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Stylus (Rio de Janeiro)
versão impressa ISSN 1676-157X
Stylus (Rio J.) no.31 Rio de Janeiro out. 2015
ENSAIOS: A ESCOLHA DO SEXO
Escolha do gênero e escolha do sexo1 A lógica do fantasma em 2014
Gender choice and sex choice
Gabriel Lombardi*
Foro Analítico del Río de la Plata
Escola dos Fóruns do Campo Lacaniano
Facultad de Psicología de la Universidad de Buenos Aires
Colegio Clínico del Río de la Plata
RESUMO
Este trabalho trata da divergência entre a perspectiva da escolha de gênero de que se fala nos estudos sociológicos há algumas décadas e a perspectiva já clássica da escolha de sexo na psicanálise. Essas duas vias de pesquisa e de engajamento ético são contrastadas. A escolha do gênero é um direito do cidadão ali onde o espírito e os dispositivos sociais do capitalismo o levam. Em contrapartida, na análise freudiana e lacaniana, que leva em conta diferenças anatômicas e psicológicas, a escolha de sexo não é plural, mas binária, para dar seu lugar lógico e fundamental à não relação sexual. Mais particularmente, quatro vias de pesquisa sobre o feminino no ensino de Lacan são esboçadas: a questão histérica, a interrogação perversa, a via mística e a exploração lógica.
Palavras-chave: Gênero, Sexuação, Igualdade, Diferença, Lacan.
ABSTRACT
This work focuses on the divergence between the perspective of gender choice introduced by sociological studies in recent decades and the already classical perspective of sex choice from a psychoanalytical point of view. We consider and contrast these different ways of research and ethical engagement. The gender choice is a citizen's right where the spirit and social devices of capitalism will take him. By contrast, in Freudian and Lacanian analysis, which takes into account anatomical and physiological differences, sex choice is not plural, but binary, in order to give its logical and fundamental place to the non-sexual relationship. In a more detailed perspective, four research pathways on the feminine in Lacanian teaching are outlined: the hysterical question, the perverse interrogation, the mystical path, and the logical exploration.
Keywords: Gender, Sexual differentiation, Parity, Difference, Lacan.
É somente no sexual que a síntese se coloca como contradição. Søren Kierkegaard, Begrebet Angest [Tratado da angústia, 1844. É por aí que ele começa sua crítica à ficção do tudo-saber hegeliano, em que todas as mediações (Aufhebungen) seriam possíveis].
A religião, a filosofia, a ciência e a teoria sociológica dos gêneros mostram uma surpreendente convergência em um ponto preciso: a rejeição da abordagem lógica do sexo.
A religião monoteísta suprimiu o sexo das considerações teológicas, o laço entre os filhos e o pai não dizendo respeito à mulher, que foi substituída por um Espírito dito "Santo", como podemos constatar desde o tratado agostiniano sobre o laço pai-filho, De Trinitate.
A filosofia não leva em conta a diferença entre os sexos, e mesmo os filósofos de formação lacaniana escamoteiam isso reduzindo a abordagem lógica de Freud e de Lacan a uma ontologia precária dos termos compatíveis com o fantasma masculino. Zizek, por exemplo, reduz a mulher a um paraser [parêtre] que envolve um vazio, e que quer ser amado por aquilo que ela não é, por oposição ao homem, que seria alguém que quer ser amado por aquilo que é (ZIZEK, 1995).
Temos também as teorias dos gêneros, de Judith Butler e Eve Kosofsky, cuja ascensão extraordinária nas últimas décadas sintetiza a bem dizer a resposta dos outros discursos à conclusão lacaniana de que não há relação [rapport] sexual inscritível na estrutura. Com efeito, tudo o que os outros discursos – o sociológico, o universitário, o discurso médico, e até mesmo o discurso de contestação histérico de fim de século ou novo milênio – produziram nas últimas décadas vai no sentido de tamponar essa descoberta das considerações lexicais, morais e políticas que camuflam o impasse sexual em que Freud e Lacan situam o mal-estar da civilização e também todas as possibilidades sublimatórias que a linguagem abre ao falasser. Essa reação massiva se produz, é claro, no âmbito da escalada do discurso capitalista neoliberal que rejeita a castração oferecendo a todos os problemas a solução – supondo que se tem dinheiro suficiente para pagá-la, como diria Turing. Essas soluções não são analíticas, claro, mas identificatórias, ideológicas, morais, legislativas, cirúrgicas, farmacológicas.
Os discursos sobre o gênero, assim, colocaram-se a serviço do empuxo-ao-gozo do capitalismo, que incita tanto aquilo que Colette Soler chamou de narcinismo, quanto aquilo que Freud e Lacan nomearam como perversão, agora globalmente permitida. De fato, quase todas as condutas outrora consideradas perversões foram desmedicalizadas e admitidas no âmbito legal dos estados ocidentais.
Por isso, o mal-estar com relação ao sexo assume a forma de sintoma social, que, em defesa paradoxal dos direitos a uma normatividade nova, nutre em feedback o discurso do capitalismo (suas cirurgias, seus tratamentos hormonais, farmacológicos e "cosméticos", suas políticas de venda que reúnem consumidores em redes sociais virtuais compatíveis com o anonimato). O Facebook, por exemplo, acaba de anunciar que daqui por diante vai permitir que seus usuários nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Espanha e também na Argentina escolham seu gênero. Daqui por diante se se quiser personalizar seu perfil, não haverá mais duas opções como antes (homem/mulher), mas cinquenta e quatro, dentre as quais temos, em espanhol, "trava", "torta", "puto", "transgênero", "poliamorista", "gay", "andrógino", "cissexual", "pansexual homem", "pansexual mulher". Essas expressões, que antes eram injuriosas, hoje são os termos escolhidos como particularidades identitárias. Essa lista surgiu de um consenso entre o Facebook Argentina e as duas principais organizações que trabalham para "a diversidade sexual" no país, a CHA (Comunidade Homossexual Argentina) e a FALGBT (Federación Argentina de Lesbianas, Gays, Bisexuales y Trans), que, por sua vez, apresenta-se precisamente nos seguintes termos: "é uma rede de organizações que trabalhamos em todo o país para a igualdade plena para o coletivo da diversidade sexual". Passa-se da terceira pessoa ("é uma rede) para a primeira pessoa de um plural bem particular ("nós trabalhamos").
O CEO do Facebook, cujo valor de mercado recentemente atingiu um nível recorde que conduziu a empresa ao valor de quase 200 bilhões de dólares, nega categoricamente que essa nova ferramenta seja uma melhor plataforma de publicidade-alvo. Ele diz que isso está ligado, antes, ao seu engajamento em "conectar as pessoas com suas verdadeiras identidades" – identidades digitalizadas. É o sonho de Turing realizado!
Há, no entanto, duas condutas com relação ao sexo que felizmente permanecem interditadas para a maioria dos discursos, dois casos de que a psicanálise também tem algo a dizer: a pedofilia, enquanto ataque extremo às condições mínimas de uma subjetivação digna, e a não incidência entre os dados identitários com relação ao sexo e o juizo íntimo daquele que os porta, que os porta e não os suporta. Mesmo o DSM 5 dedica um capítulo inteiro aos Gender dysphoria nas crianças, os adolescentes e os adultos, disforia considerada patologia se, e somente se, ela persistir ao menos por seis meses.
A máxima lacaniana não há relação sexual produz reações adversas e também mal-entendidos dentre os próprios analistas lacanianos. Acredita-se, por exemplo, ser possível reduzir a escolha do sexo a três etapas "lógicas, não cronológicas". Quando os psicanalistas falam dessa forma é, para mim, o indício certo de que eles estão introduzindo uma temporalidade reversível e, portanto, imaginária. O que caracteriza o tempo real, o real do tempo, é, ao contrário, sua irreversibilidade.
Geneviève Morel, por exemplo, ordena a sexuação nos três tempos a seguir:
1) A constatação do sexo anatômico; 2) O discurso sexual do Outro que opõe o sexo anatômico àquilo que é percebido, e até mesmo determinado pelo entorno; 3) O verdadeiro processo da sexuação, que deixaria esperanças, por exemplo, aos analisantes homens que querem se beneficiar do não-toda como efeito da análise.
Não somente há neste tipo de elaboração concessões ao Chronos que não procedem da lógica, mas também desconhecimento das coordenadas freudianas intransponíveis da entrada de uma menina nas questões do sexo. A anatomia é determinante, e a diferença não é pequena: em um só ato, ela viu, ela compreendeu, ela julgou e decidiu. "Ela viu isso, sabe que ela não tem e quer tê-lo", resume Freud (1925/s.d.) em seu texto "Algumas consequências psíquicas da diferença sexual anatômica". E isso não se reduz a uma questão de anatomia imaginária ou natural. O corte em questão é outro, o de uma tomada precoce de posição com relação ao falo como consequência (senão da ex-sistência do pai) da castração linguageira. Essa posição diferenciada com relação ao órgão, tornado organon por efeitos do discurso já presente na infância, tem como consequência que o acesso ao Édipo e à castração, no caso de uma menina, coincidam. Não há, portanto, o tempo intermediário da perversão que caracteriza a defasagem entre a entrada e a saída do Édipo no macho – saída que, se houver, caso neurótico, se produz por identificação aos traços ideais faltosos, sintomáticos, do pai.
O "não ter" do engage anatômico protege a menina de um outro corte, dito fisio-lógico, isto é, de lógica daquilo que se manifesta, que é simbolicamente real no homem. Falo do orgasmo do macho na medida em que, de todas as angústias, é a única a se completar (LACAN em seu Seminário A angústia, 15/05/1963), de realizar a castração pela externalização [mise au dehors] do instrumento do gozo no momento preciso do acesso ao gozo, que permanece, então, fora do corpo.
E aí está também, como sempre, a confusão que faz suplência à relação sexual. A clínica nos diz desde Freud que um orgasmo muito prolongado pode ser muito angustiante para o homem, que um orgasmo prematuro também, e que um orgasmo justo, que é satisfatório nos tempos peremptórios do macho, produz o corte que dá uma resolução transitória para ele, mas, ainda assim... os tempos de uma mulher não coincidem necessariamente com os de seu parceiro. Seja porque os tempos requeridos para a satisfação não são os mesmos para ela, seja porque a brevidade dos ciclos coiterativos o obriga em média a uma frequência maior do que a sua parceira mulher. Não há relação sexual temporariamente garantida compassada, bem ritmada, como bem sugeriu Martim Amis em sua breve-longa narrativa "Quero calcular quantas vezes" (AMIS, 1998/2001).
Ou seja, que a anatomia em questão não é somente imaginária nem de autópsia, mas de irreversibilidade das escolhas e de fisiologia que implicam uma heteridade definitiva. É por isso que:
– no macho há outra lógica do corte que se constata o mais tardar na juventude, quando o emprego do organon castra-lhe o acesso ao gozo do corpo-Outro;
– o nãotoda suposto no macho é sempre suspeito de père-version [pai-versão/perversão], isto é, uma forma de desdobramento quanto mais enquadrado na lógica fálica;
– em uma mulher, pelo contrário, é sempre a frigidez que é suspeita;
– tudo isso deixa pouca esperança para a viragem trans analiticamente orientada, salvo que o analista não desconhece que a liberdade de escolher uma mudança de sexo é reservada à psicose;
– as elucubrações quadriculadas sobre o não-toda elidem, portanto, a vocação prematura que cada um experiencia para seu sexo (LACAN, Seminário ...Ou pior, 08/12/1971).
O senso comum foi alterado desde a descoberta freudiana; ela teve consequências que ressoaram no campo lacaniano enquanto campo do gozo. A abordagem dita lógica de Lacan e suas conclusões sobre a sexuação não se distanciam das intuições de Freud, mas, pelo contrário, apoiam-se nelas.
É verdade que o discurso capitalista mudou as coisas, que a foraclusão da castração atrai respostas em que a singularidade se resolve em agrupamentos anônimos de autogenerados que encontram uma defesa em sua "luta para a igualdade plena" no "coletivo da diversidade sexual", isto é, na terceira de sempre, a terceira imaginária do sexo, hoje assistida pela medicina, pela psicologia, pela sociologia, pela análise do discurso etc., e que substitui a terceira lacaniana do real. Ora, se o analista quer receber àquele que chama a si mesmo de queer, ou gay, ou trans, lésbico ou lésbica, não deveria esquecer as coordenadas em que seu discurso analítico se assegura. Se a escolha de gênero é um direito de cidadão, a escolha de sexo tem, por outro lado, limitações impostas por escolhas já feitas, em que o falasser autorizou-se a si mesmo, sim, mas mais frequentemente não sozinho, não sem o apelo de amor ou de respeito a alguém que lhe transmitiu algo com relação à função falo/castração: seja de ter encarnado a exceção para seu filho, seja de ter admitido que sua filha possa não tomá-lo completamente como exceção. O que quer dizer que a distinção neurose-perversão-psicose se sustenta para o homem, e que a distinção neurose-psicose na mulher se sustenta firmemente na clínica das consequências da não relação sexual. A père-version em uma mulher sendo, antes, a ser reconduzida a seu lado mãe, e não mais a práticas das quais ela não faz senão inscrever sua heterossexualidade, de amar mulheres, por exemplo, seja para desafiar o pai (caso histeria), seja para atualizar a foraclusão de seu nome em outros tipos de reação às coordenadas da estrutura.
O feminino: as quatro vias da procura em Lacan
Quero voltar às vias que Lacan experimentou para responder às questões que o feminino coloca ao psicanalista.
1. A primeira é bem conhecida, trata-se da questão histérica, e sua exploração já foi iniciada por Freud no início da psicanálise. O que é ser uma mulher? é a questão a que Dora se coloca, coloca ao casal formado por seu pai e a Sra. K, e coloca também a Freud segundo Lacan, e a resposta é procurada do lado do desejo, do lado daquilo que se passa entre o parceiro e a mulher sobre essa vertente do desejo. Nessa questão do desejo feminino, Freud se deixou guiar por suas analisantes histéricas, ainda assim, porém, sem chegar a uma resposta "satisfatória". Was Will das Weib?, teria perguntado Freud a Marie Bonaparte,2 questão que Jones, seu biógrafo, traduziu piamente para o inglês sob a forma de "What does a woman want?", O que quer uma mulher? Lacan retoma essa questão várias vezes em seu seminário, até concluir que era preciso tomá-la como ela havia sido traduzida por Jones, porque nada indica que se possa fazer de A mulher, das Weib, algo universalizável.
2. A segunda via é a da abordagem perversa do gozo feminino. Ela foi explorada por Lacan particularmente em seu Seminário A lógica do fantasma, em que ele enuncia categoricamente que se colocar a questão do gozo feminino já é abrir a porta de todos os atos perversos. Esse ato, na medida em que diverge do genital, tem, no entanto, algo a ver com o ato sexual. O que caracteriza essa abordagem é o da "negativação da função de um órgão, este órgão por onde a natureza, pela oferta de um prazer, assegura a função copulante" (LACAN, Seminário A lógica do fantasma, 07/06/1967). É por essa via que o "valor", isto é, o fictício, o mais-de-gozar em que se coloca assim a questão do gozo, que esse gozo entra em jogo sob a forma de questão. Se essa interrogação, "legitimamente dita perversa" para Lacan, diz respeito ao ato sexual, é somente porque a tomada, o modelo que ela nos dá, é o das tentativas de solução que fazem suplência àquilo que possa se passar no nível inatingível do corpo da mulher, pela instauração de um valor de gozo. E essa instauração se apoia, é claro, pela colocação em valor de outros órgãos prelevados do corpo ( → a).
O organon da copulação, assim negativado, confunde-se com a cópula gramatical por meio da qual o falasser macho resulta interessado não somente em tê-lo, mas também em sê-lo. Essa abordagem [abord] do gozo feminino, no fim das contas, não é nada além de um a-borda, manter-se à borda sem a ele se misturar, na heterofobia radical que caracteriza toda perversão, não somente a homossexualidade masculina, mas também todas as perversões em que o objeto a erige o falo como função negativada, castrativa, fetiche que barra o acesso ao sexo Outro, o sexo perigoso de um corpo cujo gozo feminino se apoia, portanto, em respostas em curto-circuito, que substituem o gozo Outro por um valor de gozo. É nesse quadro que o falasser, por ser macho [d'être mâle], chega ao ser, e até mesmo ao mauchoser [mâlêtre]: por ser afetado por uma função castração que o leva [mène], e até mesmo o noúmena [noumène],3(NT) a ser a pura metonímia do verbo que faz função de cópula na gramática.
3. A via mística. Em seu Seminário Mais, ainda, Lacan assinala inicialmente que gozar do corpo participa da ambiguidade significante que é inerente ao corpo, enquanto substância cuja corporeidade está fundada no significante. Com efeito, o sintagma "gozar do corpo", que pode ser lido como um genitivo objetivo em uma leitura sadeana (gozar do corpo como um objeto), pode, pelo contrário, despertar uma nota extática, de genitivo subjetivo, em que seria o corpo-Outro aquele que goza. No primeiro caso, trata-se de um gozo gramaticalmente restrito a um valor de gozo (gozar de...); em um outro, trata-se de um gozo que se destaca do objeto, é o gozo de um corpo que goza intransitivamente. Esse gozo extático, na verdade, é subjetivo apenas por atribuição linguística.
O gozo feminino tem esse elemento em comum com o gozo místico, etimológico e praticamente fechado ao reconhecimento do sujeito: é possível experimentá-lo sem admiti-lo. Nesse ponto, podemos ainda ler nesse seminário parágrafos memoráveis: "Há um gozo dela, desse ela que não existe e não significa nada. Há um gozo dela sobre o qual talvez ela mesma não saiba nada a não ser que o experimenta – isto ela sabe. Ela sabe disso, certamente, quando isso acontece. Isso não acontece a elas todas" (LACAN, 1972-1973, p. 100).
"Louvado seja o Senhor, que me libertou de mim mesma", escreve Teresa d'Ávila. Esse desdobramento entre gozo místico e mim mesma não tem nada a ver com o tratamento da divisão subjetiva na passagem ao ato perverso, que resolve essa divisão transferindo-a ao parceiro (a → ).
4. A quarta via é a abordagem lógica. Gostaria somente de indicar que a leitura lógica de Lacan permite uma localização não idealizada da sexualidade feminina, não reduzida a um valor, isto é, que não pretende apreendê-la como objeto de um conhecimento ao qual ela se subtrai, muitas vezes facilmente, por acomodação ao fantasma do macho ou do teórico. O estilo da abertura do Seminário Mais, ainda é coerente com isso e não desprovido de método. "Penso em vocês", diz Lacan, "isto não quer dizer que penso vocês" (Ibid., p. 142). Convite aos analistas a desobstruírem as orelhas do objeto a: para que seu desejo seja advertido por aquilo que uma mulher no enigma do gozo e do desejo que ele coloca não possa se apreender do ponto de vista do discurso do inconsciente enquanto variante atual do discurso do mestre – laço social que induz e determina a castração.
Parece-me, portanto, decisivo enquanto analista saber respeitar a heteridade em jogo no gozo feminino, que difere radicalmente daquilo que se maquina na polimorfia aparente do valor perverso do gozo, que oculta, mas também mantém sempre seus limites e sua fixidez. O lado freudiano não castrável das mulheres permite-lhe uma outra liberdade com relação ao gozo. É o que justifica que a satisfação de aparência mística, fechada, de que uma mulher pode gozar, seja elaborada por Lacan a partir de uma intersecção de conjuntos abertos. Esta lógica não é menos válida para as possibilidades epistêmicas de uma mulher, que, enquanto tal, é "Outro para si mesma". É o caso em que mais radicalmente do que em qualquer outro, a diferença em jogo na análise não é relativa, mas absoluta.
Referências
AMIS, M. (1998). "Quero calcular quantas vezes" In: Água pesada e outros contos. São Paulo: Cia das Letras, 2001. [ Links ]
FREUD, S. (1925). "Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos" In: Obras completas de Sigmund Freud – versão digital. Rio de Janeiro: Imago, s/d.
LACAN, J. (1962-63). O seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. [ Links ]
__________. (1966-67). O seminário, livro 14: A Lógica do fantasma, inédito. [ Links ]
__________. (1971-72). O seminário, livro 19: ...Ou pior. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. [ Links ]
ZIZEK, S. (1995). "La voix dans la différence sexuelle" In: Revue de La Cause Freudienne. 31. Paris, 1995, pp. 82-92. [ Links ]
Endereço para correspondência
E-mail: gabriellombardi@fibertel.com.ar
Recebido: 13/04/2015
Aprovado: 20/04/2015
Tradução: Cícero Oliveira
Revisão da tradução: Dominique Fingermann
* Integrante do Foro Analítico del Río de la Plata. AME da Escola dos Fóruns do Campo Lacaniano, na qual secretaria atualmente a Comissão Internacional da Garantia. Médico e Doutor em Psicologia, é professor titular regular da disciplina Clínica de Adultos na Facultad de Psicología de la Universidad de Buenos Aires, onde integra a Comissão de Doutorado. Dirige o Colegio Clínico del Río de la Plata.
1 Texto apresentado nas Jornadas da EPFCL, realizadas em 30 e 31 de novembro de 2014. Jornadas realizadas nos dias 29 e 30 de novembro de 2014 na Maison de la Chimie, em Paris (França).
2 "The great question that has never been answered, and which I have not yet been able to answer, despite my thirty years of research into the feminine soul, is 'What does a woman want?'". Sigmund Freud: Life and Work (Hogarth Press, 1953) by Ernest Jones, Vol. 2, Pt. 3, Ch. 16. In a footnote Jones gives the original German, "Was will das Weib?".
3(NT) Referência ao númeno ou noúmeno, conceito filosófico que corresponde à realidade tal como existe em si mesma, de forma independente da perspectiva necessariamente parcial em que se dá todo o conhecimento humano.