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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.22 no.54 São Paulo maio/ago. 2022

 

ARTIGO ORIGINAL

 

O direito à convivência comunitária nos serviços de acolhimento institucional: um estudo documental

 

The right to community coexistence in institutional shelter services: a documental study

 

El derecho a la convivencia comunitaria en instituicón de acojida: un estudio documental

 

 

Daniel Welton Arruda CabralI; Zulmira Aúrea Cruz BomfimII; Luiz Lacerda SousaIII

IUniversidade Federal do Ceará. Fortaleza/CE, Brasil. daniel_welton@hotmail.com
IIUniversidade Federal do Ceará. Fortaleza/CE, Brasil. zulaurea@gmail.com
IIIUniversity Amsterdam, VU, Holanda. luizlacerda@hotmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar a inter-relação dos processos de participação comunitária da Prainha do Canto Verde com a relação afetiva pessoa-ambiente. O estudo foi realizado em uma comunidade praiana cearense e investigou dois grupos de sujeitos: participantes e não participantes de ações comunitárias. Utilizamos como ferramenta metodológica o Instrumento Gerador de Mapas Afetivos (IGMA), por seu viés mediador da investigação afetiva pessoa-ambiente. O IGMA classifica os afetos ambientais em cinco categorias: Pertencimento, Agradabilidade, Contraste, Insegurança e Destruição. Os participantes de ação comunitária apresentaram índices mais significativos de Pertencimento, menos significativos de Contraste, e nulos de Insegurança e Destruição. A Agradabilidade encontrou um alto índice entre os dois grupos. O estudo revelou uma intensa participação social na região, que se mostrou correlacionada à coesão social e ao pertencimento comunitário e capaz de promover conquistas ambientais e econômicas.

Palavras-chave: Psicologia ambiental; Comunidade; Participação; Mapas afetivos; Estudos pessoa-ambiente.


ABSTRACT

The aim of this study was analyze the interrelationship between the processes of community participation in Prainha do Canto Verde community and the affective person-environment relationship. The study was carried out in a beach community from Ceará, Brazil, and investigated two group of subjects: participants and non-participants in community action. We used the Affective Maps Tool Generator (AMTG) as methodological tool, due toits mediating effetc on person-environment affective investigation. The AMTG classifies environmental affects into five categories: Belonging, Pleasantness, Contrast, Insecurity and Destruction. Community action participants showed more significant levels of Belonging, less significant of Contrasts, and null results of Insecurity and Destruction. Pleasantness found a high rate between the two groups. The study revealed an intense social participation in the region, which proved to be correlated with social cohesion and community belonging and capable of promoting environmental and economical achievements.

Keywords: Environmental Psychology; Community; Participation; Affective maps; Person-environment studies.


RESUMEN

El objetivo de este estudio ha sido analisar la inter-relación de los processos de participación comunitaria de Prainha do Canto Verde con la relación afectiva persona-ambiente. El estudio ha sido realizado en una comunidad playera cearense y ha investigado dos grupos de sujetos: participantes y no participantes de acciónes comunitarias. Utilizamos como herramienta metodológica el Instrumento Generador de Mapas Afectivos (IGMA), por su enfoque mediador de la investigación afectiva persona-ambiente. El IGMA clasifica los afectos ambientales en cinco categorias: Pertenencia, Agradabilidad, Contraste, Inseguridad y Destrucción. El Agradabilidad ha encontrado un alto índice entre los dos grupos. El estúdio ha revelado una intensa participación social en la religión, que se ha mostrado correlacionada con la cohesión social y con la pertinência comunitaria y capaz de promover conquistas ambientales y económicas.

Palabras clave: Psicología ambiental; Comunidad; Participación; Mapas Afectivos; Estudios personaambiente.


 

 

A DIMENSÃO AFETIVA COMO OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA AMBIENTAL

A Psicologia Ambiental estuda a inter-relação do sujeito com o ambiente, interessando-se ao mesmo tempo pelo modo como o homem modifica seu ambiente para atender melhor às suas necessidades e a maneira como esse meio, seja natural ou construído, molda os homens e suas relações. De acordo com Gabriel Moser (1998, p. 122), "Essa inter-relação é dinâmica, tanto nos ambientes naturais quanto nos construídos... Logo, não estamos estudando nem o indivíduo per se, nem o ambiente per se." Inclui-se na definição de ambiente não só a dimensão física, mas as dimensões sociais e culturais, mediando a percepção, a avaliação e as atitudes do indivíduo (Mira, 1997).

Homem e ambiente interagem de forma contínua no decurso da evolução humana, o primeiro modificando o último, ao mesmo tempo em que é por este modificado no trajeto percorrido. Edward Hall (1977) reflete que o homem passou a dominar a natureza, modificando-a, ao passo que também foi moldado por ela. Assim, os espaços urbanos e rurais com seus cortiços, hospitais psiquiátricos, presídios, edifícios de classe média, casas de periferia, influenciam o ser humano de forma psicossocial.

Um dos campos no qual a Psicologia Ambiental tem ampliado os estudos é o da afetividade, que vem tomando como base o pensamento de Baruch Espinosa (2003), filósofo do século XVII, que defendeu que pensamento e materialidade constituem expressões heterogêneas de uma única realidade. A filosofia de Espinosa faz frente ao pensamento do filósofo Descartes, segundo o qual o homem é composto por duas substâncias diferentes: matéria e pensamento. Descartes considerava que o corpo é inferior à alma, pois o corpo só pode conduzir ao engano enquanto a alma, por meio da racionalidade, pode atingir a verdade. Para ele as emoções não podiam ser explicadas por meio do pensamento racional, pelo contrário, a emoção era um empecilho para o exercício da racionalidade (Gleizer, 2005). No pensamento cartesiano, as afecções humanas são consideradas fenômenos de perturbação espiritual, e a razão deve se sobrepor às paixões.

Nas querelas da formação do pensamento moderno, a visão de Espinosa não prevaleceu, predominando o viés cartesiano, o qual defendia uma visão dual entre corpo e espírito, em que a realidade material se opõe paradoxalmente à realidade mental (Pinto, 2005). A partir do Renascimento, esse pensamento passa a influenciar o pensamento científico contrapondo mente e corpo, razão e afetividade. O entendimento de que a dimensão afetiva era prejudicial à racionalidade fez com que se buscasse isolar, nos estudos científicos, qualquer tipo de afeto, qualquer estado subjetivo em que se encontrassem emoções e sentimentos.

A Psicologia, ao se tornar ciência, muitas vezes colaborou para legitimar esse ideal, propagando como valor ético a ser seguido o controle e o adestramento das emoções e patologizando qualquer tipo de comportamento aparentemente não lógico ou que fugisse aos padrões normativos. Do psicólogo era esperado o máximo afastamento emocional, como se no âmbito do fazer profissional e científico fosse possível apartar o sujeito que pensa daquele que sente.

Além da "patologização" das emoções, a Psicologia, em busca de validar seu status de Ciência, passou a se utilizar de medidas paramétricas de medição da cognição e dos afetos humanos, a exemplo das medidas valorativas do quociente de inteligência (QI) humano. Sabemos que a ciência psicológica muitas vezes foi utilizada como ferramenta de adestramento, e, na busca de maximizar a capacidade produtiva de nosso sistema econômico, busca suprimir a dimensão afetiva humana, tomando-a como antagônica à racionalidade (Bock, 2003).

Com o avanço do desenvolvimento do pensamento psicológico, algumas abordagens se opuseram a essa visão dicotômica entre corpo e alma (Heller, 2006; Sawaia, 1996; Vygotsky, 1996). Essa perspectiva ganha influência da visão monista-espinosana, segundo a qual a realidade é constituída por um princípio único, considerando como una as cisões cartesianas entre corpo e mente, posicionando-se contra a perspectiva de cisão entre razão e emoção. O sujeito, dessa forma, não é compartimentado, razão e emoção estão imbricadas, afetando-se mutuamente (Loos & Sant'Ana, 2007).

Para Lev Vygotsky (1996), as atividades e os aspectos cognitivos, afetivos e sociais são interdependentes. A vida emocional não se encontra separada dos outros processos psicológicos e do desenvolvimento da consciência de um modo geral. O autor indicou que entre todas as categorias estudadas pela Psicologia a "emoção" sempre foi pouco valorizada, e criticou a forma como a Psicologia tradicionalmente buscou reprimir, debilitar e eliminar as descargas emocionais, entendendo que a racionalidade humana deveria avançar enquanto às emoções caberia retroceder.

Bader Sawaia (1996) ressalta a importância de as investigações psicológicas buscarem uma síntese entre a oposição subjetividade e objetividade, a partir da categoria afetiva. A abordagem da autora destaca a necessidade de rompimento com o paradigma racionalista e positivista, pondo fim à dicotomização entre razão e emoção e à consequente compartimentalização do humano, buscando o entendimento integralizado dos sujeitos. Essa visão é marcada eticamente pelo confronto com ideologias "patologizantes" sobre as emoções humanas.

Inicialmente os estudiosos da área de Psicologia Ambiental voltavam-se especialmente para o estudo dos processos cognitivos e comportamentais, focando numa perspectiva estritamente física, sem incluir os aspectos subjetivos e culturais. Na década de 1990, os estudos de Psicologia Ambiental passaram a contemplar de forma mais sistemática a investigação da relação afetiva entre pessoas e ambiente (Lima & Bomfim, 2009), dando relevância a como emoções e sentimentos, do tipo alegria, tristeza e medo, estavam relacionados a aspectos ambientais.

Para Espinosa (2003), no encontro dos homens com as coisas, os afetos são produzidos, a alegria aumenta a potência de ação dos sujeitos, conduzindo-os para a liberdade e a autonomia, enquanto o medo e a tristeza diminuem essa potência, escravizando-os. A alegria se relaciona aos bons encontros e a tristeza a encontros que nos despotencializam. Sabemos que os lugares também são promotores de encontros, e possuem a capacidade de despertar nos homens uma diversa gama de emoções, influenciando dessa maneira a potência humana.

Na busca de mediar a investigação da relação pessoa-ambiente a partir de uma dimensão inclusiva da afetividade, Zulmira Bomfim (2010) construiu uma metodologia para apreender os sentimentos e emoções dos sujeitos em relação ao ambiente, bem como investigar a relação que estabelecem com a potência de ação e padecimento dos sujeitos: o instrumento gerador dos mapas afetivos (IGMA). Bomfim (2010) versa que o caminho que vai da sensação à enunciação é muito complexo - assim, encontrar meios que acessem esses sentimentos e emoções que são criados e recriados no dia a dia dos indivíduos com sua comunidade, bairro ou cidade acarreta certo grau de intangibilidade. Para a autora, "chegar a estas sensações, aos sentimentos, sem correr o risco de acessar somente processos racionais, é um grande desafio metodológico" (p. 255).

A formulação dos IGMAs se fundamentou tanto na Psicologia Ambiental quanto na Psicologia Social. Da Psicologia Social, Bomfim (2010) utilizou a perspectiva histórico-cultural, que compreende os afetos como constitutivos do subtexto da linguagem sobre o objeto estudado. Do referencial da Psicologia Ambiental, a principal fonte foram os mapas cognitivos de Kevin Lynch (1998), que solicita que os sujeitos construam mapas mentais de sua cidade e evidenciam que tais construções se formam a partir de percepções ambientais subjetivas. Porém Lynch (1998) levava em consideração apenas os aspectos físicos da estrutura da cidade e da identidade do sujeito. Bomfim (2010) se inspira em seu método, acrescentando os aspectos simbólicos que mediam as relações dos sujeitos com os lugares.

 

METODOLOGIA

Esta investigação é parte de uma pesquisa vinculada a um Programa de Pós- Graduação em Psicologia e teve como objetivo analisar a inter-relação dos processos de participação comunitária da Prainha do Canto Verde com a relação afetiva pessoa-ambiente, amparada na hipótese de que a participação social se relaciona positivamente com uma estima de lugar potencializadora. A tese que aponta para essa hipótese foi levantada por Bomfim (2010), em um estudo realizado em Barcelona. Neste trabalho buscamos investigar tal relação em um contexto regional e com forte participação social.

A pesquisa utilizou um viés etnográfico e teve como instrumentos de geração de dados o diário de campo e o IGMA, que foi aplicado com 33 moradores da localidade Prainha do Canto Verde. Os sujeitos investigados estavam na faixa etária de 18 a 73 anos, sendo de ambos os sexos e de nível educacional que variava entre a ausência escolar (aos que não sabiam escrever foi dada a possibilidade de fazerem apenas o desenho e ditarem o conteúdo) e o ensino superior completo. Eles foram separados em dois grupos de análise: Grupo 01 - "participantes de atividades comunitárias", com 20 sujeitos; e Grupo 02 - "não participantes de atividades comunitárias", com 13 sujeitos. A escolha por essas duas categorias tem como justificativa a verificação da relação da participação comunitária com a relação afetiva dos sujeitos com o ambiente.

A aplicação do IGMA parte da solicitação de que o sujeito pesquisado faça um desenho que represente sua forma de "ver, representar ou sentir" o local que se deseja investigar, seja ele escola, bairro, cidade, comunidade. Com base em desenhos, metáforas e palavras do IGMA, é possível averiguar os sentimentos e afetos da pessoa em relação ao ambiente em questão.

Os mapas afetivos resultantes dessa metodologia são classificados em cinco diferentes tipos de imagens: Pertencimento, Agradabilidade, Insegurança, Destruição e Contraste. A imagem de Pertencimento se manifesta por meio de sentimentos de identificação e de apego ao lugar. A imagem de Agradabilidade revela sentimentos positivos dirigidos ao local, percebido como agradável e provocador de sensações de bem-estar. A imagem de Insegurança é compreendida como opositora à do Pertencimento e está associada a sensações de que algo inesperado, às vezes negativo, está prestes a acontecer. A imagem de Destruição é compreendida como opositora à da Agradabilidade e aponta as experiências vivenciadas no local como desagradáveis pelo sujeito, que o identifica como degradado. Por último, a imagem de Contraste descortina sentimentos antagônicos em relação ao lugar (Bomfim, 2010).

As imagens de Pertencimento e de Agradabilidade compõem o que Bomfim (2010) identificou como uma estima potencializadora do lugar, que leva a uma implicação do sujeito com ele. Já as categorias Insegurança e Destruição compõem uma estima despotencializadora, que leva a uma falta de implicação do sujeito com o lugar (Bomfim, 2010). A categoria Contraste foi inicialmente interpretada como uma estima despotencializadora, indicadora de uma redução da potência de ação do sujeito. Com o avanço dos estudos desta metodologia, foi demonstrado que as imagens de Contraste, por possuírem propriedades ambíguas, podem indicar tanto uma estima potencializadora como despotencializadora de ação.

Os mapas afetivos utilizam a técnica da análise de conteúdo que foram organizados em um quadro com as seguinte dimensão: Identificação - Dados pessoais do respondente; Estrutura - Indica a predominância cognitiva ou metafórica da representação; Significado - Explicação do respondente sobre a significação do desenho; Qualidade - Atributos do desenho e da Prainha do Canto Verde, apontados pelo respondente; Sentimento - Expressão afetiva do respondente ao desenho e à Prainha do canto Verde; Metáfora - Comparação da Prainha do Canto Verde com "algo" pelo respondente, visando à elaboração de metáforas; e Sentido - Interpretação dada pelo investigador à articulação de sentidos entre a Metáfora, Qualidade e Sentimento atribuídos pelo respondente.

O instrumento é composto por três partes. A primeira contendo a solicitação e as instruções sobre o desenho solicitado. A segunda reunindo questões abertas sobre os pensamentos e sentimentos dos respondentes, tanto em relação ao desenho quanto à comunidade. E a terceira abrangendo uma escala com questões Likert construída por Bomfim (2010) e validada por Bomfim et al. (2014), para medir dois constructos: Estima Potencializadora e Estima Despotencializadora.

Os procedimentos utilizados nesta pesquisa obedeceram aos critérios da Ética na Pesquisa com Seres Humanos em conformidade com a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa - CEP, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Por se tratar de pesquisa realizada em Unidade de Conservação, foi devidamente autorizada pelo Ministério do Meio Ambiente - MMA, por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, de acordo com a Lei nº 9.985 de 2000.

 

CARACTERIZAÇÃO E HISTÓRICO DA COMUNIDADE

A comunidade da Prainha do Canto Verde, fundada no início do século XIX, é localizada no município de Beberibe, Ceará. Possui aproximadamente 1.100 habitantes e tem como base econômica a pesca. A observação participante indicou que a comunidade é composta majoritariamente por famílias de pescadores, cuja organização se pautava pela seguinte forma: alguns homens eram pescadores, outros dedicavam-se à agricultura familiar nas vazantes, e as mulheres cuidavam dos afazeres domésticos.

A história da Prainha do Canto Verde envolve um forte engajamento político da comunidade. Em 1941, ocorreu um ato político que marcou a história da cidade: "Jacaré", liderança local, e outros três pescadores embarcaram em uma jangada rumo ao Rio de Janeiro, com fins de protestar contra o abandono dos pescadores pelo então Presidente da República Getúlio Vargas. Jacaré morreu de forma trágica durante a filmagem da viagem feita pelo diretor americano Orson Welles ("Prainha do Canto Verde", 2011). Nessa época a comunidade era praticamente isolada, fato que torna surpreendente a ocorrência de um evento político dessa natureza e mostra que já estava presente em boa medida um protagonismo político de seus moradores.

A organização comunitária se fortaleceu e a luta reivindicatória passou a se organizar de forma mais sistemática na década de 1980, em torno da melhoria das condições de trabalho e da obtenção de apoio à pesca artesanal. Em 1989 foi criada a Associação dos Moradores da Prainha do Canto Verde (AMPCV), com o apoio do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDPDH) da Arquidiocese de Fortaleza, com forte influência do militante de direitos humanos internacionalmente reconhecido Dom Aloísio Lorscheider ("Prainha do Canto Verde", 2011).

O fim da década de 1980 e o início da década de 1990 foram marcados pela eclosão de diversos conflitos no mar, provocados pela invasão de barcos piratas que se dedicavam à pesca de lagosta com compressor, prática proibida pela legislação por matar milhares de filhotes de lagostas e consequentemente prejudicar o ciclo reprodutivo marinho. Os pescadores locais passaram a se organizar contra essa prática, articulando-se com comunidades vizinhas. No ápice do conflito, um dos pescadores foi assassinado ("Prainha do Canto Verde", 2011).

Uma das grandes vitórias das reivindicações comunitárias, tanto no campo político quanto jurídico, foi a criação da Reserva Extrativista (Resex) da Prainha do Canto Verde. A Resex é consequência de um decreto que demarca uma área de reserva extrativista de domínio público cujo uso é concedido à população nativa, que retira sua subsistência da própria localidade. Ela é gerida por um Conselho Deliberativo, constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área, possuindo como objetivos a preservação dos meios de vida e da cultura da região. Na prática, a preservação dos meios de vida da população significa também a preservação do meio ambiente, resguardando a área de interesses meramente comerciais, como a pesca predatória, prática que torna inviável qualquer projeto de sustentabilidade.

De uma forma geral, a história da Prainha do Canto Verde foi marcada por uma intensa trajetória de luta comunitária na defesa de sua terra e de seu mar, bem como do estilo de vida e dos direitos de seus moradores. Esse histórico foi determinante em sua escolha como locus da pesquisa, pois como se tratou de um estudo que buscou investigar as diferenças da relação afetiva sujeito-ambiente entre sujeitos participantes e não participantes de atividade comunitária, para realizá-lo foi necessário encontrar uma comunidade onde tivéssemos um número representativo de sujeitos engajados na participação comunitária.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Com base na análise qualitativa dos mapas afetivos, foi possível comprovar a correlação entre a participação comunitária na Prainha do Canto Verde e uma estima potencializadora de lugar (Agradabilidade e Pertencimento). Apresentaram estima potencializadora 95% dos sujeitos do Grupo 01 - participantes de ações comunitárias -, contra apenas 38% dos integrantes do Grupo 02 - não participantes de ações comunitárias. A estima despotencializadora (Destruição e Insegurança) não se manifestou entre os integrantes do Grupo 01, enquanto apareceu em 31% dos sujeitos do Grupo 02.

Quanto à análise da estrutura dos mapas, dos sujeitos do Grupo 01, 14 realizaram mapas metafóricos (70%) e 6 produziram mapas cognitivos (30%). Entre os sujeitos do Grupo 02, foram 5 os mapas metafóricos (38%) realizados e 8 os cognitivos (62%). Os dados indicam que uma maior participação social se relaciona positivamente com a tendência de retratar mapas metafóricos. Em relação à categorização das imagens os sujeitos participantes de atividades comunitárias retrataram 13 imagens de Pertencimento, 6 de Agradabilidade e 1 de Contraste. Entre os sujeitos não participantes foram retratadas 4 imagens de Agradabilidade, 1 de Pertencimento, 4 de Contraste, 3 de Insegurança e 1 de Destruição.

Fazendo uma análise comparativa entre os dois grupos com base em cada categoria de imagem, têm-se os seguintes resultados: Na categoria Pertencimento foi apresentado o maior índice de diferenciação entre os dois grupos: 65% no Grupo 01 e 7% no Grupo 02. Na categoria Agradabilidade os resultados foram mais homogêneos: 30% no Grupo 01 e 31% no Grupo 02. Na categoria Contraste, apenas 5% de sujeitos a retrataram no Grupo 01 contra 31% no Grupo 02. As categorias Insegurança e Destruição não foram representadas no Grupo 01 e atingiram respectivamente os índices de 24% e 7% no Grupo 02 (Figura 1).

 

IMAGEM DE PERTENCIMENTO

A categoria Pertencimento foi retratada em 65% dos mapas dos participantes de ações comunitárias e em apenas 7% dos não participantes, evidenciando uma alta correlação entre a participação comunitária e o Pertencimento na Prainha do Canto Verde. Os sentimentos1 mais recorrentes nos mapas classificados como imagem de Pertencimento pelos sujeitos do Grupo 01 foram: união (5 vezes), tranquilidade (4), amor (3), liberdade (3), alegria (2), partilha (2), paz (2), e pertencimento (2). Também apareceram uma única vez as palavras: amizade, animação, colaboração, coletividade, compreensão, comunhão, coragem, desenvolvimento, determinação, esperança, espontaneidade, fé, força, fraternidade, gratidão, integração, luta, prosperidade, reconhecimento, respeito, satisfação, solidariedade e valorização. No único mapa de Pertencimento elaborado pelos sujeitos que não participam das atividades, surgiram os sentimentos de: paz, aconchego, tranquilidade, segurança e amor.

Uma das imagens de Pertencimento retratadas pelos respondentes foi a "Prainha do Canto Verde Cardume de Sardinhas". O mapa foi realizado por uma participante de ações comunitárias de 40 anos nascida na localidade. A participante retratou a localidade como uma comunidade tradicional que possui uma reserva extrativista que promove o presente e o futuro da região. Sua metáfora foi um cardume de sardinhas que quando se sentem ameaçadas se unem para que ninguém seja comido, e, mesmo que alguma sardinha possa perecer, o cardume se mantém forte contra qualquer ameaça, preservando sentimentos de paz, liberdade e integração (Figura 2).

 

Quadro 1

 

A potência de ação das imagens de Pertencimento se revela a partir do investimento dos moradores na superação de suas próprias dificuldades, e revela também o cuidado de uns com os outros. O conatus, ou seja, o impulso para desenvolver-se e expandir-se, mesmo sendo expressão do desejo individual é fundamento de sociabilidade, tendo em vista que se realiza por meio do encontro com o outro (Brandão, 2008). Esse impulso coletivo pode ser percebido nesse mapa de Pertencimento, que denota um empenho no fortalecimento da luta coletiva. A relação entre o pertencimento e as ações políticas realizadas a partir da associação e pela mobilização dos moradores esteve presente em diversas representações.

Os mapas afetivos evidenciaram esses encontros mostrando como a partir do outro os sujeitos conseguiram se fortalecer. Além da união, outros sentimentos foram apontados pelos moradores que geraram imagens de Pertencimento que podem ser remetidos aos bons encontros espinosanos, tais como: partilha, colaboração, coletividade, comunhão, fraternidade, integração.

Imagem de Agradabilidade

A categoria Agradabilidade apresentou um percentual muito semelhante entre os sujeitos do Grupo 01, de 30%, e os sujeitos do Grupo 02, de 31%, bem como em relação aos sentimentos encontrados. Entre os sujeitos do Grupo 01 os sentimentos que mais apareceram foram: amor (4 vezes), seguido de felicidade, harmonia, liberdade, paz, segurança e tranquilidade (todos 2 vezes), e alegria, amizade, bem-estar, prosperidade, respeito, simplicidade e união (apenas 1 vez). Já entre os sujeitos do Grupo 02 foram: paz (3 vezes), amor, felicidade e liberdade (2 vezes), bem-estar, calma, harmonia, mansidão e tranquilidade (1 vez).

Como amostra de imagem de Agradabilidade temos o mapa metafórico "Prainha do Canto Verde Planta", realizado por uma participante de ações comunitárias de 59 anos nascida na localidade. Ela representou a praia como uma comunidade bonita, tranquila e organizada, dotada de beleza e vida, e que luta pelos seus direitos e modos de vida. A metáfora utilizada para representar a comunidade é de uma planta que cresceu, começou a florir, dar frutos, e que continua espalhando seus galhos e ganhos. Local de paz, calma e tranquilidade, com destaque para as belezas naturais (Figura 3)

 

Tabela 2

 

A exaltação da natureza, revelando a beleza do verde da região, do sol, da praia e do mar esteve presente em vários mapas, fazendo com que o local fosse percebido de forma ímpar pelos moradores que construíram essa categoria de imagem, retratando a localidade como um paraíso, local sem igual, ou "melhor lugar do mundo". Nos relatos emergiu a associação da agradabilidade com a natureza, remetendo especialmente à preservação da localidade, fato também relacionado à organização comunitária. É relevante destacar que na representação dos participantes de ação comunitária foi comum que também as imagens de agradabilidade fossem também reveladoras de pertencimento. Na imagem fica notável que a beleza da cidade se relaciona a capacidade de seus moradores preservarem sua organização, suas culturas e suas traduções. A Prainha do Canto Verde Planta não é agradável apenas pela sua beleza, mas pela mobilização dos seus moradores, pela sua preservação cultural. Foi comum também relatos sobre a capacidade de manterem sua preservação ambiental por conta do comprometimento social com o lugar, que na visão dos moradores faz com que sua praia seja mais bonita que as das regiões do entorno.

Lugares que proporcionam uma íntima relação com a natureza costumam elevar os índices de imagens de Agradabilidade. Na Prainha do Canto Verde, a relação da comunidade com a natureza, as políticas de preservação ambiental, as ações cotidianas promotoras de desenvolvimento comunitário pautadas pela preservação do modo de vida nativo, especialmente devido às ações comunitárias, contribuíram para que as características de Agradabilidade fossem altas para os dois grupos.

 

IMAGEM DE CONTRASTE

A categoria Contraste obteve apenas 1 imagem (5% do total) dos sujeitos que participam das ações comunitárias, revelando sentimentos de paz, alegria e amor. Entre os sujeitos que não participam, 4 (31% do total) representaram essa categoria, relatando sentimentos de alegria, solidariedade, tranquilidade e união (2 vezes), e de amor, calma, colaboração, convivência, esperança, liberdade, paz e prazer (apenas 1 vez).

Uma das imagens de contrate retratada foi o mapa de estrutura metafórica "Prainha do Canto Verde Família". O participante de 50 anos de idade e morador do local há 42 anos, retratou sua região como uma praia muito linda, com sol maravilhoso, muitos coqueiros e lindo mar, que, no entanto, não é valorizada por algumas pessoas, as mesmas que por essa razão não contribuem para a preservação do local. Para o autor a localidade era como uma família, que como tal nunca é perfeita, reunindo sempre alguns que colaboram para o bem comum e outros que só pensam em si, mas tem como sentimento geral a alegria e o amor.

Essa imagem revelou um conflito existente na região. Parte dos moradores se coloca contra a Reserva Extrativista lá existente e avalia que a localidade poderia ser mais atrativa turisticamente se tivesse uma maior estrutura, como hotéis ou resorts. A aposta dos moradores mais engajados vai no sentido oposto, eles defendem que a preservação ambiental e o turismo sustentável podem além de gerar renda trazer ganhos secundários como a preservação do modo de vida nativo e a proteção de possíveis riscos que o crescimento não responsável pode trazer, como a ampliação da insegurança e da destruição. Existe uma certa rivalidade entre essas duas teses, que se revela no mapa do respondente, mas o sentimento comunitário se sobrepõe na "Prainha do Canto Verde Família": a interpretação final é que apesar da divergência existe um sentimento familiar de pertencimento comum. (Figura 04)

 

Tabela 3

 

Relatamos anteriormente que a categoria Contraste, em decorrência de sua ambiguidade, não aponta necessariamente para uma estima de lugar nem potencializadora nem despotencializadora de ação. Nesta pesquisa, devido à qualidade dos sentimentos que surgiram nas imagens de Contraste, como alegria, esperança, liberdade, união, colaboração, de forte conotação positiva, e à ausência de sentimentos despotencializadores como medo e tristeza, fica clara a tendência potencializadora da estima dos sujeitos que a construíram.

As características de Contraste evidenciaram como aspecto negativo os problemas socioeconômicos da cidade, como falta de renda e trabalho, as brigas e a falta de colaboração dos moradores. Como aspecto positivo apontaram as belas características naturais do local, a relação da natureza com o sustento da população por meio da pesca, e a capacidade de organização e superação dos problemas de forma conjunta, com união e colaboração.

 

IMAGEM DE INSEGURANÇA

Nenhuma imagem de Insegurança foi retratada no Grupo 01, enquanto três (24% do total) imagens foram retratadas no Grupo 02. A primeira retratou o sentimento de medo, a segunda, de disputa, e a terceira, de tristeza, infelicidade e depressão.

Utilizaremos para retratar essa categoria o mapa "Prainha do Canto Verde Perigo", de estrutura cognitiva, realizado por uma moradora de 32 anos, nascida no local, e que não participa das atividades comunitárias. A moradora retratou o perigo gerado pela vulnerabilidade em que vive parte dos seus moradores, pelo perigo de ter suas casas na rota do movimento das dunas. O principal sentimento relatado foi o medo. (Figura 05)

 

Tabela 4

 

As imagens de Insegurança, nos meios urbanos, costumam se relacionar ao fenômeno da violência. Na Prainha do Canto Verde, porém, elas retrataram o medo relacionado ao perigo constituído pelo movimento das dunas, que muitas vezes destrói a residência dos moradores; o risco representado pela vulnerabilidade econômica local; e a "superpovoação" da comunidade, gerando angústia sobre a futura moradia de seus filhos.

O medo de que as gerações mais jovens não tenham onde morar no futuro marca uma profunda diferença perceptual entre sujeitos participantes e não participantes de ações comunitárias. Um dos aspectos mais evidenciados pelo primeiro grupo, no decorrer deste estudo, foi o sentimento de orgulho de viver em uma comunidade que assegura o direito à terra para os filhos, devido à existência da Resex. Essa segurança não se evidenciou entre os sujeitos do segundo grupo. Isso pode se relacionar à falta de entendimento relatada por alguns sujeitos que não participam das ações comunitárias sobre a Resex, gerando insegurança quanto às proteções da regulação da comunidade na questão territorial.

Os sentimentos de medo e tristeza se relacionam na teoria de Espinosa (2003) com a passividade, o que pode explicar a sua correlação com a falta de participação social em nossa pesquisa. Os respondentes desta categoria enfrentam problemas concretos como o avanço das dunas, a vulnerabilidade econômica e o medo de seus filhos não terem onde morar, porém, possuem resistência em participar das buscas coletivas para a superação. Encontramos no relato de parte dos sujeitos não participantes o sentimento de que a sua participação não faria muita diferença nas conquistas da comunidade. Isso acontecia apesar de se mostrarem cientes que a organização tinha trazido muitos ganhos concretos para a Prainha do Canto Verde. Apenas um dos moradores relatou de forma explícita que não acreditava que os movimentos organizados na Prainha traziam benefícios para a comunidade.

 

IMAGEM DE DESTRUIÇÃO

A categoria Destruição não foi retratada no Grupo 01 e apareceu apenas 1 vez no Grupo 02. Os sentimentos associados a essa imagem foram: tristeza, angústia, infelicidade, lamento, revolta e sofrimento. Na imagem são expressos apenas sentimentos que retratam uma estima negativa, sendo dessa forma indicadora de despotencialização.

O único mapa de Destruição que surgiu em nossa pesquisa foi a "Prainha do Canto Verde que o mar está levando", realizado por uma moradora de 20 anos não participante de ações comunitárias. O significado do desenho foi retratar que muitas casas próximas ao mar estão sendo destruídas e o sentimento resultante de angústia, lamento, infelicidade e sofrimento.

 

Figura 6

 

 

Tabela 5

 

A imagem retratou a destruição do avanço do mar e os sentimentos dos moradores diante da destruição, especialmente daqueles que têm suas casas mais próximas da beira do mar e que são mais atingidos por esse fenômeno. O avanço e recuo do mar é um fenômeno natural, porém potencializado pela ação humana, como no exemplo da construção de barreiras litorâneas, que solucionam problemas em algumas áreas, mas causam impactos em outras.

Além dos sujeitos diretamente implicados no avanço do mar, a destruição retratada pelos moradores pode impactar também no turismo local, consequentemente na renda da região, tendo em vista que a devastação das casas provoca um forte impacto visual, contrastando com as belezas do lugar especialmente no local que os turistas mais procuram, a beira do mar.

 

ANÁLISE ESTATÍSTICA COMPLEMENTAR

Para analisar a correlação entre a estima de lugar do sujeito e a participação comunitária na Prainha do Canto Verde, realizamos uma análise "test-T de amostras independentes" das escalas de Estima Potencializadora e Estima Despotencializadora2. O objetivo foi testar se existia diferença entre a média dos sujeitos que participam de atividades comunitárias e daqueles que não participam.

A diferença entre o índice de Estima Potencializadora no grupo de sujeitos participantes de atividades comunitárias (4,42 + 0,36) e o índice de Estima Potencializadora no grupo de sujeitos não participantes de atividades comunitárias (3,46 + 0,43) foi estatisticamente significativa (t = 6,92; gl = 31; p < 0,001). A diferença entre o índice de Estima Despotencializadora no grupo de sujeitos participantes de atividades comunitárias (2,12+ 0,40) e o índice de Estima Despotencializadora no grupo de sujeitos não participantes de atividades comunitárias (2,92+0,65) também foi estatisticamente significativa (t= -3,97; gl =31; p < 0,001) (Figura 3).

 

Figura 7

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo confirmou a correlação entre a participação comunitária e estima de lugar evidenciada por Bomfim (2010). Os sujeitos participantes de atividades comunitárias apresentaram uma média significativamente superior para Estima Potencializadora e significativamente inferior para Estima Despotencializadora, quando comparados aos sujeitos não participantes. Ficou evidenciada a correlação tanto na análise qualitativa dos mapas afetivos quanto na quantitativa.

Esperávamos que a relação do homem com a natureza fossem se fazer mais presente nas imagens de agradabilidade, mas elas atravessaram todas as categorias representadas, incluindo as despotencializadoras. A natureza embora possa ser significada de forma alegre, destacando seus aspectos potencializadores, também pode ser atribuída a insegurança de que um determinado fenômeno natural perigoso aconteça, assim como a destruição gerada quando acontecem. É interessante notar que apesar das formas de minimizar os efeitos dos fenômenos naturais serem bastante discutidas nas reuniões da associação, o fenômeno só foi retratado em sujeitos que não participam das atividades, mostrando como o significado atribuído a esses fenômenos se relacionam com a forma como o sujeito se relaciona comunitariamente. Apesar de sentirem os efeitos dos fenômenos naturais e de estarem engajados em sua minimização, os sujeitos participantes de ação comunitária não representaram a comunidade a partir deles, mas sim a partir dos aspectos mais potencializadores da natureza, como sua beleza e preservação.

Foi constatada forte presença de uma participação comunitária de viés político, geradora de potência de ação. Evidenciou-se que a participação não se limita a um senso utilitarista de desenvolvimento comunitário e se encontra vinculada especialmente ao desejo, à paixão, ao sentido encontrado pelo pertencimento em si e vinculada a sentimentos de alegria e felicidade. A participação se mostrou ancorada na própria identidade participativa dos moradores, que em boa parte percebiam a participação como uma atividade integrada à vida, como trabalhar, dedicar-se à família ou ao lazer. Ela é vista como algo que lhes dá prazer e entusiasmo, e considerado até mesmo um vício, algo que mesmo que você queira não consegue deixar de fazer.

Os sentimentos mais recorrentes encontrados no grupo dos participantes de ações comunitárias tiveram uma maior conotação positiva: tranquilidade, liberdade, paz, alegria, amizade, felicidade, partilha, pertencimento, prosperidade, respeito e segurança. Já os sentimentos encontrados pelos não participantes foram mais mistos, porém também predominantemente positivos: amor, paz, tranquilidade, alegria, felicidade, infelicidade, liberdade, solidariedade e tristeza.

É relevante notar que mesmo os sujeitos não participantes de ação comunitária apresentaram maior estima potencializadora que despotencializadora. Quando analisamos a combinação entre os dados qualitativos e quantitativos, podemos supor que o alto índice de estima potencializadora, também evidenciado no grupo dos sujeitos não participantes de atividades comunitárias, deve-se ao alto índice de Agradabilidade nesse grupo. É possível supor que a implicação dos sujeitos comunitários no local impacta em vários fatores ambientais, físicos e socioculturais, possivelmente influenciando a percepção sobre o local também dos sujeitos não participantes.

A força gerada pela participação parece impactar em distintos aspectos ambientais, tais como: aumento da preservação ambiental local; ampliação dos laços solidários; fortalecimento dos sentimentos comunitários; maior engajamento e solução dos problemas ambientais, sociais e econômicos da localidade; geração de novas garantias, como a conquista da Reserva Extrativista, que resultou em novos direitos para os sujeitos da comunidade.

Esses fatores são promotores de desenvolvimento comunitário, o que altera a forma como todos os moradores percebem a comunidade. Os dados obtidos apontam que a participação social tem se revertido em benefícios concretos para a comunidade, gerando maior coesão social, e impactado positivamente na identificação dos moradores com seu local de moradia bem como no sentimento de orgulho em pertencer à comunidade. Sugerimos estudos comparativos dos modos de vida e da participação comunitária de áreas do entorno com menor engajamento comunitário, que possam investigar as consequências práticas da participação em fatores como: especulação imobiliária, degradação ambiental, pesca e turismo predatórios.

 

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Recebido em: 06/06/2020
Aprovado em: 05/07/2020

 

 

1 Todos os termos considerados pelos respondentes como "sentimentos" foram incluídos nos resultados.
2 As escalas de Estima potencializadora e Estima despotencializadora já eram previamente utilizadas no IGMA, com cinco níveis de resposta (De concordo totalmente a discordo totalmente). A correlação foi realizada por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS).

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