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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.22 no.54 São Paulo maio/ago. 2022

 

ARTIGO ORIGINAL

 

O surgimento de líderes autoritários: significados das posições direita-esquerda e sentimento de anomia

 

The emergence of authoritarian leaders: meanings of right-left positions and sense of anomie

 

El surgimiento de líderes autoritarios: significados de las posiciones derecha-izquierda y sentimiento de anomia

 

 

Marcus Eugênio Oliveira LimaI; Juliana Nascimento de AlmeidaII; Dalila Xavier de FrançaIII; Israel Jairo SantosIV

IUniversidade Federal de Sergipe. marcuseolima@gmail.com
IIUniversidade Federal de Sergipe. miojoeovomexido@gmail.com
IIIUniversidade Federal de Sergipe. dalilafranca@gmail.com
IVUniversidade Federal de Sergipe. ieljairo@gmail.com

 

 


RESUMO

Analisa-se, em dois estudos, a relação entre o sentimento de anomia, os significados das posições políticas e o desejo por líderes autoritários. No estudo 1 (n = 230; idade média = 20,99; 50,9% de sexo masculino), os resultados indicaram que o voto em Jair Bolsonaro se correlacionou com o desejo por um líder autoritário, menor anomia política e um posicionamento mais à Direita no espectro político. No estudo 2 (n = 181; idade média = 29,1; 59,1% de sexo masculino), verificamos que a Direita é significada como "liberalismo-conservador"; enquanto a Esquerda foi associada ao "Comunismo/Socialismo", pelos de Direita e Centro, ou à defesa das minorias, pelos demais. Concluímos sugerindo a necessidade de maior atenção, científica e política, ao surgimento de populismos constitucionais e à existência de semelhança semântica nas visões dos participantes de Direita, Centro e dos sem posição política em relação à Esquerda.

Palavras-chave: Anomia, Significados; Esquerda; Direita; Líder Autoritário.


ABSTRACT

We analyzed the relationship between the sense of anomie, the meanings of political positions and the desire for authoritarian leaders in two studies. In study 1 (n = 230; mean age = 20.99; 50.9% male), the results indicated that voting for Jair Bolsonaro was correlated with a desire for an authoritarian leader, less political anomie and a position further to the Right on the political spectrum. In study 2 (n = 181; mean age = 29.1; 59.1% male), we found that the Right is meant as "conservative-liberalism"; while the Left was associated with "Communism/Socialism", by the Right and Center participants, or with the defense of minorities, by the others. We conclude suggesting the need for greater scientific and political attention to the emergence of constitutional populisms and the existence of semantic similarity in the views of participant from the Right, Center and those without a political position in relation to the Left.

Keywords: Anomie, Meanings; Left; Right; Authoritarian Leader.


RESUMEN

Analizamos, en dos estudios, la relación entre la anomia, los significados de las posiciones políticas y el deseo de un líder autoritario. En el estudio 1 (n = 230; media de edad = 20,99; 50,9% masculino), el voto por Jair Bolsonaro se correlacionó con el deseo de un líder autoritario, menos anomia política y un posicionamiento de derecha en el espacio político. En el estudio 2 (n = 181; media de edad = 29,1; 59,1% hombres), encontramos que la Derecha es entendida como "liberal-conservador"; mientras que la Izquierda se asoció con el "comunismo/socialismo", por los participantes de la Derecha y del Centro, o la defensa de las minorías, por los demás. Concluimos sugiriendo la necesidad de una mayor atención científica y política a la aparición de populismos constitucionales y la existencia de similitudes semánticas en los puntos de vista de los de Derecha, Centro y sin posición política en relación con la Izquierda.

Palabras clave: Anomia, Significados; Izquierda; Derecha; Líder Autoritario.


 

 

Introdução

No livro "Como as democracias morrem", Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (2018) relatam que líderes autoritários como Adolf Hitler, Getúlio Vargas, Alberto Fujimori, dentre outros, chegaram ao poder de forma institucional, via eleições ou alianças. Todos eles, se dizendo forasteiros do sistema político, acabam por constituírem-se ameaças internas à democracia. Mais recentemente, em várias partes do mundo, outros líderes populistas-autoritários chegaram ao poder também de forma legítima pelo voto, nos ensinando que a ameaça à democracia continua sendo um problema atual (Norris, 2017a). Nesse fenômeno, dois aspectos merecem atenção especial: o fato de que a ascensão de líderes populistas autoritários, como os mencionados na passagem, pode ocorrer por meio de eleições, respeitando as regras do jogo democrático e o fato desses líderes se apresentarem como outsiders e críticos dos defeitos do sistema político, mesmo quando fazem parte dele há muitos anos.

Nos dois casos acima referidos, a estratégia política é definida como populismo constitucional e se baseia na desconstrução do regime político, a partir de dentro, na instalação de uma ideológica que propõe superar as falhas da ordem constitucional e na concentração de poder nas mãos do líder autoritário (Landau, 2018). A centralização do poder pelos líderes populistas corrói a democracia, ameaçando as liberdades civis e políticas dos cidadãos. Esses aspectos tornam fundamental a análise do populismo para formular antídotos a fim de manter as democracias vivas. A questão se torna ainda mais grave quando consideramos que a maior parte da população, incluindo os jovens, adotou uma visão profundamente cínica em relação à importância de defender a democracia (Norris, 2017b).

O declínio das democracias, em várias partes do mundo, resulta não apenas dos ataques do poder executivo às estruturas do governo e da constituição, mas também do enfraquecimento mais difuso das crenças e comportamentos pró-democráticos por parte do cidadão comum, com a erosão da fé na democracia e da disposição dos políticos em "seguir as regras do jogo" (Daly, 2019). Uma pesquisa em Ciências Políticas mostra que sob condições de insegurança os cidadãos se mostram nostálgicos em relação ao passado (Smeekes et al., 2018), desconectados da realidade do presente e, muitas vezes, alheios a projetos de futuro, alimentando uma percepção da falta de ordem ou de regras legítimas, que mereçam ser seguidas, na sociedade e na política (Teymoori, Jetten, Bastian, Ariyanto, Autin, Ayub et al., 2016).

Essa "desordem interna" do sistema pode ser definida como "anomia". Em situações de anomia, as pessoas experimentam crescentes níveis de insegurança existencial e buscam avidamente por líderes "fortes", sejam eles populistas de esquerda ou de direita, que possam conduzi-las por caminhos "retos", protegendo-as dos "perigos" (Inglehart, 2008; Sprong et al., 2019). Neste artigo, analisamos, em dois estudos, a relação entre o sentimento de anomia de cidadãos brasileiros e o desejo por líderes autoritários. Consideramos nesta análise, como variável estruturante dessa relação, o posicionamento e os significados atribuídos às posições de esquerda e direita, no espectro político.

 

Espaço político e significados do espectro esquerda-direita

O espaço político pode ser entendido como a esfera do conflito que está na base da relação entre eleitores e partidos num sistema político e num momento histórico (D'Alimonte, 2003). Nessa esfera merece destaque a oposição direita-esquerda. A diferenciação entre esquerda e direita emergiu no final do século XVIII, nas reuniões dos estados gerais, na França, durante a Revolução Francesa, ocasião em que os favoráveis ao igualitarismo e à reforma social se colocavam à esquerda do rei, enquanto os aristocratas e conservadores ficavam à direita. Mais tarde, essa dicotomia deixou de corresponder a uma disposição espacial, passando a se associar à distinção entre liberalismo e conservadorismo, na Europa do século XIX. Posteriormente, o movimento operário e a esquerda passaram a incorporar a defesa dos interesses da classe trabalhadora; enquanto a direita passou a defender o capitalismo, integrando-se à burguesia econômica, no início do século XX (Tarouco & Madeira, 2009).

Os significados de esquerda e direita passaram, no entanto, por diversas transformações, em função da história e dos contextos culturais de cada país. Nos últimos 40 anos, no Brasil, esses termos foram utilizados de diferentes formas. Entre 1964 e meados de 1980, o regime militar pichava os esquerdistas como não-patriotas, anarquistas e comunistas (Ames & Smith, 2010). No período pós-ditadura, surgiu uma nova esquerda, tomando como eixo ideológico a redemocratização e luta contra as desigualdades (Vizoná, 2013). Na década de 1990, a distribuição ideológica dos partidos políticos brasileiros, de forma geral, era coerente com o grau de afinidade/distância com o período do regime autoritário no país. Partidos considerados de direita, como o Partido Progressista (PP) e o Democratas (DEM), foram os que mais apoiaram o regime militar, entre 1984 e 1985; os de centro, como Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), representaram a oposição permitida pelo regime; e os partidos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT), eram mais representativos das forças que atuavam fora do marco institucional do regime (Tarouco & Madeira, 2013).

Naquele contexto, a autodefinição de políticos, membros de partidos considerados de direita como sendo de centro, se relacionava a um esforço, por parte destes, de desvincular a sua imagem do regime autoritário (Power & Zucco, 2009). Era a época da "direita envergonhada" (Souza, 1988). Essa associação simplista entre direita-fascismo versus esquerda-libertária também se verificou na Europa. A 'Teoria da Personalidade Autoritária' da Escola de Frankfurt substituiu a dicotomia preconceito-tolerância pela polarização direita-esquerda, dando pouca ênfase ao preconceito e ao autoritarismo presentes nas ideologias de esquerda (Stoppino, 2003).

Todavia, a partir da década de 1960, com a expansão hegemônica do liberalismo econômico na sociedade norte-americana, surgem teses sobre o "fim da ideologia". Tais teses foram aprofundadas por Francis Fujuyama (1988) que, a partir da filosofia de Hegel, propôs o "fim da história", afirmando o triunfo final da democracia ocidental liberal em escala global. Na ótica do "fim da história", os dois inimigos principais do liberalismo, o fascismo e o comunismo, haviam perecido. O fascismo, por falta de êxito, pois, depois da Segunda Guerra, as pessoas haviam percebido que ele levaria à autodestruição. O comunismo e suas teses sobre a contradição fundamental entre capital e trabalho caíram pelo deslocamento do eixo das explicações das causas das desigualdades entre os grupos das questões estruturais, de classe, para questões culturais e sociais, dos próprios grupos, e pela hegemonia mundial da economia de consumo, inclusive na China (Fujuyama, 1988). O próprio autor lamenta sua tese, quando afirma:

La lucha ideológica a escala mundial que exigía audacia, coraje, imaginación e idealismo, será reemplazada por el cálculo económico, la interminable resolución de problemas técnicos, la preocupación por el medio ambiente, y la satisfacción de las sofisticadas demandas de los consumidores. (Fujuyama, 1988, p. 18)

Nesse cenário, vários cientistas sociais defendem a ideia de que a sociedade era complexa demais para ser entendida pela tradicional dicotomia (Segrillo, 2004). O pós-Segunda Guerra e a Guerra Fria mostram que a polarização era uma ameaça à humanidade. Então, os significados das posições políticas de esquerda e de direita começam a mudar de forma radical. A esquerda investe na crítica à lógica do sistema. À direita do espectro político a crítica se centra na visão do Estado como ineficiente e caro, o que leva à busca pela privatização generalizada: "as direitas exigem um Estado 'eficiente', guiado por técnicas gerenciais, nas quais o estadista ceda lugar ao gestor, o político ceda lugar ao gerente e a 'política' se transforme tão somente em alternância de técnicas de gestão" (Horta, Freire, & Siqueira, 2012, p. 126).

Surge, então, um movimento com a intenção de encontrar novos elementos definidores da distinção entre esquerda-direita. De acordo com Norberto Bobbio (1995), o que essencialmente distingue a direita da esquerda é a posição desta diante do ideal de igualdade. Na visão da esquerda, as desigualdades são causadas socialmente e devem ser eliminadas; já a direita acredita nas desigualdades como naturais, sendo, portanto, inevitáveis. Para Luiz Carlos Bresser-Pereira (2000), a direita foi a primeira a mudar nas democracias liberais, apostando, a partir da década de 1970, no neoliberalismo e na rejeição da tradição e do nacionalismo. A mudança na esquerda foi uma década mais tardia, ocorreu quando, nos anos 1980 e 1990, começou a afirmar a necessidade de reestruturação do Estado para atuar como coordenador do sistema econômico. A "velha esquerda", entretanto, continuou fiel à estatização das empresas. É importante referir que:

Os conceitos do que é esquerda e direita, do que é novo e do que é velho, mudam histórica e geograficamente. Eles são diferentes de um país para o outro, de acordo com as experiências nacionais e estágios de crescimento econômico, e variarão dentro do mesmo país, de tempos em tempos. (Bresser-Pereira, 2000, p. 148)

Em um texto posterior, Bresser-Pereira (2006) propõe que a direita se define como um conjunto de forças políticas aliada às forças econômicas que lutam, sobretudo, para assegurar a ordem num país capitalista e democrático. Já a esquerda reúne os que defendem o valor da igualdade e buscam instaurar uma ordem em prol de um ideal de justiça social. Todavia, após a redemocratização, o elemento definidor das posições esquerda-direita no Brasil deixou de ser a democracia e passou a ser a crise econômica, o que fez com que a postura face ao liberalismo econômico se tornasse um critério importante para a classificação ideológica (Vizoná, 2013). Esse processo de ressignificação das posições no espectro político se tornou ainda mais complexo com as manifestações sociais ocorridas no Brasil a partir de 2013.

Um estudo realizado por Debora Messenberg (2017), analisando posts no Facebook dos principais influenciadores dos movimentos anticorrupção e pró impeachment de Dilma Rousseff, ocorridos em 2015, quando milhões de manifestantes foram às ruas, observa que seus promotores eram, sobretudo, de direita; dentre os quais estava o então Deputado Federal Jair Messias Bolsonaro, que viria a se tornar presidente da República, em 2018. A autora encontra três campos semânticos centrais no discurso dos "influencers" de direita: antipetismo, conservadorismo moral e princípios neoliberais. O primeiro desses "trending topic" era composto dos termos: "fora PT", "fora Dilma", "fora Lula", "corrupção", "crise econômica" e "bolivarianismo". O segundo por "família tradicional", "resgate da fé cristã", "patriotismo", "anticomunismo", "combate à criminalidade/aumento da violência" e a "oposição às cotas raciais". O terceiro por: "Estado mínimo", "eficiência do mercado (privatização)", "livre iniciativa (empreendedorismo)", "meritocracia" e "corte de políticas sociais".

Podemos dizer que esses novos significados da direita política se vinculam às ideias de manutenção ou retorno de uma "ordem ameaçada/perdida" e à crítica e repudio à política e aos políticos, para produzir no cidadão comum um sentimento difuso de desconexão e desobediência em relação às instituições políticas do país. Como referem Ronald Inglehart Christian e Welzel (2005), o debate público deve enfatizar a obediência dos cidadãos às leis e sua lealdade às regras morais e instituições democráticas, como recurso que sustenta e fortalece os regimes políticos, pois o sistema depende de cidadãos que voluntariamente sigam regras e cumpram as leis. É nesse sentido que a anomia, entendida como desconexão da norma, se torna um fenômeno central na definição das posições na arena política.

 

Anomia e posições políticas

A anomia é uma condição de instabilidade resultante da quebra de valores ou da falta de propósitos e ideais, incidindo sobre indivíduos e sociedades (Enciclopédia Britânica, 2014). Foi primeiramente analisada por Émile Durkheim (1893/1967, 1897/1982) no livro "A divisão Social do Trabalho" e, depois, em "O suicídio". Contemporaneamente, a anomia pode ser considerada como um colapso da integração e regulação sociais, que envolve percepções e reações coletivas (Teymoori et al., 2016). O termo tem sido utilizado para descrever as condições sociais em países que se encontram em processo de mudança estrutural ou, ainda, com longa história de guerra e sociedades que enfrentam protestos civis generalizados (Teymoori et al., 2016).

Ali Teymoori e cols. (2016) desenvolvem uma escala que considera a anomia na sua dimensão de percepção social. A Escala de Percepção de Anomia (PAS) foi aplicada em 28 países, em 2015. Os resultados mostram que a anomia pode ser entendida em duas dimensões: a percepção de colapso das lideranças políticas e a percepção da ruptura do tecido social. Comparando os países, os autores observam que os cinco com maiores escores de anomia foram, nesta ordem: Paquistão, África do Sul, Polônia, Hungria e Brasil; enquanto Canadá, Holanda, Finlândia, Dinamarca e Suíça foram os menos anômicos. A anomia apresentou correlações positivas com os níveis de corrupção, desigualdades econômicas, pobreza e desemprego.

Stefanie Sprong e cols. (2019), utilizando os mesmos dados de Teymoori e cols. (2016), observam que a anomia se vincula à percepção de desigualdades econômicas para assim explicar o desejo por líderes autoritários. Na mesma direção, Lima et al. (no prelo)1 verificam que, quanto maiores as preocupações materialistas, maior o desejo por um líder autoritário. Com efeito, a literatura especializada mostra como a combinação de fatores econômicos, culturais e psicológicos explicam melhor o surgimento e ascensão de líderes autoritários-populistas do que a ação isolada de cada um desses fatores (ver Inglehart & Baker, 2000). Neste artigo, apresentamos dois estudos que testam a hipótese de que a anomia e os significados das posições de esquerda e direita no campo político podem ser variáveis importantes no entendimento da escolha por líderes autoritários populistas no Brasil.

 

Visão geral dos estudos

Em dois estudos, analisa-se a relação entre anomia, escolha de líderes autoritários-populistas e significados das posições esquerda-direita. O Estudo 1 tem como objetivo investigar as razões (políticas e demográficas) para a escolha de um líder autoritário. No Estudo 2, aprofunda-se a análise da semântica das posições ideológicas de esquerda e direita.

 

Estudo 1

Método

Participantes

Participaram 230 estudantes universitários matriculados em diversos cursos de graduação de uma universidade pública de Sergipe, sendo 50,9% de sexo masculino, com idades entre 17 a 54 anos (M= 20,99; DP= 4,19). No que se refere à cor de pele, 51,9% se declararam da cor parda; 25% preta e 23,1% branca. Em relação à renda familiar, 63,8% recebem até dois salários mínimos; 25,6% recebem entre 2,1 e 4 salários; 5,8% recebem entre 4,1 e 6 salários e 4,8% recebem mais de seis.

Procedimentos

Os participantes foram abordados nas dependências da universidade e convidados a responder a um questionário. Foi enfatizada que a sua colaboração era voluntária e dadas as instruções para o preenchimento do instrumento. A aplicação foi feita de forma individual.

Instrumento

O instrumento foi um questionário com as seguintes medidas:

1. Anomia - foi utilizada a escala de Teymoori et al. (2016), traduzida para a língua portuguesa por Lima, Almeida, Araujo e Barbosa (2019). A escala possuía 12 itens e variava de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). Nela, foram consideradas duas dimensões da anomia: Ruptura do Tecido Social ("As pessoas não sabem com quem podem contar nem em quem podem confiar"; "Cada um pensa apenas em si e não ajuda os outros que estejam em necessidade"; "As pessoas são cooperativas" (invertido); "As pessoas acham que a honestidade nem sempre funciona, ser desonesto é, por vezes, uma forma melhor de conseguir o que se quer"; "As pessoas pensam que não existem regras morais claras que devam ser seguidas" e "A maioria das pessoas pensam que se algo funciona, não importa realmente se está certo ou errado"). A confiabilidade interna dessa dimensão foi baixa (Alfa de Cronbach, α = 0,57). Considerando a consistência de cada item, numa análise posterior, retiramos o item "As pessoas são cooperativas" e obtivemos uma consistência aceitável (α = 0,68). A adesão média aos cinco itens da escala foi elevada e acima do ponto médio (4), [(M = 4,21; DP = 1,09; t(228) = 2,88; p < 0,01)]. A segunda dimensão da anomia foi a do Colapso das Lideranças Políticas, composta por seis itens: "Algumas leis não são justas"; "Os políticos não se interessam pelos problemas das pessoas comuns"; "As leis e políticas do governo são eficazes" (invertido); "O governo trabalha em prol do bem-estar das pessoas" (invertido); "O governo é legítimo" (invertido) e "O governo faz uso do seu poder de forma legítima" (invertido). Novamente, considerando os Alfas de Cronbach, retiramos dois itens ("Algumas leis não são justas" e "Os políticos não se interessam pelos problemas das pessoas comuns"), para a obtenção de um escore de consistência interna aceitável (α = 0,75). A média de anomia referente à percepção de Colapso das Lideranças Políticas foi elevada e se colocou acima do ponto médio da escala, [(M = 5,12; DP = 1,24; t(229) = 13,70; p < 0,001)]. A anomia total, resultante da soma das duas dimensões, obteve uma moderada consistência interna (α = 0,66) e adesão também acima do ponto médio da escala, [(M = 4,66; DP = 0,86; t(228) = 11,66, p < 0,001)].

2. Desejo por um Líder autoritário - a medida foi adaptada de Sprong et al. (2019) e composta por cinco itens, com respostas variando de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente): "O nosso país precisa agora de um líder forte"; "Precisamos de uma liderança forte para fazer sobreviver esta sociedade"; "Precisamos de uma liderança forte para superar as dificuldades da sociedade"; "Um líder forte é aquele que se importa mais com o bem-estar do povo do que com os métodos empregados para alcançá-lo" e "Um líder forte pode, pelo bem comum, desafiar os valores e práticas democráticas". A consistência interna foi aceitável (α = 0,78) e a média de desejo por um líder autoritário elevada: acima do ponto médio da escala (4), [(M = 4,39; DP = 1,33; t(228) = 4.48, p < 0,001)].

3. Posição política no espectro Esquerda-Direita - foi medida pela seguinte questão: "Avalie seu grau de simpatia em relação ao posicionamento político de esquerda e de direita, e marque um 'X' na posição que melhor o representa". As opções de respostas variaram de 1 (Extrema Esquerda) a 7 (Extrema Direita); sendo o número 4 rotulado como "Centro". Havia ainda a alternativa "não me posiciono", a qual recebeu 18,7% das repostas. Dos 187 participantes restantes, 8,3% se colocaram como de Extrema-Esquerda; 21,3% Esquerda; 23% Centro-Esquerda; 21,7% ficaram na posição de Centro; 3% Centro-Direita; 2,2% Direita e 1,7% Extrema-Direita.

4. Voto na última eleição presidencial - perguntamos em quem os participantes haviam votado no segundo turno das últimas eleições presidenciais, as opções de resposta foram: Fernando Haddad (65,2%), Jair Bolsonaro (8,9%), Nulo ou Branco (9,8%) e Não votou (16,1%).

Aspectos éticos e análise de dados

Todos os aspectos éticos previstos na Resolução nº 560/2012 do CNE foram seguidos. Os dados foram analisados utilizando o Statistical Package for Social Science (SPSS).

 

Resultados e discussão

Na Tabela 1, podemos ver que, quanto maior o desejo por um líder autoritário para "salvar" o país, maior a tendência de voto no candidato Jair Bolsonaro. Essa tendência de voto também se correlacionou com a anomia global, com a dimensão de Colapso das Lideranças Políticas e com a posição no espectro esquerda-direita (i.e., os menos anômicos, que mais acreditam nas lideranças políticas e mais posicionados à direita, no espectro, foram os mais propensos a esse tipo de voto) (ver Tabela 1).

Procedemos, então, a um conjunto de análises de regressão linear hierárquicas. Na primeira delas, verificamos que 8% da variância no voto foi explicada pelos indicadores sociodemográficos. Dentre eles, apenas o gênero explicou o voto presidencial: os homens votaram mais em Jair Bolsonaro do que as mulheres. O segundo modelo, por sua vez, obteve uma taxa de explicação de 45%, com destaque para o desejo por um líder autoritário e a posição política no espectro esquerda-direita. Os resultados indicaram que, os que mais desejam um líder autoritário e os que mais se posicionam à direta no espectro político foram os que mais votaram em Jair Bolsonaro. Cabe referir que a posição no espectro político sozinha explicou 36% do voto presidencial. Num terceiro modelo analítico, introduzimos todas as variáveis simultaneamente, as sociodemográficas e as políticas. Os resultados indicam que o R Quadrado ficou em 0,38 e a variância explicada (R Ajustado) caiu para 36%, F(8, 121) = 11,27; p < 0,001. Esses dados sinalizam que o melhor modelo para explicar o voto presidencial no segundo turno da eleição de 2018, foi o das variáveis políticas, sem as sociodemográficas (ver Tabela 2).

Os resultados obtidos indicaram que o voto em Jair Bolsonaro, na última eleição presidencial, se correlacionou com um maior desejo por um líder autoritário, uma menor percepção de que as lideranças políticas do país colapsaram e um posicionamento mais à direita no espectro político. As Análises de Regressão demonstraram que, não obstante alguma importância do sexo dos participantes, foram as variáveis políticas, e, dentre elas, principalmente a posição no espectro direita-esquerda, o principal definidor desse voto. Embora a literatura consultada refira que a combinação de fatores econômicos, culturais e psicológicos explica melhor o surgimento e ascensão de líderes autoritários-populistas (Inglehart & Baker, 2000; Sprong et al., 2019), nossos resultados mostraram que as variáveis de posição política tiveram muito mais peso que as outras esferas no voto presidencial de 2018.

Em relação à anomia, encontrou-se um resultado diferente do de outros estudos (Sprong et al., 2019; Teymoori et al., 2016), já que não se verificou a relação entre a anomia e o desejo por líderes autoritários. A tese da literatura de que a insegurança existencial e social levaria à busca de líderes "fortes", capazes de mostrar o "caminho reto" da saída (Inglehart, 2008), não se confirmou nos nossos dados. Pensamos que isso reflete aspectos da escala de anomia adotada, considerando que uma das dimensões analisa a percepção de ruptura do tecido social e a outra a de colapso das lideranças políticas, focada na crença de falta de legitimidade dos líderes máximos. Esses dois eixos parecem situar posições políticas antagônicas. As correlações das anomias referentes às lideranças políticas mostram que ela é maior entre os de esquerda e menor entre os de direita, os quais, tendo chegado ao poder em 2018, passaram a acreditar mais na legitimidade dos políticos, do presidente da República, especialmente. A dimensão de anomia referente ao tecido social parece ir mais na direção da posição política de direita, ainda que a correlação encontrada não seja significativa.

Na Figura 1, pode-se ver que é o quadrante do entrecruzamento das dimensões de baixa anomia, referente à percepção de colapso das lideranças políticas (variável construída considerando os escores abaixo da média do grupo na dimensão), com a baixa percepção de ruptura do tecido social, que possui a média mais baixa de desejo por um líder autoritário. Por outro lado, o quadrante com a média mais elevada de busca por líder autoritário é o que integra a alta percepção de ruptura do tecido social com a baixa percepção de colapso das lideranças políticas, F(1, 227) = 3,83; p = 0,052. A posição no espectro político não variou significativamente em função do sentimento de anomia, F(1, 186) < 1; n.s. Como referem Lima e França (no prelo)2 , a dimensão de ruptura do tecido social se relaciona com a lógica do "jeitinho brasileiro", a qual transita entre criatividade, permissividade e corrupção, na resolução de problemas ou na evitação de situações desconfortáveis (Miura, Pilati, Milfont, Ferreira, & Fischer, 2019).

De uma forma geral, os resultados obtidos, neste primeiro estudo, mostram que a posição política, no espectro esquerda-direita, foi a principal variável explicativa do voto presidencial, em 2018. No entanto, num país como o Brasil, cujo sistema político tem dezenas de legendas partidárias, sendo muitas delas de aluguel, o que significa ser de esquerda, de centro ou de direita? Haverá ainda significados ideológicos em todas essas posições? Se houver, como eles se diferenciam? Que grupos ou posições de conflito social tais posições representam? Para tentar responder essas questões, realizamos um segundo estudo, com o objetivo de entender os significados atribuídos por pessoas de direita e de esquerda às suas posições ideológicas no espectro político.

 

Estudo 2

Método

Os dados desta pesquisa foram coletados por meio de um questionário online, disponibilizado entre abril e maio de 2019 e divulgado nas redes sociais.

Participantes

A pesquisa contou com 181 participantes, com idades variando entre 18 e 69 anos (M = 29,1; DP = 12,), 59,1% do sexo masculino; 43,1% autodeclarados de cor branca; 37% de cor parda e 15,5% de cor preta. No que se refere à região, 76,2% são do Nordeste; 18,2% do Sudeste; 3,3% do Sul; 1,1% do Centro-Oeste e 1,1% do Norte. No tocante à renda familiar, 30,4% recebem até dois salários mínimos; 21,5% recebem entre 2,1 e 4 salários; 19,3% recebem entre 4,1 e 6 salários e 13,3% recebem mais de seis. Quase metade dos participantes (48,9%) são estudantes universitários; 18,8% já concluíram o ensino superior; 15,5% cursam/cursaram pós-graduação e 14,4% concluíram o ensino médio.

Procedimentos

Entre 26 de abril e 20 de maio de 2019, foi depositado na internet um questionário online (formulário Google Docs), cujo link foi enviado pelas redes sociais para pessoas em todo o Brasil. Na busca de contatos para envio, foram priorizadas comunidades virtuais de direita e de esquerda política.

Instrumento

O instrumento foi um questionário semelhante ao do Estudo 1, com a diferença de ter sido adaptado para aplicação remota, via internet. As variáveis investigadas foram também semelhantes, com algumas mudanças. Em relação à anomia, neste estudo, utilizamos apenas a dimensão de Colapso das Lideranças Políticas, composta pelos mesmos quatro itens do Estudo 1. A justificativa para a exclusão da dimensão de Ruptura do Tecido Social foi a falta de relação dessa variável com os nossos indicadores de posição política. A escala variou de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). A consistência interna foi aceitável (α = 0,83). A média de anomia foi novamente superior ao ponto médio (3), [(M = 3,25; DP = 1,19; t(182) = 2,88, p < 0,01)]. A posição política no espectro Esquerda-Direita foi avaliada da mesma forma que no Estudo 1. Desta vez, 9,9% dos participantes não se posicionaram no espectro político. Dos 163 restantes, 3,7% se colocaram à Extrema-Esquerda; 35% à Esquerda; 19,6% ao Centro-Esquerda; 6,1% ficaram na posição de Centro; 9,2% no Centro-Direita; 21,5% à Direita e 4,9% à Extrema-Direita. Os significados ideológicos das posições no espectro político foram analisados pela seguinte pergunta: "Em relação aos Partidos e à Política, você já ouviu falar de "Esquerda", "Direita" e "Centro"? Se sim, o que na sua opinião significa cada um desses termos?

Aspectos éticos e análise de dados

Foram respeitados todos os princípios éticos na pesquisa com seres humanos, conforme estabelecidos na Resolução CNE nº 510/2016. Os dados foram analisados por meio do SPSS e a análise lexical foi feita com a ajuda do software Iramuteq (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires).

Resultados e discussão

Primeiramente, correlacionamos a anomia presente na dimensão de percepção de Colapso das Lideranças Políticas com a posição no espectro esquerda-direita. Assim, como no primeiro estudo, obtivemos resultados significativos, r(165) = -0,63; p < 0,001. Esse dado indica novamente que, quanto mais à esquerda no espectro, maior a percepção de Colapso das Lideranças Políticas.

Para análise dos significados atribuídos ao espectro político, consideramos apenas as posições de esquerda e direita, uma vez que, na nossa amostra, havia poucos participantes de centro. As respostas à pergunta sobre o que significam esses termos (Esquerda e Direita) foram submetidas a um procedimento de análise lexical por meio do software Iramuteq, com base na Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que permite reconstituir formas que indicam modos de representar um determinado fenômeno (ver Camargo & Justo, 2013). Na análise, é possível incluir variáveis que funcionam como descritores associados a cada léxico, a fim de sondar a relação entre essas variáveis estruturantes e as classes de texto formadas (Sousa, Barreto, Mendes, & Techio, 2020). Utilizamos, como descritores, a posição política dos participantes no espectro esquerda-direita e os níveis de anomia (Colapso das Lideranças Políticas), que foi recodificada de forma dicotômica em baixa anomia (participantes com escores abaixo da média) e alta anomia (participantes com escores acima da média).

 

Os significados da direita

A Classificação Hierárquica Descendente do corpus referente à resposta da pergunta "para você, o que significa ser de direita?" integrou 173 segmentos de texto (UCE), dos quais 93,1% foram considerados válidos para a análise, com 776 palavras. O léxico dos significados de direita foi dividido em dois subcorpora, ficando a classe 3 em um subcorpus e as classes 2 e 1, em outro (ver Figura 2). Na classe 2, responsável por 26,1% do léxico empregado nas respostas, prevalece uma visão da direita objetivada pelo "liberalismo conservador". As palavras mais frequentes nessa classe e com mais elevado índice de encaixe (Qui-Quadrado) foram: "Liberal", "Capitalista", "Capitalismo", "Favor" (significando a favor), "Conservador" e "Costume". Trata-se de uma representação da direita presente no léxico dos participantes de direita e de centro-direita. Na análise do Iramuteq, podemos ter acesso às frases típicas, que são segmentos de texto que caracterizam a classe. Os dois segmentos com mais elevada vinculação à Classe 2 foram: (a) Aqui as pessoas não têm o Estado cobrando tanto imposto porque algumas funções são abdicadas dele e entregues às instituições privadas e (b) Perfil de economia liberal o Estado interfere o menos possível na economia.

A Classe 1 (64,6% do léxico), a mais representativa dos significados da direita, no corpus, predominantemente foi formada por palavras que denotam uma visão da direita associada ao neoliberalismo, sem deixar de ser conservadora: "Liberdade", "Social", "Direito", "Econômico", "Individual/Indivíduo", "Conservadorismo", "Classe" e "Desenvolvimento". Essa representação da direita não foi afetada pelos nossos descritores de posição política e anomia. Os segmentos de texto mais representativos da classe foram: (a) A direita brasileira priorizou desde sempre a retenção de verbas públicas, na indução do pensamento político as decisões importantes para o social estão sempre atreladas aos interesses e vantagens de uma pequena minoria que representa empresários, políticos, a classe alta e (b) Ser politicamente mais voltado ao capital e ao individualismo, prezar pelos mais ricos em detrimento dos mais pobres e, apesar de defender as liberdades individuais, construir um sistema que não permite o real exercício das mesmas.

Finalmente, a Classe 3 (9,3%) significa a direita como representando os interesses do livre mercado. As palavras mais encaixadas e frequentes nesse léxico foram: "Apoiar", "Privatização", "Empresa", "Capital", "Interferência", "Empresário" e "Livre-mercado". Esse léxico dos significados da direita foi mais empregado pelos participantes de esquerda. As duas frases mais emblemáticas dessa classe foram: (a) Apoiar causas políticas com base no capital, na exploração e na subordinação do proletariado e (b) Ser de direita é concordar com ideias políticos que defendem a privatização e o capital.

 

Os significados da esquerda

A classificação hierárquica descendente do corpus referente à resposta da pergunta "para você, o que significa ser de esquerda?" integrou 172 segmentos de texto, dos quais 93,6% foram consideradas na CHD, composta por 743 palavras. O corpus apresentou quatro subcorpora, ficando de um lado as Classes 2 e 1, associadas à Classe 3 e, do outro, de forma mais autônoma, as Classes 4, 5 e 6 (ver Figura 3). Na Classe 3, composta por 11,8% das respostas, aparecem em destaque os termos "Não Conservador". "Busca", "Igualdade", "Opinião", "Igual" e "Ideologia", denotando uma visão da esquerda como uma ideologia/opinião não conservadora e que busca a igualdade. Esse léxico foi predominante nas respostas dos participantes sem posição política. As duas frases mais emblemáticas da classe foram: (a) Discurso muito bonito, mas na prática não tão bonito e (b) Pautas sociais estatistas, em geral não são conservadores nem nos costumes nem na política.

A Classe 2, que se associou à Classe 1 em um subcorpus, foi a mais representativa do corpus (28,6%). Ela trouxe como palavras mais encaixadas os termos: "Coletivo", "Visar", "Minoria", "Igualitário", "Econômico", "Partido", dentre outros. Palavras que indicam uma visão de que a esquerda representa as minorias sociais. As frases típicas reforçam essa interpretação: (a) Ser de esquerda significa ter um olhar de vida a partir do coletivo e (b) Significa defender pautas progressistas que visam mudanças na estrutura da sociedade, indo em confronto com o status quo.

A Classe 1, por sua vez, foi a segunda mais representativa do corpus (27,3%). As palavras mais comuns nesse léxico representacional da Esquerda foram: "Economia", "Intervenção", "Distribuição", "Bem-estar" e "Renda". Trata-se da visão clássica da esquerda como promotora da Justiça Social. As frases típicas reforçam essa interpretação: (a) Apoiar políticas intervencionistas na economia e defender um Estado grande que diminua as desigualdades e ajude os mais pobres. (b) Defender grande influência do Estado na economia e ações de distribuição de renda.

Na Classe 4 (18,6%), destaca-se uma representação da esquerda objetivada por termos como: "Menos", "Favorecidos", "Luta/Lutar", "Direito", "Ajudar" e "Oposição". Tal classe denota uma esquerda que busca ajudar os menos favorecidos. O ideal de representação das minorias sociais aparece de forma emblemática nas frases mais típicas da classe: (a) Ter percepções voltadas para a luta por menos discrepâncias entre as classes e (b) Lutar a favor dos direitos das classes menos favorecidas.

Associada à Classe 4, a classe 5 (8,1% das palavras) representa a esquerda por meio dos sistemas políticos socialismo e comunismo. Essa visão foi mais encontrada nos participantes cuja posição política foi a de centro. As frases mais típicas foram: (a) A favor do povo socialista e (b) Ser comunista, contrário a tudo que é decente, não ter princípios, ter sede de poder econômico, não patriota, não ser preocupado com o futuro da nação brasileira.

Finalmente, a Classe 6, traz o léxico dominante nas representações da esquerda pelos participantes de direita (5,6% do léxico total). As palavras mais usadas e com mais encaixe semântico foram: "Comunismo", "Socialismo", "Oposição" e "Apoiar". Trata-se de uma representação da esquerda como vinculada ao apoio ao comunismo e socialismo, narrativa muito comum na polarização política que ocorreu na eleição de 2018 para presidente da República. Chama a atenção também que os participantes com menor descrença no Colapso das Lideranças Políticas (Anomia) são os que mais representam a esquerda nesses termos. As frases mais prototípicas foram: (a) Anticonservador, não patriota, valoriza o comunismo e o socialismo e (b) Apoiar o comunismo, socialismo e ditaduras.

Os resultados desse segundo estudo mostram que os participantes de direita e de centro-direita possuem um léxico comum sobre os significados da direita política, associando-a com um liberalismo-conservador, que foca tanto a economia liberal do capitalismo quanto a conservação dos costumes e tradições. Já os participantes posicionados à esquerda do espectro político significam a direita pela lógica privatista de interferência empresarial e controle pelo livre mercado. essa forma de representação da direita foi encontrada na literatura histórica pesquisada, a qual refere que, desde início do século passado, a direita defendia o capitalismo e a liberdade econômica (Tarouco & Madeira, 2009), com ênfase crescente no liberalismo econômico, após a redemocratização (Vizoná, 2013). Aparecem também, dentre os significados da direita, os elementos destacados por José Horta e cols. (2012) sobre a visão do Estado ineficiente e caro, o que justificaria o desejo da privatização. Por fim, demonstram uma visão da direita que, embora neoliberal, não rejeita, e muito pelo contrário, aceita a tradição e o nacionalismo, como supunha Bresser-Pereira (2000), analisando as "novas direitas", que surgiram a partir da década de 1970.

Já os significados da esquerda política integraram seis classes léxicas, nenhuma delas habitada pelos de esquerda. Vimos que os de direita e os de centro, juntamente com os de baixa anomia em relação às lideranças políticas, associam a esquerda ao comunismo, socialismo e antipatriotismo. Trata-se de uma representação que a literatura da Ciência Política havia detectado nas descrições que o regime militar, entre 1964 e meados de 1980, fazia dos esquerdistas no Brasil (Vizoná, 2013), o que indica o resgate de uma narrativa que parecia superada na história do país. Chama a atenção que os de Centro e os sem posição política também estruturem léxicos específicos de representação da esquerda, nos quais predomina uma visão negativa, fato que foi decisivo na eleição presidencial de 2018. Os outros três léxicos de significação da esquerda enfatizam o valor da igualdade, a defesa das minorias e dos menos privilegiados e a distribuição de renda. Provavelmente, estas foram as classes representacionais dos de esquerda, mas sem que eles tivessem se "encaixado" como descritores em uma delas de forma específica. Bresser-Pereira (2006) afirma que um dos elementos definidores historicamente das esquerdas é a defesa da igualdade e a busca da justiça social. Ou, ainda, a defesa dos interesses das classes menos favorecidas (Tarouco & Madeira, 2009).

Sintetizando, as visões encontradas neste estudo demonstram que estamos longe da "Era do Fim das Ideologias" ou da história, como afirmou Fukuyama (1988). Também não estamos mais vivendo os tempos da "direita envergonhada" (Souza, 1988), quando havia uma associação simplista entre direita-fascismo vs. esquerda-libertária. No entanto, permanece a visão, como destacou Bobbio (1995), de uma esquerda que luta pela igualdade e de uma direita que propõe a liberdade como valor fundamental, uma liberdade "casada no religioso" com a defesa dos costumes e tradições. Dos três eixos semânticos encontrados no estudo de Messenberg (2017) sobre a direita, pouco antes das eleições presidenciais de 2018, nosso estudo detectou apenas um, mais amplo, que integrou os conteúdos de defesa das tradições com os da privatização e busca por um Estado mínimo. O primeiro, e mais importante eixo daquele contexto pré-eleitoral, o antipetismo ou antilulismo, desapareceu dos significados, tanto da direita, quanto da esquerda nos nossos dados, que são posteriores à eleição de 2018.

 

Conclusões

Em um estudo anterior, Lima e França (no prelo) demonstraram que a anomia se relacionava negativamente com a confiança nas instituições sociais (e.g., Família e Igreja), políticas (e.g., Partidos, Poder Executivo e Poder Legislativo) e judiciárias (Poder Judiciário), tanto em amostras de adolescentes quanto em adultos no Brasil. Neste artigo, demonstramos uma faceta complementar da anomia: a sua associação com o desejo e com o voto por/em líderes autoritários, justamente aqueles que são capazes de destruir as democracias por dentro, de forma institucional (Levitsky & Ziblatt, 2018). Uma primeira conclusão que esses dados nos permitem chegar é a de que precisamos aprender as lições da Ciência Política e da história recente dos populismos constitucionais: a curto prazo, as lideranças e partidos políticos precisam superar suas diferenças ideológicas, agindo em conjunto para fazer frente às ameaças populistas, uma vez que, perder a democracia é muito pior do que perder uma eleição (Levitsky & Ziblatt, 2018); a médio e longo prazos, é preciso fortalecer a cultura constitucional que envolve a sociedade e sua democracia, essa é a melhor proteção contra tais ameaças (Landau, 2018). Uma dificuldade adicional para construir essa defesa e, ao mesmo tempo, um importante emblema da importância em construí-la, a partir de dentro do sistema político, evitando o crescimento de lideranças populistas-autoritárias, é a de que o desejo por um líder autoritário, no nosso primeiro estudo, esteve acima do ponto médio da escala, numa amostra de estudantes universitários, e não foi influenciado pela posição política de esquerda ou de direita, mostrando uma "susceptibilidade" perigosa no eleitor jovem e escolarizado a esse tipo de apelo.

Uma segunda conclusão é a de que a aliança "transpartidária" para proteger a democracia de líderes populistas "outsiders" da política parece mais factível entre os de centro com os de direita, que entre os de centro com os de esquerda. A análise dos significados das posições no espectro político nos mostrou que a visão negativa da esquerda foi comum entre os de centro e de direita, objetivada na crença da "ameaça comunista". Além disso, os sem posição política, teoricamente o grupo mais fácil de ser atraído a uma coalizão, se mostraram mais críticos da esquerda do que da direita.

Os resultados obtidos e as discussões empreendidas, neste artigo, precisam considerar um conjunto significativo de limitações, das quais gostaríamos de destacar uma. Nossas "amostras" de participantes não são exatamente amostras. São, principalmente, estudantes universitários, reproduzindo um certo nicho cultural "WEIRD" (Western-Educated-Industrialized-Rich-Democratic) (Henrich, Heine, & Norenzayan, 2010). Essa condição, aliada à coleta por meio de questionários online, cria um efeito "bolha" nos dados que diminui seu poder de generalização. Todavia, cabe destacar que, no segundo estudo, conseguimos cotejar melhor as várias visões políticas do que no primeiro. Novos estudos, com amostras representativas dos vários extratos nacionais, poderão suprir essa lacuna e ajudar a entender melhor os riscos que o desejo por líderes autoritários trazem para o futuro do país.

 

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Submissão: 08/10/20
Aceite: 28/02/21
Financiamento: Bolsa PQ CNPQ

 

 

1 Lima, M. E. O., França, D., Jetten, J., Perreira, C. R., Wohl, M. J. A., Jasinskaja-Lahti, I. et al. Materialist and Post-materialist Concerns and the Wish for a Strong Leader in 27 Countries. Journal of Social and Political Psychology. (no prelo)
2 Lima, M. E. O. & França, D. X. (no prelo). Crisis, anomie and trust in institutions in Brazil. Revista Psicologia Política.

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