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Cógito
versão impressa ISSN 1519-9479
Cogito vol.2 Salvador 2000
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A criação e o processo de escolha na demanda vocacional
Maria Mônica Ouro Reis Véras*
Lendo a Folha de São Paulo do dia 05/10/98, encontro o artigo da jornalista Silvia Ruiz: “Como se preparar para o que der e vier” e me permito transcrever alguns trechos para depois desenvolver o tema de minha exposição:
“Ranking das profissões em alta e em baixa, guias de emprego, reportagens que prometem o mapa da mina para o sucesso na profissão. Esqueça tudo isso. Segundo vários especialistas, o que importa hoje é ser um profissional capaz de ocupar diferentes cargos e funções durante a carreira, independentemente do curso escolhido na universidade.
O que é preciso para chegar lá? Ter jogo de cintura para se adequar às novidades do mercado e capacidade para estar, ao longo da carreira, sempre aprendendo...”
Em seguida, encontro uma lista de pré-requisitos para enfrentar o mercado de trabalho como: flexibilidade para mudar de função e de cargo, capacidade de exercer múltiplos papéis, habilidade para trabalhar em equipe , domínio de outros idiomas, disponibilidade para viajar ou morar em outra cidade ou país, habilidade para fazer pesquisas e encontrar soluções para problemas, capacidade de executar várias tarefas ao mesmo tempo, etc.”
Começo então a me questionar sobre do que se trata a chamada Escolha Vocacional e retomo a palavra Vocação na sua etimologia latina: apelo, chamamento... As exigências do mercado são da ordem da flexibilidade, polivalência.
Quanto mais o profissional possa se adequar às exigências do mercado, mais ele terá chances em relação ao sucesso, à realização pessoal, aos ganhos materiais. São poucos então os privilegiados por essas benesses psico-emocionais?
São aqueles que lidam com a falta de forma mais econômica, desperdiçando menos à toa seu investimento libidinal ? Por que será que estes sujeitos respondem mais facilmente aos apelos do Outro, ao questionamento “O que é que eu quero SER na vida?
E esta Demanda cada vez maior com que nos defrontamos na Clínica “Quero fazer uma Orientação Vocacional”? De que forma o psicanalista deverá entrar em cena, na utilização de conceitos psicanalíticos para dar conta deste SINTOMA que podemos chamar de sintoma social?
Ao longo dos últimos anos quando tenho refletido sobre o estudo deste pedido que nos chega à clínica por parte de adolescentes, principalmente, “o que é que eu quero ser na vida ? “Percebo que existe outra frase nas entrelinhas do seu discurso “O que é que o Outro quer que eu seja na vida?” Isso remete, invariavelmente à problemática do Desejo, central no sujeito e que empurra esse mesmo Sujeito para o seu caminhar.
O adolescente encontra-se imerso num universo de perdas que o atordoa. São as perdas do corpo infantil, do estatuto da infância, que lhe conferia um certo conforto. É a perda da turma do colégio, muitas vezes a mesma desde a alfabetização. E é durante o final do segundo grau que ele tem que escolher uma profissão e tudo o que se descortina para ele, em relação ao seu futuro é da ordem do desconhecido. A palavra vestibular encarna muitas vezes o vestíbulo do não saber, do desconhecido e do medo.
É sabido também que a escolha encerra em si a dialética da perda. Escolher é perder o objeto que não foi escolhido. Porém isso remete ao ganho do objeto escolhido. O adolescente deverá se defrontar com a castração, com os limites que a vida impõe ao Sujeito.
Aprofundamos, atualmente, o conceito de Validação da Função Paterna no processo de subjetivação adolescencial, que Jean-Jacques Rassial do grupo belga da Association Freudienne Internationale, nos presenteia, o que nos faz refletir também sobre esta grande dificuldade de escolher, tributária de saber lidar com a castração, durante o processo de escolha.
A nossa hipótese teórica vai na mesma direção desta submissão ao Simbólico exigida neste processo de escolha vocacional e a nossa questão interroga futuras pesquisas: Não seria a criação, uma grande via para o manejo da castração e conseqüente aceitação das perdas, o que diferenciaria também a inserção profissional daquele sujeito, aquele que teria jogo de cintura e poderia ser bem sucedido? Não seria a criação a possibilidade de imprimir uma marca pessoal numa carreira? Os que são realizados com aquilo que fazem não são os que conseguem colocar algo da ordem de um estilo próprio que nada mais é do que estar alinhado com o seu desejo?
Deixo que estes significantes provoquem em cada um de nós novas cadeias e que os nossos estudos continuem no perquirir desta demanda que necessita da psicanálise uma escuta especial, já que sabemos que não há técnicas que possam dar conta completamente das respostas buscadas pelo sujeito no seu processo de escolha.
Nota
* Psicóloga, Psicanalista e membro da Associação Freudiana da Bahia