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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.5 n.1 São Paulo jun. 2004

 

ARTIGOS

 

Um estudo intracultural dos indicadores da relação familiar

 

An intracultural study about the indicators of familiar relationship

 

 

Nilton S. Formiga 1

Universidade Federal da Paraíba

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é obter a precisão dos indicadores da internalidade da relação familiar. Esse instrumento desenvolvido por Formiga e colaboradores (2003) avalia o grau de importância que o jovem atribui a oito (8) frases e adjetivos para sua boa relação familiar; estes devem ser respondidos numa escala Likert de cinco pontos. Três amostras compuseram o estudo: uma com 490 sujeitos, a segunda com 390 e, por fim, a terceira com 504 jovens da cidade de Palmas, TO. Em todas as amostras os respondentes eram de ambos os sexos e idade entre 11 e 20 anos. A aplicação do instrumento foi coletiva nas salas de aula, garantindo assim o anonimato das respostas. Os resultados confirmaram a existência unifatorial da escala, bem como, sua fidedignidade com alfas acima de 0,80 para as amostras estudadas.

Palavras-chave: Relação familiar, Jovens, Precisão, Escala.


ABSTRACT

The goal of this study is to get the accuracy of the indicators of familiar relationship. This instrument was developed by Formiga et al. (2003) and evaluates the importance that young person assign to eight sentences and adjectives for a good familiar relationship. This study is composed by three samples: one with 490 subjects, another with 390 subjects, and finally one with 504 youth. The samples was carried out in the city of Palmas (Tocantins). In all of them the respondents are both female and male, among 11and 20 years old. The results have confirmed an unifatorial existence of the scale, as well as its reliability with alphas above 0,80 for the studied samples.

Keywords: Family relationship, Young, Accuracy, Scale.


 

 

Introdução

Nos últimos anos, vem se cogitando a respeito do poder de influência que a família tem, direta e indiretamente, nas atitudes e nos comportamentos dos jovens em sociedade, bem como sua organização e estrutura interna, sendo assim foco de interesse nos estudos da ciência humana e social (Guareschi, 2003). Apesar da crise psicossocial que sofre, ela ainda é responsável pela promoção de comportamentos socialmente desejáveis dos membros que a compõem (Brenner & Fox, 1998; Bolsoni-Silva & Marturano, 2002; Formiga et al. 2003c). A preocupação que se tem com a família, em geral, relaciona-se à formação e socialização valorativa que as pessoas que a formam passam (seja na sua internalidade ou externalidade) para os adolescentes. De fato, o que é mais significativo para uma boa relação familiar?

Para Formiga et al. (2003) e Osório (1989), o relacionamento familiar é um fator de extrema importância na vida do adolescente, tendo influência direta na formação do comportamento social. Apesar de essa fase – a adolescência – se apresentar para os jovens com uma expressiva necessidade de autonomia, tanto em relação aos pais e laços familiares quanto à sociedade e suas exigências, ainda assim parece não ser dissolvida com facilidade a condição de seguir uma norma (Outeiral, 1994). Dessa maneira, mesmo que possa ser mínima a relação entre independência e interdependência, seguir certas normas não somente contribui para proteção física e social, como também para bem-estar psicológico (cf. Wagner, Ribeiro, Arteche & Bornholdt, 1999; Formiga & Fachini, 2003) desses jovens e a estabilidade socioemocional de seu ambiente familiar (Bee, 1997).

De fato, a família como o primeiro grupo social na qual a pessoa está inclusa é responsável por sua formação individual e social. Porém, fatos cotidianos têm atentado para uma maior atenção dinâmica interna da família e sua relação com os comportamentos dos jovens. Notícias de assassinatos, uso de drogas, etc., enfim, condutas que permeiam a delinqüência vêm salientar uma preocupação com a valorização da mesma e o mantenimento moral e valorativo do jovem, bem como para o decorrer de sua vida adulta (cf. Schneider, 2001). Assim, é bem lógica a afirmação de Domingues (2002) a respeito da família; para esse autor, essa instituição tem como papel funcional a integração entre seus membros, “a família é uma forma básica de ajuda mutua e suporte material e emocional, um local para nutrir e criar as gerações futuras” (p. 192).

Dessa forma, seja em relação ao próprio individuo ou a sociedade em geral, a família é a base para um funcionamento adequado entre dimensões que visam a uma formação moral, social e psicológica, as quais se complementam. Assim, avaliar os processos socioeducativos na vida familiar parece não ser algo tão simples e muito menos recente (cf. Bee, 1997), pois não somente objetiva apontar as atitudes dos pais, mas também, dos filhos diante das internalidade da valoração da família e suas normas sociais (Molpeceres, Llinares & Musitu, 2000; Formiga & Fachini, 2003). Por exemplo, um estudo realizado por Costa, Formiga, Gouveia e Andrade (2003) comprovou que indicadores como: confiança, afeto e carinho, união entre toda a família, boa relação conjugal entre os pais e disposição ao perdão, os quais, para os respondentes, visam a uma boa relação familiar, são capazes de inibir condutas que permeiam a delinqüência. Assim, tais indicadores podem ser significativos para a vida dos componentes da família e para o seu conjunto.

Partindo desse pressuposto, Formiga, Fachini, Curado e Teixeira (2003) elaboraram uma escala visando a avaliar a dinâmica interna da família, além de buscar sua validade de construto e confiabilidade psicométrica. Como esperado, a escala apresentou indicadores estatísticos aceitáveis e confiáveis. De fato, tem-se encontrado uma quantidade de estudos capazes de avaliar as práticas parentais e organização familiar em relação à orientação das condutas dos adolescentes (cf. Magagnin, 1998; Peçanha & Pérez-Ramos, 1999; Costa, Gomes & Teixera, 2000; Formiga et al. 2003b), porém não foi encontrado um que apresentasse uma maior especificidade quanto à importância que o jovem atribui para sua relação familiar. Tomando como base a pesquisa destacada nesse parágrafo (Formiga et al. 2003b), objetivou-se no presente estudo avaliar a consistência desse instrumento intraculturalmente. Para tanto, a aplicação do mesmo foi distribuída em diferentes pontos da cidade de Palmas, TO, considerando, principalmente, as condições sociodemográficas de cada setor na cidade.

Dessa forma, espera-se que os indicadores da relação familiar: Compreensão, disposição ao perdão, Confiança, afeto e carinho, União entre toda a família e Boa relação conjugal dos pais, apresentem estrutura fatorial correspondente à encontrada na Análise Fatorial Confirmatória (AFC) por Formiga et al. (2003b), bem como alfa equivalente.

 

Método

Amostra

Três amostras foram utilizadas distribuídas igualmente no nível escolar fundamental e médio, da rede privada e pública de educação da cidade Palmas. Os respondentes tinham idades entre 11 e 20 anos, de ambos os sexos; nas amostras, predominou a participação de mulheres: na primeira com 490 sujeitos, observou-se que 58% deles eram mulheres; na segunda composta por 390 sujeitos, 64% também eram mulheres, e por fim, na terceira com 504 sujeitos 72% eram do sexo feminino. Tais amostras foram não probabilísticas, podendo ser definidas como intencionais, pois se considerou a pessoa que, consultada, se dispusera a colaborar respondendo o questionário quando apresentado.

Instrumentos

Os participantes responderam um questionário composto pelas seguintes medidas:

Indicadores da relação da dinâmica familiar (Formiga, Fachini, Curado & Teixeira, 2003). O instrumento era composto por oito itens que avaliavam o grau de importância para cada sujeito quanto a sua boa relação familiar (por exemplo, confiança; afeto e carinho; ter uma estrutura econômica boa; liberdade; união entre toda a família; boa relação conjugal entre os pais e disposição ao perdão). Para respondê-lo o jovem deveria ler cada item e indicar o grau de importância que eles teriam para sua relação familiar, marcando com um X ou circulando um número na escala de seis pontos, tipo Likert, a qual variava de 0 = Nada a 5 = Totalmente.

Caracterização Sociodemográfica. Foram elaboradas perguntas que contribuíram para caracterizar os participantes desse estudo (por exemplo, sexo, idade e classe social), além de ser realizado um controle estatístico de algum atributo que pudesse interferir diretamente nos seus resultados.

Procedimento

Para a aplicação do instrumento, inicialmente o responsável pela coleta dos dados visitou a coordenação ou diretoria das instituições de ensino, falando diretamente com os diretores e/ou coordenadores para depois tentar a permissão com os professores responsáveis de cada disciplina, procurando obter sua autorização para ocupar uma aula e aplicar os questionários. Depois de obtida a autorização, os estudantes foram contatados. Foram-lhes expostos os objetivos da pesquisa, solicitando sua participação voluntária. Aplicadores, previamente treinados, estiveram presentes em sala de aula. Sua tarefa consistiu em apresentar os instrumentos, solucionar as eventuais dúvidas. Para finalizar a aplicação assegurou-se a todos o anonimato de suas respostas.

Tabulação e Análise dos Dados

No que se refere à análise dos dados dessa pesquisa, utilizou-se a versão 11.0 do pacote estatístico SPSS para Windows. Foram computadas estatísticas descritivas (medidas de tendência central e de dispersão) e efetuadas análises dos principais componentes (PC) e o Alpha de Cronbach (a).

 

Resultados

Tendo como objetivo principal do estudo, avaliar a precisão dos indicadores da relação familiar, considerando tanto sua estrutura quanto a consistência interna realizou-se uma análise dos principais componentes (PC). Para isso foram utilizadas três amostras da cidade de Palmas, TO (N1 = 490 sujeitos, N2 = 390 sujeitos e N3 = 504), visando a atingir o objetivo principal. Para a amostra N1 (ver tabela 1) o uso dessa técnica se mostrou meritória (KMO = 0,89; Teste de Esfericidade de Bartlett, x² = 1180,58, p < 0,001) (Bisquerra, 1989; Pereira, 2001).

 

 

Essa solução fatorial permitiu identificar apenas um fator com eigenvalue superior a 1,00, explicando conjuntamente 47,50% da variância total; os principais resultados dessa análise são apresentados na Tabela 1.

Dessa forma, o fator reuniu oito itens, podendo ser descrito como indicadores da relação familiar (por exemplo, confiança; afeto e carinho; ter uma estrutura econômica boa; liberdade; união entre toda a família; boa relação conjugal entre os pais e disposição ao perdão). Suas cargas fatoriais se concentraram entre 0,43 a 0,79; em relação à consistência interna, esta apresentou um Alpha de Cronbach (a) de 0,82.

Para a segunda amostra N2 (ver Tabela 2), foram assumidos critérios estatísticos semelhantes ao da anterior; assim, na N2 a técnica utilizada também se mostrou adequada (KMO = 0,80; Teste de Esfericidade de Bartlett, x² = 866,51, p < 0,001). Foi possível observar os seguintes resultados: os itens da escala apresentaram cargas fatoriais entre 0,41 a 0,80, mostrando-se também unifatoriais, explicando aproximadamente 40% da amostra e um alfa de Cronbach de 0,83. Com isso, na presente amostra observou-se que tanto a estrutura quanto sua consistência interna assemelham-se à da amostra N1.

 

 

Na terceira amostra (N3; ver Tabela 3), seguindo as mesmas orientações psicométricas efetuadas na amostra N1 e N2 em relação à análise dos principais componentes e da avaliação de sua fidedignidade, observou-se, na amostra N3, que também foram adequadas (KMO = 0,90; Teste de Esfericidade de Bartlett, x² = 866,51, p < 0,001) sua estrutura e consistência internas, que quando comparadas às anteriores – N1 e N2 – foram bem semelhantes. Dessa maneira, os itens da escala, na terceira amostra (N3), se apresentaram unifatoriais e suas cargas fatoriais estiveram entre 0,54 e 0,84, explicando aproximadamente 51% da amostra, tendo esta um alfa de 0,83.

 

 

Considerando da tabela anterior, é possível observar que a organização dos indicadores da relação familiar assemelha-se aos encontrados nas amostras anteriores (ver Tabelas 1 e 2); dessa maneira, essa escala assume uma fidedignidade quanto à sua construção e consistência internas. Tal fato se deve se forem considerados tanto sua variância explicativa quanto (e principalmente) os alfas de Cronbach que se mostraram consistentes, acima de 0,80 nas três amostras. Para obter mais detalhes e informações consulte a Tabela 4.

 

 

Assim, partindo desse pressuposto, buscou-se avaliar a consistência da escala, a fim de garantir uma maior confiabilidade para sua aplicação e mensuração em outros contextos e relação com outras variáveis. Para isso, efetuaram-se os cálculos da análise dos principais componentes, considerando os mesmos indicadores do primeiro estudo (Formiga et al., 2003), já que este revelou segurança quanto a sua estrutura. A escala mostrou-se confiável estrutural e internamente.

Vale destacar que o estudo referência considerou-se uma amostra geral da cidade de Palmas. Nesta procurou realizar um delineamento que apresentasse uma diversidade na sua aplicação em relação à classe social, administrando-o em diferentes partes da cidade. Considerados esses contextos, observou-se que o instrumento apresentou uma segurança no que diz respeito à sua mensuração, sendo com isso fidedigno, além de revelar que nesse contexto, independentemente da classe social, esses indicadores assumem uma grande importância para o jovem quando se refere à sua relação familiar, independentemente da condição sociodemográfica. De fato, em termos de comparação (ver tabelas), a escala apresentou resultados bem semelhantes ao já encontrados por Formiga e et al. (2003), tanto em seus escores quanto em relação aos alfas.

 

Conclusão

Espera-se que os objetivos deste estudo tenham sido cumpridos, principalmente, no que diz respeito à precisão do instrumento proposto. Porém, apesar de sua fidedignidade psicométrica, alguns limites podem ser destacados a respeito da escala: 1. seria necessário avaliá-lo em termos de famílias reestruturadas, comparando a percepção dos jovens sobre a importância que atribuem a esses indicadores em relação à família anterior e a atual; 2. um outro estudo promissor seria o de comparar as respostas de jovens que já passaram por instituições coercitivas com os da população geral em relação à sua valoração familiar; 3. um estudo entre gerações (avós, pais e filhos) quanto à importância que eles dão a cada indicador para sua relação familiar, visando a uma análise convergente; 4. por fim, seria válido um estudo transcultural em outros estados brasileiros, visando, com isso, à avaliação estrutural e de consistência desses indicadores.

 

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Endereço para correspondência
Av. Teotônio Segurado, Cj. 01, Al. 07, apto. 09. CEP 77100-010 - João Pessoa, PB
E-mail: nsformiga@yahoo.com.br

Encaminhado em 03/02/04
Revisado em 15/06/04
Aceito em 28/06/04

 

 

Sobre o autor:

1 Nilton S. Formiga: mestre em psicologia social pela universidade Federal da Paraíba. Coordenador do laboratório de avaliação psicológica e educacional no CEULP-ULBRA. Durante a realização deste estudo o autor contou com Bolsa de Produtividade Científica - PROICT, do CEULP-ULBRA, instituição a qual agradece.