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Stylus (Rio de Janeiro)
versão impressa ISSN 1676-157X
Stylus (Rio J.) no.31 Rio de Janeiro out. 2015
DIREÇÃO DO TRATAMENTO: LAÇOS E DESENLACES
(Des)enlaces clínicos. Breves apontamentos sobre o caso Hans
Clinical (Un)linkings. Quick notes on the Hans case
Ana Paula Lacorte Gianesi*
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano
Fóruns do Campo Lacaniano - FCL-SP
RESUMO
Procurou-se articular as estruturas das Séries Complementares propostas por Freud, com os discursos; e o nó borromeano, formalizado por Lacan. O esforço de formalização voltou-se ao desencadeamento da neurose e, nesta direção, buscou-se pensar o caso clínico do pequeno Hans. A noção de causa esteve presente nas articulações do que Freud denominou "causação da neurose" e Lacan pensou enquanto laço e enodamento.
Palavras-chave: Caso Hans, Causa, Desencadeamento, Enodamento.
ABSTRACT
The purpose of the work was to articulate the structures of the Complementary Series proposed by Freud with the discourses and the Borromean knot formalized by Lacan. The effort of the formalization turned to the triggering off of neurosis, and in this direction, we sought to think about the clinical case of little Hans. The notion of cause was present in the articulations of what Freud called "causation of neurosis" and Lacan thought it as lace and enlancing.
Keywords: Hans case, Cause, Triggering off, Enlancing.
... Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede...
... O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão...
... Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse...
... Na fraqueza em que estava tudo a atingia como um susto; desceu do bonde com as pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite...
... Ao mesmo tempo que imaginário – era um mundo de comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudas, o abraço era macio e colado. Como a repulsa que precedesse a entrega – era fascinante, a mulher tinha nojo e era fascinante...
Clarice Lispector
O que Clarice nos transmite com seu "Amor", bate-nos às portas cotidianamente: os ovos quebrados, escorrendo, o mal-estar, a expulsão dos próprios dias, o salto, o susto, o mundo imaginário e o de comer com os dentes, a repulsa, a entrega, o fascínio, o nojo, termos e temas que nos chegam e designam o estranhamento real dos sujeitos que nos falam.
Trauma, encontro do real, abertura da angústia, fração/cifra não calculável de gozo, abalo fantasmático, sintomas que vacilam, inflamam, enlaçam e desenlaçam, desencadeamento delirante. Impasses, acting out, passagens ao ato. O que leva alguém a procurar um analista? O que dizem os sintomas (des)enlaçados?, o "sinto mais" ou mesmo o não "sinto mais", "sinto menos"! que podem fazer girar o discurso e enlaçar um sujeito em uma análise? Quais são os momentos cruciais pelos quais se passa? Seus meios, seus fins? Se dizemos que há tantos (des)enlaces possíveis quanto são os sujeitos que levam uma análise ao seu termo, como pensar cada (des)enodamento que se opera? Ali, do passe clínico ao ato analítico: as invenções singulares, seus saberes – "não há relação sexual". E, ainda, outro passo possível, mas por nada necessário, passo do ato: o passe do passante que pela contingência ressonante pode fazer escrever AE, ou não.
Pois bem, os (des)enlaces clínicos abrem espaço às conversas sobre as deformações topológicas, aos dizeres que por vezes se encontram, ao mascar elástico que o material-palavra possibilita e, quiçá, àquilo que se transmite do indizível e da solidão. Com essa materialidade, mostra-se o que desfaz, desenoda, falha, corta, conserta, corrige e cola. O que enlouquece, o que ainda segura, mas também o que faz laço, trança e nó.
Assim como aos giros discursivos, enlaces e desenlaces podem se referir ao enodar e ao desenodar que se escrevem, mudam de forma ou mesmo deixam de se escrever ao longo de uma análise.
Um enlace pode mesmo ser equivalente a um enodamento, bem como um desenlace ao seu desenodamento. Mais ainda, se entre o modal e o nodal localizamos alguma homologia, um enodamento pode ser lido em sua contingência: um encontro, um acontecimento.
Seriam muitos os passos e os momentos de uma análise que poderiam dar-se a ler por seus enlaces e por seus desenlaces. Porém, sobremaneira interessa ao psicanalista certo momento de desencadeamento-enlaçamento-enodamento que é o surgimento do sintoma.
Assim sendo, como formalizar, pela via nodal (não sem outros passos de formalização), isto que é da ordem de um desencadeamento? Um sintoma desencadeado pode escrever-se como um nó?
Para nos ajudar a pensar sobre esta questão do desencadeamento, podemos seguir duas pistas colocadas em dois momentos distintos da obra de Lacan:
Encontramos uma interessante e fundamental articulação em seu Seminário 2. Ali, ele dizia sobre o que se faz necessário para que ocorra uma formação sintomática: "A coalescência de pelo menos duas séries de motivações é necessária para a produção de qualquer formação sintomática. Uma é sexual, a outra é consoante ao nome que lhe damos aqui, simbólica – é o fator da fala tal como é assumido pelo sujeito" (LACAN, 1954-55/1985, p. 176).
A outra citação, de 1975, na Conferência em Genebra sobre o sintoma, quando Lacan (inédito) falava sobre certo desembaraçar-se, destino trágico dos falantes, e afirmou como se daria a "coalescência dessa realidade sexual e da linguagem".
Isso é bastante freudiano: para que um desencadeamento ocorra é preciso o fator sexual e o simbólico.
Podemos conceber o Simbólico como alteridade, como cadeia significante, como a série automaton da repetição, como o que bordeia e faz vaso etc. Outrossim, como aquilo que se encontra interceptado pela relação imaginária. E ambos, Simbólico e Imaginário, enquanto o que se forma ou se constrói em torno do oco, Real. Um sintoma é assim formado: fração de gozo (sexual opaco) e série significante (não sem a interceptação imaginária).
São conhecidos alguns esforços de formalização encampados por Freud. Assim, parece valer abrirmos um breve parêntese que nos ajudará a articular a questão do sintoma e seus enlaces.
O sintoma-mensagem, posto na transferência, remeter-nos-ia, em Freud (1980), aos Tipos de desencadeamento da neurose (1912). Ele destacou ali quatro possibilidades de desencadeamento. A primeira delas, mal traduzida por frustração, a Versagung, diria respeito à operação de introversão da libido e sua regressão até um ponto de fixação, o que se revelaria por conta da não disponibilidade do objeto real na realidade. Esse "tipo" de desencadeamento precisaria, entrementes, do fator "quantidade" para se efetivar.
Lembremo-nos, igualmente, das séries complementares freudianas (FREUD, 1916-17/1980). Séries propostas para pensar a "causação da neurose". Estas são formadas por: pulsão (lugar do gozo) e trauma. E fixação da libido (fantasia) e frustração, a Versagung (contingência desencadeante/no adulto).
As experiências sexuais infantis (traumáticas) e a constituição sexual (pulsional) formariam uma série suficiente para a montagem fantasmática (fixação da libido). Entre a fantasia e as experiências casuais do adulto (Versagung) haveria outra série. Freud propôs, também, uma notável articulação entre o trauma infantil e os encontros traumáticos (encontros do Real) de outros momentos da vida de um sujeito (esses momentos seriam estruturalmente equivalentes).
Pensemos, agora, nos enlaces discursivos propostos por Lacan. Parece que a lógica a se extrair das séries complementares nos faria aportar nos discursos enquanto estruturas quaternárias.
Pensemos nos pontos de identificação com o Discurso do Mestre. A causação da neurose estaria posta nas articulações possíveis entre S1 e S2 (alienação) e $ e a (separação). Poderíamos colocar o trauma (experiências infantis) em S1, as experiências pré-históricas (gozo-pulsão) em S2 e, abaixo da barra $ punção (e/ou) a (fantasia – fixação da libido). E, assim como Freud, também colocaríamos em homologia as experiências infantis (relativas ao trauma) e a experiência traumática (contingente, portanto) no adulto, a mesma Versagung dos Tipos de desencadeamento. A contingência está posta de entrada. O encontro do Real desencadeia.
Entretanto, partindo dessas séries, seria possível verificarmos o giro que possibilita o surgimento do discurso da histérica?
Alocaríamos, no lugar do Outro, S1. Por sua relação com o gozo, S2, que bem abarca as experiências pré-históricas (constituição sexual), no lugar da produção. O objeto a, no lugar da verdade, representa satisfatoriamente a fantasia do sujeito neurótico enquanto aparece envelopado por suas versões predicativas e por ser sede de gozo (ainda tornada indistinguível a questão dos sexos). Como sabemos, diante do Che Vuoi vindo do Outro o sujeito responde fazendo o objeto a envelopar-se em uma de suas substâncias episódicas.
O sujeito, barrado, coloca-se como agente de discurso. Entre fantasia e abalo contingente, o sujeito surge com sua questão-sintoma. Eis uma entrada possível em análise.
Teríamos assim, em um primeiro exercício de formalização, este sujeito dividido entre um enunciado e sua enunciação. Um sujeito que desliza na cadeia conforme os significantes da determinação inconsciente S1, S1, S1 (no lugar do Outro). Esforçando-se por produzir saber. Sujeito evanescente representado por um significante para outro significante. No lugar da produção, S2: produção de saber/sentido, não sem uma tentativa de alcançar o inalcançável saber sobre o Outro sexo, o saber no real. No lugar da verdade, o objeto a.
Uma vez extraída a estrutura quaternária das séries complementares freudianas, podemos mesmo localizá-la nos discursos propostos por Lacan e, a partir daí, fazer girar seus elementos. Uma entrada em análise, a própria histerização do discurso, poderia então articular-se à causação da neurose. Guardemos isso por enquanto.
E voltemos à questão do desencadeamento-enodamento.
Afirmamos, com Freud e Lacan, que para um desencadeamento ocorrer são necessários o sexual e a cadeia simbólica. Pois bem, como pensar o sexual? Lacan havia escrito que o objeto pequeno a, tíquico, causa real, é (a)sexuado! Podemos dizer que ele o é justamente por ser o a sexuado em sua versão de gozo, de mais-de-gozar e, igualmente, assexuado, por não ser suficiente para dizer da diferença entre os sexos. Apenas com o objeto a a não identidade entre os sexos não se mostra. Sabemos que o sujeito neurótico procura encampar este objeto (vazio) na fantasia e, mais ainda, procura fazê-lo equivaler aos objetos intercambiáveis. Na fantasia somos todos sujeitos barrados (todo fálico) procurando fazer relação com este a. O significante (campo simbólico) e a fantasia (com seu objeto) seriam, assim, insuficientes para resolver os impasses do gozo. Os impasses da não relação/proporção sexual entre o todo e o não-todo.
Muito embora o objeto a ainda não seja suficiente para dizer sobre a sexuação, "todo" ou "não-todo", a estrutura quaternária que se mostra no enodamento via este ponto de Real, o tetraedro que ali aparece em estrutura (objeto a e os gozos separados), far-nos-ia voltar às afirmações de Lacan segundo as quais a estrutura discursiva e a estrutura borromeana são equivalentes.
Não parece irrelevante, entretanto, que Lacan tenha formalizado a sexuação (a partir de lógicas não clássicas) e, consubstancialmente, tenha se deixado "invadir" (como ele mesmo o diz) pela topologia dos nós. Era preciso outra apreensão do espaço e, outrossim, um outro modo de contar e ordenar: "Se o inconsciente existe. Isso parte de uma outra maneira de considerar o espaço; e, ao qualificar essas três dimensões, distinguindo-as com os termos Simbólico, Imaginário e Real" (LACAN, 1973-74/inédito, aula de 13/11/1973).
Foi justamente entre a contradição, do lado todo fálico, e o indecidível feminino (não-todo fálico) que Lacan escreveu a não relação sexual e ainda nomeou-a Real. Podemos dizer, desde essas assertivas, que o encontro com o impossível da relação sexual, da proporção/razão entre os sexos, enoda e desencadeia.
E o que faz com que a relação sexual não possa se escrever, é justamente esse buraco aí que toda linguagem obstrui enquanto tal, o acesso do ser falante à alguma coisa que bem se apresenta, como um certo ponto tocando o real, neste ponto aí se justifica que o Real, eu o defina como impossível, porque aí, justamente ele não acontece jamais – nunca chega a que a relação sexual possa se escrever. (LACAN, 1973-74/inédito, aula de 20/11/1973).
Lacan falava, naquele momento, do sexual como sentido sexual e afirmava que este se define por não se escrever. E ainda apresentou outra referência matemática: o sentido sexual, o sentido non-sense que desgasta a relação, do ciframento onde está o gozo, isto necessita da noção de limite de uma função (como limite de um número real). (Ibid., aula de 20/11/1973). Ou seja, não chega a se escrever como zero e tende ao infinito. Um sexual-saber-limite.
O caso Hans
Acompanhemos, brevemente, o pequeno Hans relido por Lacan.
Na Conferência em Genebra sobre o sintoma, Lacan (1975/inédito) falava sobre o encontro com o Heteros. Falava do "fazedor de pipi" do pequeno Hans e dizia que sua "ereção", "esse primeiro gozar", antes de ser autoerótico, fora absolutamente hétero.
Eles se dizem – Mas, o que que é isso? E se dizem tão bem, que o próprio menino Hans só pensa nisso – o encarna em objetos que são francamente externos, isto é, nesse cavalo que relincha, que dá coices, que salta, que cai no chão. Esse cavalo que vai e vem, que tem certo modo de deslizar-se ao longo dos trilhos arrastando sua charrete, é o que há de mais exemplar para ele daquilo que tem que enfrentar e sobre o qual não entende nada [...] O gozo que resulta desse Wiwimacher lhe é alheio a ponto de estar no princípio de sua fobia (LACAN, 1975/inédito).
O sentido sexual, como apontou Lacan, é opaco, é non-sense, é heteros em relação ao sujeito – um gozo cifrado no limite de uma função que, como já foi dito, tende ao infinito.
E o encontro com o Heteros esteve no princípio da fobia de Hans.
Recordemos algumas passagens do caso.
Conforme Freud, Hans vira um cavalo caindo, ele teria dito a seu pai "uma vez um cavalo do ônibus caiu" (FREUD, 1909/1980, p. 59). Eis a causa imediata do desencadeamento fóbico: "Ocorreu quando o menino viu cair um cavalo grande e pesado" (Ibid., p. 61).
Sabemos, entretanto, que o pequeno Hans elegeu esse objeto fóbico (objeto com valor significante), o cavalo, por meio da metonímia que ligava os arreios do equino ao bigode do pai, o que nos seria possível notar na seguinte passagem freudiana: "– Hans para seu pai: ' tenho mais medo dos cavalos que têm uma coisa preta na boca', o que é seguido pela resposta do pai: ' talvez um bigode?'" (Ibid., p. 58). Igualmente, enquanto significante, o cavalo também tinha sua dimensão metafórica, ele "era, ao mesmo tempo, o pai, o falo, a irmãzinha, tudo o que quisermos" (LACAN, 1957-58/1995, p. 196) inclusive, a mãe.
Cavalo-imagem (visto)/cavalo-metáfora; cavalo-metonímia/cavalo-gozo-heteros. RSI.
Esse objeto teria emergido, Freud nos coloca de modo bastante claro, para assegurar o menino que, às voltas com suas construções fantasmáticas, procurou também assim proteger-se daquilo do que a angústia é sinal.
Isso quer dizer que o objeto fóbico vem desempenhar o papel que, em razão de alguma carência, em razão de uma carência real no caso do pequeno Hans, não é preenchido pelo personagem do pai [...] Ele é o elemento em torno do qual vão guiar todos os tipos de significações que formarão, afinal, um elemento de suplência ao que faltou no desenvolvimento do sujeito (LACAN, 1956-57/1995, p. 411)
Desta forma, localizamos uma hipótese segundo a qual a fobia e a fantasia (em Hans articuladas posteriormente à neurose) seriam suplências. Isto porque o menino encontrou sua saída justamente graças a essas construções. Para que ele não fosse apenas um assujeito, fizeram-se necessárias a aparição de algo que lhe metesse medo e sua fantasia:
Ele precisou, com efeito, de seu cavalo pau-para-toda-obra a fim de suprir tudo o que lhe faltou naquele momento de virada [...] o que ele convocou no lugar do pai foi aquele ser imaginário e onipotente chamado encanador. Esse encanador apareceu, justamente, para des-assujeitar alguma coisa, pois a angústia do Pequeno Hans era, essencialmente, como eu lhes disse, a angústia de um assujeitamento (LACAN, 1957-58/1999, p. 196).
Freud escreveu sobre a fantasia de preencher a banheira. Primeiro "eu estava no banho, e então veio o bombeiro e desparafusou a banheira. Depois ele pegou uma grande broca e bateu no meu estômago" (FREUD, 1909/1980, p. 74). Ele destacou o medo de Hans tomar banho na banheira grande, ser largado pela mãe e mergulhar com a cabeça. Em relação ao preencher a banheira, ele dizia que na banheira pequena ele cabia. A angústia de um assujeitamento, do preencher a banheira de modo que a falta deixasse de faltar, fora bordeada por uma "grande broca" que "des-assujetou-o".
Podemos ler o desencadeamento fóbico de Hans tendo em mente o "não há relação sexual". Diante do encontro traumático real, Hans se virou como pôde. Sublinhemos aqui que Lacan, quanto à causa e seu objeto, fora bastante enfático: afirmou que devemos buscar a verdadeira função da causa na direção da abertura da angústia (LACAN, 1962-63/2005).
O cavalo, enquanto significante (S1 – experiência infantil), chega a representar esse sujeito para outro significante (S2), fobia? Deixando por efeito um desejo cabreiro, mal efetivado, de um sujeito no lugar da verdade, procurando fazer relação com um objeto não intercambiável, mas assim mesmo causal? Objeto que se substancializa e aparece em sua versão oral, provando a fixação da libido – na fantasia? Um desejo cabreiro e um Outro devorador?
Em relação ao giro histericizado de discurso, o sujeito fóbico (fobia como sintoma desencadeado) apareceria como agente (com seu desejo ressabiado). S1, o cavalo de sua experiência traumática infantil, no lugar do Outro (e do Gozo) o faria produzir saber (pulsão/gozo), S2, saber sobre a castração, saber sobre o opaco gozo sempre Heteros, ali ainda respaldado por sua verdade mentirosa, pelo ainda privilegiado objeto oral de sua fixão fantasmática, objeto a.
Poderíamos, assim, localizar a partida do caso Hans nos discursos extraídos das séries complementares? E, apostando na equivalência entre as estruturas discursiva e borromeana, perguntarmo-nos se, como suplência em relação à angústia, a fobia de Hans enodou algo? Ou seja, o desencadeamento da fobia de Hans fora, antes, um enodamento?
Que tipo de enodamento podemos cogitar neste caso?
Suponham o caso de um outro nó, do nó que chamei há pouco de olímpico. Se uma de suas argolas de barbante se parte, vocês estouram, se eu posso dizer, pelo fato de alguma coisa que não concerne a vocês, embora isso, vocês não ficam tão loucos. Isto porque, quer vocês saibam ou não, os dois outros nós se mantêm juntos, e é isso que quer dizer que vocês são neuróticos. É bem o que, sempre eu afirmei isso, que não se sabe o bastante: que os neuróticos são incansáveis [...] Eu sei que alguns entre vocês se lembram, eu fiz alguma coisa, há algum tempo, sobre a fobia do pequeno Hans [...] Por que o cavalo, não é? Porque era isso que lhe fazia tanto medo. A explicação que eu encontrei [...] é que o cavalo era o representante – posso mesmo dizer, dos três circuitos [...] tanto que fui procurar um mapa de Viena, para marcá-los bem [...] É na medida em que a fobia do pequeno Hans está muito precisamente neste nó triplo, no qual as três argolas se sustentam juntas: é nisso que ele é neurótico: é que, cortem um, e os dois outros se sustentam sempre" (LACAN, 1973-74/inédito, aula de 11/12/1973).
O cavalo, enquanto representante dos três circuitos na fobia, teria possibilitado que o nó olímpico, ordenável, contável em cadeia 1, 2, 3 se sustentasse?
Lacan falou sobre a série (seriedade – serial) ordinária, a série que se repete e que se ordena, que se ordena e se repete... a série séria da neurose. Apresenta o nó olímpico como possibilidade de leitura de uma formação neurótica. Ali, na neurose, algo se aguentaria sempre. Entretanto, o cavalo enquanto objeto de encontro poderia ser tomado enquanto separador de gozos. Daí, o enodamento teria outro modo.
Se a fobia veio em suplência à leniência paterna, o cavalo-caído (imagem); o cavalo-arreio-pai etc. (simbólico); o cavalo-heteros (real), ou seja, a própria eleição da fobia fez com que ele se aguentasse. Desta feita, Hans não teria feito um nó borromeano com seu cavalo-medo?
O nó borromeano, Lacan ponderou, "tem uma função completamente outra que a de fundar essa ordem, a ordem qualquer, na qual vocês poderiam encadear o Simbólico, o Imaginário e o Real [...] é que, arrumá-los em três, enquanto número cardinal – isto, que é o próprio ao três, isto não implica nenhuma ordenação" (LACAN, 1973-74/inédito, aula de 08/01/1974).
A não ordem, que é a nodalidade, implica uma concepção de espaço não euclidiano (e o fazer tranças com toros e/ou bandas). Arrumar o nó em três sem ordenação, não foi o que a angústia causou?
Encontramos, enfim, a causa-angústia em Hans (a). Do encontro real que se produz entre a contradição e o indecidível, Hans construiu: tenho medo! Isso serviu como suplência. Isso fez nó. O cavalo fora lido como representante dos três circuitos. Pudemos colocá-lo nas três dimensões.
Assim, a partir do encontro com o cavalo, enquanto objeto real (e, portanto, separador de gozos), Hans enodou. O cavalo pau-pra-toda-obra (RSI) serviu-lhe ao enodamento borromeano, em sua estrutura tetraédrica.
Referências
FREUD, S. (1909). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda., v. X, 1980. [ Links ]
__________. (1912). Tipos de desencadeamento da neurose. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda, v. XII, 1980. [ Links ]
__________. (1916-17). Conferências introdutórias. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda, v. XV e XVI, 1980. [ Links ]
LACAN, J. (1954-55). O seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. [ Links ]
__________. (1956-57). O seminário, livro 4: A relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. [ Links ]
__________. (1962-63). O seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. [ Links ]
__________. (1973-74). O seminário, livro 21: Les non-dupes errent. Inédito. [ Links ]
__________. (1975). Conferência em Genebra sobre o sintoma. Inédito. [ Links ]
Endereço para correspondência
E-mail: anapaulagianesi@yahoo.com.br
Recebido: 12/07/2015
Aprovado: 10/08/2015
* Psicanalista. Membro da EPFCL e do FCL-SP. Doutora em Psicologia Clínica pelo IP-USP.