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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.2 Itatiba ago. 2015

 

 

Conjugalidade dos pais: percepções de indivíduos casados e solteiros1

 

Parents’ conjugality: Perceptions of married and single individuals

 

Percepción de la conyugalidad de los padres de casados y no casados

 

 

Fabio Scorsolini-Comin2, I; Anne Marie Germaine Victorine FontaineII; Manoel Antônio dos SantosIII

IUniversidade Federal do Triângulo Mineiro
IIUniversidade do Porto
IIIUniversidade de São Paulo

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi comparar as percepções dos filhos sobre a conjugalidade dos pais em indivíduos casados e solteiros. Participaram 374 sujeitos, divididos em três grupos: casados (n=118), solteiros que namoram (n=140) e solteiros que não namoram (n=116). Instrumentos utilizados: Escala de Bem-estar Subjetivo, Questionário de Conjugalidade dos Pais e Escala Fatorial de Satisfação com o Relacionamento de Casal. Foram feitas análises descritivas, correlacionais e comparação entre grupos. Houve diferenças significativas quanto à percepção sobre a conjugalidade dos pais, sendo que os solteiros apresentaram uma percepção mais positiva. Tal achado pode ser explicado pela diferença de idade entre os grupos e não necessariamente pelo fato de serem casados ou solteiros. Os resultados sugerem que a idade é uma variável desenvolvimental relevante, devido às experiências acumuladas ao longo do tempo, o que permitiria uma avaliação mais amadurecida sobre a família de origem.

Palavras-chave: relações familiares; transmissão psíquica entre gerações; relações conjugais.


ABSTRACT

This study aimed to compare childrens’ perceptions on the conjugality of their parents in married and unmarried individuals. There were 374 participants divided into three groups: married (n=118), singles who date (n=140), and singles who do not date (n=116). The instruments used were the Scale of Subjective Well-being, Parental Conjugality Questionnaire and Factorial Scale of Couple Relationship Satisfaction. Descriptive analyses, correlation, and group comparisons were assessed. There were significant differences in parental marital perceptions, with the singles showing a more positive perception. This finding could be explained by the age difference between the groups and not necessarily because they are married or single. The results suggest that developmental age is a relevant variable because of the experience accumulated over time, which would allow a more mature assessment of the family of origin.

Keywords: family relationships; psychic transmission between generations; marital relations.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue comparar las percepciones de los niños sobre los padres de personas casadas y no casadas. Participarán 374 sujetos divididos en tres grupos: casados (n=118), solteros que salen con (n=140) y los solteros que no salen con (n=116). Instrumentos utilizados: Escala de Bienestar Subjetivo, Cuestionario de la Conyugalidad de los Padres y Escala de Satisfacción con las Relaciones de Pareja. Estadística descriptiva, la correlación y la comparación entre grupos se realizaron. Se encontraron diferencias significativas en la percepción de la relación conyugal de los padres, y los solteros mostraron una percepción más positiva. Este hallazgo se puede explicar por la diferencia en edad entre los grupos y no necesariamente porque están casados o solteros. Los resultados sugieren que la edad de desarrollo es una variable importante a causa de la experiencia acumulada a lo largo del tiempo.

Palabras-clave: relaciones familiares; transmisión psíquica entre las generaciones; las relaciones conyugales.


 

 

A conjugalidade dos pais é um construto que vem sendo desenvolvido com o objetivo de compreender de que modo as memórias e percepções dos filhos acerca do relacionamento conjugal dos pais podem estar associadas ao modo como os desenvolvem sua afetividade na vida adulta em seus próprios relacionamentos amorosos (Ziviani, Féres-Carneiro, & Magalhães, 2011, 2012). Os estudos de vertente psicodinâmica destacam que os filhos estruturam seu psiquismo a partir de um lugar simbólico construído desde o nascimento, o que envolve ideais, mitos familiares, acordos, pactos, regras e estipulações inconscientes que acompanham o desenvolvimento ao longo de todo o ciclo vital (Féres-Carneiro, 1998; Magalhães, 2009). Essa construção pode ser considerada satisfatória se a interação estabelecida pelo casal com os filhos for positiva, ou então insatisfatória se os filhos perceberem as figuras parentais de modo negativo, o que pode comprometer o processo de estruturação psíquica e relacional da criança, com consequências para o futuro adulto. Ao se identificar com as atitudes negativas da figura parental, o filho inconscientemente tende a repeti- -las nos seus relacionamentos amorosos futuros, comprometendo a qualidade da vinculação (Donnamaria & Terzis, 2009; Moraes, Moraes, Veloso, Alves, & Tróccoli, 2009; Puget & Berenstein, 1993).

Na perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento, enfatiza-se como as experiências da família de origem e os estilos parentais percebidos podem estar relacionados às formas com que os filhos desenvolvem seus relacionamentos íntimos no futuro. Isso inclui representações de desenvolvimento e expectativas de si mesmo e de outros relacionamentos que se podem dar por uma repetição direta dos processos emocionais e das dinâmicas da família de origem ou por sua recriação, em função do contexto e das diversas experiências acumuladas ao longo do tempo (Benghozi, 2010; Berzonsky & Kuk, 2000; Bowlby, 1969/1990; Brumbaught & Fraley, 2010; Diniz & Salomão, 2010; Marin, Piccinini, & Tudge, 2011; Wong, McElwain, & Halberstadt, 2009). É importante destacar que “repetição” ou “recriação” dos processos emocionais são dois desfechos possíveis e distintos que o indivíduo pode dar para o legado que recebe como herança psíquica intergeracional. Na base desses estudos está a concepção de que o casal parental ocupa um papel importante no modo como o adulto constrói sua identidade, notadamente no que se refere aos seus padrões de relacionamentos amorosos, dentre os quais destacamos o casamento e o namoro. A conjugalidade dos filhos pode ser estruturada a partir de aspectos observados e aprendidos nas interações com o casal parental, mesmo quando há a tentativa de romper com esse modelo. Assim, os filhos poderiam buscar tanto relacionamentos amorosos similares aos vivenciados na família de origem como outros bem distantes, o que ainda mantém o casal de origem como referência central (Falcke, Wagner, & Mosmann, 2005).

Os comportamentos parentais, no entanto, não podem ser compreendidos como as únicas variáveis que incidem sobre como as pessoas se relacionarão afetivamente na vida adulta, o que dá margem para a consideração de diversos elementos, tais como outros relacionamentos interpessoais experienciados ao longo da vida, contextos desenvolvimentais e avaliações acerca da satisfação de vida (Scorsolini-Comin, 2012; Scorsolini-Comin & Santos, 2012; Willoughby, Carroll, Vitas, & Hill, 2012). Diferentemente de uma visão essencialmente determinista, a psicanálise dos vínculos sociais, embora concorde com a centralidade do casal parental na estruturação da vida afetiva adulta, compreende que outros elementos advindos das histórias de vida de cada um se podem entrelaçar às experiências familiares na construção do modo como o indivíduo adulto vivenciará seus relacioanamentos interpessoais. Por esse prisma, as vinculações iniciais consideradas negativas poderiam ser remalhadas em função de experiências mais positivas ocorridas na vida adulta, como, por exemplo, na vivência conjugal, bem como em outros relacionamentos significativos (Benghozi, 2010). A possibilidade de remalhagem dos vínculos assinala, portanto, a importância de se compreenderem os relacionamentos estabelecidos na adolescência e na fase adulta como potências para a construção de experiências afetivas mais positivas.

Estudos internacionais também têm destacado que os comportamentos conjugais de pais e mães desempenham um papel central nas atitudes de adolescentes e jovens adultos em relação ao casamento, o que se acentua quando se iniciam as primeiras relações amorosas, predominantemente em namoros (Riggio & Weiser, 2008). Essas percepções, no entanto, podem modificar-se ao longo do tempo, haja vista que os filhos continuam a se desenvolver quando saem de casa e, teoricamente, passam a receber influências ou experienciar modelos que podem ser bem diferentes daqueles vivenciados na família de origem. Assim, as atitudes em relação ao casamento tenderiam a se modificar com a saída dos filhos da casa dos pais (Willoughby et al., 2012). É lícito questionar, portanto, se essas percepções seriam diferentes em termos das formas de relacionamento amoroso estabelecidas, como em casamentos e namoros estáveis, que se referem tanto a modalidades distintas como a relações que podem ocorrer em diferentes fases do ciclo vital (Hsueh, Morrison, & Doss, 2009; Scorsolini-Comin, 2012). A partir dessas considerações, este estudo teve por objetivo comparar as percepções dos filhos sobre a conjugalidade dos pais entre grupos formados por pessoas casadas, solteiras que namoram e solteiras que não namoram.

A hipótese central deste estudo é que a medida da percepção acerca da conjugalidade dos pais está associada ao status do relacionamento afetivo dos filhos (casados, solteiros que namoram ou solteiros que não namoram). Tal hipótese sustenta-se na consideração de que pessoas casadas, por experienciarem, de fato, uma relação conjugal, teriam uma condição mais apropriada para avaliar o casamento dos seus genitores, o que não ocorreria em pessoas que namoram, justamente por se tratar de uma modalidade com características diferentes das observadas no matrimônio (Bertoldo & Barbará, 2006; Zordan & Wagner, 2009) ou em pessoas que sequer estão engajadas em relacionamentos estáveis.

 

Método

Participantes

O estudo contou com três grupos independentes, compostos por indivíduos selecionados por conveniência, divididos de acordo com o tipo de relacionamento em que estavam envolvidos, sendo um grupo composto por pessoas casadas (Grupo A) havia pelo menos dois anos, um de pessoas solteiras engajadas em relacionamento estável do tipo namoro (Grupo B) havia pelo menos um ano, e outro de pessoas solteiras que não estavam namorando (Grupo C) havia pelo menos um ano. Os participantes tinham que ter ao menos 18 anos de idade, grau de instrução médio ou superior, declararem-se heterossexuais e não apresentar indícios aparentes ou relatados de comprometimentos comportamentais ou cognitivos. Em todos os grupos não houve restrições em relação à classificação socioeconômica, sexo, número máximo de anos de casamento ou namoro do respondente e anos de casamento dos pais. Todos os participantes deveriam ter pais casados em primeiras núpcias, excluindo-se os solteiros, recasados, separados e viúvos. Esse cuidado foi tomado porque a situação conjugal dos pais, segundo resultado de pesquisa de Ziviani, Féres-Carneiro, Magalhãe, e Bucher-Maluschke (2006) poderia interferir na percepção da conjugalidade dos pais.

Para averiguar se a amostra utilizada era satisfatória e atendia aos critérios do estudo, foi realizado o cálculo de poder estatístico da amostra considerando o modelo de Schlesselman (Moraes & Souza, 1998). Após a aplicação do modelo, concluiu-se que o poder da amostra é de 73% , considerado um valor aceitável. Sendo assim, a amostra total foi do tipo não probabilística, composta por critérios de conveniência, totalizando 374 participantes, descritos no item “Resultados”.

Instrumentos

O questionário de identificação do participante foi desenvolvido pelos autores com o objetivo de obter dados gerais do participante, como idade, sexo, grau de instrução, atividade profissional, renda familiar, tempo de duração do relacionamento (há quanto tempo os parceiros estavam juntos, em união estável) e se tinham filhos ou não. Nesse questionário foi incluída uma pergunta sobre o grau de satisfação do respondente em relação ao seu relacionamento atual (SR), que deveria ser respondida apenas pelos grupos A e B, em uma escala Likert que variava de (1) “nem um pouco satisfatório” a (5) “extremamente satisfatório”. Esta única pergunta foi incluída como forma de auxiliar na avaliação da conjugalidade, haja vista que fornece um índice de satisfação geral no relacionamento.

A escala de classificação socioeconômica consiste em uma atribuição de pesos a um conjunto de itens de conforto doméstico de acordo com o critério da Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME, 2008). Esta escala foi aplicada neste estudo apenas para caracterizar a amostra.

A Escala de Bem-estar Subjetivo (EBES) (Albuquerque % Tróccoli, 2004) é um instrumento inspirado em escalas desenvolvidas no exterior. O instrumento é composto por dois conjuntos de itens de resposta em escala Likert de cinco pontos. O primeiro grupo descreve afetos positivos e negativos (itens 1 a 47), devendo o sujeito responder como se tem sentido ultimamente em uma escala na qual 1 significa “nem um pouco”, e 5 significa “extremamente”. Escores mais elevados nessa subescala indicam predominância dos afetos positivos sobre os negativos, contribuindo para um nível maior de bem-estar subjetivo. Na segunda parte, os itens vão do número 48 ao 62, e descrevem julgamentos relativos à avaliação de satisfação ou insatisfação com a vida, devendo ser respondidos em uma escala na qual 1 significa “discordo plenamente”, e 5 significa “concordo plenamente”. Escores mais elevados indicam maior nível de satisfação com a vida. Tal escala foi empregada anteriormente em investigações sobre conjugalidade (Scorsolini-Comin % Santos, 2012).

O Questionário de Conjugalidade dos Pais (QCP) (Féres-Carneiro, Ziviani, & Magalhães, 2007) é um questionário desenvolvido no contexto brasileiro com base em instrumentos internacionais (Ziviani, Féres- Carneiro, Scorsolini-Comin, & Santos, 2015). A versão original do QCP aplicada neste estudo é constituída por 56 itens fechados para serem respondidos em escala Likert de cinco pontos (sendo que “nunca” corresponde a 1, e “sempre” corresponde a 5). Na codificação do instrumento, podem-se separar as questões relacionadas apenas ao pai, apenas à mãe ou a ambos (Ziviani et al., 2011). Pelas questões relacionadas a ambos, obtém- -se um índice geral de conjugalidade dos pais. Escores mais elevados indicam sempre uma percepção mais positiva acerca da conjugalidade, dirigida ao construto maior: a conjugalidade dos pais percebida pelos filhos (Ziviani et al., 2006).

A Escala Fatorial de Satisfação com o Relacionamento de Casal (EFS-RC) (Wachelke, Andrade, Souza, % Cruz, 2007) é um instrumento autoadministrado e breve, desenvolvido e validado no contexto brasileiro. Formado por nove itens do tipo Likert, subdivididos em duas dimensões de avaliação de esferas específicas do relacionamento de casal: Satisfação com a Atração Física e Sexualidade (SAFS) e Satisfação em relação às Afinidades de Interesses e Comportamentos (SAIC) entre companheiros de relação. Escores mais elevados indicam uma percepção mais positiva acerca do relacionamento, ou seja, maior satisfação.

Procedimentos

Todos os participantes foram contatados pelo pesquisador, e a aplicação dos instrumentos foi realizada individualmente, em local previamente acordado com o voluntário, ou em grupos em salas de aula, devidamente informados da aplicação. As aplicações coletivas ocorreram em duas universidades públicas, localizadas em municípios do interior do Estado de São Paulo e de Minas Gerais. Os respondentes, após ouvirem as instruções, recebiam a bateria de instrumentos e poderiam devolvê-las preenchidas ou em branco, não havendo a necessidade de que informassem, de antemão, se estavam enquadrados nos critérios de inclusão ou exclusão. Esse cuidado foi tomado, para que aqueles que não se enquadrassem em algum critério não tivessem que expor tal condição de modo aberto ao grupo de pares, evitando-se assim qualquer tipo de constrangimento. O preenchimento dos instrumentos nas aplicações coletivas ocorreu logo após o estabelecimento do rapport. Em todas as aplicações, foram seguidos os mesmos procedimentos, buscando-se reduzir ao máximo os possíveis vieses de aplicação, tais como os descritos por Pasquali (2001).

Análise de Dados

Após as aplicações, os dados foram organizados e armazenados em uma planilha do programa Microsoft Excel, e, posteriormente, transpostos para o programa estatístico SPSS, versão 17.0, para operacionalização das análises. Para assegurar que todas as respostas fossem transpostas corretamente, utilizou-se a técnica da dupla digitação por dois pesquisadores diferentes, sendo um deles o responsável pela pesquisa. Primeiramente, foram feitas as análises descritivas para caracterização da amostra. Nessas análises, consideraram-se as médias, medianas, desvios-padrão e porcentagens. Após esse processo e para a realização de estudos inferenciais, utilizou-se o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov e a análise de resíduos. Considerando que os dados não mostraram seguir distribuição normal, foi empregada estatística não paramétrica para análise de correlações. Foram calculadas as correlações entre as medidas das variáveis contínuas a partir do coeficiente de correlação de Spearman. A força da grandeza do coeficiente de correlação entre as variáveis foi avaliada de acordo com o procedimento proposto por Ajzen e Fishbein (1998), que consideram os valores de correlação próximos de 0,30 satisfatórios, entre 0,30 e 0,50 como correlação de moderada magnitude e acima de 0,50 de forte magnitude. Resultados abaixo de 0,30 são de pouco valor para a prática, mesmo que estatisticamente significantes. O nível de significância adotado no exame das correlações foi de p≤ 0,05. Para comparar se houve ou não diferenças significativas em relação a cada variável entre os grupos, foi utilizado o método de análise de variâncias (ANOVA e ANCOVA), empregado quando os dados assumem uma distribuição normal. Posteriormente, foi utilizado o teste post hoc de Tukey (p< 0,05). A pesquisa que originou este estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Processo CEP FFCLRP USP 439/2009).

 

Resultados

A amostra analisada (N=374) foi composta por três grupos independentes, entre casados (n=118), solteiros que namoravam (n=140) e solteiros que não namoravam (n=116) à época da coleta. A maioria dos participantes era do sexo feminino (68,98% ), estudante (53,70% ) e estava cursando o ensino superior (56,68% ). Em termos da classificação econômica, a maioria era da classe B (63,10% ), com renda mensal média de R$ 4.746,82 (±4.011,54). A média de idade foi de 28,02 (±11,20) anos. A média do número de filhos foi de 0,49 (±0,91). O tempo de casamento dos pais foi de 30,20 (±9,83) anos.

Em termos das propriedades psicométricas dos instrumentos empregados, a estrutura e consistência interna das escalas foram reavaliadas na presente amostra (N=374). A análise dos componentes principais e a análise fatorial exploratória (extração dos eixos principais, PAF e rotação oblimin) da EBES também revelaram três fatores saturados pelos mesmos itens que, juntos, explicaram 45% da variância total dos resultados. Os alfas de Cronbach encontrados foram: afetos positivos (α =0,90), afetos negativos (α =0,94) e satisfação com a vida (α =0,90). Esses índices são considerados satisfatórios (Pasquali, 2001), confirmando a estrutura original do instrumento. O alfa de Cronbach calculado para o QCP foi de 0,96. Os alfas calculados para a EFS-RC foram: SAFS (α =0,77), SAIC (α =0,64), escala total (α =0,79).

As principais correlações obtidas entre as variáveis do estudo com a percepção sobre a conjugalidade dos pais foram resumidas na Tabela 1. A percepção dos filhos acerca da conjugalidade dos pais esteve significativamente correlacionada com a SAFS (rho=0,20; p=0,001) e a SR (rho=0,12; p=0,040), embora sejam consideradas correlações fracas (Ajzen & Fishbein, 1998). Isso indica que esse dado deve ser analisado com cautela, pois é de pouco valor para a prática. No caso da associação entre Percepção sobre a Conjugalidade dos Pais (PCP) e SAFS, pode-se afirmar que apenas 4% da variação dos resultados é comum às duas medidas, ou seja, a previsão só seria válida para 4% da variação dos resultados, o que é baixo. A PCP não esteve satisfatoriamente correlacionada com a SAIC (rho=0,10; p=0,100).

 

 

Após a normalização dos dados a partir da técnica da transformação logarítmica, procedeu-se à comparação entre os grupos. Assim, para comparar se houve ou não diferença entre os grupos A, B e C, foi utilizado o método de análise de variâncias (ANOVA). Houve diferença significativa entre os grupos quanto à percepção da conjugalidade dos pais (PCP). Assim, pode-se afirmar que a avaliação da conjugalidade dos pais é significativamente diferente entre os grupos de casados e solteiros, por isso não se rejeita a principal hipótese do estudo. Não houve diferenças significativas entre os grupos B e C para a variável PCP. Assim, a percepção dos filhos solteiros sobre a conjugalidade dos pais não tem relação significativa com o fato de estar namorando ou não. Pelos dados, os solteiros teriam uma percepção mais positiva da conjugalidade dos pais do que os casados, uma vez que escores mais elevados no QCP evidenciam uma melhor avaliação ou percepção, como apresentado na Tabela 2. Podemos, assim, considerar que os casados tenderiam a avaliar de modo menos idealizado o casamento dos pais em comparação aos solteiros, sendo mais maduros em termos de relacionamentos interpessoais.

 

 

Contudo, constatamos que os grupos de casados e solteiros diferem significativamente em relação à idade dos participantes (F=385,50; p< 0,001), fator associado às outras características dos grupos. A idade poderia influenciar a percepção da conjugalidade dos pais, já que está associada às experiências importantes na compreensão dessa relação (nomeadamente, a experiência de uma relação duradoura, a vivência da parentalidade, entre outras). Tendo em vista essa consideração, conduzimos uma análise de covariância (ANCOVA), de modo a avaliar as diferenças no PCP entre os grupos, controlando a idade. Ou seja, realizamos uma nova análise para avaliar a diferença entre grupos na percepção sobre a conjugalidade dos pais, controlando a idade, para compreender os possíveis efeitos da variável idade do respondente na diferença entre os grupos no que se refere à PCP. Pelos resultados dessa segunda análise, a PCP varia de acordo com a idade, F(2,371)=385,501, p< 0,001, e não necessariamente com o estado do relacionamento (se casado ou solteiro). Desse modo, pode-se afirmar que a diferença significativa entre solteiros e casados em relação à PCP pode ser explicada pela diferença de idade entre os participantes.

 

Discussão

O QCP, instrumento constituído por um único fator, a PCP, mostrou-se significativa e fracamente correlacionado com os afetos positivos e com o grau de satisfação na relação. A partir desse resultado, podemos destacar que o modo como a pessoa percebe o relacionamento amoroso dos pais guarda associações significativas com seu nível de afetos positivos (seu grau de otimismo, disponibilidade e enfrentamento diante da vida) e sua percepção acerca do próprio relacionamento afetivo em termos de satisfação e ajustamento à atração física e sexual pelo parceiro. No entanto, como já destacado na apresentação dos resultados, tais correlações são de fraca magnitude, de modo que a porcentagem da variância comum explicada é muito baixa.

Podemos considerar, na presente amostra (N=374), que pessoas que têm percepção mais positiva do casamento dos pais tenderiam a relatar mais satisfação em seus relacionamentos, notadamente em termos de sexualidade e envolvimento físico, bem como com maior nível de afetos positivos e adaptativos. No entanto, outras variáveis deveriam ser consideradas em estudos futuros para compreender melhor essa associação. Tais considerações não foram encontradas no estudo de Forrest (2010), uma vez que este não considerou a aparência do parceiro como um aspecto envolvido na satisfação no relacionamento.

Na construção do QCP, a escala não foi submetida à comparação com outros instrumentos (Féres-Carneiro et al., 2007), o que não nos permite confirmar ou comparar os resultados com os de outros estudos, que fizeram uso de diferentes escalas para a mensuração da conjugalidade, como os de Spanier (1976) ou de Fowers (1989), por exemplo. Na investigação de Mendonça (2006), o QCP foi utilizado apenas como instrumento auxiliar, não sendo analisado em termos estatísticos. A versão do QCP utilizada neste estudo é a de 56 itens (Ziviani et al., 2006), validada com uma amostra de 251 jovens e que mostrou elevado índice de consistência interna (α =0,96), que apontou que a situação conjugal dos pais (se casados, separados, recasados) influenciava na satisfação com a sua conjugalidade. Em estudos posteriores, empregou-se a versão da escala com sessenta itens (Ziviani et al., 2011, 2012), propondo-se a possibilidade de se investigar o QCP a partir de três focos: na figura paterna, na figura materna e no casal parental, haja vista que o instrumento propõe perguntas que se referem a essas três instâncias (“meu pai”, “minha mãe”, “meus pais”). Assim, o QCP poderia ser dividido em três subescalas, sendo uma delas, composta por 26 itens, acerca das percepções dos filhos sobre o casal parental. Em estudo conduzido com 1.612 jovens adultos, foram encontrados índices de ajuste satisfatórios para essa subescala (Ziviani et al., 2011), sendo apontadas duas orientações teóricas para sua análise: da transmissão psíquica geracional e da teoria do inconsciente cognitivo. No presente estudo, seguimos a primeira orientação.

No estudo inicial do QCP, o objetivo foi comparar se a percepção da conjugalidade dos pais era influenciada pelo status conjugal dos pais, se casados, separados, recasados ou viúvos. Na presente investigação, optou-se por trabalhar apenas com filhos de pais casados em primeiras núpcias. A escala refere-se, fundamentalmente, ao modo como o sujeito percebe o relacionamento dos pais, sendo questionado quanto ao modo como se lembra das relações afetivas, profissionais, sociais e familiares estabelecidas pelo casal de origem. No entanto, quando aproximamos esse instrumento de escalas como a EBES e a EFS-RC em análises correlacionais entre seus fatores, podemos notar que tal percepção positiva ou negativa acerca do casamento dos pais guarda pouca relação com a própria percepção de bem-estar da pessoa e com a sua percepção sobre o seu relacionamento, quer seja de namoro ou de casamento. Há que se considerar também que os escores do QCP obtidos nas amostras do presente estudo são relativamente inferiores aos do estudo original (Ziviani et al., 2006).

Isso nos leva a refletir sobre a possibilidade de que, ao se avaliar o próprio relacionamento afetivo, tende-se a associá-lo ou compará-lo ao relacionamento conjugal dos pais justamente por esse ser um modelo arraigado nas experiências emocionais do indivíduo e ser estruturante de seu psiquismo, como afirmado nas abordagens psicodinâmicas (Falcke et al., 2005; Puget & Berenstein, 1993). Assim, não se trata de afirmar que os filhos de casamentos satisfatórios tenham maior chance de se engajar em relacionamentos igualmente satisfatórios, como proposto por Snyder e Lopez (2009) e outros estudos (Ha, Overbeek, Vermulst, & Engels, 2009; Seligman, 2002; Wong et al., 2009), mas de destacar que quanto melhor a percepção sobre o casamento dos pais, maior a chance de que se estenda essa percepção positiva para o próprio relacionamento. A direção oposta dessa relação, ou seja, a hipótese de que o relacionamento amoroso atual poderia influenciar, retroativamente, o modo como se percebe a conjugalidade dos pais, poderia receber um delineamento estatístico válido, mas que desconsideraria a direção causal das variáveis tal como apresentada na literatura científica, notadamente pelo referencial psicanalítico (Magalhães, 2009; Sabatelli & Bartle-Haring, 2003; Ziviani et al., 2011).

Isso nos leva a refletir sobre a possibilidade de que, ao se avaliar o próprio relacionamento afetivo, tende-se a associá-lo ou compará-lo ao relacionamento conjugal dos pais justamente por esse ser um modelo arraigado nas experiências emocionais do indivíduo e ser estruturante de seu psiquismo, como afirmado nas abordagens psicodinâmicas (Falcke et al., 2005; Puget & Berenstein, 1993). Assim, não se trata de afirmar que os filhos de casamentos satisfatórios tenham maior chance de se engajar em relacionamentos igualmente satisfatórios, como proposto por Snyder e Lopez (2009) e outros estudos (Ha, Overbeek, Vermulst, & Engels, 2009; Seligman, 2002; Wong et al., 2009), mas de destacar que quanto melhor a percepção sobre o casamento dos pais, maior a chance de que se estenda essa percepção positiva para o próprio relacionamento. A direção oposta dessa relação, ou seja, a hipótese de que o relacionamento amoroso atual poderia influenciar, retroativamente, o modo como se percebe a conjugalidade dos pais, poderia receber um delineamento estatístico válido, mas que desconsideraria a direção causal das variáveis tal como apresentada na literatura científica, notadamente pelo referencial psicanalítico (Magalhães, 2009; Sabatelli & Bartle-Haring, 2003; Ziviani et al., 2011).

Em relação a essa última consideração, de acordo com os dados do presente estudo, adicionamos o achado de que a percepção positiva (sobre o casamento dos pais ou sobre o próprio relacionamento do sujeito) guarda associação significativa com os afetos positivos, ou seja, uma percepção geral sobre a própria vida. Assim, poderíamos pensar não em uma transmissão direta e equivalente do casal parental para os filhos (se os pais mantêm um relacionamento satisfatório, os filhos também o terão), mas em uma ressignificação (remalhagem e desmalhagem) do relacionamento marital dos pais a partir dos relacionamentos que os filhos estabelecem na atualidade, tal como apregoado por Benghozi (2010). Por esse prisma, ter lembranças positivas acerca do casamento dos pais seria tão importante quanto estabelecer relacionamentos amorosos significativos e satisfatórios para a constituição de uma conjugalidade que é sempre construída por uma díade que reúne dois modelos familiares distintos que se entrecruzam e se interpenetram. A própria escolha de se casar remontaria às imagens sobre casamento transmitidas, sobretudo, pelos pais, mas que poderiam ser modificadas ao longo do tempo em função de diversos eventos vitais, como a saída dos filhos da casa dos pais e mesmo o engajamento em relacionamentos amorosos (Benghozi, 2005; Willoughby et al., 2012).

Ainda de acordo com os achados do presente estudo, indivíduos solteiros avaliaram de modo mais positivo o relacionamento dos pais (isto é, apresentaram uma percepção mais positiva) em comparação com os casados. Uma possível explicação para esse dado é o fato de que as pessoas casadas idealizariam menos o relacionamento conjugal dos pais, ou seja, por efetivamente experienciarem o casamento e serem, possivelmente, mais amadurecidos, emitiriam um julgamento que poderia ser considerado mais realista. Essa avaliação menos positiva do casamento dos pais pelos casados seria considerada adaptativa em termos evolutivos, pois se aproximaria mais da realidade e permitiria que os casais analisassem o relacionamento com maior nível de crítica, construindo um repertório que efetivamente poderia contribuir na compreensão da conjugalidade e das estratégias desenvolvidas por ambos os cônjuges no acontecer da relação.

Para compreender melhor essa relação, efetuou-se uma análise de covariância entre essas variáveis (PCP e grupo), controlando as variáveis sociodemográficas, entre elas a idade do participante. Apenas a diferença de idade entre solteiros e casados foi significativa no que se refere à PCP. Em outras palavras, a diferença significativa entre solteiros e casados quanto à PCP pode ser explicada pela variável idade. A partir disso, encontramos que a PCP declina não apenas com o casamento, mas também com a idade. Desse modo, a idade pode ser compreendida como uma variável desenvolvimental poderosa, que condensaria as experiências acumuladas ao longo do ciclo vital, de modo que essas vivências, aliadas às adquiridas em função do casamento, permitiriam aos sujeitos uma avaliação mais realista da conjugalidade dos pais.

Tais apontamentos são condizentes com as proposições de Benghozi (2010) acerca dos processos de remalhagem e desmalhagem dos vínculos operados pelo sujeito em função de seus laços afiliativos, como no caso do casamento. A construção do laço de aliança conjugal permitiria, então, remalhar vínculos, proporcionando uma apreensão mais amadurecida e, consequentemente, mais adaptativa acerca dos relacionamentos amorosos. Isso não significa modificar as heranças ou negar os vínculos filiativos, mas proporcionar uma releitura do vínculo no sentido de favorecer a assunção de “recursos evolutivos constantes em situações em que outros poderiam se decidir pela fatalidade de um destino inexorável” (Benghozi, 2005, p. 104). Assim, avaliar de modo mais negativo a conjugalidade dos pais poderia ser considerado adaptativo para as pessoas casadas, favorecendo a adoção de uma postura mais madura diante dos relacionamentos amorosos e suas vicissitudes.

Outro fator a ser considerado no estudo da conjugalidade dos pais e suas relações com a conjugalidade dos filhos é que, na estruturação do modelo conjugal, abre-se espaço para o paradoxo fusão-separação (Féres-Carneiro, 1998; Magalhães, 2009), que pressupõe que, ao mesmo tempo em que o casal tem que criar uma estrutura compartilhada (conjugalidade), também tem de se separar de seus vínculos familiares. A constituição da conjugalidade só será possível se o casal se separar suficientemente das representações de casal oriundas de suas famílias de origem, diferenciando-se dos modelos herdados por cada parceiro para a construção de um modelo próprio.

Embora essa separação nunca seja completa, compreendemos que a relação dialética que permeia a constituição da conjugalidade assemelha-se à proposta de Benghozi (2010), que destaca que os processos de remalhagem e desmalhagem, típicos dos vínculos afiliativos (casamento), podem interferir nos vínculos filiativos (porém, sem modificá-los), transmitidos ao nascer pela herança psíquica. Não haveria um determinismo nem uma cristalização da direção das influências, mas sim uma abertura à dialética que estruturaria a conjugalidade. Na prática, tal posicionamento equivale a admitir tanto que os relacionamentos amorosos na vida adulta podem seguir o mesmo modelo de estruturação vivenciado na família de origem, como podem transformar-se em função das próprias demandas de constituição de uma conjugalidade, no sentido de se diferenciar dos modelos herdados, buscando um modo novo e particular de experienciar os vínculos afetivos. Obviamente, essa remalhagem e desmalhagem ocorreria em ambas as famílias, sendo que, para compreender a conjugalidade do casal, deveríamos também compreender as alianças e os vínculos advindos de cada uma das famílias de origem.

Amparados em Benghozi (2010), consideramos que os relacionamentos amorosos dos filhos podem possibilitar uma nova leitura do casamento dos seus pais, o que desloca o eixo de discussão para uma dimensão pessoal, não determinista, e sim relacional, ou seja, a satisfação individual estaria associada a uma possível remalhagem do vínculo filiativo. Assim, os laços afiliativos de namoro e casamento também poderiam remalhar os laços filiativos, caso tenham sido estabelecidos com falhas ou rupturas.

Esse posicionamento nos remete ao paradoxo fusão- separação, elemento que atravessa a constituição da conjugalidade. As memórias da família de origem e seu funcionamento são consideradas fundamentais para criar uma imagem que represente o conceito de família e de pertencimento a uma estrutura (Bandura, Caprara, Barbaranelli, Regalia, & Scabibi, 2011; Willoughby et al., 2012). Assim, os modelos familiares herdados estariam presentes na configuração do novo casal, ainda que os cônjuges os rejeitassem e os escamoteassem, conforme pontuado nas concepções de Kaës (2005), Eiguer (1995) e Benghozi (2010). Esses modelos seriam transmitidos tanto pela via inconsciente quanto pelos padrões modelares materializados em costumes, tradições, crenças e formas de ser e de estar em família, bem como por impressões sobre o casamento, como investigado por Willoughby et al. (2012).

O que se discute é que esses modelos não são, necessariamente, um espelho fiel da família de origem, mas um recorte de alguns aspectos do funcionamento familiar. Na condição de recorte submetido a um processo em constante mudança e atualização em função das experiências presentes, é possível operar uma remalhagem dessas vinculações, tal como proposto por Benghozi (2010). Posto isso, cabe indagar: essa remalhagem do vínculo poderia provocar transformações no modo como se percebe ou se avalia a conjugalidade dos pais ao longo do tempo? Ou, de maneira inversa, a percepção sobre a conjugalidade dos pais seria imutável, ou seja, estaria irremediavelmente aprisionada às primeiras relações estabelecidas pela criança com seus cuidadores? Em primeiro lugar, os laços filiativos não são passíveis de transformação, no sentido de mudança da história do sujeito. De acordo com os dados deste estudo, é possível afirmar, por exemplo, que os casados têm percepções mais negativas da conjugalidade dos pais do que os indivíduos não casados. Na compreensão da diferença entre esses grupos quanto à variável PCP, a idade é uma dimensão que está significativamente associada, sugerindo que existem mudanças nessa percepção ao longo do tempo. Mas isso ainda não responde às inquietações aqui lançadas. As possíveis respostas estão relacionadas a correntes teóricas específicas, ou seja, dependem do modo como cada referencial analisa e situa essas variáveis.

O tempo de relacionamento e também a coabitação são variáveis que podem e devem ser trazidas à baila nessa discussão como possíveis intervenientes no processo, tal como avaliado por Slatterry, Bruce, Halford, e Nicholson (2011). O estudo de Hsueh et al. (2009), por exemplo, constatou que os vínculos entre pessoas que namoravam e coabitavam eram mais frágeis do que entre pessoas que coabitavam e estavam casadas, destacando que não era a coabitação que interferia no menor nível de conflitos e maior expressão da afetividade, mas sim o status do relacionamento como modulador de maior coesão diádica ou de maior aceitação social em determinadas culturas.

Ao final deste estudo, é preciso ponderar a dificuldade de se estabelecer um modo de avaliação de eventos que nem sempre podem ser facilmente mensuráveis é ainda um desafio que deve ser discutido pelos pesquisadores que utilizam diferentes recursos metodológicos, como o estudo quantitativo aqui empreendido. A realização de pesquisas com delineamentos longitudinais também poderia auxiliar no processo de verificar se houve ou não significativas transformações no modo de se perceber e avaliar o vínculo conjugal ao longo do tempo e em função de diferentes modalidades de relacionamentos amorosos estabelecidos. Obviamente, as condições para a produção de tais investigações devem ser consideradas e analisadas. Os apontamentos expostos evidenciam a complexidade em torno da hipótese do estudo. Ao reduzir a conjugalidade (dos pais e dos filhos) a índices que mostram melhor ou pior manejo conjugal, corre-se o risco de efetivamente simplificar fenômenos que são complexos por natureza, haja vista que admitem diferentes concepções e considerações sobre o que é estar junto com alguém e estar satisfeito nesse relacionamento.

Concluindo, a hipótese central do estudo não foi rejeitada, haja vista que há diferenças significativas entre os casados e solteiros no que se refere à percepção dos filhos sobre a conjugalidade dos pais, sendo que os solteiros avaliam de modo mais positivo o casamento dos pais. Essa diferença estaria relacionada à idade do respondente, o que deve ser aprofundado e controlado nos delineamentos em estudos futuros que busquem evidências acerca do papel do ciclo vital e do status de relacionamento atual no modo como são ativadas e vivenciadas as memórias acerca da família de origem.

 

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recebido em julho de 2014
reformulado em janeiro de 2015
aprovado em março de 2015

 

 

Sobre os autores

Fabio Scorsolini-Comin: é Psicólogo, possui Doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor Adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Anne Marie Germaine Victorine Fontaine: atualmente é professora Catedrática da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCE-UP), Porto, Portugal.
Manoel Antônio dos Santos: é Psicólogo, possui Doutorado em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor Associado do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).


1Este artigo é derivado da tese de doutorado do primeiro autor, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Este estudo foi subvencionado pelo Programa Santander de Bolsas de Mobilidade Internacional, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP 2010/00244-9). Os autores agradecem à Profa. Dra. Sabrina Martins Barroso por suas contribuições.
2Endereço para correspondência: Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM, Av. Getúlio Guaritá, 159, 3º andar, Abadia, 38025-440, Uberaba-MG. E-mail: fabioscorsolini@gmail.com


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