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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.32 Rio de Janeiro jun. 2016

 

TRABALHO CRÍTICO COM CONCEITOS

 

Psicologia das massas: método analógico?

 

Psychology of the masses: an analogic method?

 

 

Beatriz Elena Maya*

Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano
Fórum de Medellín
Fórum de Pereira
Universidad de Antioquia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo pretende mostrar como Jacques Lacan resolve a relação entre o singular e o coletivo que Freud reduz na frase "a psicologia individual é simultaneamente psicologia social", via a noção de massa, questionada pelo primeiro para situar o texto "Psicologia das massas e análise do eu" como a teoria da identificação, que lhe permitirá desenvolver a do sujeito, inicialmente, e a do parlêtre depois.

Palavras-chave: Sujeito, Identificação, Traço unário, Massa, Coletividade.


ABSTRACT

The present paper intends to show how Jacques Lacan equates the relationship between the singular and the collective that Freud reduces to the phrase "the individual psychology is simultaneously social psychology", through the notion of mass, questioned by the former to situate the textbook Psychology of the Masses and the Analysis of the Ego, as the theory of identification, which will allow him to initially develop the theory of the subject, and that of the parlêtre afterwards.

Keywords: Subject, Identification, Unary trait, Mass, Collectivity.


 

 

"Psicologia das massas e análise do eu" é um dos textos de Freud mais convocados para chamar a psicanálise a se ocupar do social, poderíamos dizer, dos laços sociais. Voltar a ele com o olhar de Jacques Lacan nos permitirá tornar relativa a demanda que se faz aos psicanalistas, ou melhor, dar um justo lugar a seu ato, sem que perca sua especificidade. Para isso, comecemos com uma citação do Seminário 19… ou pior, no qual Lacan (1971-72/2011, p. 167) diz o seguinte:

Uma coisa é evidente: o caráter-chave, no pensamento de Freud, do todos. A noção de massa, que ele herda desse imbecil do Gustave Le Bon, lhe serve para entificar esse todos […]. Toda essa psicologia de algo que se traduz por massas perde aquilo que trataria de ver aí, com um pouco de sorte, a natureza do não todos que a funda […].

Qual é a crítica evidente que Lacan faz a esse texto de Freud? O que é que ele descobre como algo que não vai na lógica da psicanálise que o próprio Freud fundou? Como voltar ao texto de Freud com semelhante consideração?

Podemos ignorar isso e ficarmos com o que Freud nos ensina sobre a massa, ou podemos ter como referente Lacan, que é um leitor judicioso de Freud, e considerar, em perspectiva, o que nos anuncia para ler com muito cuidado o texto que mencionamos.

Releiamos, pois, "Psicologia das massas e análise do eu" com uma pergunta: qual é o método empregado por Freud em sua investigação ou o que ele quer nos ensinar? Em princípio, podemos dizer que faz um estudo da questão sobre aquilo a que a noção de massa se refere. Indo a autores como Le Bon, McDougall e Trotter, encontra, em cada um deles, uma dificuldade, um obstáculo, que ele quer resolver. Não é nosso interesse confrontar Freud com o que esses autores disseram, mas assinalar a forma como ele se aproxima de suas teorias. O problema que Freud encontra em Le Bon está vinculado ao fato de que não dá resposta a esta pergunta que Freud (1921/s.d.) se faz: "Se os indivíduos do grupo se combinam numa unidade, deve haver certamente algo para uni-los, e esse elo poderia ser precisamente a coisa que é característica de um grupo".

Com relação à organização da massa que, segundo Freud, McDougall faz depender de certas condições, Freud (1921/s.d.) propõe uma tese: "A tarefa consiste em procurar na massa as mesmas propriedades que eram características do indivíduo e se apagaram pela formação de massa" (Ibid.); e introduz noções centrais que a clínica lhe forneceu, tais como identificação, sugestão e libido.

Acerca de Trotter, Freud (1921/s.d.) vê como problemático "[…] que não atende suficientemente ao papel do condutor dentro da massa" (Ibid.). E Freud responde a esse problema com o mito do pai da horda primitiva, tema retomado por Lacan muitas vezes até reduzi-lo a uma função lógica, desprendendo-o da orientação evolucionista de Darwin, que havia inspirado Freud. Mas qual seria a tese que quer desenvolver nesse texto? Freud (1921/s.d.) a resume com estas palavras que tantas vezes ouvimos citar:

Na vida anímica do indivíduo, o outro conta com total regularidade, como modelo, como objeto, como auxiliar e como inimigo, e por isso, desde o próprio começo, a psicologia individual é simultaneamente psicologia social neste sentido mais lato, mas inteiramente legítimo (FREUD, 1921/s.d.).

Uma tese que traz consigo a argumentação que vai requerer todo um desenvolvimento, por parte de Freud, para poder agregar algo novo ao que os três pesquisadores da massa, segundo ele, haviam feito. Porém, ainda que Freud coloque que há um estreito vínculo entre a psicologia individual e a psicologia das massas, ele vai criticar que os estudiosos das massas evitem o estreito vínculo do indivíduo com as primeiras pessoas com as quais têm contato e proponham, antes de tudo, uma pulsão social que determinaria a massa e esta, o indivíduo. Freud não crê que seja a massa, por seu número, o que determine o indivíduo e, muito menos, que este seja efeito de uma linhagem, casta ou instituição, e, melhor, vai dar a volta para fazer depender a massa do que aconteceu com o indivíduo. Mas que tipo de relação ou dependência se pode estabelecer entre a massa e o indivíduo? Que relação de causa/efeito podemos estabelecer?

Quando Freud analisa as duas espécies de massa estudadas por McDougall, a massa organizada e a não organizada, dá uma explicação para além do exposto por esse autor, pois diz (FREUD, 1921/s.d.): "Em nosso juízo, a condição que McDougall chama 'organização' de massa pode descrever-se mais apropriadamente de outro modo. A tarefa consiste em procurar na massa as mesmas propriedades que eram características do indivíduo e que se apagaram pela formação da massa", isto é, dota-se a massa com os atributos do indivíduo. Agora, que quer dizer esta expressão dotar? Podemos arriscar uma resposta no sentido de que o pesquisador da massa, Freud, situa as mesmas características na massa que descobriu na clínica ou em suas construções sobre o neurótico, isto é, como se houvesse uma solução de continuidade entre o individual e o coletivo, a massa como efeito do indivíduo, mas não o inverso.

Talvez seja a isso a que Lacan faz referência em uma nota de 1966, acrescentada a seu artigo "O tempo lógico e a afirmação de certeza antecipada", em que diz:

Que o leitor que prosseguir nesta coletânea volte à referência ao coletivo que é o que constitui o final deste artigo, para situar o que Freud produziu sob o registro da psicologia coletiva: o coletivo não é nada senão o sujeito do individual (LACAN, 1945/1998, p. 213).

Isto é, a massa e o coletivo dos prisioneiros podem ser explicados pelo individual e não ao contrário. Ademais, Lacan diferencia nesse artigo entre coletividade e generalidade, o que nos leva a ter isso em conta para diferenciá-los junto à noção de massa.

A explicação da libido e do amor como aquilo que uniria a massa, junto à necessidade que tem o indivíduo de um outro, é o que acrescenta Freud aos pesquisadores mencionados, segundo sua interpretação. Recordemos que ele disse, desde o projeto, que o inicial desamparo do ser humano é a fonte primordial de todos os motivos morais. Assim, Freud explicará o fenômeno de massas artificiais, como o exército e a igreja, pelos laços libidinais, duplos, ao condutor e entre os membros da massa.

Poderíamos resumir todo o desenvolvimento de sua tese em que existe uma relação analógica entre o que se passou no indivíduo e o que se passou na constituição de uma massa, obrigando-nos a pensar sobre o vínculo estabelecido entre a massa e o indivíduo, o outro. É tentador empregar as noções de Lacan e dizer, de maneira rápida, que há um traçado moebiano entre os dois, ou ainda pior, dizer que a massa é o Outro com inicial maiúscula, trabalhado por Lacan especialmente no Seminário, livro 16: De um Outro ao outro e no Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise.

Com relação à primeira saída, é demasiadamente fácil a solução e, portanto, suspeita, e, de referência à segunda, deveria ser considerada a primeira citação que trouxemos em que Lacan se contrapõe à noção de massa, o que implicaria que, de nenhuma maneira, lhe passou a ideia de identificar a massa e o Outro como iguais. Encontramos, porém, em Lacan, a massa associada ao discurso do amor, um dos que ele formaliza como via para pensar o vínculo entre o sujeito e o coletivo, desprendendo-se da noção de massa.

A propósito da pergunta que vínhamos fazendo sobre o método e, especificamente, o analógico, na segunda lição do Seminário, livro 10: A angústia, Lacan (1962-63/2005, pp. 25-37) se ocupa disso para pensar o método que deve empregar quem quer transmitir algo da psicanálise, e nos fala de dois métodos conhecidos: a via do catálogo, o método do análogo, e ainda propõe um terceiro, a função da chave. O primeiro, o do catálogo, conduz a classificações que levariam a uma aporia, porque em dita classificação, um elemento pode reduzir-se a outro, o que introduz becos sem saída, e, inclusive, uma infecundidade muito especial, diz Lacan.

Poderíamos pensar que, ao indagar Le Bon, McDougall e Trotter, Freud procede dessa maneira? Não, o que ele descobre é que eles procederam assim, assinalando os inconvenientes. Pois bem, com relação ao segundo método, o chamado por Lacan de análogo, ele diz:

Existe um outro método. Peço desculpas por me estender por tanto tempo, hoje, na questão do método, mas ela tem grande interesse prévio no tocante à oportunidade do que fazemos aqui, e não é à toa que a introduzo, vocês verão, com respeito à angústia. Eu o chamarei, para entrar em consonância com o termo anterior, de método do análogo.

Este nos levaria a discernir alguns níveis. Um livro, que hoje não citarei de outra maneira, apresenta uma tentativa de compilação dessa espécie, vendo-se nele, em capítulos separados, a angústia concebida biologicamente, depois sociologicamente e, em seguida, culturally, culturalmente, como eles dizem, porque o livro é inglês – como se bastasse revelar posições análogas, em níveis supostamente independentes, para fazer algo diferente de destacar não mais uma classificação, porém uma espécie de tipo […]. Sabemos a que leva tal método. Leva ao que é chamado de antropologia (LACAN, 1962-63/2005, pp. 29-30).

O que leva sempre, segundo ele, a um núcleo, e, à maneira de Jung, poderíamos dizer, uma generalização das coisas. Esse método do análogo ou analogia pode levar a psicanálise a perder sua especificidade, ali onde se acredita ver uma origem idêntica para dois assuntos como o sujeito e a massa, dito mais claramente, transformar o que é uma experiência singular em coletiva e fazer da psicanálise uma antropologia ou uma sociologia. Estaria Freud empregando esse método em seu texto mencionado? O título deste artigo o sugere, porém o interroga. Se olharmos em detalhe a maneira de Freud se conduzir, encontramos uma espécie de paralelismo entre a psicologia social e a psicologia individual, diria que depende da leitura que se faça do próprio Freud; podemos conduzi-lo a uma das duas vias expostas por Lacan. Mas podemos pensar o outro método que ele chama de chave e que, afirma, provém da experiência. Diz Lacan:

A experiência, ao contrário, conduz-nos à terceira via, que colocarei sob o indicador da função da chave. A chave é aquilo que abre e que, para abrir, funciona. A chave é a forma pela qual funciona ou não a função significante como tal […] é que a dimensão da chave é conatural a todo e qualquer ensino, analítico ou não (LACAN, 1962-63/2006, p. 30).

Ainda que este Seminário, livro 10 seja sobre a angústia, é o seminário no qual Lacan vai fundamentar, mais claramente, a teoria sobre o surgimento do sujeito a partir da estrutura, que ele havia iniciado no Seminário, livro 9: A identificação. A tese de entrada que Lacan (1962-63/2005, p. 31) propõe é: "só há aparecimento concebível de um sujeito como tal a partir da introdução primária de um significante, e do significante mais simples, aquele que é chamado de traço unário. O traço unário é anterior ao sujeito". Isso é o que define o método da chave, que qualifica de simplicidade, isto é, pensa-se o sujeito a partir do significante.

Digamos que a psicologia individual partiria desta premissa que introduz o grande tema desenvolvido, segundo Lacan, em "Psicologia das massas e análise do eu", e não é outro senão o da identificação. Em "De nossos antecedentes", artigo dos Escritos de Lacan, ele diz:

Nada há nisso que não se justifique pela tentativa de prevenir os mal-entendidos decorrentes da ideia de que haveria no sujeito seja lá o que for que corresponda a um aparelho – ou, como dizem em outros lugares, a uma função própria – do real. Ora, é a essa miragem que se consagra, na época atual, uma teoria do eu que, por se apoiar no reingresso que Freud assegura a essa instância em Análise do eu e psicologia das massas, comete um erro, já que não há nesse artigo outra coisa senão a teoria da identificação (LACAN, 1966/1998, pp. 72-73).

É que a noção de traço unário, Lacan a toma de Freud, justamente desse texto e é com ela que construirá sua teoria do sujeito. Assim, Lacan não se deixa enganar com esse artigo e não o vê como um texto sociológico nem antropológico, mas como a teoria da identificação da qual depende o sujeito, sobre o qual ele vai falar todo o tempo. Teoria do sujeito que vai construindo desde o sujeito da representação significante, que aparece em fading, apagado, até levá-lo à categoria de parlêtre, neologismo lacaniano que reúne em si mesmo noções tais como: inconsciente, corpo, ser, gozo, palavra, alíngua, entre outras, e que entroniza em uma "Conferência de imprensa em Roma", na qual Lacan (1974/1980) se refere a esse neologismo: "O parlêtre é uma maneira de expressar o inconsciente".

Centrar a atenção no tema da identificação faz com que Lacan conduza nosso olhar deste texto de "Psicologia das massas e análise do eu" para situar, de maneira precisa, o que é o individual em sua relação com o coletivo, entendido tal como Lacan o define em "O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada" (1945/1998, p. 212): "um grupo formado pelas relações recíprocas de um definido número de indivíduos" ou o individual em relação com a generalidade definida como "uma classe que abrange abstratamente um número indefinido de indivíduos" (Ibid.). Ficando claro isso, poder diferenciá-lo do que Lacan abomina como massa e dar à psicanálise seu justo lugar, em sua intervenção e seu olhar do social, é como se Lacan reconduzisse as coisas a um ponto de especificidade da psicanálise. Ali, onde Freud fala de massa, Lacan fala de linguagem e de discurso, que seria o que vincula o sujeito ao outro.

Então, Freud fala da influência da massa no indivíduo, produzindo um incremento do afeto e da inibição do pensamento, tomando como explicação a sugestão e a libido. Em "Psicologia das massas e análise do eu", Freud (1921/1979, p. 88) afirma que "[…] o indivíduo submete sua peculiaridade à massa e se deixa sugerir por outros", e acrescenta que "sente a necessidade de estar com eles e não de se opor a eles, talvez por amor deles". Introduz uma pergunta que temos de resolver e que se pode enunciar assim: o indivíduo que tem peculiaridade é o mesmo sujeito de que fala Lacan? A expressão indivíduo, em Freud, contempla as características que o próprio Lacan lhe dá no Seminário 20: Mais ainda, quando diz: "Minha hipótese é a de que o indivíduo que é afetado pelo inconsciente é o mesmo que constitui o que chamo de sujeito de um significante. O que enuncio nesta fórmula mínima de que um significante representa um sujeito para um outro significante" (LACAN, 1972-73/1985, p. 194).

E acrescentaria: a intervenção analítica levaria um indivíduo a descobrir sua peculiaridade, isto é, a se produzir como sujeito, e para isso deve descobrir de que maneira o coletivo o apaga em sua peculiaridade, digamos, em sua singularidade? É o Eu que Freud confronta com a massa, o mesmo sujeito que Lacan descreve como efeito da lógica coletiva e não da lógica da generalidade? É o parlêtre de que se ocupa a clínica psicanalítica, que é a clínica em direção ao real, via os enlaces e desenlaces do nó borromeano?

O assunto da particularidade ou da singularidade é levado por Lacan, em seu Seminário, livro 8: A transferência, à noção de traço unário ou einziger Zug, que Lacan (1960-61/2009, pp. 394-395) toma do capítulo "A identificação" de "Psicologia das massas e análise do eu". Ali, Freud (1921/s.d.) diz: "[…] a identificação é parcial, limitada em grau máximo, pois toma emprestado um único traço da pessoa objeto". É à expressão "traço único" que Lacan se prende para desenvolver a teoria, não apenas da identificação, mas também do sujeito. Esse assunto é a base para continuar o que segue no texto de Freud e que ele chama enamoramento e hipnose, no qual mais claramente se vê a relação entre o que se passa no indivíduo e o que se passa na massa, sem confundir um com a outra. Freud (1921/s.d.) diz: "Uma massa primária desta índole é uma multidão de indivíduos que puseram um objeto, um e ele próprio, no lugar de seu ideal do eu, e em consequência se identificaram entre si em seu eu. Essa condição admite representação gráfica".

 

 

O mesmo gráfico que Lacan toma em seu Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, para precisar o que pensa da experiência analítica em termos de separar o I do a contando que nela também se possa dar a hipnose de que há de prescindir, assim o diz Lacan: "Quem não sabe que foi ao se distinguir da hipnose que a análise se instituiu? Pois a mola fundamental da operação analítica é a manutenção da distância entre o I e o a" (1964/1973, p. 258).

Por isso, embora pareçam homólogos, a intervenção da psicanálise se dá no individual por efeito do coletivo, que chega por alíngua, tomada e transmitida pelas primeiras pessoas com quem se põe em contato a criança, imersa, desde o início, no banho da linguagem, em sua estrutura, e não do geral, que seria a massa; daí que, ao se intervir no individual, toma-se o coletivo também, dado que o traço vem do Outro, dando como resultado um sujeito que não é sem Outro, isto é, de um mais outro articulados.

Mas o que interessa a Freud é o mecanismo que se põe em jogo na formação da massa e, partindo da noção de libido, poderá situar duas coisas que a constituem: a existência do líder e a ligação de uns indivíduos com outros. A Lacan (1969-70/1992, p. 52), entretanto, interessa a marca do significante, como disse no Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise, marca de voluptuosidade que nada mais é que o próprio gozo, isto é, a marca do significante no corpo. É por isso que, na lição do Seminário, livro 19: …ou pior, onde assinala a crítica a esta noção de massa em Freud, ele vai se dedicar a pensar o traço unário, que levará ao Ideal do eu, sendo Lacan mais claro com esta noção do que o próprio Freud.

Desse modo, interessa mais a Lacan o saber sobre o gozo que se assegura da verdade proposta a partir do significante, enquanto para Freud interessava a verdade, quando, segundo Lacan (1971-72/inédito, Aula de 10/05/1972), "[…] cometeu um erro ao ligar o Eu à sua Massenpsychologie" e derivar dali "[…] o inacreditável da instituição na qual projetou o que denomina a economia do psiquismo". Sabemos que essa instituição é a IPA, que supõe ser uma Escola de sabedoria. Lacan zomba disso, porque a sabedoria é o saber sobre o gozo, mas um saber iniciático, como o chama.

Nesse seminário, precisa algo sobre o sujeito que, talvez, possa ir esclarecendo a pergunta deixada lá atrás sobre se é o mesmo que o indivíduo de que fala Freud. Esclarece Lacan (Ibid.):

A análise produz um sujeito que se recorta a partir do que, em minha lógica, o sujeito se esgota produzindo-se como efeito do significante […] sua exibição no sentido passivo adquire um sentido ativo e se impõe como demonstração ao ser falante, que a única coisa que pode fazer nesta ocasião é reconhecer não apenas que habita o significante, mas também que não é nada mais que sua marca.

Trata-se, então, de um sujeito que se produz na experiência sob transferência, um sujeito real impossível de ser nomeado, apenas mostrado em um ato, e que poderá, para o parlêtre, aparecer por sua palavra como a demonstração de uma marca de gozo que seu corpo leva.

Voltemos ao método de Freud. Este o levou a certo paralelismo, que poderíamos assimilar a uma analogia entre o que se passa em um indivíduo e o que se passa na massa, mas avançar em sua crítica sobre a proposta de Trotter, em relação ao instinto gregário, lhe permite afirmar que não se pode conceber a essência da massa descuidando do condutor, e, além disso, o que se encontra como espírito comunitário se desprende da inveja originária, levando assim a composição da massa como desprendida do que se passa em cada indivíduo.

Contudo, no capítulo intitulado "A massa e a horda primeva", Freud vê o que chamamos antes de solução de continuidade entre o indivíduo e a massa, quando afirma que a massa é um renascimento da horda primeva, e que esta, por sua vez, se conserva em cada indivíduo. Sabemos que alude à sua teoria da filogênese, que é necessário introduzir na linguagem para que não seja, como diz Lacan, o coelho que se tira da cartola.

Como vemos, não é tão simples dizer que "Psicologia das massas e análise do eu", junto a outros textos que se perguntam pelo coletivo, seja sociológico e que daí nos autorizemos a afirmar que a psicanálise deve ocupar-se da massa, do grupo, do coletivo. Não é necessário tal imperativo, porque se ocupar do individual inclui a lógica coletiva, dado que não existe sujeito sem a passagem pela linguagem e sem um Outro que propicie o traço necessário para que o sujeito se considere como tal.

Massa, grupo, lógica coletiva da generalidade, junto com civilização e cultura, serão noções indispensáveis para esclarecer e diferenciar; umas trazidas por Freud, e outras incluídas por Lacan para manter o rigor da experiência do real e do gozo, para onde levou toda a sua teoria e, portanto, a clínica.

Assim como Freud avançou com relação a McDougall, Trotter e Le Bon, Lacan o fez no que se refere a Freud, ao introduzir a linguagem como dobradiça entre o sujeito e o Outro. Passar da massa à lógica coletiva introduz a responsabilidade ética da eleição de gozo, para onde uma análise conduz seus analisantes.

 

Referências

FREUD, S. (1921). "Psicología de las masas y análisis del yo". In: Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu editores, 1979.         [ Links ]

LACAN, J. (1945). "O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada". In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.         [ Links ]

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__________. (1974). "Conferencia de prensa, 29 de octubre de 1974 en el Centro Cultural Francés en Roma". In: [Vários autores]. Actas de la Escuela Freudiana de París. Barcelona: Ed. Pretel, 1980.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: belemare@gmail.com

Recebido: 16/01/2016
Aprovado: 26/03/2016

 

 

Tradução: Solange Mendes da Fonsêca: Licenciada em Letras Neolatinas pela Universidade Federal da Bahia. Professora aposentada da Universidade Federal da Bahia (espanhol) e da Secretaria de Educação do Estado da Bahia (português, espanhol e francês). Revisora e tradutora de textos acadêmicos, artigos, ensaios, coletâneas, livros técnicos e literários. E-mail: solange_sossoh@yahoo.com.br
Revisão da tradução: Ida Freitas
* Psicanalista. AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano e Membro do Fórum de Medellín e Pereira. Autora de Poesía y Psicoanálisis un desciframiento del Bien-decir (Antioquia: Editorial Universidad de Antioquia, 2013). Professora titular da Universidad de Antioquia.

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