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Cógito
versão impressa ISSN 1519-9479
Cogito v.5 Salvador 2003
PERVERSÃO
Perversão e psicanálise na atualidade *
Dalva de Andrade Monteiro**
Círculo Psicanalítico da Bahia
RESUMO
A pós-modernidade desafia a Psicanálise a deslindar seu objeto de estudo para além da triangulação familiar e da atuação clínica. Colocar-se omissa diante do malestar destes tempos é um desmentido da “lei freudiana”, logo, é uma perversão.
Palavras-chave: Psicanálise, Perversão, Pós-modernidade.
INTRODUÇÃO
Quando apresentei o texto original deste escrito, na última jornada, ouvi e pude notar um certo desconforto por minha colocação de que a Psicanálise, enquanto saber atuante nos dias de hoje, era passível de ser classificada como perversa. Aquele desconforto, que entendi como possivelmente geral, contaminou-me. Refleti sobre a minha idéia, a sua pertinência, a sua transcendência e sobre os meus objetivos (desejo consciente, porque o inconsciente, só Tupã o conhece). Seduzida pela contradição e ambivalência que dialeticamente têm a força da grana que ergue e destrói coisas belas1, resolvi, conservando a provocação inicial, tentar embasar melhor esta contribuição.
Na formação psicanalítica, aprendi que sempre é pertinente o auto descobrimento, a auto percepção, o auto conhecimento, o auto questionamento, o auto entendimento, a auto avaliação do percurso, e, se houver motivos, a mea culpa. A teoria da Psicanálise não reforça esta última, mas tem se aperfeiçoado para que o retorno a si mesmo e a auto implicação se concretizem no curso da vida de cada analisando, de modo que ele possa estar menos alienado de seu próprio desejo.
Seguindo o mesmo raciocínio, é transcendente que a Psicanálise, enquanto um saber teórico-prático e uma instituição que se reproduz historicamente, utilize seu próprio instrumental, para se auto: descobrir, perceber, conhecer, entender, avaliar seu percurso e inserção no mundo atual, e, se houver mea culpa, auto implicar-se e sair da posição de objeto, inocente útil e não perder o bonde da história.
Quanto ao objetivo, narcisicamente desejo que a marca deste saber seja maior e mais firme no campo das Ciências Humanas. Identifico-me com os psicanalistas que têm sido incomodados, questionados e como resposta, produzem textos e articulações engajadas e críticas, reeditando uma das vertentes da Psicanálise, também defendida por Freud e Lacan, que a colocaram no lugar privilegiado de um referencial que tem uma explicação coerente e contextualmente atualizada para a subjetividade, o existir e o eterno desamparo humanos, ainda que não seja uma panacéia para tais males.
Manifestando-se apenas como a reverberação de outras provocações mais consistentes e atuantes, esta minha inquietação nada tem de original. Entre muitos, mister se faz mencionar o engajamento do psicanalista Igor Caruso. “(...) Não era sua intenção ser um dissidente, mas buscava uma leitura interpretativa da obra de Freud, em que fosse privilegiada uma vertente filosófica e social. Sem ser existencialista, situava, entretanto, a questão da existência humana no centro de seu interesse, preocupando-se fundamentalmente com o que denominava de ‘empobrecimento psicológico do ser humano contemporâneo’. Influenciado por Jung e Teilhard de Chardin, e considerando que os psicanalistas não podiam ignorar a importância do pensamento marxista, achava que a psicanálise, quando devidamente desenvolvida nos conduziria para uma teoria psico-social.”
Bem mais próximo no tempo e no espaço, está o professor, ensaísta e psicanalista Jurandir Freire Costa, que sensível à necessidade de socialização da escuta da população de baixa ou renda alguma, trabalhou na pesquisa “Elaboração de Categorias para Construção de Projeto de Atenção Psicoterápica”, elaborando um texto no qual o autor, relendo a “Doença dos Nervos” (uma forma de adoecimento psíquico muito comum nos ambulatórios do SUS, que clinicamente se assemelha às poli-queixas dos histéricos e histéricas atendidos por Freud), magistralmente disseca “o tema da construção psíquica ou social das subjetividades individuais”.2Não há como ignorar a participação elucidativa e inquietante da psicanalista Maria Rita Kehl, relendo psicanaliticamente, e divulgando em periódicos conceituados, o mal estar de nossos dias.3 Sintonizada e antenada com seus pares, relevante é uma escrita mineira, fecundada em solo baiano, do psicanalista Carlos Pinto Corrêa, quando diz que há (...) um desequilíbrio significativo entre a evolução da Psicanálise na atividade clínica e sua contribuição efetiva nas Ciências Sociais. (...)4
Logo, o texto que se segue – apropriando-me de termos da Imunologia – não é uma reação auto-imune contra a Psicanálise - como pode ocorrer numa leitura mais apressada -, que gera desconforto e pode comprometer a harmonia do organismo. Entretanto, mesmo surgindo entre psicanalistas, o que torna esta provocação mais legítima e consistente, trata-se de uma reação imunológica em defesa do corpo, para combater o antígeno do anacronismo que limita o raio de atuação da Psicanálise, visando aumentar a competência e o poder de ação deste instrumento, que já foi intimado por Einstein5 , a explicar o por quê da guerra, e, que ultrapassando o mestre e a histérica, pode questionar e contribuir para uma modernidade menos desconcertante e agressora do psiquismo humano, deslindando os discursos do universitário, do capitalista e outros mais que surjam.
A PSICANÁLISE HEGEMÔNICA
Categorizo de hegemônica a tendência atual do discurso psicanalítico, a partir da década de oitenta, com ênfase mais na teoria que na clínica, traduzido numa repetição monótona e por vezes estéril, sem consistência material ou sem utilidade prática, pouco criativo, por vezes ininteligível, e reducionista do ser humano. Os temas dos eventos e os textos elaborados, raramente trazem algo de novo, transformando a Psicanálise num gueto cultural, com um dialeto auto suficiente, que empobrece seu potencial multifacetário e aborta os ricos diálogos transdisciplinares, como há muito já vem ocorrendo em outros campos da ciência, principalmente no campo do social, no qual a teoria freudiana poderia atuar competentemente. Segundo Vives, “(...) Es habitual que los analistas circunscribamos lo político social exclusivamente a los fenómenos de las massas artificiales, resultándonos la materia política absolutamente ajena a nuestra práctica.(...)”6 .
Felizmente que ser hegemônico não significa ser absoluto e já se percebe ilhas de resistências nos eventos locais7, nacionais e latinos, cujos temas e trabalhos fazem articulações riquíssimas sobre a modernidade pós-freudiana, sem perder de vista os pontos chaves da teoria psicanalítica. “(...) Lentamente comenzó la aparición, en los últimos años, de trabajos que versaban sobre las polémicamente llamadas nuevas patologías y las vinculaban con los grandes procesos sociales de radical transformación del mundo que se reconoción bajo la denominación de “globalización”, y cuyo correlato cultural era la “Posmodernidad (...)” 8
Joel Birman defende que a Psicanálise neuroticamente recalcou e se afastou da visão mais abrangente do homem, estagnou-se num “conformismo crítico” diante das novas condições de mal estar na modernidade e que a tradição psicanalítica pós-freudiana está deitada no berço esplêndido do triunfalismo e cientificismo, “incompatível com os argumentos radicais sobre o mal estar da modernidade”9 . Restrita a mera perspectiva terapêutica e “como discurso teórico, a Psicanálise perdeu suas dimensões ética e política. Incorporando no seu corpo teórico uma perspectiva normativa pela qual a medicalização do social pode se realizar sem resistências, na medida em que foi silenciado o potencial crítico de tese sobre o mal estar da modernidade”10.
No mesmo texto, Birman denuncia que a Psicanálise não fascina mais as pessoas como nos seus primórdios, que ela é uma estrangeira no mundo da atualidade, caminhando para ser estranha. Não é mais a fonte de irrupção social para onde convergiam os intelectuais, tendo perdido o destaque na cena social, deixando de fazer barulho e ser fonte de irrupção social: é estrangeira, é estranha no campo social da atualidade11 .
Continuando, diz que na prática constata-se a queda da demanda para o tratamento psicanalítico e os ex-pacientes em potencial estão fazendo uso de psicofármacos – que vêm sendo agressivamente despejados no mercado –, as terapias ecológicas, as terapias de casal e psicoterapias de curta duração. Concomitantemente, no registro teórico, os modelos do cognitivismo têm marcado presença nos campos de saberes do psíquico e das ciências humanas. O crescimento dos modelos das neurociências invade de modo forte os saberes do psíquico, emudecendo e marginalizando as teorias psicanalistas, que paralisadas contemplam a perda do seu poder simbólico, perdendo espaço para a psiquiatria biológica e a perda no campo do imaginário da modernidade12. A esse quadro, sugiro acrescentar o esoterismo e a astrologia, que alienando o indivíduo do seu contexto social, ejetam-no para o espaço sideral, explicando-o e articulando-o aos movimentos dos astros.
Por mais contraditório que possa parecer, a atualização da Psicanálise, passa obrigatoriamente por uma volta ao passado, ao percurso freudiano. Ele trabalhou o mal estar na modernidade, em seu tempo, em dois momentos: “A moral sexual civilizada” (1908)13 e “O mal estar na civilização” (1929)14 . Em ambos momentos, falou do conflito do sujeito que báscula entre os registro da pulsão e da civilização. No primeiro texto, o conflito seria curável com o conhecimento científico (logos) e com o tratamento psicanalítico; no segundo, menos otimista, ele concluiu que o indivíduo estaria numa posição vitalícia de desamparo, porque o conflito entre a pulsão e a civilização nunca será vencido. Nesse segundo discurso de Freud, Birman aponta uma perspectiva ética e política, com implicações sócio-econômica e cultural sobre o conflito15.
Ainda que não resolva sua condição subjetivamente irredutível de desamparo, isso não significa que o sujeito esteja fatalmente aprisionado no seu jeito, nas perturbações da neurose, psicose ou perversão. O desafio é levar esse sujeito a fazer um trabalho constante de questionamento do desamparo, a fim de lidar consciente e satisfatoriamente com o mesmo. Não seria mais a cura, todavia o domínio do desamparo, a saída para que se constituíssem os destinos tanto eróticos quanto sublimatórios da pulsão. O grande salto freudiano foi sair do sujeito das pulsões para o sujeito das relações sociais. Nessa segunda versão, a sublimação é um ato horizontalizador e não verticalizador (espiritualização) como na primeira versão. Horizontalizar é fazer ligação, é criar laços sociais e produção de obras no campo desses laços: a gestão do desamparo implica os registros éticos e político regidos por laços sociais16.
Segundo Birman17, a Psicanálise prometeu ao mundo a harmonia entre as demandas das pulsões e a efetividade de sua satisfação; depois a harmonia ideal e o equilíbrio possível para o afastar o desamparo produzido pelo conflito pulsões versus civilização. A promessa não se realizou esvaziando o poder de sedução e evaporando o charme da jovem senhora. Essa decepção gerou um vazio no que diz respeito à promessa ilusória de cura da demanda subjetiva para o desamparo, deixou um vácuo que está sendo ocupado pela farmacologia, as neurociências e o cognitivismo, que estão acenando com a ilusão da harmonia possível, como acreditava o Freud do primeiro discurso. Na comunidade psicanalítica, o engodo da promessa deixou um desamparo e um mal estar, mas alguns psicanalistas ainda se aferram a essa crença de cura do mal estar e desamparo, ignorando a existência do segundo discurso que continua esquecido e tentam articular e psicanálise com a neurociência e o cognitivismo, criando “um monstro epistemológico”: todos buscam realizar a ilusão das individualidades no afã de amortizar o desamparo e o domínio do mal estar social18.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se a Psicanálise possui uma riqueza de conhecimento que a capacita a discernir e a teorizar sobre as leis que estruturam o sujeito individual e coletivamente19, e , se na leitura de Lacan, a estrutura é desconfortavelmente inexorável, como enquadrar a atuação do saber freudiano nos dias atuais? À luz das contribuições citadas, deve-se falar do engessamento na estrutura perversa da tradição psicanalítica? Se essa atitude for resultante do recalque, do não querer saber, então, o que se apresenta como la belle indiference é uma neurose. Mas ainda assim, dado o seu impacto desconfortante, seria neurose com uma impostura perversa. Outra questão também se impõe: esse percurso hegemônico que tem trilhado a tradição psicanalítica, isso que parece um desvio, é normal (o seu percurso natural) ou patológico ( um percurso comprometedor )?
Antes de mais nada, não se deve perder de vista, que a noção de normal ou patológica sempre esteve ligada ao que é da ordem do qualitativo e normativo. De forma não muito declarada, a Psicanálise tem lidado, principalmente na clínica, com essas categorias. Não há conhecimento ou saber isento de juízo de valor; não se pode ignorar que todas as ciências estão a serviço de uma ideologia hegemônica e que, portanto, acreditar na neutralidade científica é ingenuidade, ausência de visão crítica. A determinação explícita ou implícita do que é normal/aceitável/positivo/confortável ou patológico/inaceitável/negativo/desconfortável obedece às leis biológicas, às regras sociais e aos códigos de culturas. Está contaminada pelos registros simbólico e imaginário, sofrendo desta maneira, as mesmas influências que o indivíduo e/ou a sua cultura, sua sociedade20. Numa perspectiva mais lúcida, não há como escamotear que esses dois opostos, principalmente na sociedade ocidental, dizem respeito às relações de controle e coerção21. De forma brilhante e cáustica, Machado de Assis apontou a fragilidade dos pressupostos que dão suporte a tais classificações, que travestidos do saber e do rigor científicos identificam o comportamento enquadrado/normal do desviante/patológico, e, denunciou esse poder ideológico, econômico, científico e político que é passível de se transformar numa poderosa forma de controle da sociedade.
No conto O alienista, Simão Bacamarte motivado pelo seu zelo de pesquisador procura explicar as causas científicas da loucura, incorporando a cada dia, novos critérios para aumentar sua precisão. À medida em que ele ampliava seu protocolo de comportamento suspeito, ele internava mais um morador da cidade de Itaguaí, na Casa Verde. Lá pelas tantas, o ardoroso psiquiatra descobre que todos os habitantes da cidade estavam internados no manicômio sob seus cuidados. O doutor Bacamarte chegou à conclusão do que Caetano Veloso enunciou e que tem sido o tema da luta contra o preconceito na saúde mental em nossos dias: “de perto, ninguém é normal.” Impressionado, ele reverte a ordem de tudo: passou a considerar a loucura normal e deu alta aos internados; passou a considerar a razão loucura e internou-se no sanatório22.
Outra denúncia implícita na pérola machadiana e explicitada por Canguilhem, é que toda a normatização resulta de uma escolha arbitrária, tendo em vista que o “objeto da normalidade não é normal nele mesmo – a normalidade lhe é sempre atribuída”23 . Daí que quando se instaura uma norma, define-se com valor oposto o que não se enquadra nela24. A determinação da norma é arbitrária, mas o segmento social ou os conceitos que vão sofrer a coerção, o controle ou a punição são predeterminados pelo quantum de ameaça que eles representam, para a hegemonia em risco.
A perversão pode ocorrer até quando se determina o que é normal ou patológico, aceitável ou não, in ou out numa determinada sociedade, grupo ou linha científica. Perversão é o desvio do padrão para se alcançar o objeto, ou desvio do próprio objeto. A proposta deste trabalho é apontar que a Psicanálise, ao longo dessas décadas, tomou um rumo, uma forma de conduta que pode ser classificada como perversa, no sentido de ter se desviado, de ter negado, ter desmentido o que se colocava como afirmação: negou-se a ”lei freudiana” , como se ela não existisse. Ler essa atuação sob a ótica do senso comum é exagero, uma vez que não se pode dizer que a tradição psicanalítica, ao ter ignorado os determinantes sociais do desamparo humano, tenha cometido uma perversidade, uma crueldade. No entanto, há que se considerar, que a omissão numa realidade de desequilíbrio, onde as minorias e as diferenças não encontram acolhimento, não pode ser chamada de neutralidade. A neutralidade não existe numa situação de iniquidade social. Infelizmente, ocorre apoio, ainda que não assumido, ou conscientemente escolhido, ao que é hegemônico.
Os psicanalistas identificam, conhecem e reconhecem, mas têm ignorado voluntariamente, numa atitude tipicamente perversa. Ao longo de sua obra, Freud sempre articulou o saber psicanalítico com o contexto social de seu tempo: ele foi mais que um homem da modernidade. Em sua época, a Psicanálise era atualidade, porque discutia a questão judaica, a I e II Segunda Guerras, os sofrimentos gerados pela repressão sexual, assuntos que explicavam o mal estar do homem naqueles dias. Nos dias atuais, vive-se um contexto que reatualiza o desamparo inerente à condição humana.
É bem verdade que a clínica psicanalítica não lida com a categoria do coletivo, por isso não coloca a sociedade ou toda a cultura no divã. No entanto, quando o sujeito barrado se expressa de onde ele se desconhece, ele traz o seu imaginário, que é seu dialeto sócio-cultural, que por sua vez o remete ao simbólico, que é seu idioleto. Mesmo trabalhando com um indivíduo em cada sessão clínica, a Psicanálise tem um dizer teórico elucidativo e um compromisso para com a sociedade onde e quando vivem os analisandos e os analistas.
O sujeito da “doença dos nervos”, do pânico, da violência urbana, das violências sociais, do desemprego, das guerras, da competição pela água e petróleo, da fome, da miséria, dos transgênicos, das incertezas, do desabrigo, dos desabamentos, dos filhos desnutridos, das doenças endêmicas e epidêmicas, do SUS, do FMI, da ALCA, do consumismo, dos shoppings, dos psicotrópicos, das várias dependências, do sistema econômico perverso, da internet, do celular, da bomba atômica, do terrorismo, do meteoro que está vindo em direção à terra, etc., é o sujeito da pós-modernidade, deste tempo, vivendo estas novas condições de mal estar. Será que a Psicanálise enquanto teoria, articulando-se com outros saberes, não tem uma contribuição para estes novos tempos? Repensar e se colocar nesta modernidade é o que Birman chama de novo lugar da Psicanálise. Lucidamente, ele profetiza que a “psicanálise não pode sobreviver com sua especificidade nos registros teóricos e éticos se não puder reconhecer o desamparo do sujeito e o mal estar social decorrente da pós-modernidade”25.
O desamparo humano diagnosticado pela teoria freudiana é sobredeterminado, como ela mesma defende, em toda ontogenia e filogenia do homem. Se a contribuição ficar centralizada só numa clínica e numa teoria que explicam a dinâmica psíquica, apenas na relação triangular, no romance familiar descontextualizado, atemporal e marginalizado do indivíduo, da sua realidade histórica, a Psicanálise vai perder o direito da voz e do voto na grande assembléia de saberes que têm o compromisso de explicar o homem e defender a sua dignidade bio-psico-social. Alias, ainda que não seja uma revista respeitada como científica, mas nem por isso menos formadora de opinião, a publicação da revista Super Interessante, edição 181, outubro/2002, interroga: ‘Fim da Psicanálise? Será que alguém (incluindo você) ainda precisa de Freud?’, indicando um movimento com tom depreciativo e desfavorável, próprio desses últimos tempos, capitaneado pela mídia sensacionalista para júbilo das indústrias do bem estar farmacêutico.
A Psicanálise detectou a questão do recalque mítico, a bolha narcísica, o bom peito perdido, o desamparo estruturante, o nome do pai, a marca da linguagem, entre outros tantos pressupostos da subjetividade humana. Mas, vai ficar por ai? Não se espera que a Psicanálise seja a resposta do mal estar na atualidade, mas que ela seja um saber engajado, indignado, solidário e ativo no processo de conscientização e atuação na sociedade e nas relações sociais que não alertadas, questionadas e denunciadas continuarão sendo lobo do homem. Finalizando, permito-me parodiar Caetano Veloso , com uma última inquietação: será que nos dias atuais, a única leitura psicanalítica, sobre o desamparo do sujeito dessa modernidade é a redução de toda humanidade a homens e mulheres bezerros, deitados no divã, gritando eternamente: mamãe !!!?
Bibliografia
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* Trabalho baseado no esboço que foi apresentado na XIV Jornada do CPB, novembro de 2002.
** Médica homeopata e psicanalista. Membro associado do Círculo Psicanalítico da Bahia. Mestranda em Ciências Sociais e Saúde, no ISC-UFBª.
1 Trecho de Sampa – Música de Caetano Veloso.
2 COSTA, Jurandir Freire. A consciência da doença enquanto consciência do sintoma: a “doença dos nervos” e a identidade psicológica. Cadernos do IMS. RJ, IMS/UFRJ 1(1) 4-45, março-abril, 1987.
3 KEHL, Maria Rita. Somos todos refugiados afegãos, In: Folha de São Paulo, recebido via e-mail (barbieri@allways.com.br), em 22/10/01.
4MONTEIRO, Dalva de Andrade. Guerras: Freud explica? In: Gozo e Sexualidade, Cogito – Publicação do Círculo Psicanalítico da Bahia, V. 04- Ano 2002.
5VIVES, Álvaro Gabriel. El abandono do padre: ética, política y subjetividade. Tercer Encuentro Latinoamericano, 2002.www.estadosgerais.org/terceiro_encontro/vivers-padre.shtml.
6As jornadas do Círculo Psicanalítico da Bahia dos últimos anos têm se caracterizado por temas e trabalhos que privilegiam questões sociais, revelando as várias interfaces da Psicanálise com outros saberes.
7VIVES, Álvaro Gabriel. El abandono do padre: ética, política y subjetividade. Tercer Encuentro Latinoamericano, 2002.www.estadosgerais.org/terceiro_encontro/vivers-padre.shtml.
8BIRMAN, Joel. Mal estar na atualidade. Civilização Brasileira, RJ, pp 121-145, 1999.
9Ibdem
10Ibdem
11Ibdem
12FREUD, S. Moral sexual “civilizada” e doença nervosa moderna. In: Edições Standard das Obras Psicológicas Completas, vol XX. 2ª edição. Rio de Janeiro, Imago, pp. 185- 208, 1987.
13FREUD, S. O mal estar na civilização. In: Edições Standard das Obras Psicológicas Completas, vol. XXI, 2ª edição, Rio de Janeiro: Imago, pp 81-178, 1987.
14BIRMAN, Joel. Mal estar na atualidade. Civilização Brasileira, RJ, pp 121-145, 1999.
15Ibdem
16Ibdem
17Ibdem
18MONTEIRO, Dalva de Andrade. A função paterna e a cultura. In: A função Paterna, Cogito – Publicação do Círculo Psicanalítico da Bahia, V. 03- Ano 2001.
19MONTEIRO, Dalva de Andrade. A função paterna e a cultura. In: A função Paterna, Cogito – Publicação do Círculo Psicanalítico da Bahia, V. 03- Ano 2001.
20MONTERO, Paula. Da doença à desordem – a magia na umbanda. Edições Graal, RJ, 1985.
21ASSIS, Machado. O alienista. Ed. Ática, SP, 4ª edição, 1976.
22CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico, Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 1978.
23MONTERO, Paula. Da doença à desordem – a magia na umbanda. Edições Graal, RJ, 1985.
24 BIRMAN, Joel. Mal estar na atualidade. Civilização Brasileira, RJ, pp 121-145, 1999.
25 Trecho de Qualquer coisa – Música de Caetano Veloso.