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Revista Psicologia Política
versão impressa ISSN 1519-549Xversão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.18 no.42 São Paulo maio/ago. 2018
RESENHA
"Implicações Psicossociais da Pobreza": por uma Psicologia que resista comprometida com a realidade dos oprimidos
Psychosocial Implications of the Poverty: by a Psychology that stands committed to the reality of the oppressed
Implicaciones psicosociales de la pobreza: por una Psicología que resista comprometida con la realidad de los oprimidos
Implications psychosociales de la pauvreté: pour une psychologie que résiste engagé avec la réalité des opprimés
Clarice Regina Catelan Ferreira
Universidade Paranaense - UNIPAR. Universidade Estadual de Maringá UEM. claricercf@gmail.com
Obra: Ximenes, V. M.; Nepomuceno, B. B.; Cidade, E. C.; Moura Jr., J. F. (orgs.) (2016) Implicações Psicossociais da Pobreza: Diversidades e resistências. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 405 pg. ISBN: 978-85-420-0821-0
Psicologia e Pobreza: estudos sobre as implicações psicossociais da pobreza
O livro Implicações Psicossociais da Pobreza: diversidades e resistências(2016) foi gestado pelo Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e sintetiza resultados de uma busca por aprofundamento de estudos abordando a multidimensionalidade do problema da pobreza sob uma perspectiva de explicitar e desnaturalizar a concepção de pobreza e fortalecer um olhar crítico sobre o modo como o pobre é culpabilizado por sua situação.
Em sua composição, o livro reúne pesquisas, estudos e discussões advindos de diferentes perspectivas teóricas, trazendo aos leitores uma apresentação sistemática de produções nacionais e internacionais sobre a temática da pobreza, abordada sob o olhar da Psicologia Comunitária, no intuito de que as reflexões apresentadas possam contribuir com o ensejo de "desenvolver e praticar uma Psicologia Comunitária que realmente se comprometa com a construção de caminhos que visem ao enfrentamento das situações de opressões, discriminações e marginalizações em que vivem as pessoas em situação de pobreza" (Ximenes, Nepomuceno, Cidade, Moura Júnior, 2016, p. 9).
O livro é dividido em três eixos: Categorias de análise da pobreza, Investigar e atuar em contexto de pobreza e Resistências e enfrentamento à pobreza, sendo cada um deles composto por cinco capítulos.
O primeiro eixo - Categorias de análise da pobreza - volta-se à apresentação de pesquisas de ordem empírica e discussões teóricas sobre a pobreza e é constituído pelos capítulos: (1) Sem pobreza, mas com "fomes": Visões econômicas e psicológicas, em que os autores Flavio Comim, Sabino Porto Jr., James Moura Jr. e Izete Bagolin abordam a relação entre as condições objetivas e as relações subjetivas envolvendo questões psicológicas atreladas às necessidades e expectativas das pessoas que vivem em condição de pobreza;(2) Pobreza, participação política e autonomia de mulheres no meio rural brasileiro, no qual os autores Jader Leite, Magda Dimenstein, Candida Dantas, João Paulo Macedo e Antonimária de Freitas apresentam uma discussão sobre a vida em condição de pobreza no meio rural, apoiados em uma análise das relações de gênero e no modo como a mulher vivencia essa experiência, apontando as contribuições que os movimentos de luta pela terra representam para a construção de autonomia; (3) Representações Sociais da Pobreza, em que as autoras Aline Accorssi e Helena Scarparo apresentam, a partir da teoria das Representações Sociais, alguns dos impactos que a vida em condição de pobreza imprime nas pessoas que a vivenciam;(4) Bienestarpersonal y laesperanza em población em condición de pobreza em Mérida, México, no qual os autores Teresita Castillo, David Carrillo, Teresita Campos e Georgina Cetina apresentam uma análise da vida em condições de pobreza em Mérida, no México, estudando a relação entre as seguintes categorias de análise: Esperança e Bem Estar Social; e (5) Vivências de Humilhação e Vergonha: uma análise psicossocial em contextos de pobreza, em que as autoras Aparecida Estanlau e Veronca Ximenes voltam-se à compreensão da relação entre o impacto de vivências de humilhação e o sentimento de vergonha, apontando as especificidades dessas experiências em dois grupos distintos, uma comunidade rural e outra urbana no estado do Ceará.
O segundo eixo - Investigar e atuar em contexto de pobreza - é composto por trabalhos que suscitam discussões sobre pesquisas em contextos de pobreza, contribuindo com a apresentação de dados advindos de pesquisa e reflexão sobre a prática de pesquisa em contextos de pobreza, considerando metodologias e práticas possíveis, e é constituído pelos capítulos: (1) A (des)igualdade social e a Psicologia: Uma perspectiva para o debate sobre a pobreza, no qual Raquel Guzo apresenta uma reflexão teórica sobre a pobreza a partir de uma concepção psicossocial, pautada em uma análise das condições de vida no capitalismo e suas consequências no cotidiano daqueles que o vivenciam; (2) Pesquisas em Psicologia nos contextos de pobreza: Para que e para quem?, em que asautoras Veronica Ximenes, Elívia Cidade e Gisely Silva apresentam a análise de uma pesquisa de ordem qualitativa e quantitativa desenvolvida em uma comunidade rural e em outra urbana do estado do Ceará, refletindo sobre o papel da pesquisa, ensino e extensão desenvolvidos pela Psicologia Comunitária na transformação social e apontando suas dimensões éticas, teóricas e metodológicas; (3) El semáforo deeliminación de pobreza y su enfoque multidimensional e psicossocial, dos autores Martin Burt e Luis Fernando Sanabria, que apresenta uma análise do projeto Semáforo, desenvolvido no Paraguai, apontando seus fundamentos teóricos e metodológicos como uma proposta de desenvolvimento de intervenções psicossociais; (4) La percepción de larealidad social y su incidência em los processos de inclusión de las personas em situación de pobreza extrema y exclusion social, em que José Juan Vázque zap resenta dados de pesquisas desenvolvidas na Espanha e Nicarágua, destacando que as experiências vividas em contexto de pobreza têm impactos subjetivos nas pessoas que as vivenciam e analisando a ação desses impactos no processo de inclusão social; e (5) Epistemologias indígenas e as visões sobre pobreza: Estética e espiritualidade como resistência, no qual as autoras Ana Luiza Menezes e Viviane Silveira apresentam estudo desenvolvido no estado do Rio Grande do Sul com comunidades indígenas Guarani, analisando o impacto que a estética e a espiritualidade representam para o enfrentamento de situações opressoras vividas em contexto de pobreza.
O terceiro eixo - Resistências e enfrentamento à pobreza- volta-se à apresentação de dados de pesquisa que abordam estratégias psicossociais adotadas por indivíduos em contexto de pobreza como forma de resistência e produção de vida, sendo composto pelos capítulos: (1) Práticas de resistência à estigmatização da pobreza: Caminhos possível, onde os autores James Moura Jr. e Jorge Sarriera apresentam análise de dados de pesquisa desenvolvida no Rio Grande do Sul e no Ceará destacando as práticas de resistência adotadas por pessoas em contexto de pobreza como expressão de resistência ao processo de estigmatização relacionada à pobreza concebida a partir da perspectiva multidimensional da Abordagem das Capacitações; (2) Apoio Social como modo de enfrentamento à pobreza, cujas autoras Lorena Silva, Maria Zelfa Feitosa, Barbara Nepomuceno, Alexsandra Silva, Verônica Ximenes e Zulmira Bomfim apresentam uma análise do conceito de apoio social, refletindo sobre o modo como este contribui para o enfrentamento da pobreza, a partir da concepção da mesma como multidimensional; (3) Pobreza e juventude: Implicações Psicossociais, modos de vida e enfrentamento às adversidades cotidianas, no qual as autoras Elivia Cidade, Alexsandra Silva e Verônica Ximenes apresentam reflexão sobre os impactos da pobreza em jovens tomando como referência a análise de duas dissertações de mestrado que versam sobre a temática da juventude em contexto de pobreza, estruturando uma reflexão sobre pontos em comum abordados por essas dissertações, com ênfase à explicitação das estratégias de enfrentamento adotadas por tais jovens; (4) Estratégias de enfrentamento à pobreza: Uma análise a partir de estudos realizados com pessoas em sofrimento psíquico e prostitutas, das autoras Bárbara Nepomuceno, Lorena Silva e Verônica Ximenes, que apresentam uma reflexão sobre estratégias de enfrentamento à pobreza apoiadas em duas pesquisas, uma desenvolvida com usuários de um serviço de saúde mental e a outra, com grupo de prostitutas, ambas em Fortaleza, no Ceará; e (5) Impactos das políticas de Assistência Social e de Educação no enfrentamento à pobreza em contextos urbano e rural do Ceará, onde as autoras Verônica Ximenes, Marília Barbosa e Janaína Cruz apresentam uma análise sobre a relevância que o acesso às políticas de assistência social e educação representa para o desenvolvimento de estratégias de superação da pobreza, utilizando dados advindos de pesquisa desenvolvida com moradores de comunidades urbana e rural do estado do Ceará.
Considerando que vivemos em um país cujos índices apontam que aproximadamente 7,4% dos brasileiros vivem em situação de extrema pobreza e 26,8% em situação de pobreza (IBGE 2018), destacamos a importância que um trabalho como esse assume, uma vez que pode contribuir tanto com profissionais que atuam nesse contexto - seja em pesquisas ou na atuação profissional em contextos de pobreza - como também oferece dados que podem subsidiar políticas públicas que se voltam à pobreza.
Dantas, Oliveira e Yamamoto (2010) apresentam dados de pesquisa afirmando que nos últimos anos houve um aumento significativo no número de Psicólgos que têm trabalhado em contextos de pobreza e que diversos estudos foram publicados com a intenção de contribuir com essa temática. Contudo, o estudo de tais publicações aponta que o estabelecimento de indicadores de pobreza não é consensual entre as pesquisas e também que a maior parte dos trabalhos publicados tem relações interdisciplinares com outras áreas de conhecimento não diretamente relacionadas à psicologia. Tais constatações levaram os autores a concluir sobre a escassês de produção da Psicologia na temática da pobreza, no que tange a uma contribuição teórica e metodológica consistente.
Nesse sentido, considerando as temáticas apresentadas no livro aqui sob resenha, podemos considerá-lo como uma importante contribuição, enquanto produção científica que versa sobre pobreza em interface com a psicologia, contribuindo para refletirmos desde os aspectos históricos da constituição da pobreza - desnaturalizando-a -, como também oferecendo elementos conceituais e metodológicos da Psicologia Comunitária. O psicólogo que o lê tem acesso à sistematização de resultados de importantes pesquisas acerca da pobreza e que são, neste trabalho, analisados e problematizados de modo a contribuir teórica e metodologicamente com a atuação prática da Psicologia.
A cuidadosa apresentação de conceitos e categorias de análise e a fundamentação teórica que subsidia a análise dos dados de pesquisas utilizados possibilitam o acesso a conhecimentos consistentemente fundamentados tanto do ponto de vista conceitual e epistemológico, como do ponto de vista ético e do comprometimento com a transofrmação social necessários para a atuação do Psicólgo que atua em contextos de pobreza.
Referências
Dantas, C.; Oliveira, I.; Yanamoto, O. (2010). Psicologia e Pobreza no Brasil: Produção de Conhecimento e atuação do Psicólogo. Psicologia & Sociedade, 22(1), p.104-111. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v22n1/v22n1a13.pdf Acesso em 21/02/2019. [ Links ]
IBGE (2011). Censo Demográfico 2010. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. [ Links ]
Ximenes, V. M.; Nepomuceno, B. B.; Cidade, E. C.; Moura Jr., J. F. (orgs.) (2016) Implicações Psicossociais da Pobreza: Diversidades e resistências. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 405 pg [ Links ]
Recebido em: 27/03/2017
Aprovado em: 30/08/2017