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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.4 n.1 Porto Alegre jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Avaliação do desempenho escolar e habilidades básicas de leitura em escolares do ensino fundamental

 

Assessment of school performance and reading basic abilities in primary school students

 

 

Josiane Maria de Freitas Tonelotto1; Lineu Corrêa FonsecaI; Glória M. S. A. TedrusII; Samanta Maria Visigalli MartinsIII; Maria Agnes Perez GibertIV; Thais de Assis AntunesV; Natália Azevedo Sampaio PensaVI

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho escolar e de leitura em alunos do ensino fundamental. Participaram 120 escolares, com idades variando entre 8 e 11 anos, sendo 57 do sexo masculino e 63 do sexo feminino. Os instrumentos utilizados foram o Teste de desempenho Escolar (TDE) e a Prova de Reconhecimento de palavras e pseudopalavras. Os resultados apontaram para semelhanças entre os resultados obtidos na classificação do TDE com a amostra utilizada para padronização. Observou-se associação entre desempenho escolar superior (leitura, escrita e aritmética) e acertos em Palavras e Pseudopalavras. Em relação ao tempo de reação, encontrou-se que menores tempos de reação estão associados com desempenho escolar superior (leitura, escrita e aritmética) e com maior número de acertos em palavras e não em pseudopalavras. Identificar e qualificar os processos, por meio dos quais a criança construirá seus conhecimentos, permite que medidas sejam tomadas para enfrentar possíveis dificuldades durante o processo de escolarização.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Tempo de reação, Palavras e pseudopalavras.


ABSTRACT

The aim of this study was to assess school and reading performance in primary school pupils. 120 children, aged 8 to 11 years, 57 male and 63 female participated on the stydy. Instruments were TDE (School Performance Test) and Test of Word and Pseudoword Recognition. Results pointed to similarities between TDE results and the sample used for standardization. Association between higher school performance (reading, writing and arithmetic) and correct answers in words pseudowords. As far as reaction time is concerned, shorter reaction times are associated with higher school performance (reading, writing and arithmetic) and with a higher number of correct answers in words but no for pseudowords. Identification and qualification of the processes used by children to build their knowledge up allow that measures be taken to face possible difficulties in school process.

Keywords: Psychological assessment, Reaction time, Words, Pseudowords.


 

 

Introdução

A partir dos seis anos ou terceira infância, o foco principal do desenvolvimento da criança volta-se para o processo de escolarização. Inicia-se a aprendizagem formal por meio da aquisição de habilidades básicas como leitura, escrita e cálculo, sobre as quais se apoiarão todos os conhecimentos a serem incorporados posteriormente (Coll & Bolea, 1996; Rebelo, 1993). Desta forma e principalmente a partir desse momento, a escola passa a ser o espaço privilegiado de aprendizagem (Soares, 2005).

A escolarização requer uma série de competências que se constituem como pré-requisitos para a as aprendizagens que se processarão. Nesse período constatam-se interferências positivas e/ou negativas de uma gama de fatores tanto de ordem interna quanto externa, próprios do indivíduo, da escola ou do seu ambiente (Pain,1985; Tonelotto, 2002; Weiss,1992;).

Expectativas sobre o desempenho escolar da criança, em face de tantas exigências envolvidas, têm se constituído como motivo de estudos de profissionais de áreas diversas, preocupados com o processo ensinar-aprender. O desempenho escolar pode ser compreendido como uma maneira de analisar nos aspectos quantitativos e qualitativos, a capacidade da criança em acompanhar os conteúdos propostos pela escola.

Na opinião de autores como Viana (1976) e Selikowitz (2001) a avaliação do desempenho escolar é fundamental para uma educação eficiente, visto que, essa mensuração permite determinar até que ponto os objetivos pré-estabelecidos pela educação formal são alcançados, e se fornecem subsídios para a correção de possíveis distorções do trabalho educacional. Apesar disto, conforme observa Selikowitz, (2001), é preciso considerar que os resultados obtidos em testes de desempenho escolar não são conclusivos e devem ser utilizados conjuntamente com outros instrumentos quando a finalidade é diagnóstica. A questão com a utilização de instrumentos de avaliação parece centrar-se em como são utilizadas e interpretadas as avaliações e embora não conclusivas não perdem sua utilidade na formulação de hipóteses para reconhecimento do problema.

Avaliar o rendimento ou desempenho escolar é tarefa árdua tanto para professores quanto para técnicos que enfrentam a falta de instrumentos de medida desenvolvidos e apropriados a nossa cultura, além da complexidade dos processos envolvidos (Cunha & col, 2000). No Brasil, é muito reduzida a experiência com instrumentos padronizados de avaliação, relativos ao desempenho escolar, sendo que a maior parte das pesquisas abordando a temática tem utilizado um instrumento proposto e padronizado por Stein (1994), o Teste de Desempenho Escolar (TDE), destinado à avaliação dos níveis de escrita, leitura e aritmética nas quatro primeiras séries do ensino fundamental.

Numa perspectiva mais ampla, órgãos governamentais responsáveis pela Educação instituíram avaliações nacionais para verificar o desempenho escolar nos diversos níveis de ensino. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) é o órgão responsável por aferir o desempenho nos diversos níveis educacionais. Para avaliação do ensino básico mantém o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) desde 1990, com realização bianual.

Desempenho em leitura e sua relação com escrita e cálculo

A leitura é uma das principais deficiências do estudante brasileiro, Dados publicados pelo INEP (2004) apontam que cerca de 55% dos alunos cursando a quarta série do ensino fundamental apresentaram desempenho crítico ou muito crítico em Língua Portuguesa.

A leitura torna possível ao homem construir seu próprio conhecimento na medida em que proporciona o acesso a todo acervo de conhecimentos acumulado pela humanidade por meio da escrita. É um processo complexo e por intermédio dele é permitido que sejam extraídas informações gráficas a partir de um enunciado, de forma a compreendê-lo e a reconstruir seu significado.

Os seres humanos não nascem leitores, aprendem a ser leitores e assim lhes é permitido transformar, compreender e julgar conteúdos e conhecimentos. A Psicologia Cognitiva, por meio da Psicolingüística compreende a leitura como uma habilidade complexa em que diversos processos lingüísticos são intervenientes. Esses processos, ou componentes são contidos de subprocessos ou subcomponentes interdependentes, cuja divisão é apenas didática (Coscarelli, 1996; Coscarelli, 2002). Para Martins (2005) os mesmos processos podem ser classificados em básicos ou inferiores e de nível superior.

Os processos básicos, ou de nível inferior, de leitura são aqueles relacionados aos processos de reconhecimento, ou seja, a decodificação e a compreensão de palavras e os processos de nível superior são aqueles relacionados à interpretação que objetiva a compreensão de textos. Os processos de nível básico ou inferior são de extrema importância nas primeiras etapas da aprendizagem da leitura e devem ser automatizados durante o primeiro ciclo do ensino fundamental. Déficits em algum dos processos básicos podem se constituir como obstáculos para o pleno desenvolvimento dos processos superiores.

De acordo com Ellis (1995) e Garcia (1998) os processos básicos de aquisição da leitura dependem muito da integridade visual. Assim, a decodificação ocorre por meio de processos perceptivos e léxicos que devem ocorrer num mínimo de tempo necessário para que seja possibilitada a compreensão. Esse tempo é equivalente a um quarto de segundo no mínimo, na opinião do autor supra citado.

Para melhor compreensão de como a leitura é adquirida são propostos dois modelos, o de Rota Simples (Seidenberg & McClelland, 1989) proposto pelos modelos associacionistas e de redes neurais, e o de Rota Dupla (Ellis & Young, 1988) proposto pelos modelos cognitivistas, especialmente o do processamento da informação, que enfatizam ao reconhecimento visual e decodificação fonológica. O modelo de rota dupla de reconhecimento de palavras é composto por uma rota mais rápida, direta, denominada visual ou léxica e uma rota mais lenta, indireta, denominada fonológica (Ellis, 1995; Pinheiro, 1994; Selikowitz, 2001).

Conforme a proposta do modelo de Dupla Rota, a leitura só ocorrerá de forma eficaz se a palavra tiver alta freqüência de ocorrência no ambiente do leitor. Quando o escrito não tiver representação no léxico, a palavra não poderá ser lida pelo reconhecimento visual direto. De acordo com Coscarelli (2002) o processamento lexical pode ser influenciado por algumas características das palavras como: complexidade silábica, tamanho, freqüência de uso da palavra, familiaridade, probabilidade de aparecimento num contexto e ambigüidade lexical.

Segundo Pinheiro (1994) as habilidades necessárias para se iniciar os processos de leitura e escrita, encontram-se bastante desenvolvidos nas crianças por volta dos cinco anos. Nesta idade, a criança pode entender e falar muitas palavras, o que significa que já possui muitas unidades em seu sistema de reconhecimento auditivo e no sistema de produção da fala, além de já dispor dos processos gramaticais necessários para compreensão e produção da fala. À medida que as crianças avançam nas séries escolares aumenta o número de palavras que dominam. Essa familiaridade torna mais fácil o reconhecimento das mesmas e o número de erros torna-se então, menor (Schwartz & Goldman, 1974). Quanto maior o léxico da criança mais eficiente será o processamento de sua fala (Fernald & col, 2001).

A investigação de habilidades e/ou dificuldades relativas à leitura deve ser realizada por meio de provas que se baseiem em processos visuais, auditivos e integrativos. Essas provas permitem que se avalie a velocidade de acesso ao léxico e acesso à rota lexical e fonológica. Outras provas baseiam-se em critérios de desenvolvimento, que permitem a verificação do tempo de palavras lidas isoladamente, em frases e em textos, compreensão do material lido. Ainda, nesse sentido, é possível utilizar-se a construção de textos (Capellini, 2005).

A avaliação das funções básicas de leitura pode ser realizada por intermédio do reconhecimento de palavras e não palavras ou pseudopalavras. (Ellis, 1995; Pinheiro, 1994; Pinheiro, 2001; Salles & Parente, 2002). Essa técnica permite que se verifique a capacidade de reconhecimento global da palavra e sua pronúncia imediata sem que seja necessário analisar os símbolos que a compõem. Quanto mais desenvolvida a capacidade de leitura, maior a utilização da rota lexical que por conseqüência permite uma maior velocidade de leitura e melhor compreensão das palavras (Salles & Parente, 2002).

Capovilla, Capovilla e Macedo (1998), em estudo de palavras e não palavras ou pseudopalavras, observaram que quanto mais longa a pseudopalvra e quanto maiores as silabas que a compunham , maior era o tempo de reação e duração locucional. Observaram ainda que o maior número de acertos no reconhecimento de palavras ocorreu para palavras cuja seqüência de letras era consoante-vogal, quando comparadas com consoante-vogal-consoante. Além disto a presença de dígrafos dificultou a leitura dos participantes.

Outro processo importante e base do desempenho escolar é a escrita ou comunicação por meio de signos visuais (Barbosa, 1994). Trata-se de um processo complementar da leitura, embora ambas não apresentem níveis homogêneos. Tanto quanto a leitura, a escrita é essencial para que o individuo tenha acesso aos saberes acumulados historicamente (Correa & MacLean 1999). Para aprender a escrever é preciso associar letras e sons correspondentes, organizar, seqüenciar e encadear esta corrente sonora (Martins, 2005).

Os conhecimentos e as habilidades matemáticas fazem parte da vida do ser humano desde muito cedo, oportunizados tanto por tarefas habituais quanto por aquelas oriundas de demandas sociais. A capacidade da criança de se apropriar do cálculo pode ser entendida como uma operação ou uma série delas, que tem como objeto os números. Às habilidades necessárias para a aquisição do cálculo associam-se capacidade de compreensão da linguagem, capacidade de leitura, capacidade de escrita e capacidade para revisualizar palavras associada à capacidade de ortografia.

De acordo com Ellis (1995) estudos sobre a escrita e cálculo são encontrados em menor quantidade que os estudos sobre leitura, provavelmente pelo fato de que sejam processos menos utilizados, pela maioria dos seres humanos ou ainda pelo fato da leitura ser considerada a base para que a escrita e cálculo se estruturem.

Barrera e Maluf (2003) estudaram as relações entre desempenho em leitura e escrita de crianças durante a primeira série do ensino fundamental e encontraram correlações positivas e significativas entre desempenho em leitura e escrita (0,89 e p<0,01). Também, observaram que ao final da primeira série aumenta a interdependência entre leitura e escrita.

Tonelotto (2004) estudou o desempenho escolar de 57 escolares de primeira série e verificou associações entre baixos desempenhos entre leitura e aritmética, entre leitura e escrita e entre escrita e leitura. Altos e significativos níveis de correlação foram observados.

Com base nas exposições feitas até aqui, este estudo teve por objetivo relacionar o desempenho escolar e a capacidade de funções básicas de leitura, por meio do reconhecimento de palavras/pseudopalavras, em crianças sadias de 8 a 11 anos de idade. Considerando-se o exposto até aqui foram propostos como objetivos para o presente estudo, verificar as relações existentes entre desempenho escolar e desempenho em habilidades básicas de leitura, verificar possíveis associações entre desempenho em leitura, escrita e cálculo e médias de acertos em palavras e pseudopalavras; verificar possíveis associações entre desempenho em leitura, escrita e cálculo e tempo de reação para identificação de palavras e pseudopalavras.

 

Método

O presente estudo é parte de um estudo maior que inclui avaliação da atividade cerebral, por meio de eletroencefalograma e estudo de potenciais evocados durante a leitura em crianças do ensino fundamental.

Participantes

Participaram 120 escolares, com idades variando de 8 a 11 anos, cursando de primeira à quinta série e sendo 57 do sexo masculino e 63 do sexo feminino. De um total de 207 escolares, selecionou-se os 120 participantes por meio dos seguintes critérios: não possuir irmandade mútua, ausência de problemas neurológicos ou psiquiátricos (antecedentes pessoais ou familiares diretos como crises epilépticas, traumatismo crânio-encefálico com perda de consciência, encefalite, rebaixamento mental, entre outros), desenvolvimento neuropsicomotor normal, Exame neurológico normal, Eletrencefalograma normal, ausência de déficit cognitivo e ausência de repetência escolar.

Instrumentos

Serão descritos os instrumentos utilizados apenas para a avaliação das 120 crianças cujos objetivos já foram descritos anteriormente.

Termo de consentimento livre e esclarecido - utilizado com a finalidade de fornecer informações a respeito dos objetivos da pesquisa e a forma de participação, além de assegurar o caráter sigiloso de tratamento das informações obtidas.

Avaliação do desempenho escolar - por meio da utilização do Teste de desempenho Escolar (TDE) que busca oferecer, de forma objetiva, uma avaliação das habilidades básicas de leitura, escrita e aritmética, além de oferecer um resultado geral do desempenho escolar.

Prova de Reconhecimento de Palavras e Pseudopalavras - incluindo número de acertos e tempo de reação. Desenvolvida em conjunto com a EMSA Equipamentos Médicos. Trata-se de um software interligando dois microcomputadores: um deles destina-se à produção e apresentação visual de palavras e peudopalavras, assim como o registro do tipo e do tempo de reação; o outro, à captação, monitorização e armazenamento dos dados da atividade elétrica cerebral2.

Para a realização da prova são apresentadas, de modo aleatório, 100 palavras e 100 pseudopalavras, dissílabas e pareadas quanto ao número de letras e composição de consoantes e vogais. A escolha das palavras obedeceu ao critério de alta freqüência em cartilhas infantis de acordo com critérios propostos por Pinheiro (1994)3. As palavras escolhidas foram classificadas em 2 tipos de acordo com sua composição gráfica: a) palavra consoante-vogal (CV), por exemplo, sapo e b) palavra complexa (PC), ex., anel. As pseudopalavras escolhidas também foram classificadas em dois tipos: a) por troca de grafema (TG), exemplo, pogo, derivada de fogo e b) alterada (ALT), ex., lanis, derivada de sinal.

As palavras e as pseudopalavras disponíveis no monitor tinham a cor branca e apareciam num fundo negro. Quanto à fonte utilizou-se o tipo Times New Roman, regular, tamanho 30 e com extensão máxima de 50mm. A distância dos olhos dos participantes ao monitor era de aproximadamente 143 cm, possibilitando que se formasse um ângulo visual sempre inferior a 2 graus. O tempo para a apresentação das palavras e pseudopalavras foi de um segundo e o intervalo entre os estímulos, de 4 segundos. As respostas eram registradas pelo software em uso e a partir delas, era gerado um arquivo com as respostas e com o tempo de reação de cada resposta.

Procedimento

Inicialmente foi feito um contato com escolas da rede pública de ensino fundamental situadas no município de Campinas. Em cada escola foram realizados, primeiramente, contatos com a direção a fim de explicar os objetivos do projeto de pesquisa e as possíveis contribuições para a população estudada. Em seguida, foram solicitadas marcações de reuniões ordinárias com professores e, posteriormente com os pais, para que fossem esclarecidos os procedimentos da pesquisa e solicitar, aos interessados, o preenchimento da ficha de inscrição. Além disso, solicitou-se aos representantes legais das crianças, a assinatura do Termo de Consentimento, conforme critérios do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Após a assinatura dos termos iniciou-se a coleta de dados em sessões individuais com os participantes. Aplicou-se o TDE e a Prova de Reconhecimento de palavras e pseudopalavras. Ambos foram aplicados numa mesma sessão, para o que, ofereceram-se orientações distintas de acordo com o propósito de cada instrumento.

Para a realização da Prova de Reconhecimento de palavras e pseudopalavras os participantes foram instruídos da seguinte forma: deveria acionar uma tecla, previamente determinada (INS ou espaço), com uma mão, se o estímulo fosse palavra e outra tecla (espaço ou INS, respectivamente), com a outra mão, se fosse pseudopalavra. Após as instruções, checou-se o entendimento das mesmas para evitar erros decorrentes da falta de compreensão das instruções.

Os resultados obtidos no TDE possibilitaram a classificação em categorias de desempenho superior, médio e inferior para leitura, escrita, aritmética e total. A pontuação na Prova de Reconhecimento de palavras e pseudopalavras permitiu que se definisse um percentual de acertos em cada categoria e que fosse definido um tempo de reação, expresso em milissegundos.

A análise dos dados foi feita comparando-se freqüências (obtidas e esperadas) e médias. Foram utilizadas as provas estatísticas não paramétricas de Qui-quadrado para comparação de freqüências esperadas e obtidas e de Kruwkall-Wallis para comparação de médias, já que as distribuições de resultados encontradas não obedeciam ao critério de normalidade. O nível de significância adotado foi de 0,05.

 

Resultados

A distribuição do número de participantes, de acordo com a classificação obtida no desempenho escolar em leitura, escrita, aritmética e total segue apresentada na Tabela 1. Além disso, apresentam-se as distribuições encontradas por Stein (1994) em seu estudo de padronização (original).

 

 

Conforme dados apresentados na Tabela 1 não houve diferença significativa em relação à distribuição da classificação dos resultados em superior, médio e inferior para os subtestes de escrita, leitura e o resultado total, em relação a estatística utilizada na padronização do TDE (Qui-quadrado, p=0,28, p=0,23 e p=0,35, respectivamente). Para o subteste de aritmética, a proporção de crianças nas três classes foi equivalente e, estatisticamente, diferente da distribuição determinada na padronização (Qui-quadrado, p<0,05).

Na Tabela 2 são apresentadas médias da porcentagem de acertos e o tempo de reação na Prova de Reconhecimento de palavras e pseudopalavras relacionadas ao desempenho total no TDE.

 

 

Observa-se que houve uma associação entre o melhor desempenho em total do TDE e maior porcentagem de acertos no reconhecimento de palavras, pseudopalavras e seus subtipos (Kruskal-Wallis, p<0.05). Em relação ao tempo de reação a associação verificada permitiu que se afirmasse que quanto melhor o desempenho em total do TDE, menor o tempo de reação tanto para palavras quanto para pesudopalavras.

 

 

Dados apresentados na Tabela 3 revelam associação entre o melhor desempenho em leitura do TDE e maior porcentagem de acertos no reconhecimento de palavras, pseudopalavras e seus subtipos (Kruskal-Wallis, p<0.05). Quanto ao tempo de reação foi verificada associação entre melhor o desempenho e menor o tempo de reação tanto para palavras quanto para pesudopalavras. Apenas em uma categoria de palavras, ou seja, palavras complexas não se observaram diferenças estatísticas significativas ao se compararem as médias obtidas pelos grupos.

As médias da porcentagem de acertos e o tempo de reação na Prova de Reconhecimento de palavras e pseudopalavras relacionadas ao desempenho em aritmética no TDE são apresentadas na Tabela 4.

 

 

Os resultados apresentados na Tabela 4 revelam que não foi verificada associação entre tempo de reação e acertos em palavras. Quanto à média de acertos em palavras e pseudopalavras e tempo de reação entre desempenho e pseudopalavras foram verificadas associações permitindo que se afirme que melhor desempenho se associa a maiores médias e menor tempo de reação. Também para a categoria palavra complexa não se verificou diferença estatística significativa.

 

 

Dados apresentados na Tabela 4 apontam para diferenças significativas em relação às médias obtidas pelos grupos e tempo de reação, permitindo que se observe que quanto melhor o desempenho em aritmética melhores médias em palavras e pseudopalavras. Além disso, quanto melhor o desempenho em aritmética no TDE menor o tempo de reação.

 

Discusão

Partindo-se do pressuposto de que estudos sobre os processos de leitura, escrita e cálculo, baseados na abordagem do processamento de informação ainda são recentes no Brasil, este trabalho visou contribuir para uma melhor compreensão dos aspectos que envolvem os padrões de desempenho de crianças no que diz respeito à aprendizagem de competências básicas, principalmente da leitura. Buscou-se ainda refletir sobre alternativas e implicações da avaliação do desempenho escolar.

Apesar das polêmicas discussões sobre a efetividade da avaliação escolar no processo educativo, é inegável sua necessidade como forma de controle sobre os conteúdos ministrados na escola. Especialmente nas primeiras séries escolares, essas medidas podem auxiliar na implementação de métodos pedagógicos capazes de eliminar ou minimizar eventuais problemas.

Os resultados encontrados neste estudo mostraram que a distribuição dos participantes de acordo com a classificação obtida no TDE em categorias superior, médio e inferior não divergiram significativamente do observado por Stein (1994) por ocasião da padronização quanto à escrita, leitura e desempenho total. Em relação à aritmética, houve uma distribuição equivalente para as três categorias, significativamente diferente da distribuição observada na ocasião padronização, em que a maior concentração de participantes ocorria na categoria médio. Resultados semelhantes vêm sendo divulgados pelo INEP, ao publicar resultados de pesquisa sobre o SAEB em que o desempenho em Matemática aparece sempre como superior ao desempenho em Língua Portuguesa.

O desempenho escolar pode ser entendido como uma tentativa de avaliar o quanto um escolar consegue acompanhar os conteúdos propostos para a série a qual pertence. Neste estudo ele foi avaliado por meio do TDE na busca de qualificar o desempenho dos escolares nas competências básicas da linguagem que são códigos de comunicação importantes para a vida do ser humano em sociedade. Também foi utilizada a Prova de Reconhecimento de Palavras e Pseudopalvras com o intuito de se avaliar a utilização das rotas lexical e fonológica, pertencentes ao Modelo de Dupla Rota da Leitura.

A observação da existência de associação entre o desempenho escolar e a capacidade da criança em reconhecer palavras e pseudopalavras corroborou com os estudos de Pinheiro (2001) e Capovilla, Capovilla e Macedo (1998) que encontraram resultados semelhantes. A congruência entre bons resultados obtidos no TDE e a melhor proficiência na discriminação de palavras e pseudopalavras que pode ser compreendida em função da maior capacidade na execução da tarefa da leitura pelo cérebro. Assim, se considerarmos que ler implica em reconhecer a simbologia de grafemas, o processo da compreensão do significado das palavras nessas crianças com melhor desempenho no TDE já esta bem desenvolvido e desta forma elas teriam se utilizado de rotas neurais mais rápidas.

Por outro lado, entende-se que o maior tempo de reação na discriminação de pseudopalavras do que para palavras sugere que há um modelo correspondente às primeiras enquanto que, para as pseudopalavras, há necessidade de se efetuar uma busca maior, categorial por meio da memória lexical, o que levaria maior gasto de tempo.

Observou-se que de forma geral, crianças com pior desempenho nas habilidades básicas apresentaram, de modo significativo, maior dificuldade tanto na discriminação quanto na rapidez da execução da tarefa, em relação aos demais tipos de desempenho. Nesse sentido, cabe ressaltar a importância de aspectos maturacionais relativos ao desempenho, envolvendo as redes de conexão neuronal responsável pela maior competência.

Espera-se que a criança que melhor lê seja aquela que, provavelmente, tenha se apropriado de forma mais eficiente destas competências. Portanto, para esta criança, reconhecer palavras e pseudopalavras torna-se uma tarefa a ser desempenhada com facilidade. Esta competência pode estar relacionada com o desenvolvimento de meta-regras lingüísticas construídas pelo cérebro da criança, no decorrer da aprendizagem da leitura. Assim, uma vez estabelecida a meta-regra de forma eficiente, torna-se automatizada pelo cérebro que passa a utilizar este mecanismo na execução do ato de ler.

Segundo Selikowitz (2001), um bom leitor, é aquele que consegue, ao ler, desenvolver um processo mecânico no cérebro que tem um conjunto de palavras armazenadas denominado léxico. A leitura implica num processo de "analogia léxica", no qual o sujeito busca uma palavra conhecida com base na pronúncia da palavra não familiar. Dessa forma, crianças que possuem maior facilidade para desenvolver esse processo mecânico, são aquelas que irão ler melhor, e consequentemente, irão reconhecer mais facilmente palavras e pseudopalavras.

Em relação ao subteste escrita do TDE, os resultados obtidos apontam uma associação entre o melhor desempenho neste subteste e maior porcentagem de acerto no reconhecimento de palavras e pseudopalavras, bem como um menor tempo de reação para este reconhecimento.

Partindo-se do pressuposto de que as capacidades para ler e escrever são competências interligadas, ou seja, para se escrever é necessário que a palavra faça parte do repertório de grafemas que a criança "conhece", presume-se que quando ela escreve, é capaz de ler o que está escrevendo. Dessa forma, pode-se considerar que os resultados obtidos, no subteste escrita, corroboram com essas expectativas, visto que, no subteste leitura, os resultados encontrados foram semelhantes; ou seja, crianças que melhor lêem e escrevem, reconhecem, com mais rapidez, as palavras e pseudopalavras.

Levando-se em consideração, que o processo de decodificação para a leitura é mais facilmente aprendido pela criança, do que o processo de codificação para a escrita, de acordo com Pinheiro (1994), é esperado que os sujeitos com melhores resultados no subteste de escrita, tenham também apresentado bom desempenho na leitura. Segundo essa mesma autora, o processo de leitura, por requerer apenas o conhecimento ortográfico, não exige do leitor o domínio da escrita. No entanto, para o processo de escrita, é necessário é que o sujeito tenha domínio da ortografia para que possa escrever a palavra.

Os resultados encontrados no subteste aritmética do TDE são eqüivalentes aos obtidos nos subtestes leitura e escrita, ou seja, as crianças que obtiveram melhor desempenho na aritmética, reconheceram em maior porcentagem palavras e pseudopalavras e em tempo reduzido. Dessa forma, ao analisarmos os resultados dos três subtestes, percebe-se que há uma correspondência direta entre o melhor desempenho no TDE e a capacidade da criança no reconhecimento de palavras e pseudopalavras. A maior capacidade da criança nas tarefas de ler, escrever e realizar operações artiméticas pode ser compreendida em função do maior desenvolvimento de meta-regras na execução destas tarefas o que implica em economia de energia pelo cérebro, por meio da utilização de rotas mais rápidas.

 

Considerações finais

As avaliações utilizadas no presente estudo não podem ser consideradas como conclusivas, no entanto, indicam reflexões na direção do reconhecimento de problemas relativos à escolaridade, conforme indicam Viana (1976) e Selikowitz (2001). O estudo apontou que deve haver, no processamento cerebral de informações, níveis sofisticados e individuais de seqüências de processos, denominadas meta-regras dos quais as crianças se utilizaram na execução da tarefa de reconhecer palavras e pseudopalavras. Assim, este reconhecimento, dependeu da relevância que a criança deu a componentes do estímulo visual que lhe foi apresentado. A valorização na configuração de figura/fundo, pode ter ocorrido em relação às partes, grafemas e sílabas ou, ao todo, compreensão do significado.

A escolha da rota lexical a ser seguida depende da percepção e por isso, crianças de oito anos, apresentaram mais dificuldade em relação as demais idades. Neste sentido, cabe ressaltar a importância de aspectos maturacionais envolvendo a rede de conexão neuronal responsável pela maior competência tanto no reconhecimento quanto na rapidez da execução da tarefa.O maior reconhecimento de palavras do que de pseudopalavras sugere que há um modelo correspondente enquanto que, para as pseudopalavras, há uma maior necessidade de se efetuar uma busca categorial por meio da memória lexical, operacional e de análise fonética.

A congruência entre bons resultados obtidos no Teste de Desempenho Escolar e melhor proficiência no reconhecimento de palavras e pseudopalavras, apontou que a escola reflete o universo sócio/econômico/cultural da criança, sendo, a escola, apenas mais um local provedor de aprendizagem. Isto porque, os resultados significativos encontrados sobre a influência da escolaridade dos pais sugerem que há uma multiplicidade de variáveis envolvidas na capacitação do desenvolvimento de redes neurais facilitadoras da performance do indivíduo na execução de tarefas.

 

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Endereço para correspondência
Rua Antônio Prado, 116, apto 202, Centro
13900-374 Amparo-SP
Tel./Fax.: +55-19 3817-0278
E-mail: Jtonelotto@uol.com.br

Recebido em Agosto de 2005
Reformulado em Outubro de 2005
Aceito em Novembro de 2005

 

 

Sobre os autores:

1 Josiane Maria de Freitas Tonelotto: Psicóloga e professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia da PUC-Campinas.
I Lineu Corrêa Fonseca: neurofisiologista e professor titular de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da PUC-Campinas.
II Glória M. S. A. Tedrus: neurologista e professora de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da PUC-Campinas.
III Samanta Maria Visigalli Martins: psicóloga, ex-bolsista de Iniciação científica da PUC-Campinas - PIBIC CNPq.
IV Maria Agnes Perez Gibert: psicóloga, ex-bolsista de Iniciação científica da PUC-Campinas - FAPIC PUC-Campinas.
V Thais de Assis Antunes: ex-bolsista de Iniciação científica da PUC-Campinas - PIBIC CNPq.
VI Natália Azevedo Sampaio Pensa: ex-bolsista de Iniciação científica da PUC-Campinas - FAPIC PUC-Campinas.
2 Os dados referentes ao registro da atividade elétrica cerebral, durante essa prova, são objeto de outro estudo
3 Realizado estudo piloto para definição, foram acolhidas as que possibilitaram maior índice de acertos.

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