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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.3 Itatiba dez. 2015

 

 

Propriedades psicométricas da versão brasileira do Driving Cognitions Questionnaire – DCQ1

 

Psychometric properties of the Brazilian version of Driving Cognitions Questionnaire – DCQ

 

Propiedades psicométricas de la versión brasileña de Driving Cognitions Questionnaire – DCQ

 

 

Isabel Cristina Oliveira Gomes2; Ederaldo José Lopes; Joaquim Carlos Rossini; Renata Ferrarez Fernandes Lopes

IUniversidade Federal de Uberlândia

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo avaliar as propriedades psicométricas da versão brasileira do Driving Cognitions Questionnaire (DCQ). Além disso, os escores do DCQ foram correlacionados com o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE-T e IDATE-E) e foi aplicado o teste t para verificar as diferenças de médias do DCQ nos grupos da amostra. Os participantes foram 200 alunos de autoescolas que estavam se preparando para receberem a Carteira Nacional de Habilitação nas categorias A ou B. Os resultados mostraram que o DCQ apresentou uma estrutura fatorial similar à versão original com bons índices de consistência interna. A correlação entre o DCQ e IDATE-t e IDATE-e foi significativa e de magnitude moderada, e o resultado do teste t indicou que não há diferença significativa na média do escore total do DCQ entre homens e mulheres, mas houve diferença significativa entre os alunos de aulas práticas e teóricas.

Palavras-chave: distúrbio de ansiedade; psicometria; motoristas.


ABSTRACT

This study aimed to evaluate the psychometric properties of the Brazilian version of Driving Cognitions Questionnaire (DCQ). Additionally, DCQ scores were correlated with State-Trait Anxiety Inventory (STAI-T and STAI-S), and a t-test was performed to check for differences in means of DCQ in the sample groups. Two hundred students who were preparing to receive a Driver's License in categories A or B participated in the research. Results show a factor structure similar to the original version with good internal consistency. The correlation between DCQ and STAI-T and STAI-S was significant and moderate and the results of the t-test indicated no significant difference in the mean total score of DCQ between men and women, but there was a significant difference between the students in practical and theoretical classes.

Keywords: anxiety disorder; psychometrics; drivers.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo evaluar las propiedades psicométricas de la versión brasileña de Driving Cognitions Questionnaire (DCQ). Además, las puntuaciones del DCQ fueron correlacionados con Inventario de Ansiedad Rasgo-Estado (STAI-R y STAI-E) y se realizó el t-test para comprobar si había diferencias en los promedios del DCQ en los grupos de la muestra. Los participantes fueron 200 estudiantes que se preparaban para recibir una licencia de conducir de las categorías A o B. Los resultados mostraron una estructura factorial similar a la versión original con una buena consistencia interna. La correlación entre DCQ y STAI-R y STAI-E fue importante y moderado y el resultado de la prueba de t no indicó diferencias significativas entre la puntuación media total de DCQ entre hombres y mujeres, pero hubo diferencia significativa entre los estudiantes de clases teóricas y prácticas.

Palabras-clave: trastorno de ansiedad; psicometría; conductores.


 

 

Na sociedade contemporânea, a prática de dirigir veículos se tornou muito comum. Essa habilidade permite que os indivíduos se locomovam com maior rapidez e conforto nas diversas atividades do cotidiano. No entanto, essa autonomia e independência podem ser restringidas em decorrência do medo de dirigir.

Clark e Beck (2012) definem o medo como um estado neurofisiológico automático primitivo de alarme, envolvendo a avaliação cognitiva de ameaça ou perigo iminente à segurança e integridade do indivíduo. A ansiedade é um sistema de resposta cognitiva, afetiva, fisiológica e comportamental complexo que é ativado quando eventos ou circunstâncias antecipadas são considerados altamente aversivos porque são percebidos como eventos imprevisíveis, incontroláveis que poderiam potencialmente ameaçar a vida de um indivíduo.

Nesse sentido, o modelo cognitivo descreve o processo do medo e da ansiedade em cinco etapas: situações e estímulos ativadores; modo de orientação; ativação do modo primitivo de ameaça; elaboração e reavaliação secundária. Os estímulos ativadores dizem respeito aos fatores ambientais que disparam a ansiedade. O modo de orientação está relacionado ao conjunto de esquemas responsável pela percepção do estímulo que representa ameaça ao indivíduo. O modo primitivo de ameaça é formado por esquemas (cognitivo-conceituais, comportamentais, fisiológicos, motivacionais e afetivos) que têm como objetivo garantir a sobrevivência do organismo. Por fim, a elaboração secundária é responsável, basicamente, por encontrar estratégias de enfrentamento para lidar com o perigo (Clark & Beck, 2012).

Segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002), o medo de dirigir é classificado como fobia específica do tipo situacional. No entanto, pesquisas demonstram que o diagnóstico da fobia de direção é complexo, já que outros transtornos de ansiedade podem estar associados com esse quadro. Ehlers, Hofmann, Herda, e Roth (1994), por exemplo, realizaram um trabalho cujo objetivo foi identificar os sintomas da fobia de direção. Dos pacientes identificados com a fobia, 81% relataram já ter tido um ataque de pânico. Destes 53% afirmaram que o medo de dirigir se deve à falta de habilidade em lidar com os sintomas de ansiedade. Finalmente, 15% dos pacientes fóbicos afirmaram que evitam dirigir por receio de sofrer um acidente.

Devido à complexidade do diagnóstico da fobia de direção, instrumentos psicológicos que avaliam esse transtorno são fundamentais. Na literatura atual, encontra- se descrito o processo de validação de escalas que avaliam a fobia de direção e temas relacionados. Kuch, Cox, e Direnfeld (1995), por exemplo, desenvolveram a escala Accident Fear Questionnaire (AFQ), cujo objetivo é diagnosticar o transtorno de estresse pós-traumático e a fobia de acidente em pacientes vítimas de acidente de trânsito. Stewart e Peter (2004) validaram uma escala que avalia os diversos comportamentos de esquiva em relação ao estar em um automóvel como passageiro ou motorista (Driving and Riding Avoidance Scale – DRAS). Clapp, Oslen, Beck, Palyo, e Grant, (2011) desenvolveram a escala Driving Behavior Survey que avalia a ansiedade de motoristas por meio de comportamentos comuns no trânsito. Marín (2012) desenvolveu uma escala que avalia os principais medos e ansiedade dos alunos que estão se preparando para o exame da carteira de habilitação (Cuestionário de Evaliación del Miedo a Conducir em Precondutores – CEMICP).

Nessa revisão, também foram encontradas escalas que avaliam o medo de dirigir e temas afins, mas suas propriedades psicométricas não foram determinadas. O Driving Situations Questionnaire – DSQ (Ehlers et al., 1994) é um inventário em que os respondentes foram convidados a avaliar sua ansiedade e seu comportamento de esquiva em relação a 42 situações vivenciadas no trânsito, e o Fear of Driving Inventory (Walshe, Lewis, Kim, O’ Sullivan, & Wiederhold, 2003) avaliou a fobia de viagem.

Histórico do instrumento

O Driving Cognitions Questionnaire – DCQ é um instrumento que tem como objetivo avaliar pensamentos e cognições relativos ao medo de dirigir. O trabalho de validação da escala foi realizado em três países distintos: EUA, Nova Zelândia e Inglaterra (Ehlers et al., 2007).

Na primeira fase da pesquisa, um conjunto de 49 itens foi formulado tendo como base entrevistas clínicas realizadas com pacientes com medo de dirigir. Os pensamentos e as cognições relatadas no questionário original estavam relacionados aos seguintes aspectos: medo de sofrer ataques de pânico, medo de acidentes com veículos (medo de ocorrer algum acidente no trânsito e medo das consequências de um acidente), medo de eventos adversos no trânsito, medo da crítica social. Com vistas a testar a estrutura original do questionário, bem como sua validade e confiabilidade, o questionário foi aplicado em 42 pacientes com fobia de direção (35 mulheres e 7 homens) e em um grupo controle formado por 27 sujeitos (23 mulheres e 4 homens). Concluída a análise fatorial, a escala final foi composta de 20 itens, estruturada da seguinte maneira: 7 itens ligados às preocupações em sofrer ataques de pânico; 7 itens relativos às preocupações em sofrer um acidente de trânsito; 6 itens ligados à apreensão da crítica social no contexto da direção de veículos. A consistência interna total da escala foi de 0,96 (α=0,96). A escala que avalia as preocupações com medo de sofrer ataques de pânico apresentou um α=0,93; a escala que retrata as preocupações com o envolvimento em acidente de trânsito α=0,92; e as preocupações com a crítica social foi de α=0,89. A escala também apresentou alta correlação com as demais medidas utilizadas na pesquisa (Ehlers et al., 2007).

Em outro estudo, a escala foi reaplicada na Nova Zelândia em uma amostra não clínica de 50 mulheres que relataram ter algum nível de ansiedade e medo de dirigir. O grupo controle foi formado por 50 mulheres que relataram não ter medo de dirigir. Essa pesquisa teve como objetivo investigar a consistência interna e a validade convergente e discriminante da DCQ. Também, buscaram-se as correlações da DCQ com medidas que avaliam o medo de dirigir e quadros típicos de ansiedade. Como resultado encontrado, sugeriu-se uma estrutura de três fatores: o primeiro fator sendo interpretado como as cognições relativas à apreensão da crítica social; o segundo fator concentrando os itens ligados ao medo de sofrer acidente de trânsito e, finalmente, o terceiro fator com os itens que se referem ao medo de ter um ataque de pânico. A consistência interna da escala total foi de 0,88 (α=0,88). O alfa de Cronbach para as três subescalas foi: subescala Pânico – 0,78 (α=0,78); subescala Acidentes – 0,82 (α=0,82); subescala Social – 0,86 (α=0,86). A DCQ apresentou correlações moderadas com os instrumentos de medida que avaliam quadros de ansiedade (Ehlers et al., 2007).

Por fim, a escala foi novamente aplicada na Inglaterra em uma amostra de pacientes que haviam sofrido algum acidente de trânsito. O objetivo desse estudo foi correlacionar a DCQ com escalas que avaliam o transtorno de estresse pós-traumático, fobia de viagem e depressão. Além disso, buscou-se investigar se a DCQ é capaz de discriminar pacientes com e sem fobia de viajar. A amostra foi composta por 55 participantes que preencheram os critérios diagnósticos para a fobia de viagem e um grupo controle com 55 participantes que, apesar de haverem sofrido um acidente de trânsito, não desenvolveram fobia de viajar. Como resultados encontrados, a DCQ apresentou correlações significativas com escalas que avaliam a fobia de viagem, transtorno de estresse pós-traumático e outros quadros de ansiedade. Os pacientes que apresentaram fobia de viagem tiveram altos escores na DCQ. A escala total apresentou consistência interna de 0,95 (α=0,95). O alfa de Cronbach para as três escalas foi: subescala Pânico – 0,91 (α=0,91); subescala Acidente – 0,87 (α=0,87); subescala Social – 0,86 (α=0,86).

Algumas pesquisas utilizaram a DCQ após sua validação. Taylor, Deane, e Podd (2007) investigaram o diagnóstico do medo de dirigir e a habilidade na direção em mulheres. Taylor e Paqui (2008) utilizaram o DCQ para investigar as características da ansiedade e medo de dirigir em uma população não clínica da Nova Zelândia. O questionário também foi utilizado no processo de validação da escala Driving Behavior Survey (Clapp et al., 2011).

Recentemente, um grupo de pesquisadores brasileiros (Carvalho, Costa, Sardinha, Melo-Neto, & Nardi, 2011) publicou um artigo que trata do processo de tradução e adaptação para a língua brasileira da escala Driving Cognitions Questionnaire (DCQ). A tradução da escala abriu caminho para o processo de validação da DCQ na população brasileira.

O objetivo deste trabalho foi realizar, em uma amostra de participantes que estavam se preparando para o exame da Carteira Nacional de Habilitação, nas categorias A ou B, o estudo das propriedades psicométricas da versão brasileira do Driving Cognitions Questionnaire – DCQ (Carvalho et. al., 2011), contemplando a verificação da consistência interna (fidedignidade) e a realização de análise fatorial como indicativo da validade de construto (Anastasi & Urbina, 2000; Hogan, 2006; Pasquali, 2004). Além disso, buscou-se verificar a correlação da DCQ com o Inventário de Ansiedade Traço-Estado – IDATE (Biaggio & Natalício, 1979). Finalmente, este trabalho teve como objetivo realizar uma comparação de médias dos escores DCQ de homens e mulheres e dos alunos das aulas prática e teórica.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta por 200 alunos de cinco autoescolas da cidade de Uberlândia que estavam se preparando para o exame da Carteira Nacional de Habilitação nas categorias A ou B. Metade da amostra (100 alunos) estava matriculada na fase teórica do curso (aulas de legislação) e os demais 100 alunos estavam fazendo as aulas práticas (aulas de direção). No que diz respeito ao sexo dos participantes, 70 eram do sexo masculino (35,0%) e 130, do sexo feminino (65,0%). A idade dos participantes variou no intervalo de 18 a 50 anos. A média de idade para as mulheres foi de 26,15 (desvio padrão 7,63) e a dos homens 22,54 (desvio padrão 5,39). A média total foi de 39,13 e o desvio padrão total de 7,12. As informações com as variáveis demográficas da amostra encontram-se descritas na Tabela 1.

Instrumentos

Para a coleta de dados foi utilizada a versão brasileira do Driving Cognitions Questionnaire – DCQ (Carvalho et al., 2011) e o Inventário de Ansiedade Traço-Estado - IDATE (Biaggio & Natalício, 1979).

Driving Cognitions Questionnaire – (DCQ; Carvalho et al., 2011): O DCQ é um instrumento composto por 20 declarações que são organizadas em três fatores: sete itens avaliam cognições relativas ao medo de sofrer ataques de pânico no trânsito; outros sete itens se referem às cognições ligadas ao medo de acidentes com veículos e, finalmente, as seis declarações restantes avaliam o receio dos respondentes em relação à crítica social no contexto da direção. A escala de mensuração é Likert de cinco pontos, avaliando a ocorrência das cognições de acordo com as seguintes categorias: (0) nunca; (1) raramente; (2) metade das vezes; (3) “frequentemente”; (4) “sempre”. O escore total representa a soma de cada valor assinalado em cada declaração da escala e varia de 0 a 80 pontos.

Inventário de Ansiedade Traço-Estado. (IDATE; Biaggio & Natalício, 1979). O IDATE compreende duas escalas paralelas, uma para medir a ansiedadeestado (IDATE-e) e outra para medir ansiedadetraço (IDATE-t). É um instrumento de autorrelato constituído de 20 sentenças para cada escala (IDATEestado e IDATE-traço). A escala de mensuração é do tipo Likert com escores de quatro pontos (Biaggio & Natalício, 1979). No IDATE-estado as respostas variam da seguinte maneira: (1) “absolutamente não”; (2) “um pouco”; (3) “bastante”; (4) “muitíssimo”. Na escala IDATE-traço os escores são: (1) “quase nunca”; (2) “às vezes”; (3) “frequentemente”; (4) “quase sempre”. O escore total varia de 20 a 80 pontos para cada escala (IDATE-estado e IDATE-traço).

 

 

Procedimentos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia publicada pela Plataforma Brasil no dia 04 de janeiro de 2013 de parecer número 10552712.5.0000.5152. Os participantes foram recrutados nas autoescolas da cidade de Uberlândia após autorização dos proprietários. Os participantes que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aplicação do questionário foi realizada nas dependências das autoescolas, de forma individual ou coletiva, e levou em média 20 minutos.

 

Resultados

Os dados foram processados no programa FACTOR (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2006; 2013). De acordo com Hair, Anderson, Tatham, e Black (2005), Pasquali, (2005) e Tabachnick e Fidell (2001), para o emprego da análise fatorial, é apropriado fazer a avaliação de alguns índices de adequação da amostra que permitem aferir a existência ou não de fatores subjacentes aos 20 itens da escala DCQ. (a) tamanho da amostra: a amostra de 200 participantes atende plenamente ao critério de 5 a 10 participantes por item; (b) índice de adequação da amostra (Kaiser-Meyer-Olkin, KMO): o valor do KMO foi 0,87, indicando, portanto, um bom índice de adequação da amostra para a análise fatorial; (c) teste de esfericidade de Bartlett (que avalia a presença de correlações significativas, pelo menos entre algumas variáveis): assim, a matriz foi considerada fatorável tendo em vista o resultado encontrado (?2 = 1791,3; p<0,001). Para a extração dos fatores, utilizou- se, primeiramente, o critério de Kaiser (autovalores >1). Com o emprego desse critério, foram extraídos cinco fatores. No entanto, sabe-se que o critério de Kaiser superestima a quantidade de fatores extraídos ou retidos (Damásio, 2012) e, por esse motivo, realizou- -se uma análise paralela (Horn, 1965; Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011), considerando que ela é um procedimento cada vez mais usado na literatura internacional (Damásio, 2012). A análise paralela mostrou que deveriam ser retidos dois fatores, que explicam 45,1% da variância. O fator 1 apresentou α=0,90, enquanto o fator 2, α=0,89. Os itens que compõem cada fator foram determinados a partir das cargas fatoriais iguais ou acima de 0,30 (Hair et al., 2005).

A Tabela 2 apresenta a estrutura fatorial do DCQ obtida pelo método de extração dos fatores denominado Unweighted Least Squares (ULS) com rotação Promim (Lorenzo-Seva, 1999). Para a interpretação dos fatores, uma análise de conteúdo dos itens da escala foi realizada de acordo com o modelo cognitivo da ansiedade (Clark & Beck, 2012). A denominação de cada fator foi escolhida de acordo com o maior número de sentenças que retratam cognições com o tema em comum. O fator 1 recebeu o nome de Cognições relativas ao medo da crítica social/falta de controle no trânsito, e o fator 2, Cognições relativas ao medo de acidentes de trânsito.

 

 

Estudo da correlação entre o IDATE e o DCQ

Correlações entre testes de ansiedade (IDATEestado e IDATE-traço) e o DCQ foram calculadas com o objetivo de verificar a relação existente entre as cognições ligadas ao medo de dirigir e a ansiedade, bem como se havia elementos sugestivos de validade convergente entre os instrumentos utilizados. Para uma análise minuciosa do problema de pesquisa, a correlação foi realizada com diferentes grupos da amostra: correlação entre o DCQ e IDATE-traço e estado de todos os participantes da pesquisa (N=200); a correlação entre as escalas com os alunos de aula prática – DCQPR (n=100) e aula teórica – DCQTR (n=100); correlação entre as escalas no grupo feminino – DCQFEM – (n=130) e masculino –-DCQMAC (n=70). Os resultados são mostrados na Tabela 3.

 

 

De forma geral, os resultados indicam correlações significativas e de magnitude moderada. A correlação entre DCQ e IDATE-estado e traço com todos os participantes da pesquisa foi moderada (r=0,335; p<0,01) e (r=0,448; p<0,01), respectivamente. A correlação entre IDATE-estado e traço e DCQ dos alunos de aula teórica também foi moderada (r=0,369; p<0,01) e (r=0,472; p<0,01). As correlações da amostra composta pelos alunos que estavam fazendo aula de direção mostraram um comportamento diferente: a correlação entre IDATE-estado e DCQ foi fraca (r=0,269; p<0,01) e a correlação entre IDATE-traço e DCQ foi moderada (r=0,409; p<0,01).

As correlações do grupo feminino também apresentaram magnitude moderada. A relação entre DCQ e IDATE-estado foi r=395; p<0,01, e DCQ e IDATE-traço, r=431; p<0,01. Finalmente, a amostra masculina apresentou um resultado diferenciado: a correlação entre DCQ e IDATE-estado não foi significativa (r=0,125; ns), enquanto que a correlação entre DCQ e IDATE-traço foi significativa e elevada (r=0,517; p<0,01).

Teste t

O teste t foi utilizado para verificar se a diferença das médias do DCQ entre diferentes grupos da amostra foi significativa. Primeiro realizou-se a comparação de médias nos grupos formados por mulheres (n=130) e homens (n=70). Em seguida, foram calculadas as diferenças entre os escores do DCQ no grupo de alunos da aula teórica (n=100) e prática (n=100). Os resultados são mostrados na Tabela 4.

 

 

Os resultados mostram que a diferença entre as médias do DCQ total entre mulheres e homens não é significativa (p=0,86). No entanto, tal resultado não se repete nos grupos de alunos de aulas teórica e prática. Nesse caso, a diferença é significativa (p<0,01) sendo os escores do DCQ-total dos alunos das aulas práticas maiores (t(198)=2,8; M=15,04; DP=11,98) do que dos alunos das aulas teóricas (t(198)=2,8; M=10,91; DP=8,57). Isso quer dizer que os alunos das aulas práticas apresentaram maior número de cognições relativas ao medo de dirigir se comparados aos alunos de aulas teóricas.

 

Discussão

A adaptação de instrumentos de medidas em diferentes culturas deve ser feita para se verificar se a estrutura fatorial se mantém, evitando possíveis erros interpretativos (Silveira Jr. & Hauck, 2009). Pode-se dizer que a análise fatorial realizada aponta para algumas similaridades entre os fatores obtidos na aplicação da escala original em diferentes culturas e os fatores obtidos nessa amostra de aprendizes de autoescolas. No estudo psicométrico da escala original (Ehlers et al., 2007), os três fatores obtidos foram os ligados às preocupações sociais, às ligadas a acidentes e com o pânico. Uma estrutura muito semelhante foi encontrada no trabalho de Taylor et al. (2007), que validaram o DCQ na Nova Zelândia e em um outro estudo realizado na Inglaterra (Ehlers et al., 2007).

Numa análise fatorial com a retenção dos fatores baseada em autovalores, a obtenção de três fatores é factível. Inicialmente, foi realizada uma escolha de fatores desse tipo, mas o fator Preocupação com o pânico tinha apenas cinco itens, sendo dois deles de conteúdo diverso do fator, o que resultou num alfa do fator igual a 0,73. Do mesmo modo, os dois outros fatores apresentaram alfas 0,87 (crítica social) e 0,77 (medo de acidentes no trânsito). Portanto, nessa interpretação com três fatores, todos os alfas obtidos foram inferiores aos dos estudos realizados em outros países (Ehlers et al., 2007).

Considerando que a retenção de fatores usando os autovalores pode inflar a quantidade de fatores (Damásio, 2012), foi definido seguir uma tendência mais moderna em análise fatorial, que é o uso da análise paralela (Horn, 1965; Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011). Essa análise é mais conservadora, e os 20 itens do DCQ foram reduzidos a dois fatores, o que permitiu uma reorganização mais parcimoniosa dos dados, assim como uma interpretação mais coerente com a teoria cognitiva dos transtornos de ansiedade (Clark & Beck, 2012; Leahy, 2010). O agrupamento em dois fatores resultou em alfas maiores que o agrupamento em três fatores.

O fator 1 (13 itens, α=0,90) agrupou os seis itens que correspondem à escala Social concerns e Panic concerns do DCQ original. Esse fator foi interpretado como Cognições relativas ao medo da crítica social/falta de controle no trânsito. A presença de cognições relativas à ansiedade frente ao contexto social crítico e à falta de controle coadunam com um modelo no qual a antecipação do futuro enseja a presença de um conjunto de esquemas emocionais que preparam o organismo para se defender da ameaça. O esquema cognitivo-conceitual é a preocupação em se expor aos outros, seja de uma maneira mais voltada para o outro e sua possível crítica (Outras pessoas irão notar que estou ansioso) ou mais interna (Eu não serei capaz de pensar claramente). Em ambos os casos, o problema do controle/descontrole sobre a situação está presente na percepção sobre os eventos internos e ambientais. Essas cognições ansiogênicas (avaliação do outro e falta de controle) encontram ressonância no modelo de vulnerabilidade gradual de Riskind (2010).

Nesse modelo, uma ameaça ambiental externa (p. ex., a avaliação crítica do outro, no caso do DCQ) ou uma ameaça interna (a percepção de perda de controle no caso do DCQ) pode se tornar uma fonte mais extrema de perigo se estiver aumentando sucessivamente em termos do perigo percebido do que se estiver diminuindo. O que esse fator revela é um conjunto de asserções ligadas à ansiedade mais geral, uma vez que a ansiedade é um complexo de elementos em muitas camadas que compreende o medo, a preocupação e vários outros processos psicológicos. A ansiedade é acionada por uma percepção de ameaça que pode gerar momentos de medo e que, posteriormente, alternam-se com pensamentos mais abstratos e verbais a que se dá o nome de preocupação (Riskind, 2010). Concluindo, pode-se afirmar que a maior quantidade de itens nesse fator e a magnitude da consistência interna (α=0,90) mostram a unidade dos itens em torno do conceito de ansiedade-preocupação. Portanto, a junção dos itens de preocupação com o outro e com as preocupações de perda de controle (típicas da ansiedade e do pânico), num modelo de dois fatores, encaixa-se perfeitamente na visão cognitiva de que a maior parte das cognições ligadas ao dirigir relaciona-se com as preocupações decorrentes das avaliações e distorções que, em geral, as pessoas fazem do outro e de si mesmas.

O fator 2 (7 itens; α=0,89) pode ser considerado como a escala que corresponde à Accident-related concerns do DCQ original, porque a maioria dos seus itens tem como tema o medo de sofrer um acidente de trânsito (estímulo ativador e modo primitivo de ameaça). Dos sete itens, três deles (DCQ12, 14 e16) foram relacionados ao pânico na escala original. Na língua inglesa, as frases “Will be trappeded” e “Will be stranded” pertencem à escala Panic concerns e foram traduzidas para o português como “Eu ficarei preso nas ferragens” e “Eu ficarei atolado”, respectivamente. Fazendo uma análise de conteúdo dessas afirmações, segundo o modelo cognitivo da ansiedade, o estímulo ativador e o esquema cognitivo- -conceitual do modo primitivo de ameaça assumem o significado de possíveis eventualidades/acidentes no trânsito. Embora, na escala original, esses itens pertençam ao fator Preocupação com o pânico, a interpretação no fator Preocupações relacionadas aos acidentes parece muito plausível. Nesse sentido, esse fator diz respeito a comportamentos ou situações em que o resultado do acidente tem efeito sobre o eu (Eu irei me machucar), que corresponderia à escala original, ou “Eu ficarei preso nas ferragens”, interpretada como pânico na escala original e como acidentes nos nossos resultados. Com efeito, ambas parecem pertencer à mesma classe, a dos acidentes, e não relacionadas a pânico. Além disso, há situações em que o resultado do acidente é sobre o outro (Eu causarei um acidente ou As pessoas que pegarem carona comigo irão se machucar). Mesmo o item “Meu coração vai parar de bater”, que na escala original pertence ao fator pânico, pode ser reinterpretado como sendo produto do próprio acidente. Em suma, uma análise qualitativa dos dados assegura uma interpretação plausível para o modelo de dois fatores obtido a partir da análise paralela.

Os resultados da correlação entre o IDATE e o DCQ são semelhantes aos encontrados por outros estudos que avaliaram o medo de dirigir e a ansiedade (Ehlers et al, 2007.; Taylor & Paqui, 2008). Já a comparação entre as médias revelou dados diferentes dos encontrados na literatura atual. Diversas pesquisas têm demonstrado que o medo de dirigir é mais comum em mulheres do que em homens (Ehlers et al., 1994; Marín, 2011; Taylor, Alpass, Stephens, & Towers, 2011; Taylor & Deane, 1999; Taylor & Paqui; 2008;). No entanto, os dados deste trabalho sugerem que, num contexto de autoescolas, não é o gênero que interfere na ansiedade em relação a dirigir, mas sim, a fase em que o aluno se encontra no processo de emissão da carteira. De acordo com os resultados encontrados, os alunos de aula prática apresentaram ansiedade mais elevada se comparados aos alunos de aula teórica.

Talvez, o resultado mais relevante desta parte do trabalho é a correlação do DCQ com o IDATE traço-estado. Das dez correlações calculadas, nove foram significativas, exceto a correlação DCQmasc e IDATE estado. Em geral, as correlações foram significativas e moderadas, mas, em algumas delas, elas foram relativamente altas, considerando a natureza das medidas do DCQ e do IDATE. Por exemplo, na amostra masculina, a correlação entre DCQ e IDATE-traço foi significativa e elevada (r = 0,517). Desse modo, pode-se dizer que há evidências de validade convergente entre os dois instrumentos, o que significa dizer que, também, o DCQ mede cognições e emoções tipicamente ligadas às preocupações, medos e ansiedades ligadas ao dirigir.

A despeito das diferenças fatoriais encontradas entre os dados deste trabalho e aqueles obtidos em outras culturas, no geral, a estrutura fatorial explica satisfatoriamente a distribuição dos itens em dois fatores, um ligado à crítica social-perda de controle e o outro ligado aos acidentes propriamente ditos. Portanto, pode-se dizer que o questionário tem validade fatorial em contexto brasileiro com o tipo de amostra utilizado. O modelo cognitivo de Clark e Beck (2012) e de Riskind (2010) dão conta de explicar essa estrutura bifatorial. Além disso, os dados obtidos em outros contextos culturais foram analisados com modelos de análise fatorial diferentes, o que também pode ter levado a diferentes resultados.

A evidência de validade convergente entre o DCQ e o IDATE sugere mais investigação, mas, numa análise superficial, parece que o DCQ comporta-se como um questionário fortemente impregnado de itens que medem ansiedade e preocupação.

Como sugestão para futuras pesquisas, é importante realizar um trabalho com amostras clínicas. Uma amostra que seja composta por pacientes diagnosticados com fobia de dirigir faz-se necessário para verificar se o DCQ é capaz de discriminar indivíduos com esse transtorno. Ademais, sugere-se fazer uma validação convergente e discriminante do DCQ com outros instrumentos que avaliam a ansiedade e transtornos relacionados.

 

Referências

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recebido em agosto de 2014
1ª reformulação em abril de 2015
2ª reformulação em julho de 2015
aprovado em julho de 2015

 

 

Sobre os autores

Isabel Cristina Oliveira Gomes: é psicóloga, desenvolve um programa de acompanhamento psicológico para pessoas com medo de dirigir, mestre em Psicologia pela UFU e docente no curso de Psicologia da Faculdade Cidade de Patos de Minas – FPM, Patos de Minas, MG.
Ederaldo José Lopes é psicólogo, doutor em Psicobiologia pela USP-Ribeirão Preto e professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, MG.
Joaquim Carlos Rossini é psicólogo, doutor em Psicobiologia pela USP-Ribeirão Preto e professor associado do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, MG.
Renata Ferrarez Fernandes Lopes é psicóloga, doutora em Psicobiologia pela USP-Ribeirão Preto e professora associada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, MG.


1Trabalho derivado da dissertação de mestrado da primeira autora sob orientação do segundo autor no Programa de Pós-graduação em Psicologia, Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Nós agradecemos aos proprietários das autoescolas por autorizarem a realização deste trabalho; à FAPEMIG e à CAPES pelo apoio financeiro. Agradecemos também a Nelson Hauck Filho e dois revisores anônimos, pelos comentários e sugestões que muito enriqueceram este trabalho.
2Endereço para correspondência: R. Quintino Bocaiúva, 2144, Saraiva, 38408-372, Uberlândia-MG. Tel.: (34) 3226-6116. E-mail: bel_icog@yahoo.com.br


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