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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.13 no.1 Itatiba abr. 2014

 

 

Personalidade e autoavaliação global como estudante: alguns indicadores com um modelo multimonial

 

Personality and overall self-assessment as student: some indicators through a multimonial model

 

Personalidad y autoevaluación general como estudiante: algunos indicadores con un modelo multimonial

 

 

Renato G. Carvalho1; Rosa F. Novo

Centro de Investigação em Psicologia

 

 


RESUMO

Neste trabalho analisamos a relação entre a personalidade e o modo como os adolescentes se autoavaliam globalmente como estudantes. Participaram 351 adolescentes dos 14 aos 18 anos, distribuídos por vários níveis de escolaridade. Para avaliar a personalidade, utilizámos o Sumário Estrutural da versão portuguesa do Minnesota Multiphasic Personality Inventory – Adolescent, e um questionário de autoavaliação como estudante, com quatro categorias de resposta possíveis, entre Abaixo da Média e Muito Bom. Num modelo de regressão multinomial identificámos a personalidade como preditor da autoavaliação que os adolescentes fazem de si como estudantes, destacando-se os resultados nas dimensões Imaturidade e Desajustamento Global, o que enfatiza a importância da autorregulação e controlo dos impulsos, bem como da emocionalidade positiva, no modo como os adolescentes se autoavaliam. Os resultados são discutidos considerando o papel da organização da personalidade, não só nos padrões de comportamento observável, como também nas autoavaliações e perceções subjetivas dos indivíduos.

Palavras-chave: personalidade; autoavaliação como estudante; ajustamento escolar; adolescentes; Teste MMPI-A.


ABSTRACT

In this paper, we analyze the relationship between personality and the way adolescents globally assess themselves as students. Participants were 351 adolescents, aged from 14 to 18 years old, and at various levels of schooling. For personality assessment, we used the Structural Summary of the Portuguese version of the Minnesota Multiphasic Personality Inventory – Adolescent, and a questionnaire for students' self-assessment, with four possible response categories, from Below Average to Very Good. Through a multinomial regression model we identified personality as a predictor of adolescents' self-assessment as students, being noteworthy Immaturity and Global Maladjustment dimensions, which emphasizes the importance of self-regulation and impulse control characteristics, as well as of positive emotionality, for adolescents' self-assessment as students. Results are discussed considering the role of personality organization, not only for the patterns of observable behavior, but also in self-assessments and subjective perceptions of individuals.

Keywords: personality; students' self-assessment; school adjustment; adolescents; MMPI-A.


RESUMEN

En este artículo se analiza la relación entre la personalidad y la forma como los adolescentes se autoevalúan globalmente como estudiantes. Participaron 351 estudiantes, con edades de 14 a 18 años. Se utilizó el Sumario Estructural de la versión portuguesa del Inventario Multifásico de Personalidad de Minnesota – Adolescentes (MMPI-A) y un cuestionario de autoevaluación como estudiantes. A través de un modelo de regresión multinomial, se ha identificado la personalidad como un preditor significativo de la autoevaluación global de los adolescentes como estudiantes, destacándose las dimensiones Inmadurez e Inadaptación Global, que enfatizó la importancia de la autorregulación y control de los impulsos, así como de emocionalidad positiva, para el modo como los adolescentes se autoevalúan. Los resultados se discuten teniendo en cuenta el papel de la organización de la personalidad, no sólo para los patrones de comportamiento observable, sino también en las autoevaluaciones y percepciones subjetivas de los individuos.

Palabras-clave: personalidad; autoevaluación como estudiante; adaptación escolar; adolescentes; Test MMPI-A.


 

 

Vários fatores têm sido associados ao sucesso dos estudantes ao longo da escolaridade. De entre eles, a personalidade tem progressivamente assumido um lugar de destaque, não só ao nível da predição do desempenho académico, refletido nas classificações escolares, mas também num conjunto alargado de indicadores relacionados com os padrões comportamentais e relacionais em contexto escolar. Numa perspetiva global, encaramos a personalidade como a organização dinâmica dos sistemas físicos e psicológicos que estão subjacentes aos padrões de ação, pensamento e sentimento do indivíduo (Allport, 1961), e que pode ser operacionalizada em dimensões enquadradas em diferentes níveis (McAdams, 1995, 1997; McAdams & Olson, 2010), nomeadamente em dimensões estruturais ou traços, dimensões motivacionais ou adaptações características, e identidade narrativa, esta última numa esfera de análise mais idiográfica e com um enfoque mais qualitativo. O modo como se encontram organizadas as diversas dimensões situadas em diferentes níveis da personalidade contribui decisivamente para a natureza das transações entre cada indivíduo e o seu meio, o que por sua vez pode criar condições de vulnerabilidade ou de proteção face ao desenvolvimento de trajetórias mais ou menos adaptativas.

Apesar de o conceito de personalidade envolver um conjunto amplo de dimensões, a investigação tem focado, de forma significativa, os traços ou as dimensões estruturais, sendo que duas das taxonomias atualmente mais bem estabelecidas são o modelo de Eysenck (1947, 1997), que pressupõe a existência de três dimensões básicas (Psicoticismo, Extroversão/Introversão, Neuroticismo) e o modelo dos cinco fatores (Costa & McCrae, 1992), que pressupõe a existência de cinco dimensões de primeira ordem – Neuroticismo, Extroversão, Abertura à Experiência, Amabilidade, Conscienciosidade, as quais, por sua vez, agregam dimensões de segunda ordem ou facetas. A referência bastante abrangente na literatura a este último modelo não deixará de estar associada ao facto de o mesmo gerar concordância relativamente às suas vantagens psicométricas (Carvalho & Novo, 2010a).

No âmbito de uma recente revisão de literatura sobre a relação entre o desempenho escolar e a personalidade, expressa nos cinco grandes fatores, Poropat (2009) identifica a Conscienciosidade – que engloba a autodisciplina, o sentido do dever, a capacidade de planeamento e orientação para objetivos – como o traço que mais consistentemente se associa ao desempenho escolar. Mais recentemente, outros estudos têm evidenciado que a personalidade pode ser um preditor significativo não só do desempenho, mas também da integração na vida escolar, ilustrada, por exemplo, pela frequência de problemas de comportamento e comportamentos de risco, pelos padrões de relacionamento interpessoal, pela participação em atividades extracurriculares ou ainda pela adaptação a transições ao longo da escolaridade (Carvalho, 2012; Carvalho & Novo, 2013).

A investigação revela, portanto, que, quando focamos o contexto escolar, são também relevantes para o sucesso individual e para o desenvolvimento de trajetórias mais adaptativas dimensões que remetem para o domínio conativo. Isso é, as diferenças individuais ao nível da personalidade contribuem significativamente para o maior ou menor sucesso dos indivíduos, também em contexto académico. Com efeito, para além da competência intelectual, a personalidade apresenta uma capacidade preditiva da motivação e da vontade de levar a cabo uma tarefa, da assiduidade, da iniciativa, do envolvimento em atividades não académicas, das atitudes face ao estudo e abordagens à aprendizagem (Chamorro-Premuzic & Furnham, 2008; Komarraju, Karau, & Schmeck, 2009; Willingham, Pollack, & Lewis, 2002), o que por sua vez se reflete nas classificações, na integração na vida escolar e ainda no sentimento global de satisfação com esta.

Para além disso, a literatura tem vindo a indicar que essa relação entre personalidade e adaptação à vida escolar pode ser ainda mais profunda e não apenas direta, influenciando a autoavaliação que os adolescentes efetuam das suas próprias competências, isto é, o modo como se classificam ou descrevem globalmente como estudantes. Essa relação, que podemos considerar indireta, assume relevância, já que a perceção avaliativa subjetiva dos estudantes acerca de si próprios e das suas capacidades terá repercussões importantes no seu comportamento de estudo e no maior ou menor envolvimento nas tarefas escolares, ou ainda nas suas crenças face ao desempenho escolar e as suas causas (Chamorro-Premuzic & Furnham, 2005; Furnham, Chamorro-Premuzic, & McDougall, 2002).

Assim, face à importância que a investigação tem vindo a atribuir à personalidade na compreensão da vida escolar e considerando a necessidade de compreender de que modo a organização da personalidade influencia a vivência subjetiva do indivíduo e particularmente o modo como se perceciona a si próprio, procurámos analisar, com este estudo breve, se a perceção geral que os adolescentes têm de si como estudantes é influenciada pela personalidade, operacionalizada em dimensões estruturais. Consideramos que esta análise contribui para a obtenção de um quadro mais compreensivo sobre a importância da personalidade em contexto escolar, ilustrando não só as relações que apresenta com indicadores de comportamento e adaptação, mas também com dimensões subjetivas, ainda que genéricas, relacionadas com o percurso escolar. Pretendemos que esta análise se insira num quadro mais alargado de estudo em que procurámos compreender de que forma a organização da personalidade contribui para o comportamento dos adolescentes em contexto escolar e, deste modo, para o desenvolvimento de trajetórias de desenvolvimento mais ou menos bem sucedidas. Em suma, procuramos obter indicadores que nos permitam compreender a extensão das influências da personalidade no comportamento em contexto escolar, partindo da hipótese geral de que existe uma relação significativa entre a personalidade e o modo como os adolescentes se autoavaliam, sendo que os resultados mais elevados no MMPI-A – os quais podem sinalizar maiores dificuldades ao nível da organização da personalidade – se associam a autoavaliações mais negativas por parte dos adolescentes.

 

Método

Participantes

A amostra foi constituída por 351 estudantes (212 do sexo feminino, o que corresponde a cerca de 60%), a frequentarem o ensino básico, secundário e profissional. A maioria dos estudantes residia em áreas rurais (n=223, cerca de 64%) e as suas idades encontram-se compreendidas entre os 14 e os 18 anos (M=16; DP=1,43). Quase metade dos participantes (n=167) tinha ambos os pais com a escolaridade mínima obrigatória completa (e/ ou pelo menos um dos pais com o ensino secundário). Apenas uma minoria dos estudantes tinha ambos os pais com uma licenciatura (n=21). Os restantes tinham ambos os pais com habilitações escolares inferiores à atual escolaridade mínima obrigatória (n=87) ou ambos os pais com o ensino secundário completo (n=75). Considerando que as habilitações escolares dos pais são um indicador relevante do estatuto sociocultural ou socioeconómico (ESE), podemos considerar que a amostra é predominantemente constituída por jovens inseridos em famílias de ESE médio- baixo (Carvalho & Novo, 2012).

Instrumentos

Personalidade. Recorremos à versão portuguesa do Minnesota Multiphasic Personality Inventory – Adolescent (MMPI-A; Butcher et al., 1992; Silva, Novo, Prazeres, & Pires, 2006), um inventário de autorrelato constituído por 478 itens. Neste estudo, operacionalizámos a personalidade nas dimensões do Sumário Estrutural do MMPI-A, uma abordagem que permite a organização da extensa informação sobre a organização da personalidade nos indivíduos, associada ao elevado número de escalas e subescalas da prova, em oito dimensões fatoriais, ou seja, trata-se de uma estratégia de organização dos resultados das dezenas de escalas do MMPI-A relativas à personalidade e à psicopatologia em dimensões clinicamente significativas. Baseados em Archer (2005), apresentamos seguidamente as oito dimensões do SE, bem como o número de escalas que as compõem e os indicadores de consistência interna (alfas de Cronbach) encontrados com a presente amostra. A primeira dimensão corresponde ao Desajustamento Global (32 escalas; α=0,966) e envolve o grau global de mal estar emocional, associado a maiores índices de ansiedade, culpa, depressão e autocrítica no adolescente. A segunda dimensão é a Imaturidade (sete escalas; α=0,886) e envolve características de egocentrismo, pouca consciência e automonitorização, dificuldades no controlo dos impulsos e propensão para problemas nas relações interpessoais. A Desinibição/Potencial Excitatório (seis escalas; α=0,787) corresponde a uma propensão para comportamentos excessivos, desinibidos e ações não controladas. O Desconforto Social (quatro escalas; α=0,834) remete para isolamento social, excessiva automonitorização e insegurança em situações sociais. As Preocupações com a Saúde (sete escalas; α=0,910) envolve a preocupação com a saúde e com a doença, facilidade em cansar-se e baixos níveis de resistência, com maior probabilidade de dificuldades no sono e histórias de perda de peso. O Cinismo (três escalas; α=0,742) corresponde a pessimismo e desconfiança em relação à bondade das intenções dos outros. A Alienação Familiar (seis escalas; α=0,890) ilustra relações familiares perturbadas, com conflitos frequentes e graves com os pais e maior probabilidade de problemas disciplinares na escola. Por fim, o Psicoticismo (nove escalas; α=0,904) envolve características de obsessividade e desinteresse social, com maior probabilidade de rejeição pelos pares, que são vistos como potencialmente ameaçadores.

Autoavaliação como estudante. Solicitamos que cada adolescente efetuasse uma autoavaliação geral de si como estudante, respondendo à questão "Globalmente, como te consideras como aluno?", com recurso a uma de quatro possíveis categorias qualitativas de resposta, nomeadamente abaixo da média, médio, bom e muito bom. Pretendemos que essas categorias refletissem apenas uma apreciação subjetiva e globalizante dos adolescentes acerca de si próprios no desempenho do papel de alunos na escola, pelo que as interpretações dos resultados deverão considerar as limitações desta medida. Essa autoavaliação correspondeu a um item específico que se encontrava inserido no Questionário sobre o Percurso Escolar (Carvalho & Novo, 2010b), que foi utilizado no quadro de uma pesquisa sobre a relação entre a personalidade e um conjunto vasto de indicadores sobre o percurso escolar na adolescência.

Procedimentos

A aplicação dos questionários ocorreu em contexto de turma em diversas escolas do ensino básico e secundário. As escolas foram selecionadas de forma a refletirem realidades urbanas e rurais distintas, tendo participado no estudo aquelas que, por meio dos respetivos órgãos de gestão, responderam aos contactos dos investigadores. Após a aceitação da participação no estudo, foram agendadas sessões de aplicação dos instrumentos em duas sessões em contexto de turma, sendo que cada turma participante foi selecionada pelo órgão de gestão da respetiva escola, por conveniência de horário. Após a recolha de dados, foi efetuada uma leitura ótica dos protocolos de MMPI-A, sendo os dados transferidos para uma base dados no SPSS, na qual foram também lançados os dados do QPE, depois de categorizados e cotados. Os protocolos de MMPI-A foram previamente avaliados relativamente aos indicadores de validade e de consistência de resposta. Na análise foram contemplados os aspetos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, em que destacamos o consentimento informado dos estudantes e respetivos encarregados de educação, a confidencialidade no tratamento dos dados e ainda uma análise prévia do estudo, em que foram ponderados os seus potenciais riscos e benefícios.

Análise de Dados

Face à natureza qualitativa das categorias de resposta possíveis, utilizámos um modelo de regressão multinomial no sentido de avaliar a probabilidade de cada uma das categorias (abaixo da média, médio, bom, muito bom) da variável autoavaliação como estudante ser estimada a partir dos preditores, que nesta pesquisa foram as dimensões do sumário estrutural do MMPI-A.

 

Resultados

Começamos por efetuar uma análise descritiva dos dados, procurando compreender o modo como os adolescentes da amostra tendencialmente se autoavaliam, bem como se há relação entre esta autoavaliação e algumas variáveis sociodemográficas. Assim, verificamos que a categoria mais assinalada pelos estudantes é médio, a qual foi assinalada por uma maioria dos participantes (n=231, 59%). A segunda categoria mais assinalada correspondeu a bom (n=91, 23%), sendo que abaixo da média e muito bom foram as hipóteses menos assinaladas pelos estudantes (respetivamente 5%e 3%). Podemos, em suma, afirmar que os estudantes da amostra tenderam a autoclassificar-se de forma positiva, concentrando-se em categorias médias de avaliação. Contudo, verificamos que não existiram influências significativa do sexo, χ2(3, N=351)=2,5; p=0,474, nem da localidade de residência, χ2(3, N=351)=4,15; p=0,245, no modo como os estudantes se autoavaliaram. Esses efeitos foram, no entanto, verificados, em relação à idade e ao estatuto socioeconómico (ESE) dos estudantes.

Relativamente à idade, os efeitos significativos, χ2(12, N=351)=49,94; p<0,001, se expressam numa tendência para que os adolescentes mais novos (14 e 15 anos) efetuem uma autoavaliação mais favorável de si, a qual é consubstanciada numa frequência superior à esperada de autoavaliações envolvendo as categorias bom e muito bom, e inferior na categoria abaixo da média. Pelo contrário, os estudantes com idades superiores, nomeadamente 17 e 18 anos, efetuaram autoavaliações mais negativas de si, com frequências superiores às esperadas na categoria abaixo da média. Esses resultados poderão dever-se não apenas a um maior otimismo dos estudantes mais novos, mas sobretudo ao facto de uma percentagem significativa dos estudantes da amostra já ter reprovado pelo menos um ano, o que faz com que existam estudantes com idades elevadas para o nível de escolaridade em que se encontram – com efeito, verifica-se nesta amostra um efeito de interação Idade x Nível de Escolaridade, χ2(20, N=351)=223,27; p<0,001. Consideramos que essa situação torna previsível que os estudantes mais velhos se autoavaliem mais negativamente.

Verifica-se também uma relação entre o estatuto socioeconómico (ESE) e as autoavaliações como estudante, χ2 (9, N=351)=26,77; p=0,002, numa tendência para que os estudantes inseridos em famílias de ESE superior (níveis médio e médio-superior) se autoavaliem de forma mais favorável. Esses resultados vão ao encontro da investigação que tem demonstrado uma relação entre o ESE e um conjunto de indicadores mais favoráveis relacionados com o desempenho escolar (Carvalho & Novo, 2011).

Considerando agora o foco do estudo, nomeadamente a relação entre dimensões estruturais da personalidade e a as autoavaliações subjetivas globais dos adolescentes acerca de si como estudantes, os resultados revelam um modelo de regressão ajustado estatisticamente significativo, G²(24)=48,32, p=0,002, Pseudo-R²N=0,16, o que indica uma relação entre aquelas duas variáveis, ainda que a dimensão do efeito observada não atinja valores muito elevados. As estimativas dos coeficientes do modelo a partir da classe de referência abaixo da média são apresentadas na Tabela 1. A seleção por essa classe de referência se deveu ao facto de ser aquela que mais se distingue das restantes, na medida em que corresponde a uma perceção negativa, ao passo que as restantes se inserem num plano mais favorável.

 

 

De acordo com o modelo ajustado, verificamos que a dimensão Imaturidade influi significativamente na passagem da classe de referência abaixo da média para as classes médio, bImaturidade=-0,061, p=0,002, bom, bImaturidade=-0,084, p<0,001, e muito bom, bImaturidade =-0,067, p=0,027. Isso significa que características individuais envolvendo a dificuldade no controlo dos impulsos e na autorregulação bem como a propensão para a conflituosidade e para o não cumprimento de regras ou orientação para objetivos estão significativamente relacionados com o modo como os adolescentes se autoavaliam como estudantes. Verificamos ainda uma influência da dimensão Desajustamento Global na passagem da classe de referência abaixo da média para as classes médio, bDesajustGlobal=-0,022, p=0,04, e bom, bDesajustGlobal=-0,031, p=0,009. Esses dados acrescentam que a emocionalidade negativa e um sentimento global de mal estar são relevantes para a perceção que os adolescentes têm de si como estudantes. Por fim, é de assinalar um efeito significativo da dimensão Alienação Familiar na passagem da classe de referência abaixo da média para bom, bAlienaçãoFamiliar=0,077, p=0,011. Tratando-se de uma relação positiva, esse resultado acaba por se revestir de alguma surpresa, na medida em que reflete um efeito da conflituosidade familiar na diferença de autoclassificação como aluno entre abaixo da média e bom. Tendo em conta que se trata apenas de uma influência na passagem de uma categoria para outra e, portanto, não transversal a todas as categorias, esse resultado poderá ser casuístico e específico dessa amostra (por exemplo, refletindo que diversos alunos que se classificam como bons têm problemas familiares) ou algum enviesamento nas autoavaliações dos alunos devido à conflituosidade no contexto familiar.

 

Discussão

Com esta comunicação, procurámos compreender se a personalidade, para além da sua relação com os padrões de comportamento e relacionamento interpessoal em contexto escolar, a qual tem vindo a ser reiterada por diversos estudos (p. ex., Barnow, Lucht, & Freyberger, 2005; Carvalho & Novo, 2013, Carvalho & Novo, no prelo; Caspi & Shiner, 2006; Gullone & Moore, 2000; Hill, 2002; Joyce & Oakland, 2005), se relaciona também com a visão subjetiva global que os adolescentes apresentam de si como estudantes. Foi nossa intenção obter indicadores que acrescentem à investigação o envolvimento do papel da personalidade na adaptação dos indivíduos em diferentes entornos. Os resultados obtidos vão ao encontro da hipótese inicial, fornecendo indicadores significativos da importância da personalidade, não apenas diretamente nos padrões de comportamento em contexto escolar, mas também no modo como os adolescentes se autoavaliam como estudantes, ainda que de uma forma global.

Consideramos que esta análise, ainda que genérica, concorre para a consolidação da perspetiva, que tem vindo a ser veiculada pela literatura, de que o modo como a personalidade se organiza nos indivíduos tem um impacto abrangente na vida escolar e nas diferentes dimensões que o caracterizam, quer expressas em padrões observáveis de comportamento, quer em perceções e autoavaliações subjetivas levadas a cabo pelos indivíduos. Com efeito, existindo já diversos dados relativos à relação entre a personalidade e o desempenho e integração escolar dos estudantes, a nosso ver, este estudo sugere que a influência da personalidade pode assumir uma dimensão ou extensão mais alargada, relacionando-se com o modo como os adolescentes percecionam a sua capacidade e se autoavaliam como estudantes. A relação significativa identificada com essa amostra se reveste de importância já que, como referido anteriormente, a perceção das próprias capacidades corresponde a um importante fator de motivação para a aprendizagem e para o investimento na escola (Chamorro-Premuzic & Arteche, 2008; Chamorro-Premuzic, Moutafi, & Furnham, 2005). De entre as dimensões da personalidade que neste estudo mais se destacaram, identificamos a Imaturidade, que se relaciona com uma autoavaliação mais negativa por parte do jovem enquanto estudante. Isso significa, portanto, que os estudantes mais impulsivos, com dificuldades de autocontrolo e propensos para o risco se classificam de forma mais negativa, um padrão de resultados que se verificou na transição entre as diferentes categorias qualitativas de avaliação e que vem reiterar a importância das características associadas à gestão dos impulsos e da autorregulação para a adaptação a diferentes contextos e fases do desenvolvimento, como seja a vida escolar na adolescência (Carvalho, 2012). No entanto, não deixa também de ser relevante a influência da dimensão Desajustamento Global, o que ilustra a relevância da emocionalidade negativa na forma como os indivíduos percecionam a realidade e efetuam apreciações avaliativas de si.

Em suma, configurando-se como uma comunicação breve, este estudo procurou identificar alguns indicadores que sinalizem a importância da personalidade na compreensão das autoavaliações subjetivas por parte dos adolescentes, as quais se relacionam com o comportamento em contexto escolar. Nesse sentido, consideramos necessária a realização futura de estudos mais integrativos que controlem um número mais amplo de variáveis em simultâneo (p. ex., dimensões cognitivas e não cognitivas) e que assim permitam o estabelecimento de conclusões mais sistemáticas acerca dos mecanismos pelos quais a influência da personalidade sobre o modo como os adolescentes se autoavaliam se reflete especificamente no comportamento. No entanto, assinalamos que, apesar de os resultados serem informativos, os efeitos estatisticamente significativos não se estendem a um conjunto mais abrangente de dimensões da personalidade do Sumário Estrutural e que a recolha de dados foi levada a cabo apenas por meio de instrumentos de autorrelato, pelo que consideramos também que para futuro será benéfico o recurso a diferentes fontes de informação. Observamos, por fim, que esses resultados encorajam explorações mais avançadas sobre o papel de fatores não cognitivos, nomeadamente ao nível da personalidade e numa perspetiva que integre metodologia quantitativa e qualitativa, no modo como os estudantes percecionam a sua realidade. Essa compreensão irá ajudar a concetualizar melhor a natureza das dificuldades dos alunos e o modo como investem mais ou menos nas atividades escolares.

 

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Recebido em janeiro de 2013
Reformulado em maio de 2013
Aprovado em agosto de 2013

 

 

Sobre os autores

Renato G. Carvalho: é doutorado em Psicologia pela Universidade de Lisboa. Psicólogo na Secretaria Regional de Educação e Recursos Humanos da Madeira.
Rosa F. Novo: é Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de Lisboa. Professora Associada na Faculdade de Psicologia da mesma Universidade.


1Endereço para correspondência: Faculdade de Psicologia, Alameda da Universidade, 1649-013, Lisboa, Portugal. Tel.: (+351) 217 943 655. Fax: (+351) 217 933 408. E-mails: renatoggc@gmail.com, rfnovo@psicologia.ulisboa.pt