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Revista Psicologia Política
versão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.19 no.45 São Paulo maio/ago. 2019
ARTIGOS
Outubro, 2016, Brasil - as ocupações de escolas brasileiras da rede pública pelos secundaristas: contextualização e caracterização1
October 2016, Brazil - the occupations of Brazilian public schools by high school students: contextualization and characterization
Octubre, 2016, Brasil - las ocupaciones de escuelas públicas brasileñas por los estudiantes de la enseñanza media: contextualización y caracterización
Octobre 2016, Brésil - Les occupations des écoles publiques brésiliennes par les lycéens: contextualisation et caractérisation
Rejane Arruda RibeiroI; Lúcia Helena Cavasin Zabotto PulinoII
IDoutoranda em Psicologia do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento (PED) pela Universidade de Brasília, possui mestrado em Psicologia pela Universidade de Brasília e graduação em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília; rejaneribeirounb@gmail.com
IIPossui graduação em Psicologia pela FFCL de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (USP), mestrado em Lógica e Filosofia da Ciência pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e Doutorado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-doutorado na Université Paris 8 e na UERJ/Proped. Atualmente é professora associada I, do Inst. de Psicologia da Universidade de Brasília; luciahelenaczp@gmail.com
RESUMO
Este artigo objetiva contextualizar e caracterizar as ocupações dos estudantes da rede pública do Ensino Médio iniciadas em outubro de 2016 no Brasil. As principais reivindicações eram: a) Contra a Medida Provisória sobre a Reforma do Ensino Médio, MP 746/2016, que modificaria as regras curriculares e de funcionamento do Ensino Médio, b) Contra a PEC 241/55, que pretendia alterar a constituição para limitar o crescimento das despesas do governo brasileiro, afetando diretamente a Saúde e a Educação, diversos serviços públicos e previdência social; c) Contra o Projeto de lei do Senado, PLS 193/2016, que incluiria, entre as Diretrizes e Bases da Educação, o Programa Escola sem Partido. Os secundaristas protagonizaram os protestos da área educacional nesse período, inspirados nas ocupações das escolas públicas de Ensino Médio em São Paulo, ao final de 2015. Esperamos que este trabalho auxilie na produção de conhecimento sobre o movimento desses estudantes, assim como nos estudos e diálogo político a respeito do Ensino Médio, sobretudo público, no Brasil.
Palavras-chave: Ocupações de escolas do Ensino Médio, Secundaristas, Movimento Estudantil.
ABSTRACT
This article aims to contextualize and characterize the occupations of public high school students started in October 2016 in Brazil. The main claims were: a) Against the Provisional Measure on the Reform of Secondary Education, MP 746/2016, which would modify the curricular and working rules of High School; b) Against PEC 241/55, which was intended to change the constitution to limit the growth of Brazilian government expenditures, directly affecting Health and Education, various public services and social security, and c) Against the Senate Bill, PLS 193/2016, which would include, among the Guidelines and Bases of Education, the School without Party Program. Secondary school students staged the protests of the educational area during this period, inspired by the occupations of public high schools in São Paulo, at the end of 2015. We hope that this work will help in the production of knowledge about the movement of these students, as well as in studies and dialogue political relationship with regard to secondary education, especially public education, in Brazil.
Keywords: High School Occupations, Secondary Students, Student Movement.
RESUMEN
Este artículo objetiva contextualizar y caracterizar las ocupaciones de los estudiantes de la red pública de la Ensenanza Media iniciadas en octubre de 2016 en Brasil. Las principales reivindicaciones eran: a) Contra la Medida Provisional sobre la Reforma de la Ensenanza Media, MP 746/2016, que modificaria las reglas curriculares y de funcionamiento de la Ensenanza Media, b) Contra la PEC 241/55, que pretendia alterar la constitución para de acuerdo con lo establecido en la Ley Orgánica del Poder Legislativo, en el marco de la Convención de las Naciones Unidas sobre los derechos de las personas con discapacidad, el Programa Escuela sin Partido. Los secundarios protagonizaron las protestas del área educativa en ese período, inspirados en las ocupaciones de las escuelas públicas de Ensenanza Media en São Paulo, a fmales de 2015. Esperamos que ese trabajo auxilie en la producción de conocimiento sobre el movimiento de estos estudiantes, así como en los estudios y en El diálogo político respecto a la Ensenanza Media, sobre todo pública, en Brasil.
Palabras-clave: Ocupaciones de lãs Escuelas de Ensenanza Media, Secundarios, Movimiento Estudiantil
RÉSUMÉ
Cet article vise à contextualiser et à caractériser les métiers des lycéens débutés en octobre 2016 au Brésil. Les principales revendications étaient les suivantes: a) Contre la mesure provisoire sur la réforme de l'enseignement secondaire, MP746 / 2016, qui modifierait le programme et les règles de fonctionnement du collège, b) Contre la PEC 241/55, qui visait à modifier la constitution pour limiter le la croissance des dépenses du gouvernement brésilien, affectant directement la santé et léducation, divers services publics et la sécurité sociale, et c) le projet de loi contre le Sénat, PLS 193/2016, qui inclurait, entre autres principes directeurs et bases de léducation, le programme L'école secondaire a organisé fm 2015 les manifestations de l'espace éducatif au cours de cette période, inspirées par les occupations des lycées publics de São Paulo. Nous espérons que ce travail contribuera à la production de connaissances sur le mouvement de ces étudiants, ainsi que dans les études et le dialogue politique concernant l 'école secondaire, en particulier publique, au Brésil.
Mots clés: Métiers du Secondaire, Étudiants du Secondaire, Mouvement Étudiant.
A conjuntura política do Brasil, no ano de 2016, culminou em ações políticas, dentre elas as ocupações de escolas da rede pública por estudantes do Ensino Médio, Institutos Federais e Universidades de todo o Brasil. As mobilizações de estudantes da rede pública do Ensino Médio protagonizaram os protestos na área educacional ao final de 2015 e no decorrer do ano de 2016, configurando um campo de renovação do movimento dos estudantes e dos jovens em geral (Gohn, 2017). O movimento teve uma expressiva participação dos estudantes secundaristas. O reconhecimento de suas resistências está sendo manifestado de várias formas, como foi levantado por Alvim e Rodrigues (2017) e, que complementamos a seguir: "primeira flor de junho (Ortellado, 2016), primavera secundarista (UBES, 2016), escolas de luta (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016), aula de cidadania (Kóka, 2016), revolução secundarista (Oliveira & Puerta, 2016), anarquismo temporário (Moreira, 2015), um dos gestos coletivos mais arrojados da história atual do Brasil (Pelbart, 2016)" (Alvim & Rodrigues, 2017, p.76), fênix secundarista (Alvim & Rodrigues, 2017), e a sujeita de direitos que se formou/ constituiu no contexto das ocupações [estudo sobre a participação das jovens nas ocupações das escolas] (D'Ávila, 2018a, 2018b).
Por se tratar da história presente, poucas publicações foram encontradas até o momento da finalização desse artigo. Sabemos que o tema está sendo amplamente discutido em espaços acadêmicos de comunicação como, por exemplo, congressos e simpósios. Contudo, o acesso aos trabalhos escritos é dificultado. Os anais de alguns eventos não são divulgados e muitos não disponibilizam a versão completa dos estudos. Ainda, ter conhecimento de tudo o que está sendo produzido nesses contextos não é possível. Portanto, com base nas publicações encontradas, esse estudo objetiva contextualizar e caracterizar as ocupações dos secundaristas iniciadas em outubro de 2016.
Além das pautas particulares das escolas, as principais reivindicações eram: a) Contra a Medida Provisória sobre a Reforma do Ensino Médio, MP 746/2016, que modificaria as regras curriculares e de funcionamento do Ensino Médio; b) Contra a PEC55 (no Senado), antiga PEC 241 (na Câmara), que pretendia alterar a constituição para limitar o crescimento das despesas do governo brasileiro, afetando diretamente a Saúde e a Educação, diversos serviços públicos e previdência social; c) Contra o Projeto de lei do Senado, PLS 193/2016, que incluiria, entre as Diretrizes e Bases da Educação, o Programa Escola sem Partido. Segundo notícias divulgadas pelas páginas oficiais de algumas ocupações e jornais, as ocupações foram iniciadas em outubro, no Paraná, e, posteriormente, 22 Estados tiveram escolas ocupadas. Foram ocupadas aproximadamente 1000 escolas, sendo o maior número no Paraná (por volta de 850 escolas).
As ocupações de 2016 foram inspiradas nos protestos que aconteceram ao final de 2015, em São Paulo, e culminaram em ocupações das escolas Estaduais da região. A reivindicação era contra a Medida do Governo Estadual que previa reorganizar a rede de escolas, em que 94 unidades fechariam e outras 754 sofreriam remanejamento de alunos (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016; D'Ávila, 2017, 2018a; 2018b, Gohn 2017). Além do impacto na vida de estudantes, familiares e professores, a medida não incluía a participação da comunidade, que teve acesso à informação somente por meio dos noticiários da televisão. Estudantes e, eventualmente, pais e/ou professores foram às ruas em protesto por seis semanas, em pelo menos 60 cidades na Região Metropolitana, no interior e no litoral de São Paulo. A passeata de estudantes e familiares em uma região de Presidente Prudente (Rancharia) foi a primeira manifestação de rua em protesto à "reorganização" das escolas, em 28 de setembro de 2015. Depois dessa ação, diversas formas de protesto variaram desde "uma demonstração como um abraço coletivo até táticas mais radicais, como o ato de colocar fogo em entulho e bloquear a rua", mostrando-se, porém ineficazes (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016, p. 53).
A articulação dos estudantes para a decisão pela ocupação das escolas se deu por meio de um aplicativo de celular que disponibiliza mensagens instantâneas e chamadas de voz. A estratégia foi planejada e baseada, principalmente, no manual Como ocupar um colégio? escrito por secundaristas da Argentina e do Chile. Esse documento, elaborado pela seção argentina da Frente de Estudiantes Libertários, em 2012, influenciada pela rebelião dos estudantes chilenos de 2006 (a Revolta dos Pinguins), foi traduzido para o Português, desde 2013, adaptado para o momento e disponibilizado em uma rede social pelo coletivo intitulado O Mal Educado (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016).2
O Coletivo Mal-Educado
Consideramos importante apresentar o contexto e funcionamento desse coletivo para que entendamos a atuação dos estudantes em 2015 e suas influências nas ocupações das escolas de todo o Brasil, ocorridas ao final de 2016. Em sua página da internet, os integrantes apresentam a proposta do coletivo justificando que normalmente as decisões das escolas estão centradas no diretor e professores, sendo que os estudantes não participam delas. Explicam que a organização entre os estudantes permite que decisões sejam tomadas por eles próprios, como um grêmio estudantil, uma atividade cultural, um protesto, um debate e/ou um grupo de estudos. Ainda, esclarecem que muitas ações fomentadas pelos estudantes acontecem com frequência, mas "perdem por ficarem isoladas dentro dos muros de seu colégio ou por não serem transmitidas de uma geração pra outra". Em seguida, apresentam a proposta do coletivo:
A proposta de O Mal-Educado é não deixar essas histórias se perderem. Queremos registrar e divulgar algumas experiências de luta e organização vividas por alunos de diferentes escolas. Acreditamos que essa troca pode inspirar mais estudantes, que poderão aprender com os erros e acertos dos outros e pensar em formas de agir para enfrentar seus problemas. (O Mal-Educado, s/d).3
Campos, Medeiros e Ribeiro (2016)4 trouxeram o histórico do coletivo O Mal-Educado por meio de entrevista com um dos integrantes que participou do coletivo desde a sua fundação. Na entrevista, o participante explica que o coletivo foi criado em 2012, fruto de duas experiências que se fundiram em 2011. Entre 2010 e 2011, alguns estudantes membros de grêmios nas escolas da região de São Paulo resolveram se juntar para experienciar a Poligremia. No primeiro ano, o grupo iniciou com a participação de 6 grêmios, sendo 5 de colégios particulares da capital e 1 de Escola Técnica Estadual (ETEC). No segundo ano, ingressaram mais 6 Grêmios, sendo 4 de outras ETECs, 1 de escola da rede do Serviço Social da Indústria - SESI e, por fim, um grupo pró-grêmio de uma escola pública estadual. O sentimento sobre a falta de continuidade das organizações pelos estudantes no período de Ensino Médio e da necessidade de não deixarem as experiências sumirem com o tempo esteve presente desde o início da formação da Poligremia.
Inicialmente, os estudantes mobilizaram um festival de curtas-metragens organizado e produzido por eles próprios, em que as decisões eram tomadas de forma horizontal, por meio de consenso coletivo, e com a participação aberta a todos os estudantes. O auxílio na criação de grêmios era uma das tarefas propostas pela Poligremia, em que o pró-grêmio, citado acima, formado por um grupo de meninas, estava sendo assessorado, em 2011, para a criação de um grêmio em sua escola. Nesse mesmo ano, um professor, que era favorável à criação, fez a articulação entre a Poligremia e o Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP). Essa ligação permitiu que as estudantes do grupo pro-grêmio contatassem e entrevistassem um ex-aluno da mesma escola que participou de um protesto que resultou na derrubada da diretora em 2009, compartilhando, assim, sua experiência.
O entrevistado conta que, com o final do festival de curtas-metragens, houve um "esvaziamento em termos de objetivos práticos e concretos" (p. 62) das ações realizadas pela Poligremia. Assim, a luta contra o aumento da tarifa de ônibus fomentada pelo MPL-SP supriu de forma temporária esse vazio. Nesse período, também realizaram, nos bairros de suas escolas, manifestações descentralizadas. As formas de ação coletiva utilizadas foram semelhantes às dos estudantes de 2015, a saber: uso do jogral e trancamentos de ruas e avenidas. Os autores chamam atenção para o uso do jogral também desenhar uma das formas de ação coletiva do MPL-SP. Ainda, o documentário A rebelião dos pinguins, sobre o movimento no Chile, foi exibido mais de uma vez com o intuito de provocar mobilização por meio de exemplos de prática. Nesse contexto, o entrevistado afirma que o encontro dessas duas experiências, a Poligremia e o protesto da escola citada (que ocasionou a derrubada da diretora), resultou na formação do coletivo O Mal-Educado, em 2012.
Foi a rede de contatos e a sociabilidade em torno do MPL-SP que permitiu o encontro das duas experiências que resultaram na fundação do coletivo O Mal-Educado. [...] No primeiro semestre de 2012, aquele ex-aluno do Vieira [escola mencionada] é chamado para se juntar a remanescentes da Poligremia e outros jovens que haviam participado de uma experiência autogestionária do grêmio da ETESP [Escola Técnica Estadual de São Paulo] (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016, p.63 e 64).
Cabe ressaltar que, na mesma época da fundação do coletivo em 2012, foi escrito por alguns integrantes da Poligremia, e publicado em um site, um artigo condensando as experiências da Poligremia (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016). Nele é explicitada a necessidade de construir uma identidade coletiva por meio de ações que façam sentido e que tenham históricos, para que os estudantes reflitam, aprendam, e construam a partir das experiências já adquiridas.5
Ainda em 2012, a criação do jornal Mal-Educado foi a primeira ação do coletivo, sendo a primeira edição dedicada a explicitar e reunir algumas experiências de luta. Foram elas: i) a derrubada da diretora da escola do Viera, em 2009; ii) a Poligremia e seu envolvimento de ações contra o aumento da tarifa de ônibus, em 2011; iii) a organização de um grupo feminista em uma escola municipal, em 2011; a experiência de autogestão no grêmio da ETEC/SP, em 2010; e o boicote ao Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo - SARESP (no protesto em 2015 a ação do boicote ao SARESP se repetiu).6
Em 2013, o coletivo O Mal-Educado se dedicou fortemente à pauta do transporte público, em virtude da megamanifestação ocorrida no mesmo ano, organizada pelo MPL-SP. Alguns participantes já haviam saído do coletivo no ano anterior e outros resolveram se dedicar à preparação de atos contra o aumento da tarifa. Sendo assim, a pauta sobre educação voltou a ter foco somente ao final de 2013 e, em 2014, temas sobre educação pública foram priorizados, como educação popular, educação libertária e anticapitalista. A tradução do manual Como ocupar uma escola? foi uma das tarefas realizadas em 2013 e disponibilizadas na página do coletivo. A ideia da tradução do manual partiu da experiência de um integrante do coletivo que foi acompanhar o movimento dos estudantes secundaristas no Chile, em 2011 (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016).
Em 2015, o coletivo contava com poucos integrantes, chegando a ficar com menos de 5 pessoas. Nesse período, a greve dos professores da rede estadual, iniciada em 13 de março, que durou 92 dias, contou com o apoio espontâneo dos estudantes de São Paulo. O entrevistado relata que o coletivo esteve nos atos de protesto realizados pelos estudantes para fazer os registros e pegar contatos.
Como apresentamos anteriormente, o protesto contra a "reorganização" das escolas públicas estaduais em São Paulo começou com a passeata de estudantes e familiares em uma região de Presidente Prudente (Rancharia), ao final de setembro de 2015. As ações duraram 6 semanas até o início de novembro demonstrando-se ineficientes para o retrocesso do governo em relação à "reorganização". O coletivo O Mal-Educado tomou conhecimento da primeira ação dos estudantes e começou a divulgar os protestos em sua página de uma rede social e a fazer contatos com diversos estudantes. Nesse processo, o coletivo ganhou novos participantes e ex-integrantes voltaram a participar dele. A respeito dos novos participantes, estavam presentes alguns coletivos e movimentos, além de estudantes secundaristas e militantes, sem vínculo com coletivos. Chamados de "frente", os grupos participantes citados na entrevista foram "(em ordem alfabética): Comitê de Luta Direta Contra a Opressão Política e Social; Grupo autônomo Secundarista (GAS); Intersindical (Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora); Luta do Transporte no Extremo Sul; Movimento Passe Livre; Passa Palavra; Rede 51; São Miguel em Luta." (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016, p. 74).
As estratégias iniciais do coletivo foram organizar encontros por regiões, mobilizar escolas das mesmas zonas de São Paulo e divulgar a tática da ocupação. Além do manual Como ocupar uma escola? disponibilizado pela internet e de forma impressa, o documentário A rebelião dos pinguins, sobre a luta dos estudantes de Ensino Médio no Chile, foi exibido nos encontros. Uma versão politizada do funk Baile da Favela (MC João) foi composta por MC Foice e Martelo da Zona/Sul para divulgar os encontros. Um clipe da música foi publicizado na página do coletivo de uma rede social, que teve compartilhamento rápido e crescente. Os autores chamam atenção para um diálogo da música, entre os compositores, que sugere um caráter autonomista no momento das falas: "luta autônoma organizada" e "nóis por nóis".
Segundo o entrevistado, a primeira assembleia regional ocorreu em 27 de outubro, na Zona Leste. Três dias depois, ocorreram assembleias na Zona Sul e Zona Oeste e Centro. Uma semana depois, no sábado, dia 7 de novembro, ocorreu a última assembleia na Zona Norte. A primeira escola foi ocupada na segunda-feira, dia 9 de novembro de 2015 (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016).
"Como Ocupar Um Colégio?"
Apresentamos, a seguir, o conteúdo do manual traduzido e adaptado pelo coletivo Mal-Educado, pois entendemos ser um veículo importante para a compreensão do cotidiano dos estudantes que ocuparam suas escolas. Explicava, esse documento, o plano de ação escolhido e a forma de organização para a ocupação dos secundaristas. Como estratégia da busca por uma educação pública, gratuita e de qualidade, as ocupações deveriam ser planejadas como último recurso das "ferramentas de luta", depois de todos os canais de diálogo e as outras formas de luta terem sido esgotados.
Não é nenhuma festa ter que dormir todos os dias no colégio, suportando as mentiras do governo e dos meios de comunicação que nos apresentam como vagabundos que não querem estudar. É por isso que ocupações devem ser relativamente curtas (por volta de uma semana), para abrir um canal de diálogo, e ver se o governo está disposto a atender nossas demandas. (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016, p.02).
Ainda, era instruído a mobilizar outros estudantes para a ocupação de mais escolas se o governo não retrocedesse e os secundaristas julgassem estar em condições para tal. Caso contrário, deveriam buscar outros meios, como travamento de ruas, marchas, jornadas culturais, debates abertos com os pais, dentre outros.
Quanto às instruções para a organização das ocupações, o objetivo era facilitar o caminho para os iniciantes durante o processo e garantir o foco nos interesses em momentos de conflitos dentro dos grêmios. Para isso, seguir alguns princípios básicos, ter clareza da organização e alinhar o planejamento à conjuntura geral era fundamental. Assim, sugeria-se que, em todas as ocupações, tivessem comissões básicas, a saber: comida, segurança, imprensa, informação e limpeza. O plano deveria ser discutido por todos, em assembleia, para que a democracia fosse respeitada. Ainda, era ressaltada a importância de as comissões serem supervisionadas pelos seus representantes para garantir o cumprimento das tarefas designadas a elas.
De forma geral, o grupo da comida viabilizaria as condições de alimentação dos estudantes que dormiriam nas escolas, assegurando café da manhã e jantar, pelo menos. A segurança era considerada a comissão mais importante, já que deveria encarregar-se dos cuidados ao patrimônio da escola e dos ocupantes, evitando, sobretudo, brigas e/ou descontroles entre os estudantes. Algumas atividades eram sugeridas, tais como: i) fechar os principais acessos às escolas e garantir vigilância; ii) impedir que pessoas não autorizadas pela assembleia entrassem nas ocupações, controlando a entrada e saída de pessoal, exceto durante a realização de atividades abertas; e iii) evitar a entrada e o uso dentro da escola de álcool, drogas, armas ou qualquer outro elemento proibido pela assembleia. Em caso de violência, a instrução era para "tomar a posição contrária e tentar acalmar os ânimos o máximo possível". Os encarregados pela imprensa deveriam divulgar a ocupação para os meios de comunicação, outras escolas/universidades, dentre outros, conforme a necessidade. Um comunicado explicando as razões das ocupações deveria ser redigido e divulgado para diversos meios de comunicação, por e-mail, redes sociais, dentre outros. Ressaltava-se a importância de o documento, a ser produzido, conter apenas o que era decidido em assembleia, não contendo conteúdos de interesses pessoais ou partidários. Cartazes na fachada da escola com as reivindicações deliberadas também deveriam ser providenciados.
A comissão de informação seria encarregada de compartilhar notícias dentro da ocupação, para que todos tivessem acesso a elas e nivelassem as discussões dos ocupantes a fim de possibilitar um processo democrático e igualitário. Assim, julgava-se necessária a divulgação das informações deliberadas para todos os estudantes, bem como dos informes sobre o processo das ocupações que eram partilhados nos meios de comunicação. Os estudantes que fariam parte da limpeza deveriam manter a escola limpa, usando os utensílios cedidos pelos funcionários e/ou adquiridos de outra forma (em suas casas ou onde fosse possível). A necessidade do ambiente limpo, evitando sujeiras excessivas por parte dos ocupantes e o rodízio dos estudantes para essa comissão, foram pontos sugeridos.
As relações externas, assembleias e atividades na escola eram temas considerados de extrema importância. Sugeria-se a não autorização de práticas em que o processo de ocupação fosse aproveitado para "ganhar ibope", comprometendo a legitimidade do movimento. Assim, deveriam ser eleitos dois delegados revogáveis para falar com os representantes dos meios de comunicação, outros dois para falar com as autoridades da escola ou externas, como a polícia. Para evitar qualquer tipo de agressão ou ameaça, sugeria-se que as reuniões com as autoridades fossem gravadas. Todas as discussões realizadas precisariam ser apresentadas em assembleia para que, posteriormente, as decisões fossem tomadas. A participação de dois delegados em assembleias de escolas vizinhas era considerada necessária para a troca de informações sobre o processo de ocupação de cada escola.
No documento, a assembleia era o órgão considerado mais importante durante uma ocupação. Com o intuito de que todos os estudantes participassem, sendo experientes ou não, os temas a serem discutidos por eles deveriam ser pontuados com antecedência para que as posições dos ocupantes fossem elaboradas com tempo suficiente. Sendo assim, seria fundamental controlar o tempo das intervenções/falas, assim como ser anunciada a fuga de tema por parte de alguns estudantes para que as reuniões se tornassem produtivas e menos exaustivas. A responsabilidade do registro detalhado em ata era fundamental e poderia ser rotativa.
Ainda, eram recomendadas atividades diárias, de recreação ou formação, com participação de estudantes, professores, pais e todos os que apoiassem a ocupação, podendo ser decididas pelos ocupantes mais experientes, professores ou pessoas de fora da escola (pais, conhecidos, dentre outros). A importância dessas atividades, contribuiria também, para que os ocupantes pudessem "relaxar e descansar, diminuindo o esgotamento e cansaço deles". Por fim, para incentivar os estudantes a ocuparem as escolas de São Paulo, o manual chama a atenção para a experiência bem-sucedida de uma ocupação no Brasil ocorrida em 2012 em uma escola de Nova Andralina/MS. A reivindicação era contra a tentativa de municipalização da escola pelo Governo do Estado, e, após a ocupação, a ação foi efetivamente cancelada.
Nesse contexto, mais de 200 escolas Estaduais de São Paulo, durante aproximadamente 60 dias, foram ocupadas, fazendo com que o Governo do Estado retrocedesse com o plano de Reorganização das escolas (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016; D'Ávila 2017, 2018a; 2018b; Gohn 2017). A primeira ocupação foi no dia 9 de novembro de 2015, em Diadema e a segunda, em Fernão Dias, no dia seguinte. O número de escolas ocupadas cresceu rapidamente e, em uma semana, mais de 80% das escolas já estavam ocupadas pelos estudantes secundaristas (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016; Paes & Pipano, 2017). O impacto das manifestações, sobretudo por causa das ocupações das escolas, foi grande tanto na mídia quanto na sociedade e no governo estadual (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016; Gohn 2017; Paes & Pipano, 2017). Para Campos, Medeiros e Ribeiro (2016), o coletivo O Mal -Educado funcionou como um "catalisador que detonou uma virada tática das manifestações de rua às ocupações, apresentando uma nova forma de ação coletiva, desconhecida ou impensável para os alunos." (p.79).
As publicações que encontramos sobre pesquisas realizadas no contexto das manifestações estudantis de 2015 analisam os protestos de várias formas. Baseados no levantamento de fontes secundárias, como jornais, revistas, redes sociais e publicações acadêmicas, Corti, Corrochano e Silva (2016) sugeriram caminhos para interpretar as ocupações nas escolas públicas paulistas de Ensino Médio que ocorreram ao final de 2015. Três momentos são propostos para a análise: 1. um olhar sobre a rede estadual de ensino e as mudanças que resultaram em maior presença dos adolescentes nas últimas décadas; 2. a retomada das tensões e dos desencontros na relação dos adolescentes e jovens com a instituição escolar; e 3. descrição e análise das ocupações estudantis como forma de ação coletiva que interroga criticamente as políticas educacionais e a cultura escolar a partir de novas estratégias e linguagens, distintas dos mecanismos tradicionais de participação previstos pela democracia representativa.
Os autores sinalizam para a importância das ocupações por "desnudarem a falência de um modelo burocratizado de educação para as camadas populares" (p.1171), em meio às incertezas dos desdobramentos dos acontecimentos. Ainda assim, a ousadia e a coragem dos jovens ampliaram novas possibilidades de reinvenção da escola pela condição da própria vida.
As ocupações trouxeram materialidade às críticas e frustrações que vêm sendo documentadas pela literatura a respeito da relação dos jovens com a escola. A pouca resposta das políticas educacionais aos anseios juvenis e a presença crescente desse público nas escolas deve ter colaborado para a eclosão do conflito. As imagens oferecidas pelos jovens nas ocupações atuando, discursando, cozinhando e limpando contrastam com as imagens tradicionais de estudantes calados e enfileirados nas salas de aula. (Corti, Corrochano & Silva, 2016, p.1171).
Piolli, Pereira e Mesko (2016) analisaram a proposta de reorganização escolar do governo do Estado de São Paulo e as características do movimento de ocupação das escolas pelos estudantes do Ensino Médio, em 2015. Foram realizadas entrevistas, por meio de grupo focal, com estudantes de dois municípios que participaram das ocupações à época. Os autores verificaram que os resultados apontaram, principalmente, para a politização dos estudantes e o aprendizado que tiveram durante as ocupações sobre as formas de luta e organização de um movimento social. Assim, afirmam que a forma como as ocupações foram organizadas proporcionaram novas alternativas para o planejamento de gestão da educação do poder público estadual.
Catini e Mello (2016) pesquisaram as manifestações secundaristas das escolas de São Paulo por meio de observações e conversas informais no contexto das ocupações. Esse artigo analisou o contexto político, econômico e educacional em que tais embates se inserem, bem como refletiu sobre seus potenciais formativos e organizativos, considerando a forma e os conteúdos da ação dos secundaristas à luz da crítica aos modos dominantes de educação. Os autores chamam atenção para o planejamento com responsabilidades coletivas e a autogestão no cotidiano das ocupações, embora limitados por não se caracterizar de forma duradoura e não se articular com outras lutas. Mesmo assim, essa experiência teve importante impacto no processo de formação política dos estudantes de Ensino Médio das escolas públicas de São Paulo. Diante da conjuntura política, educacional e social do país em crise se faz necessário "a convergência entre a luta estudantil e outras lutas sociais, e sobretudo se as demais organizações se valerão do exemplo secundarista para renovar suas estratégias." (Catini & Mello, 2016, p.1194).
Silva (2016) defendeu sua tese de doutorado que objetivou identificar como os jovens do Ensino Médio da Escola Pública Estadual tomam conhecimento e participam, por meio das redes sociais, dos movimentos de reivindicações e demandas sociais da sociedade, tendo como instrumento a sala do Acessa Escola. Participaram do estudo 1262 estudantes de 19 escolas dos 5 municípios da Região de Caieiras/SP. Foi construído um questionário com perguntas fechadas que abordaram assuntos referentes ao perfil dos jovens, à utilização dos espaços virtuais, à participação política por meio dos movimentos, assim como perguntas abertas para identificar aprendizados, ideias e opiniões sobre o tema dos movimentos sociais. Esse questionário foi disponibilizado em uma plataforma online, para os estudantes. Em seguida, dos respondentes foram selecionados 15 alunos para uma "roda de conversa", sendo quatro de cada município.
Dos principais resultados, a autora considerou que a educação formal não foi a principal mediadora para as ações referentes às ocupações. Os estudantes mencionaram que o espaço escolar é pouco utilizado para o incentivo à formação crítica, como a participação social e a reflexão sobre a sociedade em que vivem os sujeitos escolares. A autora verificou que a ferramenta fundamental, considerada pelos estudantes, para a participação social, assim como a obtenção de informações, foi o acesso à internet, por meio das redes sociais digitais. Esse acesso se deu fora do espaço formal escolar, na maioria das vezes, pelo uso de celular.
Por fim, Paes e Pipano (2017) buscaram explorar a experiência das ocupações nas escolas secundaristas de São Paulo por meio de imagens produzidas pelos estudantes compartilhadas nas redes sociais. De forma geral, os autores atentam para a dinâmica do cotidiano das ocupações, onde construíram experiências transformadoras que poderiam dar novos rumos à rotina escolar. Essa expressão autônoma interroga o lugar das demandas estudantis no planejamento da educação, sobretudo no desenvolvimento de políticas públicas.
As manifestações estudantis de 2015 não tiveram vínculos com partidos políticos, sindicatos, e associações estudantis, porém, contaram com a participação da comunidade. Pais, várias camadas da sociedade civil e grande parte de professores e diretores aderiram e/ou apoiaram aos/os protestos. Foi disponibilizado na internet um mapa que apresentava a situação das escolas ocupadas em tempo real e era alimentado de forma livre e voluntária. Nesse espaço, encontravam-se listas das necessidades de cada escola como alimentos, itens de higiene e limpeza. Ainda, foi desenvolvido um formulário virtual para professores e advogados que quisessem doar aulas ou auxiliar os estudantes com processos jurídicos. Muitas imagens e vídeos foram produzidos pelos próprios alunos, por meio de celulares e tablets e divulgados, instantaneamente, em sites de armazenamento de vídeos e redes sociais. "Páginas como O Mal-Educado, Território Livre e Não fechem minha escola tratavam de noticiar o que a mídia hegemônica insistia em ignorar, embora a pregnância do evento já guiasse a agenda setting de todo o país." (Paes & Pipano, 2017, p.11-12).
Partindo para as ocupações de escolas públicas no Brasil, em 2016
No primeiro semestre de 2016, escolas foram ocupadas em diversos estados, por motivos diferentes, como as péssimas consequências do corte de gastos sobre a infraestrutura das escolas (Rio de Janeiro, Ceará), contra a "máfia de merenda" (São Paulo) e contra projetos específicos de privatização da escola pública (Goiás e Mato Grosso) (Campos, Medeiros & Ribeiro, 2016). Vale ressaltar que o contexto político Brasileiro, no ano de 2016, se encontrava em crise, sobretudo na esfera Federal, resultando no afastamento de Dilma Rousseff do cargo de Presidente. Após julgamento no Senado, em 29 de agosto, o vice-presidente Michel Temer assumiu a Presidência e, um mês depois, a Medida Provisória 746/2016, sobre a Reforma do Ensino Médio, foi instituída por ele. "Os protestos dos estudantes contra a reforma do Ensino Médio (Medida Provisória n. 746/2016) tiveram reação mais ampla, extrapolaram o movimento estudantil e contaram com a participação de professores das redes pública e privada, além de inúmeros intelectuais da academia." (Gohn, 2017, p.101).
Segundo Gohn (2017), devido à concentração de reprovações e abandono de estudantes, o Ensino Médio é considerado por analistas e índices estatísticos o pior setor do sistema educacional básico. A autora afirma ser evidente a necessidade de ação em prol da melhoria desse setor, no entanto, projetos foram promulgados e não debatidos com profissionais da área, sendo as conquistas, obtidas ao longo dos anos, ignoradas.
A Medida Provisória sobre a Reforma do Ensino Médio não foi bem recebida pelos estudantes com o argumento de não ter sido debatida de forma ampla antes da sua implementação (D'Ávila, 2017, 2018a; 2018b, Gohn, 2017). Por meio de pesquisa documental, D'Ávila (2017) afirmou que a publicação dessa Medida Provisória motivou a primeira ocupação registrada no Paraná, em 04/10/2016, chegando em Curitiba dois dias depois. No mês seguinte, já tinham sido documentadas mais de 800 escolas ocupadas no Paraná. Ao final do mês de outubro, em 26/10/2016, a estudante Ana Julia foi delegada para explicar o motivo das ocupações aos deputados da Assembleia Legislativa do Paraná.
Ana Júlia foi explicar aos deputados da Assembleia Legislativa do Estado o porquê das ocupações, perguntando inicialmente: De quem é a escola? A quem a escola pertence? Depois afirmou: Acredito que todos aqui já saibam essa resposta. E é com a confiança de que vocês conhecem essa resposta que eu falo sobre a legitimidade desse movimento. Fez menção ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura o direito à participação na vida política, e afirmou que o movimento de ocupação de escolas estava sendo feito pelos/as estudantes e para os/as estudantes, em defesa da educação e da geração futura. Ao final, uma constatação: o movimento estudantil nos trouxe mais conhecimento de política e cidadania do que todo o tempo que tivemos sentados e enfileirados em aulas-padrão. (D'Ávila, 2017, p.34).
"O vídeo com esse discurso de Ana Júlia viralizou nas redes sociais, transformando-a no símbolo da luta secundarista, sendo uma forte referência para as estudantes." (D'Ávila, 2018a, p.59).
As ocupações se espalharam pelo país, após a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, na câmara dos Deputados, em 24 de outubro, em tramitação no Senado como PEC 55. A proposta pretendia alterar a constituição para limitar o crescimento das despesas do governo brasileiro, afetando diretamente as áreas da Saúde e Educação, diversos serviços públicos e previdência social. Nesse momento, estudantes dos institutos federais e de universidades se juntaram às ocupações em apoio aos estudantes secundaristas (D'Ávila, 2017). Ao final de outubro, segundo a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), 1072 locais estavam ocupados, sendo 73 campi universitários, 995 escolas e institutos federais, 3 núcleos regionais de educação, além da Câmara Municipal de Guarulhos (Gohn, 2017).
Na época da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), muitas escolas que eram locais de aplicação de provas estavam sendo ocupadas, e, dessa forma, o Ministério da Educação (MEC) ordenou a desocupação das escolas, o que não aconteceu (Gohn, 2017). A tensão aumentou entre os estudantes que estavam de acordo com a ocupações e os que não estavam, devido à possibilidade do adiamento das provas. Participantes do movimento "Desocupa" se mobilizaram na tentativa de retirar os ocupantes, usando a força física (D'Ávila, 2017, 2018a, 2018b). A advocacia-Geral da União (AGU) propôs que fosse cobrado dos ocupantes o custo da aplicação das provas para os alunos prejudicados, em caso de cancelamento das provas, sendo necessário o registro dos ocupantes. Um comunicado chegou a ser enviado pelo MEC aos institutos federais e os institutos responderam que esse pedido nunca havia sido feito antes, e que existiam dificuldades operacionais para a realização do comunicado (Gohn, 2017). As provas do ENEM foram adiadas nos locais em que as ocupações ainda estavam ocorrendo, totalizando 304 escolas (D'Ávila, 2017, 2018a, 2018b).
D'Ávila (2017, 2018a, 2018b) afirma que o apoio do Ministério Público e da Defensoria Pública pode ser observado em alguns estados, como no estado de São Paulo. Contudo, em outros estados, atuações conservadoras desses órgãos foram registradas.
No Distrito Federal, por exemplo, o Ministério Público do Distrito Federal e Entorno - MPDFT propôs ação civil pública e até de abandono material para forçar as desocupações das escolas. Nesta última, o juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e da Juventude, autorizou a utilização de métodos considerados de tortura, como isolamento físico e privação de sono, como forma de auxiliar no convencimento à desocupação do Centro de Ensino Asa Branca de Taguatinga -CEMAB (processo 2016.01.3.011286-6/DF). (D'Ávila, 2017, p.34).
D'Ávila (2018a, 2018b), complementa essa informação ao apresentar a justificativa da integrante do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP). Gorete Marques, em entrevista realizada em 2016 ao Justificando7, afirma que a decisão proferida pelo juiz legitimava a tortura.
Uma das definições da tortura é submeter alguém a intenso sofrimento físico e mental. Todo o tipo de restrição, seja do sono, de alimentos ou de água podem causar os mais diversos danos ao indivíduo. Discute-se muito a "tortura light", utilizada por soldados americanos, que se baseia em formas de gerar sofrimento com utilização de sons, iluminação, restrição de alimentos e do sono. Especialistas alertam para os danos que tais práticas causam ao organismo, sobretudo quanto ao aspecto emocional e psicológico. (Marques, 2016, citado por D'Ávila, 2018a, p.63).
Essa decisão, proferida no processo de desocupação do CEMAB, escola pública do ensino médio no Distrito Federal (DF), "foi estendida como procedimento padrão para todas as outras instituições de ensino ocupadas no DF." (D'Ávila, 2018a, p.63).
Atualmente, a Medida Provisória n° 746 resultou na Lei n° 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, formalizando a reforma do Ensino Médio com alterações na proposta inicial; A Proposta de Emenda Constitucional n° 241, aprovada no Senado como PEC 55, em 2018, procedeu a promulgação da Emenda Constitucional 95/2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Provisórias ADCT, para instituir novo regime fiscal (DOU de 16/12/2016); "O Projeto de Lei do Senado n° 193/2016 foi retirado pelo autor, tendo sido arquivado no Senado. Já o PL 867/2015 foi apensado ao PL 7180/2014 (por tratar do mesmo tema: Escola sem Partido) e continua em trâmite na Câmara dos Deputados." (D'Ávila, 2018a, p.66).
Assim como em 2015, as ocupações iniciadas em outubro de 2016 não tiveram vínculos com partidos políticos, sindicatos, e associações estudantis. Tiveram apoio de membros da comunidade, pais/responsáveis para auxiliar os estudantes em suas necessidades, desde doação de produtos de limpeza, materiais de escritório e alimentos até de aulas com temas propostos pelos próprios estudantes. Apesar de encontrarmos apoio de específicos professores das escolas ocupadas nos relatos, em muitas situações identificadas, a direção e professores mostraram discordâncias às ocupações. As reivindicações iniciais acabaram transbordando em outras necessidades pontuais de cada escola que, em geral, atentaram à qualidade da educação. Essas demandas transpassaram temas sinalizando: "[...] mudanças sociais no combate às desigualdades sociais e clamando por políticas públicas; educação de jovens e adultos; multiculturalismo e mudanças culturais; juventude e educação; educação no campo; educação popular; movimentos negros; movimentos indígenas; inclusão digital etc." (Gohn, 2018, p.130).
Ainda, as ocupações constituíram processo de luta política para a conquista e manutenção de direitos e efetivaram um importante resgate do debate político, rompendo posições naturalistas que concebem os direitos humanos, como uma esfera destacada da atuação política democrática (D'Ávila, 2017). Gohn (2017) atenta para o uso da internet como ferramenta de ação dos estudantes e afirma que a criação de pages, durante as ocupações, foi considerada destaque, reveladoras da experiência autonomista, alicerçadas em princípios libertários.
Considerações Finais
Das conclusões, vistas como inovações democráticas, Gohn (2017; 2018) menciona que as lutas pela educação no Ensino Médio, tanto as de 2015 como as de 2016, configuraram um campo de renovação do movimento estudantil e dos jovens em geral, estando relacionadas às megamanifestações ocorridas na mesma época, apesar de não ter ganhado a mesma adesão. Suas ações são construídas com recursos culturais, principalmente do "novo mundo digital", divulgando e "construindo internamente" os protestos.
A cultura digital vigente estimulou novas formas de socialização e pertencimento, e corrobora para a construção das novas culturas políticas que giram ao redor de valores progressistas, anarquistas liberalizantes ou liberais modernos, conservadores, ou reacionários, assim como ratifica a 'aparência de vontade democrática'. (Gohn, 2017, p.113).
Para discutir essas questões, Gohn traça três modelos que subdividem os movimentos em "clássicos", "novos" e "novíssimos" (Gohn 2017, 2018). Os clássicos se referem aos "antigos" que abrangem os sindicatos, os sem-terra, estudantes, movimentos populares/comunitários de bairros, os sem-teto, dentre outros. Os movimentos clássicos são os herdeiros das lutas por melhores condições de vida, trabalho e educação, assim como são parte da trajetória de construção da classe trabalhadora. Eles se configuram a partir de concepções e estruturas organizacionais centralizadas, onde a figura do líder ou lideranças é representativa. Ainda, utilizam-se do ambiente virtual apenas como apoio.
Os novos movimentos sociais são descritos para representar aqueles que apareceram na segunda metade do século XX, final da década de 1970, onde o eixo articulatório central era a identidade cultural, progredindo para uma nova cultura política da inclusão às políticas socias. Questões culturais, ambientais, de gênero e etnia são exemplos da forma de organização que os permeiam. "Buscavam se diferenciar daqueles que se organizavam de forma tradicional, no meio rural ou no urbano, especialmente os de partidos políticos, sindicatos, movimentos rurais e as organizações oficiais dos estudantes, a exemplo da UNE [União Nacional dos Estudantes]." (Gohn, 2017, p.20). Se organizavam fora das estruturas centralizadas dos movimentos clássicos, assim como do foco em líderes ou lideranças. Eles se firmavam pela identidade que construíam, como por exemplo, ser mulher, ser negro, ser jovem, ser índio, ser morador de periferia, etc. (Gohn, 2017).
Já os Novíssimos são aqueles que se fortaleceram em participação na cena pública a partir da década de 2010 e que configuraram características diferentes dos considerados "clássicos" e "novos" movimentos sociais, como por exemplo, o Movimento Passe Livre (MPL), o Movimento dos secundaristas de 2015 e 2016, o Vem pra Rua (VPR) e o Movimento Brasil Livre (MBL). Esses movimentos são "heterogêneos e representam diferentes correntes e contracorrentes do mundo da política e da cultura." (Gohn, 2017, p. 21). Para a autora, as práticas organizacionais que geram cultura política mais democrática ou mais centralizadora, diferenciam os três modelos de movimento explicitados por ela. Muitos participantes dos movimentos considerados novíssimos, que em sua maioria são jovens, não querem se organizar em movimentos sociais, por não se identificarem, e se autodeterminam pertencentes a coletivos e se autodenominam como ativistas. Não se enquadram em formas engessadas tradicionais e estruturas centralizadoras. Ainda, não se consideram militantes de causas.
De forma geral, a autora explica que "esses movimentos se mostram críticos das formas tradicionais da política, tal como se apresentam na atualidade, especialmente por meio de partidos e sindicatos. Alguns pregam a autonomia em relação àquelas formas e negam a política partidária, mas não o Estado e a Política." (Gohn, 2018, p. 122). "Vivem experiências e experimentações que podem ser tópicas ou mais permanentes; fragmentadas ou mais articuladas" (Gohn, 2017, p.23). Assim, os integrantes entendem seus coletivos como agrupamentos fluidos, fragmentados e horizontais, ao contrário dos movimentos sociais. "A referência é o presente e a permanência é circunstancial." (p.27), como, por exemplo, o coletivo Mal Educado e o movimento Desocupa, conforme apresentamos nesse artigo. A autonomia e a horizontalidade são valores e princípios básicos para muitos deles, como no caso do movimento dos secundaristas. Os coletivos podem vir a se tornar movimentos sociais ou serem compostos por diversos coletivos e movimentos que estão a favor das mesmas temáticas, sendo intitulados de "Frentes". Muitos coletivos são chamados pelos jornais, mídias e sociedade como movimentos sociais, sendo apenas uma forma de referenciar esses grupos a partir do conhecimento "padrão" que se tem sobre movimentos sociais, de uma forma geral.
Atualmente, a internet e o uso de aparelhos móveis são ferramentas estratégicas utilizadas não só para mobilização da sociedade civil, mas possibilitam um ambiente de comunicação para a criação de espaços para formação e apropriação da opinião pública. Longe das estruturas estatais institucionalizadas, o acesso às informações de forma virtual permite que elas sejam selecionadas, decodificadas e também codificadas, criando narrativas a respeito de temáticas que estão sendo articuladas.
O ambiente virtual propiciado pela Internet ocupa lugar central no caráter dessas ações conectivas no que diz respeito à infraestrutura de recursos para formar pautas, consensos, mobilizar a população, fazer convocações, divulgar resultados de atos, agendas futuras etc. Os manifestantes, ao participarem, deixam registros - nos blogs, fotos etc. - que ajudam a criar uma memória e a construção de um imaginário sobre o tema em tela, criam códigos linguísticos, que estabelecem uma gramática, e símbolos que passam a ser compartilhados. (Gohn, 2017, p. 25).
"Há uma pluralidade de atores e agentes disputando a interpretação e o significado dos fatos e dados." (Gohn, 2017, p.24). A autora cita Castells (2013) para estabelecer uma aproximação com a discussão referente ao caráter educativo nas ações coletivas e nos movimentos sociais, comumente destacadas por ela em suas produções. O protagonismo múltiplo e instantâneo, que é possibilitado, afeta a produção de relações de poder na sociedade.
Ao possibilitar a participação de múltiplos protagonistas de maneira instantâneas, desenvolvem-se processos de intersubjetividade e constroem-se processos discursivos que poderão gerar novos repertórios, novos direitos, novas propostas de processo que poderão vir a ser assumidos, no plano da sociedade civil e política, como novas pautas para institucionalização, para a criação de normas comuns válidas para todos. (Gohn, 2017. p.25).
Para Gohn (2017), a construção de identidades coletivas entre os novíssimos movimentos e a possível forma de gerar antagonismos, são questões desafiadoras para a compreensão desse modelo de movimentos. As "identidades coletivas são construídas no processo, especialmente pelos antagonismos que geram". (p. 27). As estratégias utilizadas pelos sujeitos sociopolíticos demandantes na área de educação, em que os ocupantes secundaristas se enquadram, são clássicas (greves, paralisações tópicas, passeatas, ocupações, petições, dentre outros). "O que muda em cada tempo histórico e local/território são os mecanismos e os instrumentos utilizados, e os canais para viabilizar os atos e os acontecimentos delineados" (Gohn, 2017, p. 87). Nesse contexto, também são provocadas consequências políticas, como por exemplo, as megamanifestações, ocorridas a partir de 2013, e o movimento dos secundaristas citados anteriormente.
A multidão que saiu às ruas estava motivada por forças do protesto e da indignação. Mas essa saída não foi espontânea. Há grupos e organizações que atuam como instrumentos de articulação, os quais têm por trás normas, princípios, ideologias que constroem novas culturas políticas. (Gohn 2017, p. 12).
Compreender as manifestações realizadas pelos secundaristas da rede pública brasileira nos anos de 2015 e 2016, a partir da perspectiva dos movimentos novíssimos, nos orientou para a seguinte conclusão: A estratégia de ocupar as escolas, da forma como foi organizada, permitiu vivências democráticas, pautadas na coletividade, participação e autonomia, possibilitando ressignificações de sentidos alimentadas por compromissos sociais e políticos. Os estudantes, por meio das ocupações, denunciaram a precariedade do Ensino Médio propondo alternativas para uma gestão escolar democrática. Como relatamos anteriormente, por se tratar da história presente, poucas publicações foram encontradas até o momento da finalização deste artigo. Portanto, consideramos ter sido importante contextualizar e caracterizar as ocupações dos secundaristas iniciadas em outubro de 2016, a partir das publicações encontradas. Esperamos que este trabalho auxilie a produção de conhecimento sobre as ocupações escolares ocorridas em 2015/2016, assim como contribua para os estudos e diálogo político a respeito do Ensino Médio, sobretudo público, no Brasil.
Referências
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Recebido em: 27/09/2018
Aprovado em: 15/11/2018
1 Esse artigo é parte da tese de doutorado da primeira autora.
2 A página do Coletivo Mal-Educado pode ser acessada em: https://gremiolivre.wordpress.com/.
3 O Livro Escolas em Luta, foi escrito por Campos, Medeiros e Ribeiro (2016). Por meio de pesquisa documental (documentos oficiais e internet), observação nas ocupações e entrevistas com os protagonistas, faz um histórico da mobilização dos estudantes do Ensino Médio da rede pública do estado de São Paulo ao final do ano de 2015. Os autores entrevistaram 30 estudantes em todas as regiões da capital e algumas da região metropolitana; os grupos O Mal-Educado, Grupo Autônomo Secundarista (G.A.S.), Comando das Escolas; e representantes do Ministério Público e a Defensoria Pública. Eles relatam a história das manifestações desde o anúncio da "reorganização Escolar" feito pelo Governo até às primeiras ocupações. Em seguida, pontuam momentos da ascensão e auge das ocupações e o recuo do governador.
4 O artigo pode ser acessado em http://passapalavra.info/2012/06/60822.
5 O primeiro número do jornal impresso, distribuído nas escolas pode ser acessado em https://gremiolivre.wordpress.com/edicaoimpressa/.
6 A entrevista da Gorete Marques ao Justificando, que é um portal de notícias na internet, pode ser acessada em: http://www.justificando.com/2016/07/26/tortura-justificando-entrevista-maria-gorete-marques-de-jesus/