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Revista Psicologia Política
versão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.22 no.54 São Paulo maio/ago. 2022
ARTIGO ORIGINAL
Resistências na vida comezinha: sentidos do #elenao e #elenunca
Resistances in everyday life: senses of #elenao and #elenunca
Resistencias en la vida cotidiana: sentidos del #elenao y del #elenunca
Bruno Monteiro HerculinoI; Karen Gabriele PoltronieriII; Lucília Maria Abrahão e SousaIII
IFaculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. brunomonteiro_h@live.com
IIFaculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. karen.poltronieri@usp.br
IIIFaculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. luciliamasousa@gmail.com
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa-intervenção desenvolvida entre o final de 2013 e 2016, referente à caracterização das condições de vida, das histórias de vida e das violações de direitos contra a população em situação de rua. Foram realizadas 159 entrevistas semiestruturadas e narrativas de histórias de vida, com registro em diários de campos e análise de documentos políticos institucionais. Esse trabalho focalizou a temática da espiritualidade, religiosidade e religião nesses contextos. Nas narrativas se utilizou a própria linguagem do campo de pesquisa, conforme as influências etnográficas. Essa produção textual se limitou a conectar os fenômenos ditos transcendentes com aspectos imanentes das vidas dessas pessoas. Valeu-se, também, do conceito de espiritualidade nesse ancoramento, procurando produzir um discurso que facilitasse o encontro dos contextos das ruas dos sujeitos com diferentes aproximações: religiosas ou não religiosas, espirituais ou não espirituais, colaborando na produção de comuns nas diferenças.
Palavras-chave: Análise do Discurso; Cibermilitância; Sentido; Resistência.
ABSTRACT
The aim of this work is to investigate the movement of the hashtags #elenão (#nothim) and #elenunca (#neverhim), which circulated in cyberspace through a cybermilitancy of women in the Brazilian 2018 presidential elections and which were replicated in urban space. In view of this, affiliated with French-based Discourse Analysis, founded by Michel Pêcheux, the authors intend to identify the effects of senses of resistance in this relationship between digital and urban, that is, a movement that inscribes network and street in a relationship of continuity. Our corpus of analysis, therefore, was composed of materials collected on digital social networks, in order to undertake a reading gesture that makes it possible to verify the meanings of resistance that such hashtags produce in ordinary life, in other words, they affect and materialize in the ordinary, simple and homely life.
Keywords: Homeless population; Religion; Spirituality; Human Rights; Narratives.
RESUMEN
Esta investigación-intervención desarrollada entre finales de 2013 y 2016, se refiere a la caracterización de las condiciones de vida, histórias de vida y violaciones de derechos de la población sin hogar. Se llevaron 159 entrevistas semiestructuradas y narrativas de vida, con registros en diarios de campo y análise de documentos políticos institucionales. Este trabajo se centró en el tema de la espiritualidad, la religiosidad y la religión en estos contextos. En las narrativas se utilizó el linguaje própria del campo de investigación, conforme las influencias etnográficas. Esta produción textual se limitó a conectar los llamados fenómenos trascendentes con aspectos inmanentes de las vidas de estas personas. También utilizó el concepto de espiritualidad en este anclaje, buscando producir un discurso que facilitara el encuentro de los contextos de las calles con diferentes enfoques: religiosos o no religiosos, espirituales o no espirituales, colaborando en la producción de comunes en las diferencias.
Palabras clave: Población sin hogar; Religión; Espiritualidad; Derechos Humanos; Narrativas.
Primeiras considerações: Mulheres contra Ele, nas redes e ruas
No movimento político das eleições de 2018 para diversos cargos (inclusive o de presidente da república) surgiu uma grande movimentação entre os grupos denominados de "direita" e "esquerda" que defendem suas ideologias mais conservadoras e mais progressistas, respectivamente. Na ocasião, as diferenças entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Social Liberal (PSL), marcados por seus respectivos candidatos, Fernando Haddad e Jair Messias Bolsonaro, começam a despontar em caminhos ideológicos bem distintos. De um lado, o PT, apresentava um projeto e eleitorado com planos de governo mais inclusivos com a população e a defesa de direitos humanos e, em contrapartida, o candidato do PSL materializa na trama da língua discursos de ódio, de exclusão de leis que garantiriam os direitos das minorias, de apologia à violência e apoio à tortura e de morte de opositores.
Alguns desses discursos, proferidos pelo candidato Jair Messias Bolsonaro (doravante chamaremos de 'Ele') e sua equipe, inscreviam sentidos antes silenciados ou ditos de modo velado, que faziam falar a defesa de um projeto voltado para a elite brasileira, mas, em contrapartida, promovia uma negligência com a grande maioria da população brasileira e com dos direitos sociais. Diante desse contexto, em muitas de suas falas, pronunciamentos e declarações, o candidato se posiciona em determinada formação discursiva, isto é, aquilo que pode e deve ser dito a partir de uma dada posição numa dada conjuntura (Pêcheux, 1969) que instalava historicamente os sentidos de apoio ao uso da violência de Estado, de discriminação e preconceito em relação às diferenças e os direitos constitucionais duramente conquistadas com a democratização do país. Dito de outro modo, o pior dos efeitos da ditadura - de abuso da violência, de endosso à força coercitiva, de repressão à liberdade, de militarização do Estado e de autorização do preconceito - começou a circular socialmente e a produzir ressonâncias. O elogio do nome de um general, a negativa de que houve tortura no país, a convocação de um líder que tivesse pulso forte e fosse narrativizado como mito, a exposição de gestos que imitassem armas nas mãos, as declarações desrespeitosas sobre quilombolas, negros, gays e mulheres compõem algumas formulações que constituem certa memória do dizer e produzem as diversas formas de violência instigadas pelo candidato do PSL durante sua campanha, afetando de modo geral as minorias sociais brasileiras, convocando o Estado a ocupar um lugar diferente daquele que as últimas décadas tinham presenciado, qual seja, o lugar de negar a existência de políticas sociais de inclusão, de direitos civis e políticos, de diversidade cultural e sexual e de uma resposta do executivo na direção de acolher os dilemas contemporâneos.
À vista disso, a formação discursiva, que consiste em um elemento da formação ideológica, aonde o dizer do candidato do PSL se localiza, desconsidera então a existência de pessoas e grupos marginalizados, como por exemplo, negros, mulheres, a comunidade LGBTQIA+, trabalhadores, povos indígenas, dentre outros; ao fazê-lo, são negados simbolicamente o direito de existência desses grupos, a legitimidade de suas formas de produção, trabalho e convivência, e, em lugar deles, os efeitos de violência, preconceito e ódio começam a ser repetidos e a entrar na ordem do repetível. Algumas formulações dão pistas do que estamos sustentando: "se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater" (Suwwan, 2002), o que marca, na ordem da língua, a certeza do efeito de violência, de tortura física e de condenação de gays. "Vamos fuzilar a petralhada1 toda aqui do Acre" (Ribeiro, 2018) inscrevendo no dizível o "fuzilar" como uma prática possível, legitimada e aceita no cotidiano, produzindo uma equação discursiva "óbvia" entre integrantes do PT e dos partidos considerados de esquerda e a morte. O discurso d'Ele, legitima o extermínio a partir de uma seleção imaginária entre os que devem matar e os que devem/precisam morrer, uma ordem que não nos é absolutamente estranha se considerarmos que o país foi um dos últimos a abolir a escravidão, depois de quase quatrocentos anos usurpando corpos e vidas de homens, mulheres e crianças negras.
No entanto, o maior destaque das eleições presidenciais de 2018, foram os discursos de violência contra a mulher, onde Ele profere falas diretas para mulheres dizendo que elas não merecem igualdade salarial, reafirma a inferiorização da mulher e também faz apologia ao estupro ao dizer que não estupraria uma deputada porque ela era feia, "ela não merecia" (Carta Capital, 2017). As então declarações de campanha proferidas por Ele, na posição de candidato à presidência e de líder de seu partido, desencadearam um movimento de resistência contra os efeitos de ódio e violência que sustentaram seus pronunciamentos. Antes do primeiro turno das eleições de 2018, algumas mulheres se reuniram e criaram um grupo na rede social Facebook denominado "Mulheres Unidas Contra Bolsonaro" que atingiu mais de 1 milhão de membros em menos de duas semanas (Seta, 2018). Composto inteiramente por mulheres de todas as partes do Brasil, a iniciativa na rede social serviu para marcar uma outra posição discursiva de impugnação às falas d'Ele, como também de resistência dessas mulheres unidas em favor da vida, dos direitos humanos, sociais e políticos, e do respeito às diferenças. Esse posicionamento foi inicialmente atacado; o grupo foi hackeado e invadido diversas vezes como alvo de fake news e desmoralização, todavia, ainda assim, foi fortificado por sujeitos navegadores - mulheres e homens - que se filiavam à uma outra formação discursiva, de uma posição de recusa ao ódio, preconceito, violência e ignorância. Interessante notar que o movimento começa com a chamada "Mulheres unidas contra Bolsonaro", o que abre um litígio discursivo entre dois oponentes, de um lado, "mulheres" marcando posição de protagonismo na cibermilitância das últimas décadas, de diversidade (não se trata de uma mulher isoladamente, mas de um coletivo) e de discordância dos sentidos postos em circulação pelo candidato do PSL durante a campanha; de outro lado, resta o nome próprio masculino de um político, candidato e deputado, cujos enunciados serão retomados pela negativa "não" e "nunca".
Apesar dessa negativa a respeito da voz d'Ele, o nome próprio Bolsonaro (muitas vezes ligado a "Messias" e "mito"), replicado muitas vezes na internet através de algoritmos, fez com que sua popularidade crescesse, ainda que fosse citado seu nome de maneira a discordar de suas colocações. Dessa maneira, inspirados por outras manifestações políticas, por meio de hashtags, como por exemplo, o jogo metafórico do "Fora Temer", surgiu o "Ele não", de forma que excluísse o nome, mas não a significância e o peso dos sentidos que a denominação pudesse produzir. Assim, foram replicados hashtags como "#elenão" "#elenunca" "#notmypresident"2 em diversos lugares, não só da rede, mas também nas ruas. Este movimento de resistência a Ele, começou nas redes sociais e se espalhou rapidamente, estendendo-se às manifestações: nas ruas, nos corpos, em inscrições artísticas e políticas. O efeito discursivo do enunciado "ele não" revela um grito de denúncia que demarca "pequenos gestos de insubmissão diária; pequenos gestos de intervenção no cotidiano que, na repetição contínua que surpreende, se insurgem não reconhecendo um governo imposto" (Medeiros & Sousa, 2018, p. 187). Este posicionamento ganhou força pela causa voltada às mulheres e às agressões sofridas pelos discursos ditos/reproduzidos por Ele, mas o movimento se expandiu e foi aderido por todos aqueles que se filiaram à posição discursiva de indignação diante das violentas falas que Ele produziu e fez circular.
Discurso e Ideologia: cibermilitância e condições de produção discursiva
"Tudo está escrito nos espaços brancos que ficam entre uma palavra e a seguinte." (Inês Pedrosa, 2005, p. 129)
Feito essa pré e breve apresentação sobre o movimento de oposição d'Ele, ocorrido nas eleições de 2018, partimos agora para o campo teórico da Análise do Discurso (doravante AD), lançando mão de algumas categorias de análise para sustentar um gesto de leitura sobre os efeitos de sentidos identificados nas discursividades das últimas eleições presidenciais. Portanto, quando falamos em discurso na AD, estamos falando de um discurso como uma prática linguageira, um dizer em curso, que se mantém em constante movimento e que devido a essa movência produz sentidos por e para sujeitos, noutras palavras, o discurso consiste em um dizer em movimento que produz efeitos de sentidos entre interlocutores (Pêcheux, 1975). Assim, o discurso é o que "torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive" (Orlandi, 2007, p. 15). Posto isso, em AD, se partimos da premissa de o discurso é dinâmico, movediço e não estanque, o sentido não pode ser compreendido como existente em si mesmo, pois, os sentidos sempre podem vir a serem outros, haja vista, que são determinados sócio-históricamente. O discurso é uma materialidade porosa, aerada, perfurada, pois, "a relação pensamento/linguagem/mundo permanece aberta" (Orlandi, 2005, p. 19), e que devido a essa abertura, que o processo discursivo é determinado ideologicamente.
Diante do que foi escrito acima, tomamos o conceito de ideologia como medular para compreendermos as tramas do movimento #elenao e #elenunca. Pêcheux (1975) nos adverte que a ideologia trata-se de uma operação de naturalização dos sentidos e de uma afirmação de uma obviedade, ou seja, a ideologia é um processo de legitimação de evidências que determina como as coisas são e como não são, nas palavras do autor "é a ideologia que fornece as evidências pelas quais 'todo mundo sabe' o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve etc., evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado 'queiram dizer o que realmente dizem'" (Pêcheux, 1975, p. 146). Deste modo, consoante a Pêcheux, devemos compreender a ideologia como um ritual que funciona na naturalização de alguns sentidos e silenciamento de outros (Pêcheux), porém, veremos mais adiante que esse ritual não é um ritual sem falhas. A ideologia, desta forma, tem em seu funcionamento a interpelação dos indivíduos em sujeitos de seu discurso, dito de outro modo, a interpelação ideológica determina uma posição para o sujeito fazer dizer alguns sentidos e apagar outros, assim, o sujeito discursivo, para falar e fazer com que sua fala tenha sentido ele terá que se localizar em determinadas formações discursivas, eis a sua condição.
Isso posto, compreendendo a movência discursivas e que os sentidos não são estanques, destacamos que a luta do político, enquanto divisão dos sentidos, sempre foi marcada nas/pelas ruas em passeatas, mobilizações, atos e desfiles oficiais; exemplo disso foi o período militar e as décadas posteriores. Nas redes, o rápido contágio digital implica em uma outra forma de o sujeito se fazer presente e de o político se materializar, já que tal instância produz efeitos mediada por outras coordenadas de tempo, espaço, subjetivação, levando-nos a ressignificar os sentidos de militância nas telas e ruas, no nosso caso, colocando em suspensão os sentidos ditos por Ele, e, em movência deslizante e polissêmica, o que é produzido a partir do Ele não/#elenao. Na contemporaneidade, consequentemente, temos outras condições de produção discursivas, isto é, uma determina configuração imediata e sócio-histórica em que o sujeito que fala se encontra, dizendo de um outro modo, as condições de produção se trata de um contexto que produz e afeta os dizeres discursivamente.
A militância digital, chamada de cibermilitância, "pode ser o princípio primeiro de um ponto de vista temporal, pode, com efeito, preexistir à militância real" (Masse, 2010, p. 10), ou seja, como neste caso do "ele não", surge primeiro no âmbito digital e, assim, passa a coexistir nos espaços urbanos, produzindo movimentações e sentidos a respeito da luta que está sendo elaborada e cujos desdobramentos irão ser condensados na marca #, inscrição do digital no discurso (Dias, 2012). Assim, tendo a internet como viabilizadora de uma comunicação mais rápida e abrangente, os movimentos sociais tornaram-se grandes protagonistas do meio digital, pois, do mesmo modo que atinge grupos pretendidos, traz ao movimento diferentes pessoas para se engendrar na causa, em termos discursivos, interpelam os sujeitos a se filiarem em determinada formação discursiva. A cibermilitância, então, abre "a possibilidade de entrar nessa grande rede de significantes, fazendo circular vozes outras, que não as parafraseadoras do discurso da ideologia dominante, e tem permitido a divulgação em grande escala de discursos de denúncias" (Mittmann, 2009, p. 2).
A mobilização digital do #EleNão deu início a diversos protestos e manifestações em diversas partes do país, alcançando mulheres de todos os lugares. O
#Elenão não é uma simples hashtag, mas um movimento extraordinário de base, capilar e microscópico, que ao mesmo tempo organiza um ato político e serve de ponto de convergência para outras movimentações de mulheres, online, e face a face. (Machado & Burigo, 2018)
Essa movimentação, além do cunho de defesa de uma ideologia política, e mais ainda, dos direitos à vida, tornou-se um marco e um grande aglutinador de vozes e dizeres de mulheres, o que contribuiu para o movimento feminista, deixando também algumas marcas da oposição ao movimento, também feita por mulheres. No movimento feminista, a #elenão formou um grupo, uma (com)unidade de mulheres se unir em prol de suas causas. Neste ativismo digital, as várias vozes, singulares e "anônimas" constituem um coletivo, assim, pelos fios digitais se tece um "nós", uma coletividade que marca um deslizamento de sentidos que parte de uma luta individual para o grupal (Bocchi, Herculino, & Lozano, 2018).
Como nos diz Machado e Burigo (2018):
Somos nós, entre nós, para nós. E isso tem ocorrido no corpo a corpo, crescendo em uma onda de contágio que ainda não podemos dimensionar, e mobilizando, de forma horizontal e suprapartidária, mulheres que nunca antes se sentiram parte das discussões da esfera pública.
Na oposição, ainda houve mulheres contestando esses argumentos, dizendo que não precisariam do feminismo, que o apoio ao candidato do PSL não afetava em sua posição enquanto mulher. As opiniões divergiram bastante, colocando os partidos políticos no meio das discussões de direitos humanos e nas que feriam a existência de sujeitos minoritários, assim como os discursos do candidato proferiam. O feminismo é uma luta datada de meados do século XIX em que as mulheres desafiavam a ordem conservadora por um lugar no mundo público ao qual eram excluídas (Pinto, 2010). Ganhando mais força no século XX com as muitas manifestações ao redor do mundo, na Europa tornava-se uma luta consolidada pelo direito ao voto, que até então só era permitido aos homens. As muitas reivindicações feministas devem ser lembradas, mas sempre com a preocupação de reconhecer suas variações, pois, como exemplo, enquanto mulheres brancas reivindicavam direitos de trabalhar fora de casa, as mulheres negras trabalhavam fora de casa há séculos e sob condições de exploração piores que as brancas, o que indica que sua luta consistia em outros aspectos.
Alguns teóricos afirmam que o feminismo passou por algumas fases, denominadas ondas, em que a primeira consistiu na luta por direitos políticos e sociais no espaço público; a segunda o direito pelo corpo e sua sexualidade; a terceira onda focou "na mudança de estereótipos, nos retratos da mídia e na linguagem usada para definir as mulheres" (Consolim, 2017, p. 57). No Brasil acontecia em paralelo a Ditadura Militar, em que o período serviu também para reivindicar uma maior participação política das mulheres. A quarta onda se enquadra nas questões desse estudo: a cibermilitância. O enfoque na violência de gênero e na desconstrução de padrões (corporais, comportamentais) construídos para a mulher são algumas pautas vigentes nesta quarta onda. Portanto, compreendendo que tais discursos filiados às bases epistemológicas e saberes feministas, encontraram no ciberespaço um lugar material para práticas militantes, iremos conceber a militância no espaço digital como um funcionamento de práticas políticas contemporâneas que não são cegas as condições histórias de produção discursivas. Nas condições em que tal luta é materializada na língua e na era digital, a visibilidade e o maior alcance das pautas e lutas foram fundamentais para que esse movimento do "#elenão" ganhasse força e notoriedade por todo o país e em vários lugares da rede digital. É importante inferir que os lugares discursivos em que o sujeito mulher ocupa na sociedade e no qual Ele não se situa estão em enfrentamento, marcando o jogo do político enquanto divisão dos sentidos (Pêcheux, 1969).
Portanto, tais práticas militantes que surgem em um espaço onde sentidos de conexão e fluidez se fazem presentes, promovem uma imagem de uma militância digital onde as vozes ressoam um coro que vai tomando um corpo linguageiro. Nos movimentos de posições-sujeito que, no ir e vir de um compartilhar, curtir e/ou reagir determinadas publicações nas redes sociais eletrônicas, tornam-se modos de significar uma militância, em outras palavras, inscrevem gestos políticos de uma tomada de uma posição na luta feminista (Bocchi et al., 2018). À vista disso, a cibermilitância confere um modo particular de militância nas condições de produção discursivas contemporâneas, "cuja prerrogativa é a resistência e na qual não há uma autoria individualizada, mas do grupo, a deflagrar gestos de pertencimento à cidade através da apropriação do espaço público" (Bocchi et al., p. 39).
O ranger das resistências e a divisão dos sentidos
"Foi então que a barata começou a emergir do fundo. Antes o tremor anunciante das antenas." (Clarice Lispector, 1964, ano, p. 96)
Pêcheux, em sua retificação, nos aponta que "Não há ritual sem falhas" (1975, p. 277), desse modo, tomando que todo processo ideológico é uma ritualização, há algo nesse processamento que não se costura, não se encaixa e que permanece um rasgo, uma ruptura, um rompimento. Nessa não complementariedade, nessa falha, é possível pensar a existência de um "intervalo possível para emergência de fendas, fissuras, rachaduras em espaços de resistência de/para dizer" (Sousa, 2015, p. 136). Assim, no tocante à AD, a resistência pode ser considerada um ponto em que as relações de dominação não se realizam completamente, pois algo nessa montagem faz tremer o campo da linguagem e faz irromper o equívoco, demarcando possivelmente um outro lugar, ponto de fuga que inscreve práticas de resistências (Ferreira, 2015). O equívoco é aquilo que marca a falha na língua, ao ponto que há algo na língua que é inatingível, ou seja, inscreve um impossível de tudo poder dizer, findando o equívoco como resistência da língua (Ferreira, 2015, p. 39). Disso se nutrem os deslocamentos de sentido, os escorregões dos efeitos consolidados e tidos como legitimados, as bordas de um reviramento que, em dadas condições sócio-históricas, não estavam previstos no corpo da língua.
Um dos chãos teóricos que Pêcheux irá desenvolver sua semeadura sobre o conceito de resistência é a psicanálise prosperada por Jacques Lacan em seu retorno a Freud. Será mais precisamente no ponto nodal do sujeito que o analista do discurso irá se debruçar e perceber que o funcionamento da linguagem, que sempre permanece aberta, faz a ideologia operar e produzir uma captura imaginária e inconsciente, o que faz falar um ponto de tropeço para o sujeito. Aí algo da ideologia manca (Carvalho, 2015), ou seja, o sujeito do inconsciente faz presença na materialidade significante no/do discurso, ora se identificando com os discursos aí presentes, ora se furtando, isto é, não se assujeitando aos mesmos e produzindo espaços outros de dizer, dito de um outro modo, sendo interpelados por outras formações ideológicas e se posicionando em outras formações discursivas. Diante disso, destaca-se que a psicanálise interessa a AD na medida em que a mesma apresenta um sujeito que é (e)feito de linguagem, não em sua transparência, mas sim em sua opacidade e incompletude. Um sujeito que só eclode por via da falha, em seu deslizamento errante, torcido, roto e capenga. Deste modo, se o equívoco é o lugar possível na língua para resistência, o inconsciente é o modo de resistência do sujeito (Ferreira, 2015).
Pensando aqui em nosso corpus de análise, visamos expor como um discurso de resistência irrompe a uma ideologia que traz em seu discurso sentidos que refletem um horror, que pulsa feridas ainda abertas de/em nossa história, que materializa discursos mortíferos e de total aniquilação às diferenças. Um horror difícil de o sujeito nomear e de se sustentar por via da palavra, porém, na tentativa de se falar no inominável, o sujeito enfrenta o horror com resistência que, de acordo com Pêcheux, é algo possível de ser tecido com palavras (Sousa, 2015). Portanto, usando o pronome pessoal Ele, seguido do advérbio Não ou Nunca, a posição sujeito-mulher começa produzir um barulho, um ruído, um ranger de resistências que fazem coro ao inominável, uma resposta a um dito anterior que sustenta o legível e o dizível e que reclama uma positividade da negação. Ele Não, Ele quem? Ele! Todos sabem quem está aí referenciado, Ele. Como anotam Vanise Medeiros e Lucília Maria Sousa (2018, p. 178), com Pêcheux "aprendemos que é preciso escutar os barulhos que sustentam a língua e estão nela como indícios das vozes em disputa, das posições-sujeito que não se congelam posto que em incessante contradição e movimento".
E o que mais nos chamam atenção, enquanto analistas de discurso, é como e (a)onde esses discursos de resistência se materializam na língua e ganham circulação, pois, não emergem apenas em grupos intelectuais, partidos políticos ou em polos universitários, mas constituem-se nas redes e nas ruas. A resistência e a indignação em relação a Ele comparecem ali onde a poeira levanta, os pés se arrastam, as mãos firmes se movimentam, o suor que escorre pela pele, nos muros e nos asfaltos da cidade, na terra seca, no alimento que nutre a vida, na projeção digital; comparecem e aquecem os corpos, nos corpos que fazem da pele telas, no ciberespaço que circulam pelos fios das redes dizeres-laços e dizeres-outros como convites, cerquilhas (#) que não fazem barreiras, fazem pontes. Nomeia-se Ele justamente ali onde a vida comezinha se desfia, ou seja, onde a vida vai acontecendo, singela, caseira, corriqueira, a vida simples em toda sua complexidade, em todas as instâncias e estâncias, cantos e recantos da vida cotidiana, na vida "onde não há herói, mas cidadãos indignados com a situação política que puseram sua voz em rota de inventividade" (Medeiros & Sousa, 2018, p. 184).
Em vista disso, intentamos coletar algumas materialidades que circularam em redes sociais digitais, a fim de construir um corpus para realizar uma análise discursiva, visando que determinar um corpus, não se confunde com um processo de colagem de texto (verbais ou não verbais), mas sim edificar um dispositivo de observação apto a permitir apreender a discursividades ali presentes (Mazière, 2007), que o analista do discurso tem como encargo interpretar. Deste modo, para compreender os efeitos de resistências das hastags #elenao e #elenunca na intercambialidade rede e rua, examinaremos o modo que os mesmos são discursivizados em postagens na web.
Na figura 13 (no sertão), percebe-se pelo uso da # uma intercambialidade entre ciberespaço e o espaço rural, marcando um atravessamento do digital em uma composição em que não há telas nem aparelhos eletrônicos, mas terra, gado, gravetos e paus. O espaço que, por muitas vezes, não há acesso à internet, discurviza(-se) o efeito da inscrição política, da escrita feita por pedaços, fragmentos e partes de troncos e galhos de árvores, ou seja, de outro modo que não as letras escritas em papel ou tela. Assim, o uso da hashtag (#) faz presença como um fio discursivo que liga com outros dizeres no já-lá de uma memória com a sua atualização, isto é, o que está lá e aqui, atravessados pelas coordenadas do espaço e da linguagem digitais. Ao marcar o símbolo # com lenha seca, o sujeito faz falar a chama de um discurso já-dito em outro lugar e que se atualiza em determinada conjuntura, portanto:
o espaço discursivo de resistências é dado pela inscrição histórica de certas condições, pela moldura que enquadra como o poder se institui e produz tensão entre as classes sociais, melhor dizendo, por lugares de dizer marcados sócio-históricamente, nunca desancorados do político. (Sousa, 2015, p. 136)
Resistir a Ele, não se faz necessário nomear o nome próprio, pois, através do fio do discurso (intradiscurso), isto é, da sequencialização de saberes, temos acesso a quem é Ele, ou seja, através da palavra bordejamos aquilo que não tem nome, uma vez que, não se trata exatamente o sujeito empírico, de carne, osso, pele, mas sim dos discursos que são encarnados, corporificados por Ele. Os dizeres de ódio e violência, conforme já anotamos anteriormente. Retomando a figura 1, o enunciado aí colocado instala a inscrição dos efeitos de indignação na vida comezinha, colocando uma posição discursiva que marca a recusa dos discursos odiosos em circulação, mais ainda, nos diz de um Brasil rural, representado pela terra seca, pelo gado magro e pela falta de verde, ou seja, um país de rincões em que a vida é arrancada com a mão na lida diária com as atividades econômicas bem diferentes do agronegócio ou agricultura extensiva. A terra é a página na qual o sujeito escreve o seu não e, para tal, usa elementos da natureza para deixar ali sua marca. O enunciado "# Ele não", assim com os três elementos separados no enunciado marca uma positividade da negativa (seria no sertão?) e funciona de modo a inscrever um dito que se fará ler como fotografia em outro local, na rede digital, por exemplo. Nessa direção, instala palavras que possibilitam "a inscrição de outros ditos, quais fossem, os de repulsa ao totalitarismo" (Sousa, 2015, p. 138).
Na trama do urbano, formas de dizer não a Ele também apareceram. Orlandi (2001) irá nos advertir que a cidade é um lugar que significa e nela os sentidos do político estão postos em circulação, produzindo enfrentamentos e confrontos. A cidade pulsa a partir da administração do político que fixa um jurídico a ser respeitado e seguido por todos os citadinos; é ele que regula o que pode e deve ser ocupado, como os espaços podem e devem ser utilizados, os desvios e as interdições nas vias públicas, os acessos e o modo como os sujeitos precisam se mover nas ruas da cidade, onde devem parar ou avançar, por exemplo. Se tomarmos as placas e os sinais de trânsito como parte desse conjunto simbólico-administrativo, podemos inferir que eles regulam (ou tentam regular) a circulação e os modos de movimentação no/do espaço urbano.
Nas figuras 24 (faixa de pedestre, pare) e 35 (Consulado Geral do Brasil), nos é mostrada essa ordem: um cruzamento urbano e um prédio público consistem em espaços/lugares onde os sentidos e os sujeitos transitam sob condições, formulando e fazendo circular novas formas de significação; são lugares em que os sentidos estão postos e significam, no nosso caso, eles gritam. Na figura 2, "Pare" é um enunciado que não deixa dúvidas a nenhum citadino ou motorista, desambiguizado pelo efeito de evidência ideológica que assegura apenas uma ordem, qual seja, interromper a condução do veículo, porque a preferencial é da outra rua. Infringir essa lei tem consequências. O "Pare" agora é atualizado e deslocado por estar acompanhado pelo "Ele não", que aparece escrito em letras grandes no asfalto, diga-se de passagem, letras bem maiores que o "Pare". Tal inscrição produz um estranhamento e uma instabilidade na rede de filiação histórica dos sentidos das leis de trânsito, trata-se certamente de um Pare de outra ordem. Na sequência "Pare, ele não" é de um outro imperativo que se trata. O efeito dessa outra ordem situa-se na urgência de uma parada (não do carro tão somente) para refletir, para pensar melhor, para usar o senso crítico e para escolher um presidente que pode ser qualquer um, mas Ele não.
Na fachada do Consulado Geral do Brasil, figura 3, é feita uma projeção com tecnologia digital. O primeiro ponto a destacar é que se trata de um país estrangeiro onde há embaixada do nosso país, ou seja, a repulsa pelo que Ele representa não produz efeitos de recusa apenas aqui. Algo no exterior também aponta na direção do inacreditável, da estranheza e da contestação de muitos efeitos de sentidos colocados por ele em circulação a respeito dos pobres, gays, mulheres etc. O enunciado "#Ele nunca" comparece colado na fachada do prédio oficial que representa o país e que é sustentado pelo dinheiro da federação. Ele pode ser lido ali no momento da enunciação ou retomado como fotografia e vídeo nas redes digitais.
O # discursiviza um modo de condensação e filiação dos sentidos de recusa do dizer d'Ele, fazendo o digital estruturar o que se diz aqui e ali, no país e lá fora; além disso, #elenao e #elenunca são dizeres que passam a ser fluidificados nos espaços digitais (Dias, 2012), replicados em diferentes instâncias. No ir-e-vir do curtir, do comentar e do compartilhar, os sujeitos navegadores arrastam essas # mais para adiante, fazem circular, nos/pelos mares virtuais, sentidos outros que formam um espécie de (com)unidade, fazendo ressoar um voz que dá corpo e existência para sujeitos que são desrespeitados, desconsiderados e aniquilados pelo discurso de extermínio, preconceito e intolerância ao qual Ele se filia. A relação dos muros com o além deles, do escrito em diferentes telas e dimensões com o que está na rede digital, faz com que os sujeitos possam fazer circular sentidos com efeitos de repulsa do horror à violência e de resistência pela via do ativismo e militância.
Na rede digital, circularam também fotografias com "ele nunca" e "ele não" escritos com alimentos ou no prato de comida, postos à mesa e como que servidos para apreciação e/ou degustação. Em cenas da vida cotidiana, tais dizeres tornam-se visíveis a partir da simplicidade trivial, por exemplo, de tomar um prato de sopa de letrinhas (figura 4 - sopa de letrinhas)6 que, pela historicidade, atualiza os efeitos de infância e de alimento infantil ligado à brincadeira de reconhecer as letras e juntá-las ludicamente enquanto à criança come. Também no prato de batatas fritas (figura 5 - batata fritas com molho)7, ou nos legumes e nas frutas dispostos na mesa (figura 6 - quitandinha)8, o dizer de protesto aparece a marcar uma equivalência entre alimentar, comer, negativar e recusar Ele. Não apenas no menu diário e cotidiano, mas no dia de aniversário e festa (figura 7 - bolo de aniversário)9, o enunciado também comparece.
A memória discursiva, para Pêcheux (1997), é definida como condição do legível e define que as palavras guardam os sentidos dos lugares sociais por onde já estiveram e passaram. Assim, dia do aniversário, festa de aniversário, bolo de aniversário, assoprar as velinhas desse tipo de bolo significam a partir de sentidos já consolidados como legítimos e dominantes em outros lugares, sedimentados como verdadeiros e únicos pelo efeito ideológico de evidência. Na figura 7, tais efeitos são deslizados, já que há uma inversão do estabilizado sobre o momento dos parabéns, pois, ao invés de as velas dizerem a idade do festejado e celebrarem mais um ano de vida, há letras que gritam elenão. A indicação do nascimento e a revelação da idade do aniversariante escorregam para um campo semântico em que está posto o protesto, a indignação e a recusa do candidato Ele. Literalmente se acende uma outra vela naquela festa e naquele momento histórico, qual seja, a chama de algo que não está apenas no âmbito pessoal, mas diz respeito a um contexto político e ao encaminhamento da eleição. Dizer elenao durante 'o' parabéns de uma festa de aniversário funciona discursivamente de modo a fronteirizar o limite em que o pessoal e o público se colocam, o eu e o Ele não se entrecruzam e não podem se enlaçar: eis o político como divisão do sentido.
O último dado (figura 8)10que trouxemos para a análise diz respeito à montagem feita em computador a partir de uma série de quatro obras de arte criadas pelo norueguês Edvard Munch. Aqui, será analisado o "O Grito", conhecido e considerado o início do expressionismo, ícone da expressão da angústia, da dor e do desespero. A figura e a paisagem apresentam-se contorcidas, disformes e marcadas por um sofrimento que desorganiza a suposta ordem do mundo, sobretudo porque há algo para o qual a figura humana olha, e grita. Esse fora da tela resta como enigma e permite inferir: que será isso que se vê e se faz gritar de susto, medo e horror? Tal exercício de imaginação sobre o fora da tela nos convoca a tomar nota de alguns elementos que estão dentro dela: a androgenia da figura, a posição das suas mãos no rosto, os olhos estatelados, a sua solidão. Tudo o que se marca nesses traços é o desamparo e desespero existenciais. Ainda sobre o pintor, vale registrar que sua produção artística é imensa e toca em sua maioria temas existenciais como a melancolia, por exemplo. Sobre o grito, ele afirma: "Estava andando pela estrada com dois amigos/ O sol se pondo com um céu vermelho sangue/ Senti uma brisa de melancolia e parei/ Paralisado, morto de cansaço/ Meus amigos continuaram andando - eu continuei parado tremendo de ansiedade, senti o grito da Natureza"11. Por fim, é preciso considerar que essa obra de arte é muito famosa, aparecendo inclusive em muitos livros didáticos sobre as vanguardas europeias.
Esses sentidos são importantes para analisar o modo como a montagem sobre o "O Grito" circula na rede digital no momento em que Ele cresce na campanha eleitoral e nas pesquisas de opinião pública no país e aparece como um dos favoritos à presidência. O já significado antes no âmbito das artes plásticas é deslocado e atualizado para o jogo eleitoral na realidade sócio-histórica brasileira com algo inédito, qual seja, a fala da personagem do quadro. O risível é justamente isso: o grito agora é contornado por palavras ao modo de uma revelação: "#Ele não!". O horror antes atribuído ao universo existencial do personagem agora tem um objeto externo, Ele. No corpus que trouxemos, a exclamação é acrescentada, o que ao lado da densidade dramática de "O Grito" inscreve o efeito de sentido de mais horror diante Dele.
Considerações finais
No tecido social contemporâneo, os sujeitos mulheres, negros, gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, transgêneros, travesti, pobres, entre outros, conquistaram lenta e duramente direitos civis, políticos e sociais, muitos deles ainda a serem ampliados e consolidados. Foram décadas de luta em associações, coletivos, sindicatos, comunidades etc. com enfrentamentos diários por representatividade e acessos em partidos, universidades, espaços de trabalho, de cultura e lazer, o que criou um espaço discursivo para a emergência de diferentes posições sujeito dentro de uma formação discursiva em prol da democracia e cidadania. Empreendemos neste trabalho um esforço para marcar o(s) movimento(s) feministas(s) em seu protagonismo na rua e nas redes, diante da recusa e indignação diante da voz do presidenciável Ele. Foi a partir dos efeitos de ódio, intolerância, preconceito e incitação à violência que Ele colocou em circulação as hashtags #elenao e #elenunca, em primeira mão pela posição das mulheres em movimento. Instaurou-se, não apenas nos dizeres de campanha, mas sobretudo no social, um dizer que, pelo efeito ideológico de evidência, colocava o mortífero como solução para o trato com as diferenças e com a diversidade, para a resolução dos problemas sociais e da corrupção.
Diante desse horror representado por Ele, efeitos de resistência irromperam e produziram rupturas nas redes de filiações e repetições de sentidos que deslegitimam determinadas formas de existir, que ainda estão em construção por direitos e cidadania. Essa recusa abre espaço para outras formas de dizer não e nunca, nos remetendo ao não no presente do agora e ao nunca na relação com o passado, nunca mais, ou com o futuro, nunca será. O jogo temporal está posto significando a positividade da negação, sustentada pela recusa e indignação diante do mortífero.
Referências
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Submissão: 20/03/2021
Revisão: 16/09/2021
Aceite: 06/10/2021
1 Termo que faz alusão de forma pejorativa à eleitores do PT (Partido dos Trabalhadores).
2 Tradução livre: Não é meu presidente.
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9 https://ibb.co/cbBk4Vj
10 https://ibb.co/D5QxttC
11 http://www.sabercultural.com/template/obrasCelebres/O-Grito-Edvard-Munch.html