psicologia Política que tem como epicentro a reflexão sobre o comportamento político nas sociedades contemporâneas. O ponto de intersecção entre estas duas áreas científicas – Psicologia e Política – tem sido a preocupação com a construção de um universo de debate no qual nem as condições objetivas nem as subjetivas estejam ausentes, pelo contrário, estão sendo compreendidas, por diferentes abordagens teóricas, como codeterminantes, portanto, constituintes dos comportamentos coletivos, dos discursos, das ações sociais e das representações que constituem antagonismos políticos no campo social.
Essa é a perspectiva que temos buscado guardar desde que iniciamos essa empreitada: uma revista que está deslindada no âmbito da interdisciplinaridade, que se faz nas "encruzilhadas" do conhecimento, nos "interstícios disciplinares". Portanto, nossa orientação enquanto editores da revista é para que esses encontros e diálogos sejam mais explícitos em cada contribuição que nos chega, para que a produção que a revista trouxe e traz à comunidade científica se torne mais visível nos artigos que são submetidos não só para a RPP, mas também para outras revistas. Ações como essa visibilizam produções científicas que estão abrigadas na RPP e a fazem mais conhecida e isso é bom. Contudo esse tipo de ação é importante porque garante uma maior circulação de saberes do campo psicopolítico e abre caminho para a ampliação daqueles que se reconhecem como pertencentes (ou pelo menos amigos) desta comunidade de saberes.
Dito de outra maneira: é por meio da valorização das publicações veiculadas na Revista Psicologia Política no instante de se produzir um artigo; é a partir de avaliações que ajudem a se construir manuscritos nos quais essas discussões são mais explícitas e fecundas, é por meio de um processo editorial atento e que fomenta e fortalece os canais de diálogo entre autoras/es e comunidade científica que alcançaremos um periódico melhor e com um reconhecimento ainda maior.
Estamos todas/os trabalhando para isso. A acolhida dessa postura por parte de nossos avaliadores(as), autores(as), bem como de nossas/os leitoras/es é uma mostra de que avançamos muito.
No presente fascículo encontraremos textos que debatem vivamente as questões que se inserem no campo dos direitos humanos e, por que não dizer, de uma Psicologia Política dos Direitos Humanos. Nesta perspectiva temos o artigo La Patologización del Deseo: apuntes críticos en torno a la coerción de la identidad y del placer da autoria de Daniel Fernández-Fernández (Universidad Nacional – Costa Rica). Em um texto bastante denso e argumentativo, o autor expõe o discurso patológico contemporâneo associado ao dispositivo do "fazer psi", assim como suas consequências na sociedade hodierna. Para tanto, Fernandez- Fernandez reflete acerca da patologização das identidades não heterossexuais das parafilias a partir dos eixos que estruturam a seção de "transtornos sexuais" do DSM-IV-TR. Ao fazer uma discussão a respeito do valor diagnóstico das categorias nosológicas atuais sobre a sexualidade, o autor nos brinda com uma leitura psicopolítica do uso deste instrumento regulador que é tão amplamente utilizado no universo psi e que, não poucas vezes serve para interesses ideológicos que limitam a constituição de certos sujeitos políticos não enquadráveis nas expectativas a sociedade heteronormativa.
Em Fatores Psicológicos e Sociais associados ao bullying José Leon Crochík (Universidade de São Paulo) também contribui para o debate do enquadramento social daqueles que não respondem às expectativas sociais de que estabelece as normas da normalidade. Ao analisar, à luz da Teoria Crítica da Sociedade e da Psicanálise, a relação entre alguns fatores sociais, mais propriamente educacionais, alguns fatores psicológicos e o bullying, Crochick desvela como as hierarquias são estabelecidas entre estudantes na escola; de que modo o autoritarismo se produz em meio a essas relações e de que modo essas relações podem desaguar na ausência de autonomia individual. A partir de dados de pesquisas sobre o bullying, poderemos observar no artigo o modo como os fatores apontados contribuem para o surgimento da violência. A contribuição do autor centra-se no campo educacional e no papel que a educação e a escola têm na produção da subjetividade e na emergência de formas violentas de enquadramento social.
Como que dando continuidade ao debate que relaciona educação, violência e direitos humanos temos o artigo Aspectos Institucionais na Execução da Medida Socioeducativa de Internação. Esse texto da lavra de Luana Alves de Souza e Liana Fortunato Costa (Universidade de Brasília) apresentam, a partir de uma observação participante no Centro de Integração de Adolescentes de Planaltina (CIAP), alguns aspectos institucionais no processo de execução de medida socioeducativa de internação que lhes permitiu avaliar que avanços se teria obtido num modelo de Estado penal-policial. No que tange às políticas públicas destinadas aos adolescentes em conflito com a lei, apesar da implantação do SINASE, o desafio maior permanece. No campo dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes a proteção integral dos seus direitos segue sendo uma questão desafiadora, sobretudo quando se trata de proteção integral a crianças e adolescentes em conflito com a lei e, portanto, em situação de vulnerabilidade social.
Se os artigos anteriores apontam para questões relativas à problemática da violência e da educação política de adolescentes e jovens, Sobre ReXistências, da autoria de Andréa Vieira Zanella, Gabriel Bueno de Almeida, Janaína Rocha Furtado (Universidade Federal de Santa Catarina) e Déborah Levitan (London School of Economics and Political Science) problematiza os processos de resistências a partir de algumas práticas sociais, interventivas, de jovens em contextos urbanos. Analisa-se processos de criação engendrados por jovens em contextos e condições diversas e desde um olhar estético-artístico e conscientes da efêmeridade e do anonimato dessas práticas. Tais intervenções anunciam novos modos de viver e agir nos espaços urbanos que não desejam ver-se sujeitados, mas que tampouco se colocam imediatamente como resistências que sejam marcadas por antagonismos. O manuscrito deixa claro que esses jovens resistem às formas de sujeição e submissão que lhes são atribuídas, ao esquecimento a que estão relegados. Eles buscam estabelecer-se como sujeitos políticos.
Em Ação Afirmativa na Universidade: a permanência em foco Claudia Mayorga e Luciana Maria de Souza (Universidade Federal de Minas Gerais) discorrem acerca das políticas de ação afirmativa na universidade pública brasileira. Claro está que neste texto a questão da Juventude e do acesso aos direitos humanos, bem como a questão da superação do preconceito como elemento promotor de desigualdade social e de violência é um tema central e, portanto, a seu modo guarda laços com os textos anteriores, permitindo ao(a) leitor(a) da RPP um olhar mais profundo sobre as relações possíveis entre educação, violência e política no campo da juventude. Ao lançarem um olhar para as políticas de permanência, ampliando o já extenso debate sobre democratização do acesso a partir da discussão sobre cotas sociais e raciais na universidade. No manuscrito, as autoras mostram que as argumentações que se colocam contra às ações afirmativas na universidade veem como problema os percalços que podem marcar as trajetórias acadêmicas dos estudantes cotistas, o que geraria uma queda da qualidade do ensino superior. Nesse ponto, o argumento daqueles que resistem a essas políticas afirmativas indicam de modo peremptório um suposto risco à qualidade do ensino decorrente da democratização do acesso através dessas políticas. Em contraposição dessa leitura o texto parte de aspectos das trajetórias de estudantes negros e de classes populares na universidade pública de modo a apresentar elementos para elaboração de uma política de permanência bem-sucedida que contribua para a boa qualidade do processo de inserção desses estudantes no ensino superior.
Fundo Nacional do Idoso e as políticas de gestão do envelhecimento da população brasileira é o manuscrito proposto por Adriano Rozendo (Universidade Federal do Mato Grosso) e José Sterza Justo (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"). Neste texto, os autores abordam as questões do envelhecimento e os desafios para as políticas públicas. Nesse sentido, a população idosa é um grupo vulnerável e que necessita de atenção para que nesse processo de envelhecer não tenha seus direitos humanos fragilizados. Os autores debatem como os governos tiveram que mobilizar esforços para gerir as consequências diversas do fenômeno do envelhecimento populacional brasileiro. O centro da discussão do artigo está na questão da criação dos Fundos Municipal, Estadual e Nacional do Idoso, que passa por um exame crítico que analisa tanto o que tange à gestão participativa do envelhecimento quanto a ampliação e melhoria dos serviços destinados aos idosos.
Os três textos seguintes tratam de três temas relevantes para o campo dos direitos humanos e tem sido foco de estudos psicopolíticos na atualidade: Esquecimento, Ditadura e Terrorismo. O primeiro deles é da autoria de Soraia Ansara (Universidade Estácio de Sá). Em Políticas de Memória X Políticas do Esquecimento: possibilidades de desconstrução da matriz colonial a autora aponta que no caso da ditadura brasileira a memória oficial foi e continua sendo um poderoso instrumento de manutenção do imaginário colonialista, o qual busca levar ao esquecimento de determinados eventos políticos. Mediante as ideias de colonialidade de poder e de dissenso a autora compreende a política da memória como dissenso, questionando o consenso que tem levado a uma política de esquecimento deliberada em toda América Latina. Frente a isso, a autora aponta para a memória política como possibilidade de resistência e luta política e fortalece a participação e a ação política de movimentos sociais. Essa possibilidade de resistir emerge como uma oportunidade de contrapor-se às "políticas de esquecimento" estabelecidas ao longo do tempo.
O segundo texto, escrito por Daniela Cabral Gontijo (Universidade de Brasília) e Ondina Pena Pereira (Universidade Católica de Brasília), Direito à vida sem tortura: direitos humanos para humanos direitos? Como que dá continuidade a discussão anterior ao tratar como, em pleno século XXI, a tortura sobrevive no Brasil. Para essas autoras não é mero resquício da ditadura ou fruto de um pico criminal, mas tem sido regra. Assim a tortura na contemporaneidade se inscreve na ordem do terrorismo de Estado contra as classes subalternas. Partindo de uma pesquisa realizada no Distrito Federal em 2004, o artigo analisa como a opinião pública sobre a tortura se constitui como um modo sutil de os sujeitos se inscreverem numa ordem dos simulacros.
Por fim, o terceiro texto dessa tríade, procedente da Itália, aborda as consequências do terrorismo na construção identitária no pós-atentado das torres gêmeas estadunidenses. Em Enemy Construction After 9/11: aggressor identity effect on the representation of terrorism Stefano Passini, Laura Palareti e Piergiorgio Battistelli (Universidade de Bolonha) refletem sobre os processos relacionados a construção do inimigo, do agressor na representação do terrorismo a partir de registros diários na mídia sobre ações terroristas. Ao se perguntarem "O que de fato caracteriza um ato como sendo terrorista?" Os autores percebem a existência de uma noção ambígua de terrorismo, a qual pode legitimar a diferenciação de pertencimento ou não ao chamado grupo terrorista. Essa situação muda as relações intergrupais e, portanto é importante para a compreensão dos fenômenos entender o que é que as pessoas querem dizer quando se referem ao terrorismo. Além disso, o texto preocupa-se em refletir sobre quais são as variáveis e como estas influenciam na interpretação de guerras ou atos terroristas.
Finalmente, fechamos a seção artigos do presente fascículo com um texto produzido por Marcia Prezotti Palassi (Universidade Federal do Espírito Santo) e André Pimentel Lugon (Faculdades Integradas Espírito-santenses) intitulado Participação dos Núcleos de Defesa Civil do Município de Vitória na Gestão de Desastres Naturais. Neste manuscrito analisa-se o tema da participação das comunidades do Município de Vitória, ES, Brasil nas ações de Defesa Civil diante de desastres naturais. No texto se aborda a participação, um tema clássico na Psicologia Política, desde uma abordagem qualitativa na qual os dados passam pela análise de conteúdo e são interpretados à luz do modelo analítico para estudos da consciência política de Sandoval. A análise mostra que a participação resulta de uma dada conformação da consciência da realidade social em que os mobilizadores estão inseridos. Nessa realidade, esses sujeitos buscam ações para alterar o rumo de suas vidas, sendo que o processo participativo em movimentos sociais na comunidade complexifica a consciência política desses sujeitos.
A resenha intitulada A liderança carismática segundo Alexandre Dorna da lavra de Lisete Barlach (Universidade de São Paulo) comenta criticamente o livro que Alexandre Dorna publica em Portugal pela editorial Horizontes: Psicologia Política, o líder carismático e a personalidade democrática. De certo modo o último artigo e a resenha abrem espaço para a reflexão dos processos de (des)mobilização política e o papel de sujeitos chave nesse processo. Segundo a autora da resenha, questões como "Que tipo de líder é mais apropriado a um projeto de democracia? O mundo contemporâneo carece de lideranças legítimas e representativas? Reabilitar o carisma seria uma forma de apoiar a construção da democracia moderna?" são perguntas que propiciam a reflexão a partir de um quadro teórico e crítico bastante abrangente, sendo que a tese básica defendida por Dorna respeita à necessidade de lideranças carismáticas para a construção – ou reconstrução – da democracia moderna, abalada pelos movimentos totalitários da primeira metade do século XX.
Esse número da Revista Psicologia Política contém um conjunto de textos que guardam elementos comuns e que auxiliam na compreensão de fenômenos políticos que afligem o mundo contemporâneo. Eles também nos abrem portas rumo a um pensamento mais crítico e comprometido com a transformação social no instante em que nos convidam a repensarmos (nosso) o cotidiano e a ações que são levadas nessa dimensão estruturante da vida humana.
Esperamos que este fascículo da RPP seja um momento de agradável encontro com a realidade e de inspiração para um agir político mais justo socialmente!
Desejo a todxs uma boa leitura.
* Editor.