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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.23 no.58 São Paulo  2023  Epub 08-Jul-2024

 

Artigo Original

O SENTIMENTO DE CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E O ENFREN TAMENTO À PANDEMIA DE COVID-19

El sentimiento de confianza en las instituciones brasileñas y el afrontamiento de la pandemia covid-19

The feeling of trust in brazilian institutions and coping with covid-19 pandemic

FABIANE RAMOS ROSA1  , Concepção, Coleta de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-0853-837X

MARCO ANTONIO DE OLIVEIRA BRANCO2  , Concepção, Coleta de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-6417-2990

VANILDA APARECIDA DOS SANTOS3  , Concepção, Coleta de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0009-0007-2619-7162

SALVADOR ANTONIO MIRELES SANDOVAL4  , Concepção, Elaboração do manuscrito, Revisões críticas de conteúdo intelectual importante, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0003-0954-3741

1https://orcid.org/0000-0002-0853-837X Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, E-mail: fabiramosrosa@gmail.com

2https://orcid.org/0000-0002-6417-2990 Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP E-mail: marco.branco.psi@gmail.com

3https://orcid.org/0009-0007-2619-7162 Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, E-mail: vapsico@yahoo.com.br

4https://orcid.org/0000-0003-0954-3741 Doutor em Ciência Política pela The University of Michigan, EUA, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP E-mail: sams1910@gmail.com


RESUMO

O artigo tem como objetivo principal apresentar uma análise sobre o sentimento de confiança nas instituições democráticas brasileiras tendo como contexto a pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19). Os dados apresentados foram coletados no mês de julho a novembro do ano de 2020 e viabilizaram a análise e a articulação teórica sobre a relação entre confiança, legitimidade e obediência, considerando o contexto brasileiro e os desafios inerentes ao enfrentamento da pandemia. Os resultados indicaram diferenças no nível de confiança em 12 instituições democráticas de acordo com o posicionamento político-ideológico. Foi possível observar índices elevados de confiança nos Cientistas brasileiros, Universidades brasileiras, Profissionais da Saúde e Sistema Único de Saúde e índices menores de confiança na Presidência da República, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Confiança; Legitimidade; Obediência; Pandemia

RESUMEN

El objetivo del artículo es presentar un análisis del sentimiento de confianza en las instituciones democráticas brasileñas, tomando como contexto la pandemia causada por el coronavirus (Covid-19). Los datos presentados fueron recolectados de julio a noviembre de 2020 y permitieron el análisis y la articulación teórica sobre la relación entre confianza, legitimidad y obediencia, considerando el contexto brasileño y los desafíos inherentes al afrontamiento a la pandemia. Los resultados indicaron grandes diferencias en el nivel de confianza en 12 instituciones democráticas, según posicionamiento político-ideológico. Fue posible observar altos niveles de confianza en los científicos brasileños, las universidades brasileñas, los profesionales de la salud y el Sistema Único de Salud y menores niveles de confianza en la Presidencia de la República, Congreso Nacional y el Tribunal Federal.

Palabras clave Confianza; Legitimidad; Obediencia; Pandemia

ABSTRACT

The article’s main objective is to present an analysis of the feeling of trust in Brazilian democratic institutions, taking as context the pandemic caused by the coronavirus (Covid-19). The presented were collected from July to November 2020 and enabled the analysis and theoretical articulation on the relationship between trust, legitimacy, and obedience, considering the Brazilian context and the challenges inherent in coping with the pandemic. The results indicated differences in the level of trust in 12 democratic institutions, according to political-ideological positioning. High levels of trust were observed in Brazilian Scientists, Brazilian Universities, Health Professionals and the Unified Health System (SUS) and lower levels of trust in the Presidency of the Republic, National Congress and the Supreme Federal Court.

Keywords Trust; Legitimacy; Obedience; Pandemic

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo principal analisar a relação de confiança que as pessoas estabelecem com as instituições democráticas brasileiras, considerando o contexto da pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19) no ano de 2020.

Nos primeiros treze meses de enfrentamento ao referido coronavírus o Ministério da Saúde brasileiro esteve sob gestão de quatro diferentes ministros: Luiz Henrique Mandetta (de janeiro de 2019 até abril de 2020), Nelson Luiz Sperle Teich (de abril a maio de 2020), Eduardo Pazuello (de junho de 2020 até março de 2021) e Marcelo Antônio Cartaxo Queiroga Lopes (iniciou seus trabalhos vinculados ao referido Ministério em março de 2021). Em março de 2021 o Brasil ganhou destaque no cenário internacional em decorrência do crescente número de novos casos, o que levou o país a ocupar a segunda posição como território com maior quantidade acumulada de casos (11.780.820), segundo monitoramento realizado pela Johns Hopkins Coronavirus Resource Center (2021), vinculado à Johns Hopkins University. O mesmo centro registrou recordes no Brasil considerando número de novos casos e mortes decorrentes do vírus no mês de março de 2021, indicando assim tendência de crescimento ao invés de desaceleração.

Nesse sensível cenário nacional críticos e apoiadores políticos, tanto do governo federal quanto dos governos estaduais e gestões municipais, foram afetados de diferentes maneiras pela pandemia. Opiniões e posições contraditórias podem ser percebidas e interpretadas pela população conforme o nível de confiança atribuída ao emissor da mensagem, e não apenas ao conteúdo da mensagem em si. A percepção e interpretação realizada pelos seres humanos sobre opiniões, posições e as evidências objetivas da realidade que os cercam representam faculdades cognitivas de processamento das informações que sofrem a influência de um conjunto de crenças construídas ao longo da história de vida pessoal e grupal. Como as relações de confiança são construídas e de que maneira impactam na legitimidade atribuída ao outro, bem como na probabilidade de obediência, envolvem análises teóricas e práticas sobre a repercussão do comportamento político nas sociedades. A pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19) foi o território escolhido para instigar essa pesquisa cuja temática envolve questões que antecedem e vão além desse contexto.

CONFIANÇA, LEGITIMIDADE E OBEDIÊNCIA

O sentimento de confiança é algo valioso para as relações humanas e seria difícil manter vínculos que não tivessem como base a construção desse sentimento. Quando se trata de relações políticas, a confiança é um recurso também essencial para assegurar a legitimidade política em um sistema democrático. O sentimento de confiança dos cidadãos nas autoridades públicas e em seus procedimentos institucionais contribui para a legitimidade atribuída aos atores políticos. No regime democrático, a legitimidade é considerada um valor social importante capaz de assegurar a estabilidade institucional (Jost & Major, 2001).

Legitimidade indica a aceitação popular do direito dos “legisladores” e das autoridades públicas para controlar e ditar os comportamentos na sociedade. Assim, a capacidade das autoridades para governar por meio das ameaças de punições (multas, prisões etc.) é distinta de sua capacidade para motivar a obediência às leis, mediante sua legitimidade. A legitimidade pode ser compreendida como o suporte da obediência voluntária que leva a um sentimento de obrigação, de dever ou de vontade de obedecer às normas, às leis e às autoridades. Para Morris Zelditch (2001), as pessoas são cooperativas e obedientes em razão da legitimidade daqueles que elaboram as leis e da confiança nos agentes políticos.

A legitimidade é uma crença que supõe que uma autoridade, instituição ou política social sejam apropriadas e justas. O efeito da percepção da legitimidade faz os cidadãos se sentirem satisfeitos com o processo de tomada de decisões do governo e com os resultados que se produzem a partir deste, o que gera uma obediência voluntária às leis e normas, porque acreditam que as autoridades responsáveis pelo sistema político são justas e tomam as decisões adequadas (Tyler, 2001, 2006).

Se há uma fragilidade da confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, sobretudo no modo de governança e na percepção de que o governo age em dissonância com o bem-estar dos cidadãos, podem ser observados na sociedade comportamentos de não cumprimento às regras e normas impostas pelo Estado (Santos & Sandoval, 2019).

De acordo com José Moisés (2010, p. 13) confiança política significa “ter um sentimento de segurança nos procedimentos das autoridades públicas diante de diferentes circunstâncias que afetam a vida das pessoas”. Pode ser considerada um atalho que facilita a percepção dos cidadãos em relação às implicações políticas e das condições que afetam sua participação na sociedade. A confiança, entretanto, depende da avaliação dos cidadãos de que as instituições cumprem a missão para a qual foram criadas, de forma responsável, ética e justa.

Com efeito, a confiança dos cidadãos nas instituições cria um ambiente favorável para que eles se sintam comprometidos com a vida pública, podendo cooperar com as diretrizes do Estado, com as leis e com as normas que regulam a vida social e política. Por outro lado, a desconfiança generalizada, crescente e duradoura sinaliza uma percepção negativa dos cidadãos quanto à capacidade das instituições públicas de realizar operações cujo objetivo é o bem comum de toda a sociedade. Isso explica por que, em algumas situações, a desconfiança aparece associada a um menosprezo às instituições de representação (Moisés & Carneiro, 2008).

Pierre Rosanvallon (2011) salienta que a confiança em instituições é uma ferramenta na qual os cidadãos asseguram que os seus direitos de cidadania sejam respeitados. De acordo com o autor, “a confiança é uma condição necessária da cidadania, uma ‘instituição invisível’”. Vanilda Santos e Salvador Sandoval (2019) explicam que a confiança contribui para o alargamento da qualidade da legitimidade, ao trazer para o seu caráter estritamente processual, uma dimensão moral (a integridade em sentido amplo) e uma preocupação com o bem comum.

O que a literatura a respeito da confiança nos revela é que em sociedades onde a confiança se faz presente, o comportamento dos cidadãos é favorável a cumprir, de forma voluntária, o que as autoridades orientam. Isso explica por que as decisões políticas que traduzem os anseios de maiorias não enfrentam usualmente resistência para sua execução. Líderes políticos que precisem adotar medidas impopulares, como por exemplo medidas de restrição do funcionamento dos estabelecimentos, percebidas como socialmente benéficas somente a longo prazo, dependem da confiança dos cidadãos. Nas palavras de Moisés (2010, p. 11) trata-se do “processo pelo qual políticas públicas socialmente percebidas como necessárias são formuladas e implementadas pelas autoridades públicas com base na aquiescência e na cooperação dos cidadãos”.

As instituições políticas são as intermediárias entre os cidadãos e o Estado. Elas conferem as garantias de direitos e procedimentos, e é a percepção de que, de fato, elas se desempenham nessa direção que garante o compromisso de cooperação dos cidadãos com o regime.

A confiança política é um fenômeno associado à percepção de representação, de resposta eficaz das instituições às demandas básicas da população constituindo uma aproximação entre os cidadãos e o sistema, uma congruência forte entre cidadãos e o Estado. É um bem essencial para o sucesso da governança democrática.

CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E IDEOLOGIAS POLÍTICAS

Ideologia é um vocábulo que tem sido largamente utilizado, principalmente no âmbito das ciências sociais, embora também seja objeto de muitas controvérsias e imprecisões. Para este trabalho, consideramos a ideologia como um sistema de ideias, crenças, valores e doutrinas sobre a sociedade com a função principal de orientar comportamentos individuais ou coletivos (Nogueira, 2015).

No campo da política, as ideologias têm sido comumente compreendidas na recente história mundial pela utilização de um espectro ou escala esquerda-direita. Esquerda e direita são consideradas como polos do espectro de uma ampla variedade de ideias e posicionamentos ideológicos, expressos principalmente por partidos políticos, mas disseminados e compartilhados nas sociedades. Nesta compreensão, a depender da configuração apresentada no espectro, ideologias políticas podem variar desde extrema-esquerda até extrema-direita, passando por diferentes níveis de aproximações do centro como ideologia intermediária. Essas ideologias disputam a preferência dos cidadãos no contexto político, caracterizado pela constante disputa de interesses.

No entanto, os conceitos de ideologias de esquerda ou direita não são de simples definição. Desde o início da utilização destes termos até a atualidade, esses significados têm sido modificados ao longo da história. Além disso, há muitas variedades desses significados a depender de seu desenvolvimento em diferentes países ou regiões.

Em apertada síntese, os conceitos de esquerda e direita surgiram no contexto da Revolução Francesa. Na Assembleia Nacional daquele país, sentavam-se à esquerda do rei aqueles que buscavam igualdade e à direita aqueles que defendiam a aristocracia. Dessa configuração iniciou-se a utilização dos termos esquerda e direita para diferenciar as ideologias políticas (Maciel, Alarcon, & Gimenes, 2017). Ao longo do século XX, a ideologia de esquerda foi associada à defesa do socialismo, à luta dos trabalhadores (proletariado) e à busca por igualdade social, enquanto a direita teve sua definição associada à defesa do capitalismo, da propriedade privada, da manutenção da livre concorrência e das diferenças e liberdades individuais (Araújo, 2015).

Ideologias de esquerda e direita são geralmente compreendidas no espectro a partir do binômio progressismo/conservadorismo. O progressismo, mais associado à esquerda, considera que o status quo deve ser modificado e, portanto, é mais aberto às mudanças de padrões sociais tradicionais (Jost & Sidanius, 2005). A esquerda tem sido relacionada à maior intervenção do Estado na economia e à oferta de políticas de diminuição das desigualdades sociais, como a redistribuição de renda para a redução da pobreza e políticas sociais gratuitas e universais como saúde e educação.

Por outro lado, o conservadorismo, mais associado à direita, é marcado pela aceitação de uma ordem naturalizada das coisas, a recusa de mudanças tidas como radicais e a manutenção de instituições tradicionais como a família e a religião (Cepêda, 2018). A direita tem sido relacionada ao (neo)liberalismo, com mínima regulação do Estado sobre o mercado, o fomento às privatizações e políticas de austeridade econômica com vistas à diminuição do custo do Estado (Madeira & Tarouco, 2011).

A utilização do termo espectro para designar ideologias políticas tem o propósito de afirmar que há muitas configurações ideológicas possíveis coexistentes na sociedade, ou seja, uma ou mais características atribuídas aos polos esquerda e direita podem estar presentes em diferentes manifestações ideológicas, seja em aspectos econômicos ou de costumes, tornando a tarefa de classificação bastante complexa.

A PANDEMIA DE COVID-19

A partir dos primeiros meses de 2020, a população mundial deparou-se com a eclosão da pandemia de um novo coronavírus. A rapidez com que o vírus foi disseminado ao redor do mundo e a incapacidade das sociedades de responder eficientemente aos seus efeitos modificou radicalmente a vida humana, com impactos que deverão ser sentidos por muitos anos.

A Covid-19, nome atribuído à doença decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, foi declarada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 11 de março de 2020. O alerta inicial veio da China no dia 31 de dezembro de 2019, com o aumento no número de casos de pneumonia, e o registro desse coronavírus foi confirmado pelas autoridades do país no dia 07 de janeiro de 2020. Tratava-se do sétimo coronavírus com impacto na saúde humana identificado (Ministério da Saúde, 2020a; Organização Pan-Americana de Saúde [OPAS], 2020).

O primeiro caso do coronavírus no Brasil foi informado pelo Ministério da Saúde brasileiro no dia 26 de fevereiro de 2020. O número de casos cresceu, incluindo o número de contaminados, recuperados e o número de mortes (Ministério da Saúde, 2020b).

Esse cenário teve impacto significativo no sistema de saúde, assim como na economia, no sistema de ensino e pesquisa, tanto no âmbito nacional quanto internacional, testando o repertório das lideranças nas mais diversas áreas para lidar com um contexto de crise e desenvolver estratégias de enfrentamento, dirimindo danos causados pela pandemia.

Nos complexos esforços das sociedades humanas no enfrentamento às crises instaladas pela pandemia de Covid-19 nota-se a influência da confiança das populações nas instituições. O comportamento da população, que pode agravar ou minorar os prejuízos provocados pela pandemia, está ligado ao nível de confiança nas instituições e autoridades públicas e probabilidade de obediência ou desobediência em relação às orientações.

Há alguns anos pesquisadores das ciências políticas têm buscado compreender as relações de confiança da população nas instituições, inclusive no Brasil. Em momentos críticos o desempenho das instituições na vida cotidiana dos brasileiros e os níveis de confiança apresentam significativo impacto. Isso pode resultar em intensidades diferentes de apoio a essas instituições e as ações propostas por elas, implicando na qualidade da democracia no país. Por isso, considera-se que investigar a confiança nas instituições é relevante para o contexto da Psicologia Política.

METODOLOGIA

Para a realização desta pesquisa foi utilizado o método survey. Trata-se de um método de pesquisa quantitativa de larga escala para obtenção de determinadas opiniões dos participantes acerca do objeto de estudo pesquisado (Babbie, 2005; Freitas et. al., 2000).

O instrumento utilizado foi um questionário autoaplicável disponibilizado para preenchimento online, acessível por link divulgado pelos pesquisadores. O questionário continha perguntas que solicitavam inserção de informações, perguntas de múltipla escolha concernentes a dados demográficos dos participantes, e perguntas requerendo posicionamento sobre o tema pesquisado.

Nas perguntas que requereram o posicionamento dos participantes foi utilizada a Escala Likert, que consiste em apresentar alternativas de respostas em gradação linear com 5 pontos em bidirecionalidade (Vieira & Dalmoro, 2013). No caso da presente pesquisa esses pontos variaram entre discordância/ concordância e desconfiança/confiança, em uma escala entre 1 (discordância/desconfiança) e 5 (concordância/confiança).

A Escala de Likert é uma técnica que permite oferecer tratamento quantitativo a dados qualitativos. Neste caso, é possível aplicar médias e buscar testar diferenças entre médias de confiança entre grupos de respondentes. Para tanto, foram utilizadas as comparações múltiplas de Tukey, que oferecem a possibilidade de testar se há diferenças significativas entre os níveis de confiança entre grupos nas diferentes instituições pesquisadas. Inicialmente, foi aplicado o teste F da Anova para verificar se a variável de posicionamento político é relevante para explicar o nível de confiança nas instituições. Foram utilizados os softwares R versão 4.3.0 e RStudio versão “Mountain Hydrangea”.

Os participantes da pesquisa são aqueles que acessaram o questionário disponibilizado na internet e voluntariamente o preencheram, após ciência dos termos da pesquisa e registro de consentimento.

A pesquisa foi aprovada quanto aos aspectos éticos pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob número CAAE: 37145720.2.0000.5482.

ANÁLISE E DISCUSSÃO

PERFIL DOS PARTICIPANTES

Participaram da pesquisa 380 pessoas (n = 380), que responderam ao questionário entre julho e novembro de 2020 e viabilizaram as análises aqui apresentadas. Referente ao perfil dessas pessoas foi possível notar uma frequência maior de respondentes na faixa etária entre 35 a 44 anos e de pessoas na faixa etária entre 25 a 34 anos (16 a 24 anos, 7%; 25 a 34 anos, 24%; 35 a 44 anos, 30%; 45 a 54 anos, 22%; 55 a 64 anos, 15%; Mais de 65 anos, 3%).

Em relação ao gênero 63,2% dos respondentes declararam ser do gênero feminino e 36,6% declararam ser do gênero masculino. Informam como gênero “outro” 0,3% dos respondentes.

No que diz respeito à orientação sexual 86% declararam ser heterossexuais, 5% homossexuais, 5% bissexuais, 3% preferem não informar e 1% declarou ser assexual. A maior parte dos respondentes é casada ou vive em união estável (51%), na outra metade dos respondentes 35% declararam ser solteiros(as), 12% separados(as) ou divorciados(as) e 2% viúvos(as).

Sobre a cor de pele, a maior parte dos participantes se declarou branca (70%). Os respondentes que declararam a cor de pele parda representam 16% do grupo, os que declararam a cor de pele como preta 9%, amarela 4% e os que informaram não saber identificar somam 2%.

No que diz respeito à religião declarada em questionário, 28% declararam não ter religião. Entre os que declararam ter religião, 35% dos participantes são católicos, 11% declararam ser espíritas, 9% declararam a religião evangélica, 7% informaram ter outra religião diferente das citadas em questionário, 6% declararam ser de religião afro-brasileira, 3% informaram ser protestante e 1% declarou ser de religião oriental.

Referente ao nível de escolaridade, 8% dos participantes têm Doutorado, 12% Mestrado, 31% Especialização, 39% têm Nível Superior, 8% Ensino Médio, 2% Ensino Fundamental Completo e 1% Ensino Fundamental Incompleto.

A maior parte dos respondentes da pesquisa informou estar trabalhando (79%). Do grupo total de participantes da pesquisa 82% das pessoas informaram que não se enquadram no perfil ou não realizaram a solicitação de Auxílio Emergencial disponibilizado pelo Governo Federal durante a pandemia. Uma parcela de 5% dos respondentes fez o cadastro, porém o auxílio emergencial foi negado, 1% fez o cadastro e aguardava análise e 13% recebia auxílio emergencial no período em que a coleta de dados foi realizada.

Em relação à percepção dos respondentes sobre a pandemia, é possível afirmar que quase a totalidade (94%) dos participantes da pesquisa consideraram o Coronavírus altamente transmissível e com potencial de trazer graves consequências para a saúde das pessoas. Também houve a expressão do medo de contaminação pelo Coronavírus pela maioria dos participantes (79%).

No período da coleta dos dados, antes da comprovação da eficácia das vacinas, os participantes (81%) consideravam não existir medicamento eficaz para prevenir ou tratar a Covid-19. O isolamento social foi apoiado pela maioria (82%) como medida mais importante para combater a pandemia do Coronavírus naquele momento, e confirmaram que deveria ser praticado pelo máximo de pessoas possível. Nesse cenário, 80% consideravam que os governos deveriam ter a autonomia para proibir ou restringir o funcionamento de estabelecimentos públicos ou privados para prevenir a disseminação do novo Coronavírus.

Referente ao posicionamento político foi apresentado um conjunto de 4 questões Likert e foi solicitado ao respondente que se posicionasse frente às situações descritas. Diante da frase “O Estado deve intervir o menos possível na economia, exceto em situações de calamidade pública”, discordar fortemente aproximava o respondente do posicionamento político do espectro da esquerda e concordar fortemente aproximava o respondente do espectro da direita. Em relação à afirmação “É responsabilidade do Estado oferecer programas sociais para reduzir a pobreza”, concordar fortemente aproximava o participante da pesquisa do espectro da esquerda e discordar fortemente do espectro da direita. Na sequência foi solicitado ao participante que se posicionasse em relação à afirmação “As empresas estatais funcionariam melhor se fossem privadas” e “O fim da contribuição sindical obrigatória foi um retrocesso para os trabalhadores”, seguindo a mesma lógica, concordar fortemente com a primeira e discordar fortemente da segunda aproximava o participante do espectro da direita e no posicionamento contrário aproximava o participante do campo ideológico da esquerda. A análise foi realizada considerando o conjunto dessas quatro questões, indicando que 69% (n=262) dos respondentes se identificavam com questões relacionadas ao espectro ideológico da esquerda, 22% (n=84) com questões relacionadas ao espectro ideológico da direita e 9% (n=34) do centro.

A Figura 1 apresenta os níveis de confiança informados pelos participantes desta pesquisa:

Figura 1 Confiança nas instituições brasileiras - Geral 

Os dados apresentados podem ser analisados a partir do recorte sobre o espectro político ideológico, conforme detalhado neste artigo.

NÍVEIS DE CONFIANÇA E POSICIONAMENTO POLÍTICO-IDEOLÓGICO

Em termos gerais, a Presidência da República tem índices baixos de confiança (79%) pelas pessoas que responderam ao formulário de pesquisa. Essa baixa confiança é acentuada pelas pessoas identificadas com a esquerda (92%). As pessoas de centro apresentam índices próximos ao índice da amostra geral (77%). No entanto, as pessoas de direita expressaram um patamar mediano de confiança na Presidência, pois entre elas 46% afirmaram confiar parcial ou totalmente nesta instituição (ver Tabela 1).

Tabela 1 Níveis de confiança na Presidência da República por recorte político-ideológico 

Presidência da República
esquerda desconfia (1 e 2) 92%
neutro (3) 4%
confia (4 e 5) 4%
centro desconfia (1 e 2) 77%
neutro (3) 6%
confia (4 e 5) 17%
direita desconfia (1 e 2) 40%
neutro (3) 13%
confia (4 e 5) 46%

Às instituições que constituem o Poder Executivo nas outras esferas governamentais (Governo do Estado (71%) e Prefeitura Municipal (61%)) também são atribuídos baixos níveis de confiança para os participantes, embora em níveis de desconfiança menores se comparados à Presidência da República. As pessoas de esquerda também apresentaram os menores índices de confiança, seguidos pelos participantes de centro e de direita. A maior divergência está na confiança em relação à Prefeitura Municipal, em que pessoas de direita apresentaram 38% de desconfiança e 27% de confiança, havendo um alto percentual de neutralidade (35%).

Tabela 2 Níveis de confiança no Governo do Estado e Prefeitura Municipal por recorte político-ideológico 

Governo do Estado Prefeitura Municipal
Esquerda desconfia (1 e 2) 77% 68%
neutro (3) 14% 21%
confia (4 e 5) 10% 11%
centro desconfia (1 e 2) 68% 69%
neutro (3) 18% 17%
confia (4 e 5) 14% 15%
Direita desconfia (1 e 2) 61% 38%
neutro (3) 14% 35%
confia (4 e 5) 25% 27%

O Poder Legislativo, nas instituições das três esferas governamentais, apresentou baixa porcentagem de confiança para os participantes da pesquisa. O Congresso Nacional, por exemplo, teve maior índice de desconfiança para as pessoas de direita (88%), seguidas de centro (88%) e depois de esquerda (70%).

Tabela 3 Níveis de confiança no Poder Legislativo Municipal, Estadual e Federal por recorte político-ideológico 

Congresso Nacional Assembleia Legislativa Câmara dos Vereadores
esquerda desconfia (1 e 2) 70% 72% 73%
neutro (3) 25% 24% 21%
confia (4 e 5) 5% 4% 6%
Centro desconfia (1 e 2) 88% 82% 78%
neutro (3) 10% 16% 10%
confia (4 e 5) 2% 2% 13%
Direita desconfia (1 e 2) 88% 83% 65%
neutro (3) 8% 14% 29%
confia (4 e 5) 4% 2% 6%

Dentre os três poderes da República, o Judiciário foi o mais bem avaliado em termos de confiança nesta pesquisa. Porém, o percentual de desconfiança também foi maior que o de confiança. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, as pessoas de esquerda (23%) e centro (19%) confiam mais que as pessoas de direita (13%), dentre as quais o percentual de desconfiança atingiu 71% (ver Tabela 4). Em termos gerais, o STF apresentou percentual total de 22% de confiança entre os participantes da pesquisa.

Tabela 4 Níveis de confiança no Poder Judiciário Estadual e Supremo Tribunal Federal por recorte político-ideológico 

Supremo Tribunal Federal
esquerda desconfia (1 e 2) 47%
neutro (3) 30%
confia (4 e 5) 23%
centro desconfia (1 e 2) 62%
neutro (3) 19%
confia (4 e 5) 19%
direita desconfia (1 e 2) 71%
neutro (3) 15%
confia (4 e 5) 13%

Em contraposição às instituições que se constituem nas autoridades políticas do país, marcadas pela baixa confiança das pessoas, as instituições que especificamente trabalham em uma pandemia diretamente com pesquisas científicas (cientistas (91%) e universidades brasileiras (82%)) e atendimento das pessoas doentes (saúde pública – SUS (63%) e profissionais de saúde (82%)) na totalidade apresentaram altos índices de confiança entre os participantes desta pesquisa. Em termos ideológicos, as pessoas de esquerda confiam mais nessas instituições, seguidas pelas pessoas de direita. As pessoas do centro apresentaram índices medianos de confiança.

As maiores divergências nessas instituições foram encontradas:

1. Em relação à saúde pública – SUS que contou com a confiança de 54% das pessoas de esquerda; com 36% das pessoas de direita (que também apresentaram 39% de neutralidade); as pessoas de centro confiam 34% no SUS; e 2. em relação às universidades brasileiras cuja confiança das pessoas de esquerda atingiu 77% e entre as pessoas de direita não passou de 48%, mesmo índice das pessoas de centro, que ainda apresentaram um percentual de 44% de desconfiança (ver Tabela 5)

Tabela 5 Níveis de confiança em instituições vinculadas ao Sistema de Saúde por recorte político-ideológico 

Saúde pública (SUS) Profissionais de Saúde Cientistas brasileiros Universidades brasileiras
esquerda desconfia (1 e 2) 11% 5% 0% 1%
neutro (3) 35% 24% 11% 22%
confia (4 e 5) 54% 71% 89% 77%
Centro desconfia (1 e 2) 52% 45% 46% 44%
neutro (3) 14% 8% 7% 8%
confia (4 e 5) 34% 47% 48% 48%
Direita desconfia (1 e 2) 25% 5% 7% 26%
neutro (3) 39% 25% 17% 26%
confia (4 e 5) 36% 70% 76% 48%

Embora haja divergências quanto ao SUS e às universidades brasileiras na avaliação de participantes de diferentes ideologias, foram atribuídos às pessoas que trabalham nessas instituições (profissionais de saúde e cientistas, respectivamente) índices semelhantes de confiança. Pessoas de esquerda confiam 71% nos profissionais de saúde enquanto pessoas de direita confiam 70%; cientistas têm a confiança de 89% das pessoas de esquerda e 76% das pessoas de direita.

Em análise estatística para os testes F de Anovas aplicados para verificar se o posicionamento político explica os níveis de confiança nas instituições, temos evidência estatística de que a variável posicionamento político é relevante para explicar o nível de confiança, com um Valor-P menor que 0,05.

Como é possível observar na Tabela 6, o posicionamento político-ideológico não foi relevante para explicar o grau de confiança apenas das instituições Assembleia Legislativa do meu Estado, Câmara de Vereadores do meu município e Poder Judiciário do meu Estado.

Tabela 6 Instituições políticas e Valor-P para o teste F da Anova que indica se a variável posicionamento político é estatisticamente significativa para explicar o nível de confiança 

Instituição Valor-P
Presidência da República < 0,0001
Governo do meu Estado 0,0012
Prefeitura do meu município < 0,0001
Congresso Nacional (Câmara de Deputados e Senado Federal 0,0027
Assembleia Legislativa do meu Estado 0,1780
Câmara de Vereadores do meu município 0,1920
Poder Judiciário do meu Estado 0,2354
Supremo Tribunal Federal < 0,0001
Saúde pública (Sistema Único de Saúde - SUS) < 0,0001
Profissionais de saúde 0,0003
Cientistas brasileiros < 0,0001
Universidades brasileiras < 0,0001

A Tabela 7, a seguir apresenta as instituições em análise, os grupos sob comparação, a diferença entre os grupos, os limites inferior e superior para a diferença no intervalo de confiança de 95% e Valor-P das comparações múltiplas de Tukey para diferenças significativas. Estão destacadas as diferenças significativas na coluna do Valor-P.

Tabela 7 Instituição, grupo em comparação, diferença entre os grupos, limites inferior e superior para a diferença no intervalo de confiança de 95% e Valor-P das comparações múltiplas de Tukey para diferenças significativas 

Instituição Comparação Diferença Limite Inferior do Intervalo de Confiança (95%) para a Diferença Limite Superior do Intervalo de Confiança (95%) para a Diferença Valor-P
Presidência da República Direita-Centro 1,4000 0,8925 1,9075 < 0,0001
Esquerda-Centro -0,4823 -0,9364 -0,0283 0,0343
Esquerda-Direita -1,8823 -2,1987 -1,5659 < 0,0001
Governo do meu Estado Direita-Centro -0,1143 -0,6584 0,4298 0,8741
Esquerda-Centro -0,5456 -1,0324 -0,0588 0,0236
Esquerda-Direita -0,4313 -0,7706 -0,0921 0,0083
Prefeitura do meu município Direita-Centro 0,2310 -0,2897 0,7516 0,5498
Esquerda-Centro -0,5773 -1,0432 -0,1115 0,0105
Esquerda-Direita -0,8083 -1,1329 -0,4836 < 0,0001
Congresso Nacional (Câmara de Deputados e Senado Federal Direita-Centro -0,0929 -0,5141 0,3284 0,8623
Esquerda-Centro 0,2718 -0,1051 0,6487 0,2076
Esquerda-Direita 0,3647 0,1020 0,6273 0,0034
Assembleia Legislativa do meu Estado Direita-Centro -0,1214 -0,5346 0,2918 0,7686
Esquerda-Centro 0,0812 -0,2885 0,4509 0,8631
Esquerda-Direita 0,2027 -0,0550 0,4603 0,1547
Câmara de Vereadores do meu município Direita-Centro 0,2476 -0,2107 0,7059 0,4123
Esquerda-Centro 0,0352 -0,3748 0,4453 0,9777
Esquerda-Direita -0,2124 -0,4981 0,0734 0,1886
Poder Judiciário do meu Estado Direita-Centro 0,3048 -0,2080 0,8176 0,3427
Esquerda-Centro 0,0984 -0,3604 0,5572 0,8691
Esquerda-Direita -0,2063 -0,5261 0,1134 0,2833
Supremo Tribunal Federal Direita-Centro -0,5881 -1,1478 -0,0284 0,0368
Esquerda-Centro 0,1750 -0,3257 0,6758 0,6893
Esquerda-Direita 0,7631 0,4142 1,1121 < 0,0001
Saúde pública (Sistema Único de Saúde - SUS) Direita-Centro -0,4429 -0,9506 0,0648 0,1014
Esquerda-Centro 0,5662 0,1119 1,0204 0,0100
Esquerda-Direita 1,0090 0,6925 1,3256 < 0,0001
Profissionais de saúde Direita-Centro -0,2429 -0,6421 0,1564 0,3258
Esquerda-Centro 0,1811 -0,1761 0,5383 0,4582
Esquerda-Direita 0,4239 0,1750 0,6728 0,0002
Cientistas brasileiros Direita-Centro -0,3476 -0,6692 -0,0261 0,0305
Esquerda-Centro 0,3872 0,0995 0,6749 0,0047
Esquerda-Direita 0,7348 0,5343 0,9353 < 0,0001
Universidades brasileiras Direita-Centro -1,0452 -1,4378 -0,6526 < 0,0001
Esquerda-Centro 0,3008 -0,0505 0,6521 0,1100
Esquerda-Direita 1,3461 1,1013 1,5909 < 0,0001

Isso significa, por exemplo, que para a confiança na instituição Presidência da República, há diferenças significativas entre direita, centro e esquerda. A direita confia, em média, 1,4 ponto mais que o grupo de centro; a esquerda confia -0,4823 que o grupo de centro; e a esquerda confia -1,8823 ponto menos que a direita. As diferenças são simétricas e, portanto, a direita, no momento da pesquisa, confiava 1,8823 ponto a mais que a esquerda na Presidência da República.

Novamente, verifica-se que não houve diferença significativa entre os grupos quanto à confiança das instituições Assembleia Legislativa do meu Estado, Câmara de Vereadores do meu município e Poder Judiciário do meu Estado.

Para algumas instituições, há diferença significativa entre um grupo e outro, mas não entre os três. É o caso, por exemplo, do Governo do meu Estado, em que há diferença significativa entre esquerda e direita e esquerda e centro; porém, não há diferença significativa entre direita e centro.

A apresentação desses dados indica que os respondentes desta pesquisa manifestam índices mais baixos de confiança em instituições vinculadas aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (Presidência da República, Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Supremo Tribunal Federal, por exemplo). É possível observar índices maiores de confiança nos Cientistas Brasileiros, bem como nas Universidades, Profissionais da Saúde e no Sistema Único de Saúde. Foram registradas diferenças nos níveis de confiança correlacionados ao posicionamento político-ideológico dos respondentes.

Essas diferenças nos níveis de confiança nas instituições em razão das identificações com ideologias políticas estão relacionadas com a conjuntura política do país na época da realização da pesquisa. Em 2003 um partido de esquerda, o Partido dos Trabalhadores (PT), venceu as eleições e assumiu a Presidência da República com Luís Inácio Lula da Silva. Esse presidente foi reeleito e em seguida o partido conseguiu eleger uma sucessora, Dilma Rousseff. Seu governo iniciou em 2011, a presidente foi reeleita, mas teve seu mandato interrompido em 2016 com o impeachment. Após treze anos de governo de esquerda, Michel Temer, antes vice-presidente, assumiu a Presidência da República com uma agenda bastante identificada com ideologias de direita, com ênfase nas políticas de austeridade, acompanhando diversos outros países no mundo, inclusive latino-americanos.

O contexto político brasileiro, desde há alguns anos, vem sendo marcado pelo fortalecimento de movimentos sociais e partidos políticos de ideologias de direita, com uma agenda conservadora nos costumes e neoliberal na economia. Por essa agenda, e com um discurso anticorrupção, Jair Bolsonaro venceu as eleições para Presidente da República em 2018. Embora haja divergências entre os partidos políticos e as pessoas identificadas com a direita, Jair Bolsonaro vem sendo reconhecido como uma liderança deste polo do espectro ideológico no contexto político do país.

A agenda política de Jair Bolsonaro, então Presidente da República, com apoio de parte das pessoas identificadas com as ideologias de direita, expressa ataques ao Poder Legislativo, considerado corrupto, e ao Supremo Tribunal Federal, considerado identificado com as pautas da esquerda. Alguns apoiadores dessa agenda, em movimentos mais extremos, conclamam o fechamento dessas instituições, apontando para comportamentos antidemocráticos (Boito, 2020).

Nesta pesquisa identificamos uma maior confiança na Presidência da República e menor confiança no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal pelas pessoas identificadas com ideologias de direita em comparação com as pessoas de esquerda. A identificação ideológica no contexto político brasileiro à época da pesquisa contribuiu para explicar essas diferenças em razão da agenda política representada pelo então presidente. Essa configuração produziu maior possibilidade das pessoas identificadas com a direita de confiar na instituição da Presidência da República por apoiar seu ocupante.

As diferenças nos índices de confiança nas universidades brasileiras e no SUS em razão das identificações ideológicas também estão relacionadas à agenda da configuração da direita no país. Apesar de essas instituições serem mais bem avaliadas do que as autoridades políticas em nossa pesquisa, nota-se que as pessoas identificadas com a direita confiam menos nas universidades e no SUS do que as pessoas de esquerda. Isso pode estar relacionado à recente e ampla produção de um discurso na direita que concebe as universidades brasileiras como muito identificadas com as ideologias de esquerda. O trabalho das universidades, nesta concepção, deveria ser questionado e, portanto, não mereceria muita confiança (Pinto, 2019).

Por sua vez, o Sistema Único de Saúde (SUS) é um projeto de sistema de saúde público e universal que remonta ao período de redemocratização do país nos anos 1980. Consubstanciado no modelo do Estado do Bem-estar Social europeu, o SUS é definido como responsabilidade do poder público que deve garantir direito à saúde a todas as pessoas, independente de contribuição. Essa forma de conceber a política pública de saúde é mais associada com ideologias de esquerda, contribuindo para explicar que as pessoas identificadas com esse polo do espectro político tendem a confiar mais no SUS. Em uma perspectiva neoliberal, mais relacionada às ideologias de direita, o sistema público pode ser considerado custoso e ineficiente, e o modelo privado de assistência à saúde seria concebido como mais adequado, apresentando menores índices de confiança do SUS para pessoas identificadas com a direita.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o contexto da pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19), essa pesquisa teve como objetivo analisar o sentimento de confiança nas instituições democráticas brasileiras, e agentes relacionados a elas.

O que os cidadãos pensam e sentem sobre as instituições democráticas, assim como suas atitudes a respeito delas, são componentes importantes para que o regime democrático funcione a contento. Nesse sentido, o sistema político e suas instituições fundamentais afetam o comportamento dos cidadãos, como parte integrante do seu pertencimento à comunidade. A principal diferença entre o caráter de obrigação e apoio está na motivação dos cidadãos em obedecer às regras. Sob esse ponto de vista, a confiança é também um tipo de comportamento político e está condicionada ao julgamento dos cidadãos sobre o funcionamento das instituições democráticas e dos agentes políticos, afetando a aderência da população às orientações expressas por essas instituições e agentes.

A ineficácia do Estado em impor regras claras, a falta de legitimidade dos agentes políticos, a polarização política, o excesso de notícias falsas (fake news), provocam uma fragilidade da confiança dos cidadãos em seus dirigentes e nas instituições políticas. A ausência de canais para apuração da credibilidade das informações e referenciais considerados adequados para essa avaliação deixa uma lacuna social para a seguinte pergunta: em quais autoridades pode-se confiar considerando o contexto de calamidade pública vinculado a uma situação de crise no âmbito da saúde? Quando a sociedade avalia que as autoridades políticas desempenham mal suas funções e não se comportam apropriadamente, os cidadãos, frequentemente, não obedecem às orientações expressas por essas autoridades. Em sociedades onde os representantes da lei, ou aqueles que promulgam as leis (legislativo), não cumprem as normas, os cidadãos também não encontram razões para obedecê-las. Nas palavras de Tom Tyler (2006, p. 382): “existem evidências de que a incompetência administrativa e o mau desempenho do governo estão relacionados à percepção de que estas autoridades não têm legitimidade e não devem ser obedecidas”.

O fenômeno da desobediência às leis requer uma análise do sistema normativo como um organismo complexo que compreenda as leis, as instituições e os agentes (autoridades políticas) que o promovem. O descumprimento às ordens, principalmente pelas autoridades políticas, afeta o desenvolvimento político, econômico e social do país e favorece a desconfiança da sociedade em relação a sua capacidade de enfrentamento em uma situação de crise.

Embora a democracia mantenha o estatuto de melhor forma de regime existente para a organização e o funcionamento da vida política de vários países, a perda de credibilidade no parlamento, nos partidos e nos políticos em geral afeta a confiança da população e a capacidade do sistema em responder às demandas e necessidades da sociedade.

A pesquisa mostra que, apesar do baixo índice de confiança nas autoridades políticas, as pessoas mantêm altos índices de confiança nos cientistas e profissionais de saúde. A amostra da pesquisa não é, entretanto, representativa da população brasileira, uma vez que concentrou pessoas com alto nível de escolaridade e renda. Essas pessoas têm condições objetivas mais favoráveis a manter medidas de prevenção como isolamento social. A tendência encontrada é que elas assumam um comportamento de respeito voluntário às orientações sanitárias independentemente do desempenho das autoridades políticas.

Por outro lado, acredita-se que semelhante sentimento de confiança possa ser encontrado nas diversas classes sociais no Brasil, isto é, pessoas que querem manter as medidas de prevenção sugeridas pelos profissionais de saúde e cientistas, mas nem sempre apresentam condições objetivas para fazê-lo. O Brasil é um país extremamente desigual, e as pessoas mais pobres têm condições menos favoráveis às medidas de isolamento e distanciamento social em decorrência da atividade que executam ou das condições de moradia e infraestrutura para, por exemplo, desempenho de trabalho remoto (que depende da existência de quartos, acesso à internet, computador, telefone, ou seja, implica em uma estrutura e custo para a sua manutenção). O auxílio emergencial, apesar do suporte que oferecia, era insuficiente para a manutenção do sustento de uma família.

Cientistas e profissionais de saúde não têm legitimidade legal para impor restrições como diminuir a circulação e concentração de pessoas, nem são responsáveis por oferecer à população um sistema de assistência em saúde e vacinação. Trata-se de atores sociais que participam do desenvolvimento da ciência, e a partir dos dados e informações do seu campo de atuação têm condições de compartilhar conteúdos e orientações relacionadas à saúde. Por outro lado, cabe às autoridades políticas, que apresentam baixa confiança da população, utilizar as informações geradas pelo campo científico e da saúde para discussão e articulação das políticas públicas relacionadas.

Neste sentido, esta pesquisa evidencia que os respondentes confiam nos Cientistas, Universidades, SUS e Profissionais da Saúde, indicando probabilidade de obediência às suas orientações. Entretanto, cabe às autoridades políticas a articulação, o desenvolvimento e manutenção do sistema de políticas públicas de enfrentamento à crise. Porém, os dados indicam que os respondentes confiam menos nas instituições democráticas relacionadas a essas autoridades, constatando-se assim a existência de um cenário complexo de gestão e enfrentamento eficiente e eficaz à pandemia.

Financiamento

Não houve financiamento

Consentimento de uso de imagem

Não se aplica

Aprovação, ética e consentimento

O estudo foi aprovado quanto aos aspectos éticos pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 31 de Julho de 2021; Revisado: 06 de Junho de 2023; Aceito: 25 de Agosto de 2023

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