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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.7 n.2 Porto Alegre ago. 2008

 

ARTIGOS

 

Precisão do Teste Goodenough-Harris em crianças

 

Goodenough-Harris reliability in children

 

 

Helena Rinaldi Rosa I, *; Irai Cristina Boccato Alves II, **

I Universidade Estadual Paulista
II Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo investigou a precisão pelo método das metades e pelo reteste da avaliação Goodenough-Harris para o desenho de um homem. A amostra foi composta por 1540 crianças de 5 a 11 anos, de ambos os sexos, da cidade de São Paulo. A aplicação foi individual. A precisão pelo método das metades (par-ímpar) foi obtida para cada idade e para a amostra total. As correlações, corrigidas pela fórmula de Spearman-Brown, variaram entre 0,746 e 0,895, sendo de 0,923 para a amostra total. Para o reteste foram avaliadas 67 crianças de 6 e de 9 anos, 38 meninos e 29 meninas, provenientes de quatro escolas da rede pública. O reteste foi feito após um intervalo de 8 a 15 dias. As correlações foram significantes para as duas faixas etárias (0,822 e 0,703, respectivamente) e para a amostra total (0,808). A precisão obtida pelos dois métodos pode ser considerada satisfatória pelos critérios da literatura.

Palavras-chave: Desenho de figuras humanas, Testes psicológicos, Precisão, Inteligência, Psicometria.


ABSTRACT

This study investigated the reliability by the half-split method and retest method of the Goodenough-Harris Test. The sample was composed by 1540 children, from 5 to 11 years old, of both sexes, from São Paulo city. The task of drawing a man was administered individually. The reliability by split-half method was obtained for each age and for the total sample. Pearson correlations, corrected by spearman-Brown formula, ranged from 0,746 to 0,895 and were of 0,923 to total sample. The retest sample was constituted by 67 children from 6 to 9 years old, 38 boys and 29 girls, from four public schools. The retest was applied after 8 to 15 days. Correlations were statistically significant to both age ranges (0,822 and 0,703) and for total sample (0,808). The reliability obtained by two methods can be judged satisfactory according to literature criteria.

Keywords: Human Figure Drawing, Psychological tests, Reliability, Intelligence, Psychometry.


 

 

Introdução

A utilização do Desenho para a avaliação do desenvolvimento intelectual foi iniciada a partir da constatação de que o desenho evolui à medida que a criança se desenvolve, bem como pela observação das diferenças na realização entre crianças normais, bem dotadas e deficientes. A evolução do grafismo na criança levou Florence Goodenough à criação do seu teste em 1926, no qual propunha a avaliação da inteligência por meio do Desenho da Figura Humana. Neste teste solicita-se à criança para fazer o Desenho de um Homem.

O Teste de Goodenough foi amplamente difundido e em 1947, segundo Loutit e Browne, era o terceiro teste mais utilizado nos Estados Unidos. Ele passou a ser estudado em vários países, podendo ser destacados os trabalhos de Menzel (1935) na Índia, de Papavassiliou (1953) na Grécia, de Aupècle (1955) na Etiópia, de Yagüe e Agullo (1959) na Espanha, de Thomas e Sjah (1961) na Indonésia e muitos outros. No Brasil foram realizados alguns estudos com este teste destacando-se os de Rocha e Andrada (1930), Antipoff (1931), Zausmer (1954), Almeida (1959), Carvalho (1960), Ferraz (1964), Aguirre (1965), Nogueira (1968), Weil e Nick (1971), Aguirre e Van Kolck (1973), Alves (1981) e Marques e colaboradores (2002a; 2002b).

Em 1963, Harris propôs uma revisão do Teste de Goodenough, acrescentando ao Desenho do Homem, o Desenho da Mulher e o Desenho de Si Mesmo. Ele também estendeu a utilização do teste até a idade de 15 anos e os resultados passaram a ser em QI de desvio, com média de 100 e desvio padrão de 15. O autor padronizou as escalas do Homem e da Mulher em uma amostra americana de 2975 crianças, de 5 a 15 anos, e que era mais representativa do que a utilizada anteriormente por Goodenough. Na revisão, a escala para avaliar o Desenho do Homem, que antes contava com 51 itens, passou a ter 73 itens e a do Desenho da Mulher foi constituída de 71 itens.

Alves (1979, 1981) estudou a influência do sexo, idade e nível sócio-econômico sobre a realização de pré-escolares paulistanos no Goodenough e na revisão do instrumento, proposta por Harris. Os resultados confirmaram a evolução esperada, com o aumento de pontos paralelo ao aumento da idade. Foram encontradas diferenças entre os níveis sócio-econômicos, mas as diferenças entre os sexos ocorreram apenas para a escala de Goodenough (original) e para o Desenho da Mulher, o que não foi observado no Desenho do Homem.

Em 1982, Mattos empregou a escala revisada para avaliar o desenvolvimento intelectual de crianças da 1ª série do 1º grau (atual ensino fundamental), com o objetivo de identificar, entre outros testes psicológicos, quais seriam os melhores indicadores de desempenho escolar de crianças iniciantes e repetentes. Constatou que as crianças iniciantes tiveram um resultado significantemente maior do que as repetentes.

Pereira e Farah (1995) realizaram uma pesquisa piloto, apenas com a faixa etária de 5 anos comparando as crianças de Maringá (PR) com o estudo de Alves (1979). A amostra foi composta por 40 crianças, metade de cada sexo, provenientes do nível sócio-econômico médio-alto, com as idades variando de 4 anos e 9 meses a 5 anos e 3 meses, de acordo com o critério utilizado por Alves. As autoras não encontraram diferenças entre sua amostra e a de Alves, concluindo que as normas paulistanas poderiam ser usadas no Paraná. Também constataram médias mais altas das meninas em relação aos meninos na sua amostra.

A revisão do Teste Goodenough-Harris foi amplamente utilizada em nosso país. Para se ter uma idéia do uso da escala revisada no Brasil, pode-se citar o estudo de Alves, Alchieri e Marques (2002), que investigaram quais os testes psicológicos ensinados no Brasil. A amostra abrangeu 172 professores de 62 cursos de graduação em Psicologia de 13 estados brasileiros, sendo que os resultados indicaram que o Goodenough-Harris era o quarto teste de inteligência mais ensinado (em 37,1% dos cursos), depois do WISC, Raven e Colúmbia.

No manual de seu teste, Goodenough (1926) relata uma precisão média pelo reteste de 0,94, com um dia de intervalo para crianças de 5 a 10 anos. Já pelo método das metades, obteve um coeficiente de 0,77. Segundo Harris (1963), McCarthy encontrou um coeficiente de 0,89, para uma amostra de 386 crianças de 3ª e 4ª séries, com intervalo de uma semana entre as duas aplicações.

No Brasil, Marques e colaboradores (2002a e 2002b) realizaram um estudo para verificar a precisão do Teste de Goodenough (1926) na versão original e da Escala de Maturidade Mental Colúmbia, tendo em vista a grande freqüência de uso do DFH na prática profissional. Embora haja uma tendência consistente de altos índices de precisão para este teste, as autoras lembram que a maioria desses estudos ocorreu na década de 70 e utilizou breves intervalos de tempo para o reteste, questionando assim a efetiva estabilidade dos resultados, "sobretudo diante da intensidade e rapidez das mudanças sócio-culturais e ambientais ocorridas nas últimas décadas" (Marques e cols., 2002b, p. 61). A amostra foi composta por 60 crianças (42 meninos e 18 meninas) de uma escola estadual da cidade de São Carlos (SP), de região considerada de grande disseminação de pobreza, com idade entre 7 e 9 anos, de ambos os sexos. Eram crianças indicadas pelas professoras como portadoras de dificuldades de aprendizagem, que são os casos mais freqüentes de solicitação da avaliação psicológica. O estudo investigou o índice de concordância entre juizes (precisão de avaliadores) e de estabilidade temporal dos resultados após um período de seis meses (precisão de reteste). Foram avaliadoras duas estudantes de Psicologia, com treinamento supervisionado, e uma psicóloga com longa experiência em avaliação psicológica. O índice de concordância entre os avaliadores, por meio do coeficiente de Concordância de Kendall, não evidenciou diferença significante entre os resultados atribuídos pelos avaliadores (p = 0,07). O coeficiente de correlação geral de Pearson entre os avaliadores foi de 0,98 no teste e de 0,99 no reteste. Portanto não houve diferença significante entre as avaliações de vários juízes, mesmo com diferentes níveis de experiência profissional.

As autoras apresentaram resultados do reteste de ambos os instrumentos após seis meses, com 41 alunos que permaneceram até o final do estudo. A correlação entre as duas aplicações, obtida a partir dos pontos brutos na avaliação de Goodenough foi de 0,63 (p < 0,01). Para o Colúmbia foi obtido o índice de precisão de 0,61. As autoras concluíram que os dois testes mostraram-se "estratégias confiáveis para a avaliação da capacidade cognitiva infantil na realidade sócio-cultural contemporânea" (p. 110), corroborando os coeficientes satisfatórios já encontrados.

Para a Escala Revisada, Harris (1963) obteve com crianças de 8 a 10 anos coeficientes de 0,92 a 0,98 entre dois juízes para o Desenho do Homem e entre 0,91 e 0,98 para o da Mulher. Relata também um estudo em que aplicou o teste durante 10 dias consecutivos em quatro classes de jardim da infância, tendo constatado que a variação dos desenhos neste período foi insignificante.

Scott (1981) realizou uma revisão da literatura sobre o Goodenough-Harris, no qual sistematizou os estudos de precisão em quatro tipos: precisão de avaliadores, de formas alternativas, das metades (inter-itens) e do reteste. Em relação à precisão entre avaliadores reuniu os dados de 19 pesquisas, concluindo que as correlações variaram de 0,81 a 0,95, com uma mediana de 0,90 para o Desenho do Homem e de 0,92 a 0,98, com uma mediana de 0,94 para o da Mulher.

Em seu artigo, relatou estudos em que os Desenhos da Mulher e os de Si mesmo poderiam ser considerados como formas alternativas em relação ao do Homem, concluindo que as correlações para o Desenho da Mulher estão ao redor de 0,75 e que o Desenho de Si mesmo, com a figura do mesmo sexo, tende a ter coeficientes maiores, de aproximadamente 0,80. Quanto à precisão das metades encontrou correlações variando de 0,84 a 0,92. Para o reteste as correlações variaram de 0,53 a 0,87, com uma mediana de 0,74, em amostras de crianças de 4 a 8 anos, com intervalos de duas a três semanas entre as aplicações.

A partir de um levantamento feito dos estudos a respeito da precisão do Teste Goodenough-Harris, obtido a partir dos trabalhos de Alves (1979), Scott (1981), Wallon (1985), Alves (1986) e de diversas bases de dados, serão resumidos alguns trabalhos mais relevantes. Entre estes artigos podem ser citados os de Dunn (1967), Georgas e Papadopoulous (1968), Strumpfer e Mienie (1968), McGilligan, Yater e Huesing (1971), Serwer, Shapiro e Shapiro (1972), Naglieri e Maxwell (1981) e Simner (1985).

Dunn (1967) aplicou o Goodenough-Harris a 72 crianças americanas, metade de cada sexo, cursando da 1ª à 6ª séries e obteve correlação entre dois juízes de 0,88. Um dos juízes reavaliou os desenhos depois de uma semana de intervalo e obteve correlação de 0,93.

Na Grécia, Georgas e Papadopoulous (1968) pesquisaram a precisão pelo reteste do Goodenough-Harris com uma amostra de 30 crianças, de 5 anos da cidade de Atenas. O reteste foi feito com um intervalo de duas a três semanas, sendo obtida correlação de 0,80 para o Desenho do Homem e 0,87 para o da Mulher. Consideraram suas correlações bastante altas e superiores às de Harris (1963), que variaram de 0,60 a 0,70. Discutem que este resultado pode se dever ao fato de Harris ter usado um intervalo de 3 meses entre as aplicações. Os autores também obtiveram um coeficiente de 0,95 entre os dois desenhos.

Na África do Sul, Strumpfer e Mienie (1968) estudaram 79 crianças (37 meninos e 42 meninas), com idade média de 11,4 anos. Embora os autores explicitem que a utilização do método das metades, com a correlação entre itens pares e ímpares, não seja totalmente adequado, porque essa divisão não resulta em duas metades estritamente comparáveis, eles obtiveram correlações de 0,78 para o Desenho do Homem e 0,85 para o da Mulher, que corrigidas pela fórmula de Spearman-Brown resultaram respectivamente em 0,88 e 0,92.

Estes autores retestaram 69 crianças do grupo original depois de 4 meses e obtiveram coeficientes de 0,73 para o Desenho do Homem e 0,80 para o da Mulher. Neste mesmo estudo a precisão entre juízes foi de 0,91 para a escala do Homem e 0,92 para a da Mulher.

Em outro estudo, McGilligan e colaboradores (1971) investigaram a precisão de formas alternativas, considerando os desenhos da Mulher e de si mesmo como formas alternativas para o desenho do Homem, em uma amostra americana de 23 meninos e 22 meninas da 1ª série, com idades variando de 6 anos e 4 meses a 7 anos e 8 meses. Reaplicaram o teste após três semanas e encontraram para a amostra total 0,61 para o desenho do Homem, 0,53 para o da Mulher e 0,68 para o de si mesmo. A correlação entre o desenho de si mesmo e o desenho do próprio sexo foi de 0,75 para os meninos e 0,90 para as meninas, confirmando que o desenho de si mesmo pode ser considerado uma forma alternativa.

Serwer e colaboradores (1972) investigaram uma amostra de 62 crianças com alto risco de problemas de aprendizagem com base nas avaliações dos professores. Obtiveram um coeficiente de correlação de 0,87 entre as metades e de 0,86 entre dois juízes. Em um estudo destinado a verificar a precisão entre dois juízes, Naglieri e Maxwell (1981) avaliaram uma amostra de 60 crianças, com idades entre 6 e 8 anos e meio, pela Escala Goodenough-Harris e pela escala do Desenho de uma criança de McCarthy. Encontraram uma precisão de 0,94 para o Goodenough-Harris e de 0,93 para a de McCarthy.

Simner (1985) aplicou duas vezes o Desenho do Homem a 24 crianças pré-escolares, com um intervalo de 3 a 4 meses e obteve uma correlação de 0,63, que é próxima aos coeficientes relatados por Harris para a escala original, com o mesmo intervalo de tempo. Este resultado é mais baixo do que a maioria dos coeficientes apresentados aqui, que em geral são superiores a 0,70, confirmando que o teste apresenta índices de precisão satisfatórios.

No Brasil, Alves (1979) em seu estudo com pré-escolares verificou a precisão de pares de juízes para a avaliação da escala de Goodenough e para os Desenhos do Homem e da Mulher na revisão, em uma amostra de 100 desenhos. Obteve uma correlação de 0,97 para a escala original, de 0,96 para o Homem e de 0,98 para a Mulher.

A partir do levantamento bibliográfico realizado nas bases de dados Lilacs e Dedalus, não foram localizadas outras pesquisas brasileiras relativas à precisão do Teste Goodenough-Harris e não foram encontrados artigos mais recentes a este respeito na literatura internacional. Provavelmente isto se deve ao fato de nos Estados Unidos terem sido criadas as propostas dos indicadores maturacionais de Koppitz (1968) e o sistema de avaliação quantitativa de Naglieri (1988), para a avaliação do Desenho da Figura Humana. No Brasil, por outro lado, além de existirem alguns estudos que empregaram o sistema de Koppitz, também foi proposta uma nova escala por Wechsler (2003), que atualmente tem sido utilizada. Esta escala foi baseada nos sistemas de Harris, Koppitz e Naglieri. Assim o objetivo desta pesquisa foi investigar a precisão do Desenho do Homem avaliado pela escala revisada tanto pelo método das metades (par-ímpar), como por meio do reteste.

 

Método

Participantes

Para estudar a precisão pelo método das metades foi empregada a mesma amostra que fez parte da pesquisa de padronização do Teste Goodenough-Harris, realizada por Rosa (2006), por se tratar de uma amostra na qual seria possível obter os coeficientes de precisão por faixa etária. A amostra foi constituída 1540 crianças, sendo 781 do sexo masculino e 759 do feminino, matriculadas nos três tipos de escolas (Municipal, Estadual e Particular) da rede oficial de Ensino da cidade de São Paulo, na faixa etária de 5 a 11,5 anos. A Tabela 1 apresenta a distribuição de freqüência da amostra por idade, sexo e tipo de escola.

 

 

Para a precisão teste-reteste, a amostra abrangeu as faixas etárias de 6 e de 9 anos, provenientes de quatro escolas da rede pública, sendo duas Escolas Municipais de Ensino Infantil (EMEI) e duas Escolas Estaduais de Ensino Fundamental, dentre as escolas que participaram da amostra de padronização. A amostra foi composta por um total de 67 crianças, 38 meninos e 29 meninas, conforme é apresentado na Tabela 2. O reteste foi feito após um intervalo de 8 a 15 dias.

Material

Para a obtenção do Desenho do Homem foram utilizados: folha de papel sulfite branca (A-4), lápis preto nº 2 e borracha, para cada criança.

Formulário de consentimento Livre e Esclarecido, para ser assinado pelos pais.

 

 

Procedimento

A pesquisa contou com o auxílio de 12 auxiliares de pesquisa, treinados previamente quanto às instruções de cada aplicação bem como quanto à realização do sorteio das crianças em cada escola sorteada para a amostra. Os auxiliares foram psicólogos e estudantes de Psicologia. As escolas foram contatadas e os aplicadores procederam à pesquisa com a autorização formal de cada escola, das delegacias de ensino e dos pais.

Após o estabelecimento do "rapport", as crianças receberam instruções padronizadas para desenhar um homem, de acordo com a instrução original de Goodenough (1926). Os desenhos foram pontuados pela escala do Homem de Harris (1963) por uma aluna bolsista de iniciação científica, uma psicóloga, previamente treinadas, e uma das autoras, que avaliaram independentemente os desenhos.

Embora a escala revisada solicite dois desenhos, nesta pesquisa o emprego de apenas uma figura teve o objetivo de diminuir o tempo de aplicação e avaliação. Optou-se por pedir apenas o Desenho do Homem, não só em conformidade com as instruções originais de Goodenough, mas também por este desenho ter apresentado uma correlação de 0,92 entre a escala original e a revisada, o que indica grande semelhança entre os resultados obtidos pelos dois métodos (Alves, 1979). Por outro lado, considerou-se a posição de

Koppitz (1968) de que uma figura é suficiente para essa avaliação. Outra razão para pedir o Desenho de um Homem e não de uma pessoa foi uniformizar o estímulo de modo a evitar obter, em alguns casos, a figura do homem e em outros, a da mulher. Scott (1981), em seu trabalho de revisão da literatura com o DFH, concluiu também que no Desenho do Homem ocorre semelhança nas pontuações entre os meninos e as meninas, ainda que no desenho da Mulher as meninas apresentem melhores resultados, o que também foi obtido por Alves (1979) com crianças paulistanas.

Os desenhos foram avaliados de acordo com os critérios de avaliação estabelecidos no manual do teste (Harris, 1963), que contam com ilustrações dos itens e diversos desenhos pontuados para dirimir as dúvidas. Os critérios para avaliação foram traduzidos por Alves (1979).

 

Resultados

Para determinar a precisão pelo método das metades foram calculadas as correlações entre os itens pares e ímpares (rpi) para cada idade e para a amostra total. Essas correlações, que foram corrigidas pela fórmula de Spearman-Brown, são apresentadas na Tabela 3, que apresenta também o Erro Padrão de Medida para cada idade. Todas as correlações foram significantes a 0,05.

 

 

O Erro Padrão de Medida é empregado para interpretação dos resultados individuais. Ele permite estabelecer uma faixa ou amplitude de variação dos pontos obtidos no teste, uma vez que o resultado de um teste não está livre de erros de mensuração. Assim, se o EPM for de 2 pontos, o resultado real de uma pessoa que fez 10 pontos, por exemplo, está entre 8 e 12. Ou seja, o EPM "é uma estimativa do intervalo em que se pode confiar encontrar o 'verdadeiro' escore de um determinado indivíduo" (Boccalandro, 1984, p. 12). Na amostra, o erro padrão de medida variou de 2,1 a 2,5, sendo de 2,3 para a amostra total.

Observa-se na Tabela 3 que a precisão é um pouco menor para a idade de 5 anos (0,75), tornando-se superior a 0,80 a partir de 6 anos. A precisão para a amostra total foi de 0,92.

 

 

A Tabela 4 mostra os resultados obtidos nas duas aplicações para cada faixa etária e para o conjunto de sujeitos, com os testes t, para determinar as diferenças entre as médias, o nível de significância e a correlação entre teste e reteste (r). Pelos resultados da Tabela 4 pode-se constatar que as correlações entre o teste e o reteste são significantes e consideradas satisfatórias para as duas faixas etárias e para a amostra total. Foram obtidas diferenças estatisticamente significantes entre as médias das duas aplicações, tendo ocorrido uma diminuição dos pontos na segunda aplicação. Embora a avaliação dos desenhos tenha sido revista por um dos avaliadores, não foram verificados erros nas avaliações e não foi encontrada uma explicação para este fato. Pode-se supor que talvez as crianças estivessem menos motivadas para fazer novamente o desenho no reteste.

 

Discussão

Guilford (1950) considera aceitáveis coeficientes de precisão entre 0,70 e 0,98, contudo Anastasi (1977) propõe como desejáveis coeficientes de precisão entre 0,80 e 0,90. Assim, os resultados apresentados nas Tabelas 3 e 4 indicam que a precisão da avaliação Goodenough-Harris, pelo método das metades, corrigida pela fórmula de Spearman-Brown, bem como pelo reteste, pode ser considerada satisfatória pelo critério de Guilford, variando de 0,75 a 0,90 no primeiro método e de 0,70 a 0,82 no reteste.

Em relação à literatura internacional, quanto aos estudos de reteste, Goodenough (1926) obteve com sua escala original, uma correlação de 0,94, com um dia de intervalo; McCarthy (1947, citado por Harris, 1963), obteve 0,89 com uma semana de intervalo. No Brasil, Marques e colaboradores (2002b) conseguiram 0,63 para um intervalo de seis meses, que é mais baixo do que os demais em função do maior intervalo de tempo usado.

Para o Desenho do Homem, Georgas e Papadoulos (1968) obtiveram uma correlação de 0,80 com intervalo de duas a três semanas, McGilligan e colaboradores (1971) de 0,61 após 3 semanas, Simner (1985) de 0,63 com pré-escolares após 3 a 4 meses, Strumpfer e Mienie (1968) de 0,73, após 4 meses. Scott (1981) relata que em sua revisão encontrou coeficientes de precisão pelo reteste variando de 0,53 a 0,87, com uma mediana de 0,74.

A correlação obtida nesta pesquisa para a amostra total foi de 0,81, superior à correlação mediana relatada por Scott. Porém pode-se observar que foi menor para as crianças mais velhas (9 anos), cujos desenhos são mais elaborados, e que as médias foram ligeiramente menores na segunda aplicação. Como nas pesquisas mencionadas não são apresentadas as médias obtidas nas duas aplicações, não se pode saber se essa diminuição também ocorreu nas demais pesquisas. No Brasil, Wechsler (2003) obteve precisão pelo reteste com intervalo de três meses para a figura masculina da sua escala, variando de 0,26 a 0,83 para os subgrupos divididos por idade e sexo, e 0,69 para a amostra total, mas a autora não indicou o número de participantes deste estudo.

Em relação ao método das metades não foram encontrados estudos, além do de Goodenough (1926) para a escala original cujo coeficiente foi de 0,77. Quanto à escala revisada, Scott (1981) relatou correlações variando de 0,84 a 0,92; Strumpfer e Mienie (1968) obtiveram 0,88 para a Escala do Homem; Serwer e colaboradores (1972) 0,87. Esses resultados são semelhantes aos encontrados nesta pesquisa para a amostra total, cuja correlação foi 0,92. Assim, ainda que não se possa estabelecer que os itens do teste estejam em ordem de dificuldade crescente, eles apresentam um coeficiente alto pelo método das metades.

Pode-se dizer que os resultados obtidos na presente pesquisa estão de acordo com aqueles encontrados nos diferentes estudos, que indicam uma adequada precisão do Desenho do Homem para avaliação cognitiva, empregando a proposta de Harris (1963). A semelhança dos resultados com os dados internacionais permite maior segurança para se afirmar que os resultados desta pesquisa podem ser generalizados para todas as crianças brasileiras, embora a pesquisa tenha sido realizada apenas na cidade de São Paulo.

É importante ressaltar que esta técnica apresenta muitas vantagens em relação à maioria dos testes relativos ao desenvolvimento intelectual, pois não exige nenhum material especial, além de lápis e papel, o que a torna um teste de baixo custo e cuja realização é muito rápida. Além disso, as crianças geralmente gostam de desenhar e não apresentam resistência à tarefa.

Desta forma a presente pesquisa mostra que o Teste Goodenough-Harris, empregando apenas o Desenho do Homem, apresenta um grau adequado de precisão ou confiabilidade. Assim poderá ser um instrumento valioso para o psicólogo na avaliação intelectual infantil e que pode fazer parte de um processo diagnóstico mais amplo ou apenas como uma técnica de triagem para descartar problemas intelectuais em uma criança.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: helenarr@assis.unesp.br ou iraicba@usp.br

Recebido em Outubro de 2007
Reformulado em Abril de 2008
Aceito em Junho de 2008

 

 

Sobre os autores:

* Helena Rinaldi Rosa: psicóloga, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. é professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
** Irai Cristina Boccato Alves: psicóloga, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (1987). Atualmente é professor doutor da Universidade de São Paulo.

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