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Semina: Ciências Sociais e Humanas

versão On-line ISSN 1679-0383

Semin., Ciênc. Soc. Hum. vol.39 no.1 Londrina jan./jun. 2018

 

Artigos

Agenda legislativa da Confederação Nacional da Indústria no período da 54a e 55a legislatura federal

Legislative agenda of the National Confederation of Industry in the period of the 54th and 55th federal legislature

 

 

Igor Sulaiman Said Felicio Borck

Universidade Federal do Paraná

 


Resumo

Entender a dinâmica de funcionamento da democracia brasileira, perpassa compreender, como um grupo de pressão, detentor do capital privado nacional de cunho industrial, se organiza, para influenciar as tomadas de decisão na esfera legislativa federal, com intuito de favorecer seus interesses enquanto grupo social economicamente orientado e atuante, ou seja, organizado. Para realizar esse objetivo, procuramos nortear nosso trabalho a partir de algumas questões de pesquisa: 1) Como o empresariado industrial representado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) no período de 2010 a 2017 avalia sua relação com o poder legislativo? 2) Como essa avaliação revela padrões de ação política do empresariado industrial brasileiro, representado pela CNI no período estudado? Para responder a essas questões utilizamos como fonte de pesquisa, os relatórios da Confederação Nacional da Indústria (CNI), chamados Agenda Legislativa da Indústria 2010 a 2017, que são documentos construídos a partir dos Seminários RedIndústria da CNI. Como resultados, a pesquisa apontou que no total foram produzidas pelo Congresso Nacional, 158 decisões legislativas de um total de 502 projetos mapeados na agenda legislativa da CNI, sendo que desses, 96 casos são correspondência com a CNI, divididos em 44 correspondências positivas, mais, 52 correspondências negativas, contra 62 casos não-correspondência. A pesquisa concluiu que os dados permitem pensar em alguns padrões de ação política do empresariado industrial, como por exemplo, a ideia de que talvez, o esforço empreendido pela CNI para defender seus interesses perante o Congresso Nacional, seja mais efetivo no sentido de barrar propostas contrárias seus interesses, como nos casos das correspondências negativas que superam os casos positivos.

Palavras-chave: Legislativo Federal Brasileiro. Agenda legislativa da CNI e empresariado industrial.


Abstract

Understanding the dynamics of Brazilian democracy operates through the understanding of how a pressure group, the holder of national private industrial capital, is organized to influence decisionmaking in the federal legislative sphere, in order to favor its interests as a social group economically oriented and active, that is, organized. To accomplish this goal, we seek to guide our work based on some research questions: 1) How does the industrial business represented by the National Confederation of Industry (CNI) in the period from 2010 to 2017 assess its relationship with the legislature? 2) How does this evaluation reveal patterns of political action of Brazilian industrial entrepreneurs, represented by the CNI in the period studied? To answer these questions, we use the National Confederation of Industry (CNI) reports, called the Legislative Agenda for Industry 2010 to 2017, which are documents constructed from the RedIndústria Seminars of CNI. As a result, the research showed that a total of 158 legislative decisions were drafted by the National Congress, out of a total of 502 projects mapped on CNI’s legislative agenda, of which 96 correspond to the CNI, divided into 44 positive, 52 negative matches, versus 62 non-match cases. The research concluded that the data allow us to think of some patterns of political action of industrial entrepreneurship, such as the idea that perhaps the CNI’s effort to defend its interests before the National Congress is more effective in barring proposals contrary to their interests, as in cases of negative correspondence that outweighs positive cases.

Keywords: Brazilian Federal Legislative. Legislative agenda CNI, industrial business.


Introdução

A política brasileira é um campo de pesquisa multifacetado, que permite diversas entradas no tema, sabendo disso, neste trabalho, procuramos dar foco ao tema do empresariado industrial e a sua relação com o Congresso Nacional, dimensão fundamental da pesquisa em política brasileira. Entendemos por relação, a descrição feita por um grupo empresarial sobre sua ação, enquanto grupo de pressão organizado através da Confederação Nacional da Indústria (CNI), sobre as decisões legislativas a nível federal no período de 2010 a 2017, que abarcam a 54a e parte da 55a legislativa federal.

Entender a dinâmica de funcionamento da democracia brasileira, perpassa compreender, como um grupo de pressão, detentor do capital privado nacional de cunho industrial, se organiza, para influenciar as tomadas de decisão na esfera legislativa federal, com intuito de favorecer seus interesses enquanto grupo social economicamente orientado e atuante, ou seja, organizado.

Para realizar esse objetivo, buscamos nortear nosso trabalho a partir de algumas questões de pesquisa: 1) Como o empresariado industrial representado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) no período de 2010 a 2017 avalia sua relação com o poder legislativo? 2) Como essa avaliação revela padrões de ação política do empresariado industrial brasileiro, representado pela CNI no período estudado?

Para responder a essas questões utilizamos como fonte de pesquisa, os relatórios da Confederação Nacional da Indústria (CNI), chamados Agenda Legislativa da Indústria 2010 a 2017 (CASTRO; DINIZ; CEZAR, 2015, 2017), que são documentos construídos a partir dos Seminários RedIndústria da CNI.. Esses documentos oficiais da entidade, explicitam a posição política unificada dos empresários industriais representados pela CNI, sobre as proposituras legislativas em tramitação no Congresso Nacional que afetem seus interesses enquanto classe no período estudado.

Através da codificação dos relatórios, conseguimos extrair dados quantitativos sobre: tipo dos projetos, partidos, temáticas, autoria, tramitação e posição do empresariado industrial divididas em convergente, divergente ou ambas com ressalvas. Esses dados nos ajudaram a compreender melhor os padrões de ação política do empresariado industrial no Brasil.

Outro ponto fundamental foi a revisão de literatura, feita de maneira qualitativa sobre a temática do empresariado e o Estado, buscando extrair informações de obras clássicas da ciência política sobre o papel do empresariado no regime democrático.

O Empresariado na Literatura de Ciência Política

Começamos nossa análise sobre agenda legislativa da CNI, fazendo uma revisão de literatura sobre a temática do empresariado industrial, e sua relação com as esferas de poder do Estado brasileiro. Um dos primeiros trabalhos que procuramos apresentar, é o de Eli Diniz (1999), que buscou discutir a importância dos estudos do empresariado industrial pelas ciências sociais. Mais especificamente, a relação do grupo, com a política brasileira, e o quanto essa relação é importante para entendermos as dinâmicas de interesse de grupos organizados sobre as decisões políticas do regime democrático.

Eli Diniz (1999) elenca em seu texto, diversos pontos sobre a relação entre elite empresarial e o regime democrático, e suas implicações para globalização, daremos foco a análise da autora que ressalta a importância da atuação dos empresários perante as esferas de poder do Estado, que dão o ritmo as políticas econômicas em cada período específico de nossa história política e econômica.

Um desses pontos, diz respeito ao sistema corporativista de Estado1, onde o Estado traz para si, com a finalidade de controle, as entidades representativas das classes sociais. Este sistema é criticado por Diniz (1999), argumentando que ele é restrito e de baixo poder de incorporação. Mas apensar das críticas ao sistema, o que nos importa ressaltar, é que nesse sistema, os empresários participaram das estruturas decisórias do Estado, através da participação em comissões e conselhos econômicos vinculados a burocracia estatal através de suas entidades de representação, tal como fazem hoje em dia em sua atuação, evidenciando o quanto esse grupo esteve e está intrinsecamente ligado e formulação de políticas econômicas nacionais.

O sistema corporativo se desenvolveu de maneira setorial e bipartite, pois segundo Diniz (1999), excluiu da mesa de negociações a classe trabalhadora, fundamental para articulação de uma política multissetorial para economia. Nesse sentido, os pactos e alianças nacionais que ajudaram na implementação de políticas econômicas foram construídos com apenas alguns seguimentos produtivos nacionais, desfavorecendo a aglutinação de interesses nacionais coesos entre todas as classes produtoras, para a discussão de políticas econômicas promovidas pelo Estado brasileiro, condição essencial em um regime democrático eficiente.

Outro ponto fundamental para nosso debate, é que Diniz (1999) argumenta que o empresariado brasileiro foi muito orgânico em sua atuação frente ao Estado nos períodos de instabilidade econômica, anteriores as reformas econômicas do Plano Real da década de 90. Segunda a autora, a partir da implementação de novas políticas monetárias, o país começou a se estabilizar, e isso acarretou no esvaziamento político2 das entidades de classe do empresariado brasileiro, que passaram por um refluxo organizacional nesse período.

Além de estarem menos organizados, a prática do lobby3 pela classe empresarial era dispersa e as vezes feita fora das entidades de representação, a prática do lobby era feita de forma desorganizada e dispersa, sem uma centralidade política de representação empresarial, que poderia ocorrer, através de uma entidade de cúpula nacional, capaz de representar os interesses da classe empresarial como um todo, dessa forma, se criou uma estrutura híbrida e multipolar de representação, o que ocasionou mais fragmentação dos empresários perante o Estado.

Quando pensamos nessa noção de fragmentação, um de seus atenuantes está ligado a outro ponto fundamental: os valores políticos do empresariado. Diniz (1999) traz dados, sobre pesquisas realizadas entre 1991 e 19934 sobre os valores políticos da elite empresarial, que mostraram o contraste entre uma visão sindical com fortes valores ligados a democracia e uma outra com valores focados na lucratividade do setor empresarial, essa dicotomia entre valores, somada a dispersão, segundo a autora fez com que o empresariado se encontrasse muito disperso no início da década de 90.

Segundo Diniz (1999) o quadro só vai se reverter na eleição de 1998, quando o empresariado, forcado a se organizar novamente por conta das instabilidades econômicas, vê uma oportunidade de participar de maneira mais ativa das decisões políticas através do processo eleitoral. Foi na eleição de 19985, que o empresariado voltou a se mobilizar de maneira intensa, apoiando candidatos, lançando candidaturas, para de maneira mais incisiva buscar nas arenas estatais a resolução dos problemas das crises econômicas internacionais que afetam a lucratividade do setor no período.

Mesmo com esse aumento da participação política do empresariado a partir de 1998, a fragmentação6 e heterogeneidade ideológica do empresariado brasileiro persistiu, e se tornaram traços históricos consolidados do grupo. Além disso, Diniz (1999) argumenta que a falta de uma entidade de cúpula representativa de terceiro grau, atenua a fragmentação do grupo. Nos dados que apresentaremos mais a frente, na seção de resultados, o empresariado industrial, representado pela CNI, apresenta alguns dados sobre sua relação com o Congresso Nacional, e se mostra satisfeito com o grau de correspondência entre seus interesses e a produção legislativa federal, o que pode apontar que esse quadro de fragmentação diminuiu. Mas por enquanto, vamos continuar nossa revisão de literatura.

Um outro trabalho que dialoga com Diniz (1999), é o de Braga (2002), que buscou discutir as alternativas de desenvolvimento na redemocratização de 1945 a 1946, tomando como objeto de estudo as elites políticas da constituinte de 1946. Nesta obra, o autor busca apresentar os desafios enfrentados pela pelas classes políticas e econômicas no contexto da redemocratização da década de 40, sobre os rumos do desenvolvimento econômico nacional. Notamos que desde desse período as elites empresariais promovem forte pressão sobre os agentes públicos, como fizeram no I Congresso Brasileiro de Economia no Rio de Janeiro7, buscando influenciar a direção das políticas econômicas.

Entrando em trabalhos mais recentes sobre o tema, encontramos o trabalho de Jessé de Souza (2016), onde o autor diz que o empresariado, ocupava um papel central na governabilidade8 do Estado brasileiro, conforme descreve, houve uma aliança entre os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), de 2003 a 2016, e a burguesia nacional rentista, agroexportadora e a chamada “boa burguesia” a industrial, o conhecido empresariado industrial.

Souza (2016) explica em sua obra como essa aliança era frágil e que por vezes se rompia por ambos os lados, mas o que importa ressaltar, para fim de análise, é que diversos autores, de várias matrizes teóricas apontam o empresariado industrial como um grupo político de pressão, muito importante para o regime democrático.

Para o autor, o tipo de aliança ou relação que o Governo Executivo Federal estabelece com o empresariado brasileiro, a partir de uma forma de governar específica, é fundamental para estabilidade ou instabilidade do regime democrático, e que isso implica em maior ou menor fragmentação do Congresso Nacional e das forças de sustentação do Governo Federal. Segundo Souza (2016), após a eleição de Dilma em 201010, houve um rompimento do governo com a burguesia rentista, o empresariado do sistema financeiro, o que isso foi importante para o começar a derrocada dos Governos de Dilma (2011 a 2016).

Outro texto que chama atenção para importância da influência do empresariado brasileiro na política brasileira é o de Décio Saes (2017), onde o autor busca apresentar um quadro histórico e político sobre o capitalismo que se desenvolveu no Brasil, atrelado ao sistema político e o papel da burguesia nesses processos. Segundo Saes (2017) a influência10 política do empresariado brasileiro vem aumentando em uma curva histórica de 1956 a 2002, através do bem-sucedido trabalho de ganho de incentivos fiscais e legislação favorável perante as arenas decisórias do Estado brasileiro.

Saes (2017) discute a dificuldade11 já apontada por Souza (2016), das gestões petistas do Governo Federal, em formar alianças sólidas com o empresariado, pois suas bases sociais, tem interesses diferentes do empresariado brasileiro. O autor chama atenção para a dificuldade de se estabelecer um equilíbrio entre o projeto partidário e a governabilidade a partir das relações com as classes sociais, principalmente as elites econômicas que podem, quando querem, enfraquecer um governo. Porém ele argumenta que esse equilíbrio se mostra fundamental para manutenção do regime democrático em sintonia com o sistema capitalista de mercado.

Em última instância, para Saes (2017) o Estado brasileiro é capitalista12, sendo assim, é um Estado burguês, não tendo vocação nem para o autoritarismo nem para democracia, mas que as variações nos regimes políticos entre esses dois extremos, são normais, na medida que expressam as relações entre as classes sociais que compõem a sociedade.

Pensando em momentos de estabilidade e instabilidade do regime democrático, podemos destacar, o trabalho de Bertholini e Pereira (2017), onde os autores discutem os custos de uma coalizão presidencial13, e que dialoga com textos aqui já apresentados sobre a dificuldade de atender a demanda de bases de apoio heterogêneas, com interesses conflitantes e enormes distâncias ideológicas. Segundo os autores o ideal na gerência da coalizão é formá-las com um número reduzido de parceiros políticos, com seguimentos mais homogêneos, e que nessa estrutura haja compartilhamento do poder entre os aliados, para que assim o Presidente tenha estabilidade para governar.

Nesse modelo ideal de gerência da coalizão os autores levam em consideração a atuação de grupos de interesse, como uma variável que determina o custo da coalizão, evidenciando em mais um trabalho, a relevância e importância do estudo sobre o empresariado brasileiro e sua relação com o regime democrático.

Um outro autor fundamental para essa pesquisa foi Mancuso (2004)14 que em sua pesquisa estava preocupado em saber como um grupo, formado por atores heterogêneos, com interesses diversos, conseguiu construir, uma forma de ação coletiva eficiente, considerada de sucesso, porque conseguiu – conforme demostrou o autor – reduzir o Custo Brasil para o ambiente de negócios industriais, ou seja, construíram uma agenda positiva para o país, voltado aos interesses da indústria nacional, em conjunto com o congresso nacional ao longo de 1996 a 2003. Passada essa breve revisão de literatura procuramos discutir os dados coletados por essa pesquisa, para tentar contribuir para esse debate.

Agenda Legislativa da CNI

A partir da análise dos dados dos Relatórios da CNI sobre sua Agenda Legislativa no período de 2010 a 2017, foram mapeadas 502 proposituras legislativas em tramitação no Congresso Nacional e que tiveram algum tipo de acompanhamento político e institucional da CNI e apareceram em seus relatórios, fontes desta pesquisa15.

Através da codificação e interpretação dos dados constamos que a maioria das proposituras legislativas apresentadas para tramitação no período de 2010 a 2017 foi feita pela Câmara dos Deputados, que de um total de 502, apresentou 266 projetos, seguido do Senado da República com 194 projetos e depois do Poder Executivo com 42 projetos.

Mas, antes de discutir esses dados, vamos apresentar algumas categorias analíticas usadas na pesquisa, para melhor compreensão do debate aqui proposto. Primeiro a noção de decisões legislativas, ou seja, apesar de um projeto de lei ser apresentado, ele pode ficar em tramitação por tempo indeterminado e também pode ser apensado a outro projeto, por isso, consideramos para fins de análise, somente projetos que tiveram alguma decisão legislativa, no sentido de serem aprovados, rejeitados, retirados ou arquivados, isso reduziu nosso escopo de pesquisa para 158 decisões legislativas.

Logo em seguida, para categorizar essas decisões legislativas, apresentamos a noção de correspondência, ou seja, a partir do cruzamento do posicionamento político da CNI expresso em seus relatórios, como: convergente ou divergente, e ambos com ressalvas, com a decisão legislativa final, é que classificamos como correspondência todos os projetos que tiveram alguma decisão legislativa em correspondência com a posição da CNI, e o contrário, classificamos como não-correspondência.

Para maior entendimento da noção de correspondência, foram considerados como correspondência positiva quando o projeto avaliado como convergente com os interesses da CNI foi aprovado, e como correspondência negativa quando o projeto avaliado como divergente foi arquivado, retirado pelo autor ou rejeitado.

Apresentadas as categorias, que dão maior compressão aos dados produzidos, é que começamos a discutir os resultados no quadro 1:

 

No total foram produzidas pelo Congresso Nacional, 158 decisões legislativas de um total de 502 projetos apresentados no período estudado, sendo que desses, 96 casos são correspondência, divididos em 44 correspondências positivas, mais, 52 correspondências negativas, contra 62 casos não-correspondência.

Notamos que apesar da Câmara dos Deputados ser maior proponente de projetos, com 266 propostas, é a que produz menos correspondência positiva, com apenas 9 casos de acordo com os interesses da CNI e de seus representados, por outro lado ela produziu 32 casos de correspondência negativa, ou seja, aqueles casos em que a CNI teve que gastar recursos políticos para barrar propostas de leis que eram divergentes de seus interesses. Além disso a Câmara dos Deputados produziu 31 casos de não correspondência, o maior índice entre os três proponentes.

O dado mais interessante é que o Poder Executivo Federal apesar de ser quem menos apresenta projeto é o que produz mais decisões legislativas, através de seu poder de agenda, e além disso, também é o autor que mais produz correspondência positiva com a CNI, com um total de 20 casos, e zero casos de correspondência negativa, contra 11 casos de não correspondência.

Os dados mostram que o custo político de conseguir uma decisão legislativa é alto, dado o volume de projetos em comparação com a quantidade de resultados legislativos, porém, a CNI avalia esse quadro geral como positivo, pois tem conseguido um índice de correspondência maior do que o de não correspondência, apesar da correspondência positiva, ser menor do que a negativa, mesmo assim a entidade avalia como positiva sua atuação e continua investindo seus recursos políticos e institucionais para garantir a continuidade do trabalho de pressão sobre o Congresso Nacional.

No gráfico a seguir apresentamos um pouco do discurso da CNI sobre sua relação com o Congresso Nacional, evidenciando como sua avaliação positiva sobre a produção legislativa, importante esfera de poder do regime democrático. Notemos que a CNI declara que 68% dos projetos que tramitaram no período de 2011 a 2015 tramitaram de acordo com seus interesses:

 

Conclusão

Após discutir os dados, concluímos que o formato institucional da CNI, conforme demostramos ao longo do texto, permite promover uma ação coletiva eficaz, no sentido de criar uma agenda comum de interesses legislativos de atores políticos heterogêneos, no caso, os empresários industriais que atuam no mercado nacional.

Os resultados da pesquisa permitem algumas conclusões sobre os padrões de ação política do empresariado industrial, como por exemplo, permite pensar na ideia de que talvez, o esforço empreendido pela CNI para defender seus interesses perante o Congresso Nacional, seja mais efetivo no sentido de barrar propostas contrárias seus interesses, como nos casos das correspondências negativas que superam os casos positivos.

Outra conclusão importante é que apesar do esforço da Câmara dos Deputados e do Senado da República em serem protagonistas da produção legislativa sobre industrialização o real protagonismo se encontra concentrado nas mãos do Poder Executivo, que a principal frente de atuação da CNI frente ao Estado Brasileiro.

Os dados sobre a agenda legislativa da CNI mostram um alto grau de convergência entre a produção legislativa e os interesses da CNI, apresentados em sua agenda legislativa. O que pode nos indicar que há um alto grau de satisfação do empresariado industrial e o regime democrático, o que implica em uma valorização da democracia por esse seguimento social detentor do capital privado industrial nacional. Mas são questões que demandariam outra pesquisa específica, e que esta não dá conta de responder.

Por fim, os resultados de nossa pesquisa sugerem algumas questões que se colocam para estudos futuros:

1) A necessidade de entender melhor a relação entre as decisões legislativas e a posição da CNI, através de uma análise de correspondência entre as posições da CNI e do Congresso Nacional, em uma série histórica, que abranja mais que um ano. Entendemos por correspondência, o encontro entre a posição política da CNI e da decisão legislativa produzida pelo Congresso Nacional.

2) A necessidade de analisar o grau de efetividade da ação coletiva promovida pela CNI com relação a produção legislativa feita pelo Congresso Nacional através de análises quantitativas e estudos de caso.

 

Referências

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Tramitação

Recebido em: 20 fev. 2018

Aceito em: 20 jun. 2018

 

Notas

1 Em contraste, no Brasil, implantou-se o corporativismo de Estado, de teor restrito, segmentado e de baixo poder de incorporação. Esse sistema promoveu a participação dos empresários na estrutura decisória das comissões e dos conselhos econômicos integrados à burocracia governamental, entre os anos 30 e 80, mas excluiu os trabalhadores, presentes apenas em alguns órgãos ligados às questões trabalhistas e previdenciárias. Consolidou-se um corporativismo setorial e bipartite, destituído de arenas multissetoriais de negociação e de espaços de interlocução capital-trabalho, desestimulando a aglutinação de interesses. Essa é a razão pela qual, táticas de articulação de pactos e alianças de amplo espectro, envolvendo os interesses sindicais, características do desenvolvimento do capitalismo europeu, estiveram ausentes entre nós. (DINIZ, 1999, p. 165).

2 É sobretudo a partir do Governo Itamar Franco que se observa um gradual refluxo da mobilização empresarial, alcançando seu ponto máximo ao longo dos três primeiros anos do Governo Fernando Henrique Cardoso — 1995-97 — período que corresponde ao êxito da política de estabilização econômica do novo governo com o Plano Real. Nesta última fase, verifica-se um retraimento das organizações de representação de interesses, tanto do lado do capital quanto do trabalho, com o esvaziamento político de entidades do porte da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), diante de um estilo francamente tecnocrático de governo, do avanço da reestruturação produtiva, da expansão dos índices de queda da produção e do emprego, com a desativação de inúmeros setores industriais e um processo de desnacionalização de ampla envergadura, que atingiu vários setores econômicos, inclusive o financeiro. Quais as principais etapas desse percurso e quais as perspectivas para o início do próximo milênio? Eis as perguntas a que este texto pretende responder. (DINIZ, 1999, p. 164).

3 Observou-se, ainda, uma ampla atuação pela via dos partidos políticos e a generalização da prática do lobby, que veio a consagrarse como um instrumento rotineiro de pressão. Evoluiu-se, assim, para uma estrutura híbrida e multipolar de representação, acentuando-se a tendência histórica à fragmentação. A falta de um perfil nítido, ao lado da ausência de uma entidade de cúpula de caráter abrangente e alto teor de representação, capaz de funcionar como porta-voz da classe empresarial como um todo, persistiriam como um traço distintivo dessa estrutura organizacional. (DINIZ, 1999, p. 165).

4 Pesquisas realizadas em 1991 e 1993 mostraram não o declínio da distância ideológica, mas o contraste entre uma subcultura sindical com forte ênfase na dimensão social da democracia e uma visão empresarial unilateralmente identificada com os valores ligados ao aumento da eficiência e da lucratividade das atividades empresariais no processo de reestruturação produtiva em curso (DINIZ, BOSCHI, 1993b; DINIZ, BOSCHI, 1997; LIMA, CHEIBUB, 1994 apud DINIZ, 1999, p. 166).

5 A instabilidade do País e o aumento do grau de incerteza em face das crises internacionais cíclicas aumentaram a inquietação nos meios empresariais, estimulando a busca de soluções e o aumento da participação. Assim, observou-se uma forte mobilização em torno das eleições gerais de outubro de 1998, não só em apoio a candidatos considerados afinados com as propostas do setor, como investindo em candidatos próprios. (DINIZ, 1999, p. 173).

6 O quadro resultante é complexo e multifacetado. A heterogeneidade e a fragmentação da estrutura de representação dos interesses empresariais, traços historicamente consolidados, persistem, manifestando-se pela coexistência de diferentes segmentos, com características diversas e orientações também diferenciadas, em alguns casos, contraditórias. […]. Além disso, não se observou o surgimento de uma liderança empresarial alternativa, de projeção nacional, capaz de exercer o papel de porta-voz da classe como um todo, ou que tenha condições de expressar um novo consenso em torno de uma via alternativa de desenvolvimento. (DINIZ, 1999, p. 173-174).

7 Para os fins deste artigo, basta destacar que as discussões ocorridas na Constituinte de 1946 foram um “momento” dos amplos e intensos conflitos e debates políticos envolvendo as diferentes correntes de pensamento econômico que determinaram, e foram simultâneos ao contexto de crise do Estado Novo — debates estes cujo marco inicial pode ser considerado a realização do I Congresso Brasileiro de Economia no Rio de Janeiro, em novembro/dezembro de 1943, organizado sob os auspícios da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), o qual contou com a participação de diversas associações de classe representativas de variados segmentos empresariais. Nesse Congresso, após um longo período de “debate interditado” pela ditadura estadonovista, os diversos segmentos dos grupos dominantes nacionais vieram a público expor seus pontos de vista sobre temas econômicos, muitos deles inclusive divergentes das diretrizes econômico-financeiras e não implementadas pelo Governo Central. (BRAGA, 2002, p. 179).

8 Na outra ponta, uma esquerda que sempre sonhou com compromissos com uma “boa burguesia”, a fração industrial da classe dominante, e que sempre foi “traída” nesse amor não correspondido, tem que se pensar e se organizar de modo completamente novo a partir de agora. É uma esquerda que, no fundo, nunca teve uma concepção própria da realidade brasileira e, por couta disso, sempre foi colonizada discursivamente pela direita que “tirava onda” de crítica. Uma esquerda que sempre imaginou que bastava um plano econômico alternativo, sem uma reflexão autônoma também sobre o Estado e sobre a sociedade, para construir um projeto de sociedade. (SOUZA, 2016, p. 17).

9 A presidenta eleita logrou, inclusive, criar popularidade com foro próprio na medida em que até mesmo os setores conservadores da classe média a preferiam, por sua origem de classe menos popular, ao presidente Lula. Confiante na sua recém-conquistada popularidade, a presidenta lançou então sua jogada maiá arriscada: romper o acordo rentista que havia possibilitado a relativa tranquilidade do segundo mandato de Lula como presidente. O projeto evocava claramente o sonho secular da esquerda brasileira da procura pela “boa burguesia”. Agora, como sempre, o alvo do amor não correspondido era a burguesia industrial. (SOUZA, 2016, p. 63).

10 Em termos políticos, a influência da burguesia associada delineou uma curva ascendente no período 1956 – 2002, que abrange a fase final do período populista, a integralidade do regime militar e o primeiro decênio da Nova República. Essa influência se manifestou regularmente através da obtenção de vantagens fiscais e creditícias para os investimentos estrangeiros, bem como de uma legislação favorável a remessa de lucros e ao pagamento de patentes. (SAES, 2017, p. 23).

11 Essa e a raiz sociológica do principal problema político enfrentado pela gestão petista: ao buscar representar politicamente um segmento frágil da burguesia, o governo federal tem de procurar a ampliação de sua base social de apoio. Para atingir esse objetivo, o governo federal poderia, em tese, executar reformas sociais profundas, que beneficiassem as classes trabalhadoras. Na prática, porém, um programa desse tipo colocaria a equipe governamental em rota de colisão com o conjunto da classe dominante, e, mais especificamente, com a burguesia interna, que difunde na mídia a temática conservadora do “custo Brasil”, utilizando-a como arma da crítica a legislação social e trabalhista vigente. (SAES, 2017, p. 23-24).

12 Esta e, portanto, a nossa conclusão mais geral sobre a configuração do processo político ao longo da história do capitalismo brasileiro (transição, reprodução ampliada): o Brasil capitalista não revela nenhuma vocação orgânica para o autoritarismo, assim como também não evidencia nenhuma vocação orgânica para a democracia. A ocorrência de variações no regime político, dentro do quadro institucional geral do Estado burgues, depende sempre do estado das relações políticas entre as classes sociais e/ou dentro das classes sociais; e essas relações estão em última instancia conectadas com o padrão assumido pelo desenvolvimento capitalista no pais. (SAES, 2017, p. 27).

13 Ou seja, se o presidente não faz o “dever de casa”, ao montar coalizões com um menor número de parceiros, ideologicamente homogêneas, e não compartilha poder de forma proporcional com seus aliados, não importa o quanto gaste, ele não consegue mais apoio do Legislativo. Se existe algum problema no presidencialismo multipartidário brasileiro, não seria de desenho institucional, mas fundamentalmente de gerência da coalizão. As cicatrizes são, em geral, autoinfligidas. (BERTHOLINI; PEREIRA, 2017, p. 547).

14 Como explicar o fato de a indústria no Brasil, em meados da década de 90, ter sido capaz de superar os problemas de ação coletiva típicos de um grupo formado por muitos atores heterogêneos e de adotar uma agenda comum formada por temas que superam as clivagens que dividem as empresas em função da competição pelo mercado, ou do seu porte, ou do ramo de atividade em que atuam? Como explicar, enfim, que a redução do custo Brasil se tenha constituído na síntese da agenda política do empresariado industrial? (MANCUSO, 2004, p. 506).

15 Os relatórios anuais da CNI sobre sua agenda legislativa podem ser encontrados no portal eletrônico através do link: http://www.portaldaindustria.com.br/cni/canais/agenda-legislativa-home/

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