O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) define a esquizofrenia dentro de uma categoria nomeada de “transtornos do espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos” (American Psychiatric Association [APA], 2013). De acordo com o manual, os transtornos dessa categoria apresentam em comum alterações em um ou mais dos cinco domínios: presença de delírios, de alucinações, pensamento e discurso desorganizado, comportamento motor grosseiramente desorganizado ou anormal e sintomas negativos (alterações cognitivas, na volição, humor e outros déficits).
Dentro desse grupo, destaca-se a esquizofrenia que tem como critérios centrais, a perda do contato com a realidade e a presença de prejuízos funcionais na esfera afetiva, cognitiva e comportamental, ocorrendo também danos nas relações familiares e sociais (APA, 2013; Dalgallarrondo, 2019). A nomeação de espectro da esquizofrenia diz respeito ao fato de que a natureza central dessa condição ainda não foi esclarecida, não tendo uma uniformidade em sua classificação, podendo ser chamada de grupo, espectro ou síndrome (Valença & Nardi, 2021). Devido a sua cronicidade, não há possibilidade de cura, logo as intervenções frente a esquizofrenia visam a melhoria da qualidade de vida e a estabilização dos sintomas positivos e negativos, o que envolve o uso de psicofármacos, psicoterapia e abordagens de cunho psicossocial (Barlow & Durand, 2008).
A realização de avaliações psicológicas de pacientes com esquizofrenia pode contribuir para verificar a evolução do quadro e a eficácia de uma intervenção psicoterapêutica ou de caráter comunitário. Nesses casos, é importante estar atento, por exemplo, ao desenvolvimento de disfunção cognitiva sutil nas esferas de atenção, função executiva, memória de trabalho e memória episódica (Sadock et al., 2017). Ferreira Junior et al. (2010) apontam que as alterações cognitivas da esquizofrenia têm elevada prevalência, são contínuas e apresentam alta gravidade, porém tendem a se estabilizar com o decorrer do quadro. Além disso, devido ao caráter crônico da esquizofrenia, um tratamento ainda que bem-sucedido raramente alcança uma recuperação completa (Barlow & Durand, 2008). Contudo, a qualidade de vida dos pacientes pode ser melhorada significativamente, a partir da combinação de um tratamento farmacológico com métodos psicossociais, como apoio no emprego, intervenções familiares e comunitárias. Dessa forma, os resultados obtidos em uma avaliação psicológica podem contribuir para traçar ou reformular estratégias terapêuticas que visem aumentar a qualidade de vida dos indivíduos com esse transtorno.
Um psicodiagnóstico envolve a utilização de um conjunto de técnicas, métodos e instrumentos com embasamento teórico e científico, inclusive de testes psicológicos a depender da demanda, do contexto de avaliação, do conhecimento do profissional e da teoria de base em que o profissional atua (Krug et al., 2016). Além do uso de instrumentos psicométricos, projetivos e expressivos, podem ser utilizadas entrevistas de anamnese, entrevistas complementares, observação e outras escalas e inventários que possuam respaldo científico (Conselho Federal de Psicologia, 2018).
Muitos profissionais apresentam dificuldades na escolha dos instrumentos mais adequados para a avaliação. O emprego de instrumentos inadequados ou sem o devido conhecimento pelo profissional pode gerar prejuízos às pessoas e/ou instituições avaliadas e impedir o alcance de resultados válidos e relevantes para a tomada de decisão (Schneider et al., 2020; Trentini et al., 2016).
Para o processo de escolha dos instrumentos, re-comenda-se prioritariamente consultar o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) e fazer uma busca em literaturas confiáveis na área de avaliação psicológica (Schneider et al., 2020). O Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) é um sistema informatizado, criado pelo Conselho Federal de Psicologia no ano de 2003, que tem o intuito de avaliar a qualidade técnico-científica dos instrumentos psicológicos brasileiros e de fornecer uma lista de testes psicológicos com parecer favorável ou desfavorável para uso profissional (Reppold & Gurgel, 2015). Em relação à literatura, indica-se a visita a sites de grupos de pesquisa e associações da área de avaliação psicológica, bem como a procura por publicações recentes em periódicos científicos, incluindo artigos de revisão acerca dos testes psicológicos e dos instrumentos não psicológicos disponíveis no contexto brasileiro.
Ao se consultar a literatura nacional sobre estudos de revisão de instrumentos disponíveis para a avaliação da esquizofrenia, foi possível identificar apenas a revisão realizada por Zimmer et al. (2008). Entretanto, esses autores limitaram sua busca aos testes neuropsicoló-gicos voltados para a avaliação da esquizofrenia. Dessa forma, o presente estudo busca realizar uma revisão mais ampla de instrumentos, incluindo testes psicológicos aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia e escalas e/ou inventários não exclusivos da (o) psicóloga (o) com respaldo científico e adaptação para o contexto brasileiro, que podem ser relevantes para a avaliação psicológica da esquizofrenia.
Método
Fontes de Informação e Estratégias de Busca
Para alcançar os objetivos propostos, foi realizada uma revisão da literatura científica baseada no questionamento da existência de instrumentos validados para o contexto brasileiro que possam ser relevantes para a avaliação psicológica da esquizofrenia. Dessa forma, foram realizadas buscas em quatro bases de dados (Scientific Electronic Library Online – SciELO, Periódicos Eletrônicos em Psicologia – PePsic, Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde – LILACS e Biblioteca Virtual de Psicologia - BVS-PSI) no período de agosto a setembro de 2020, utilizando as combinações dos descritores “avaliação psicológica”, “esquizofrenia”, “psicose”, “transtornos psicóticos”, “avaliação”, “instrumento” e “teste”. Foram utilizadas diferentes combinações entre os descritores, a partir dos operadores booleanos AND e OR, as quais podem ser observadas na Tabela 1 de acordo com cada base de dados.
Critérios de Elegibilidade
Os critérios de inclusão foram artigos empíricos publicados em periódicos científicos revisados por pares em língua portuguesa nos últimos dez anos. Foram excluídos artigos de revisão de literatura, artigos publicados em outros países, não disponíveis para leitura integral, fora do período de publicação delineado e demais tipos de publicações, como resumos expandidos, anais de eventos e trabalhos de conclusão de curso (dissertações, teses e monografias).
Seleção dos Estudos e Extração dos Dados
Os levantamentos foram realizados no período de agosto a setembro de 2020 de forma independente pelos autores. Possíveis divergências foram discutidas entre estes de forma conjunta. Na Figura 1, pode-se observar o processo de busca, exclusão e seleção dos artigos.
Para o processo de análise e seleção dos artigos, inicialmente foram selecionados a partir da leitura dos títulos e resumos. Caso estes fossem condizentes com os critérios definidos anteriormente, fazia-se o download do artigo e partia-se para a leitura completa das pesquisas. Foram extraídas informações relativas aos instrumentos utilizados na pesquisa, como o status no Satepsi, constru-tos avaliados, evidências de validade e precisão, além de informações sobre as amostras utilizadas nas pesquisas.
Resultados
Ao todo, as publicações selecionadas mencionaram 33 instrumentos para avaliação de aspectos relacionados ao psicodiagnóstico da esquizofrenia. Desse quantitativo, cinco (15%) são de uso privativo do profissional de psicologia, a saber: Rorschach (Sistema R-PAS e Klopfer), Teste de Wartegg, Teste de Zulliger (Sistema Compreensivo), Escala de Memória de Weschler – WMS-III e Teste R1 – Versão Adulto. Entre eles, somente o teste de Wartegg se encontrava com status desfavorável para uso no SATEPSI no momento da pesquisa. Os outros vinte e oito instrumentos (85%) identificados na literatura científica não foram encontrados no site do SATEPSI.
Entre os instrumentos, o teste de Rorschach foi o que se apresentou de forma mais frequente nas publicações selecionadas (n=5). Em segundo lugar, a Escala das Síndromes Positiva e Negativa foi mencionada por três estudos, seguida pela Magical Ideation Scale, Entrevista Clínica Estruturada para os Transtornos do DSM-V – SCID, Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares (FBIS-BR) e a Family Questionare – Versão Português do Brasil, todos citados duas vezes. Os instrumentos restantes foram utilizados por apenas um estudo cada. Na Tabela 2, estão detalhados os instrumentos encontrados e suas características, como construto avaliado e status no Satepsi.
Instrumento | Publicação | Construto | Status no Satepsi |
---|---|---|---|
Teste de Rorschach – Sistema R-PAS | Villemor-Amaral & Vieira (2015) | Personalidade | Favorável |
Teste de Rorschach – Sistema Klopfer | Resende & Argimon (2012) | Personalidade | Favorável |
Teste de Rorschach – Sistema Compreensivo | Marques et al. (2012); Resende & Argimon (2012) | Personalidade | Favorável |
Questionário multifatorial de indicadores de adoecimento | Sales & Monteiro (2015) | Aspectos psicopatológicos | Ausente |
Bateria Montreal de Avaliação da Comunicação (Bateria MAC) | Santos et al. (2014) | Aspectos comunicativos | Ausente |
Teste de Zulliger – Sistema Compreensivo | Villemor-Amaral (2012) | Personalidade | Favorável |
Entrevista Clínica estruturada para os transtornos do DSM-V | Franco & Villemor-Amaral (2012); Marques et al. (2012) | Aspectos psicopatológicos | Ausente |
Escala de avaliação da sobrecarga dos familiares (FBIS-BR) | Souza Filho et al. (2010); Soares et al. (2019) | Qualidade de Vida | Ausente |
Escala de Avaliação de Limitações no Comportamento Social | Medeiros et al. (2018) | Comportamento social | Ausente |
Family Questionare – Versão Português do Brasil | Zanetti et al. (2018); Zanetti et al. (2012) | Qualidade de Vida | Ausente |
Escala das Síndromes Positivas e Negativas (PANSS) | Silva et al. (2010); Martinho Jr. et al. (2012); Marques et al. (2012) | Aspectos psicopatológicos | Ausente |
Escala de Avaliação do Ajustamento Social (DAS) | Silva et al. (2010) | Comportamento social | Ausente |
Escala de Avaliação da Cognição em Esquizofrenia (SCors-BR) | Ferreira Junior et al. (2010) | Aspectos cognitivos | Ausente |
Teste R1 – Versão Adulto | Ferreira Junior et al. (2010) | Aspectos cognitivos | Favorável |
Miniexame do Estado Mental (MEEM) | Ferreira Junior et al. (2010) | Aspectos cognitivos | Favorável |
Escala de Qualidade de vida – QLS-BR | Cesari & Bandeira (2010) | Qualidade de Vida | Ausente |
Escala de Mudança Percebida (EMP) | Cesari & Bandeira (2010) | Qualidade de Vida | Ausente |
Schizophrenia Caregiver Quality of Life Questionnaire (S-CGQoL) | Bandeira & Guimarães (2016) | Qualidade de Vida | Ausente |
Teste de Wartegg | Pessotto & Primi (2018) | Personalidade | Desfavorável |
Inventário de Habilidades de Vida Independente – versão do paciente (ILSS-BR/P) | Martini et al. (2012) | Qualidade de Vida | Ausente |
Recovery Assessment Scale – RAS | Silva et al. (2017) | Recuperação | Ausente |
Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida – WHOQOL-BREF | Silva et al. (2017) | Qualidade de Vida | Ausente |
Questionário de Autoavaliação do Funcionamento Ocupacional (SAOF) | Silva et al. (2017) | Qualidade de Vida | Ausente |
Magical Ideation Scale – MIS | Vieira et al. (2016); Villemor-Amaral & Vieira (2015) | Aspectos cognitivos | Ausente |
Inventário de Habilidades de Vida Independente – ILSS-SR | Silva et al. (2017) | Qualidade de Vida | Ausente |
Teste de Morisk-Green | Nicolino et al. (2011) | Adesão ao tratamento | Ausente |
Alcohol Use Disorders Identification Test | Martinho Jr. et al. (2012) | Abuso de substâncias | Ausente |
South Westminster Questionnaire | Martinho Jr. et al. (2012) | Abuso de substâncias | Ausente |
Controlled Oral Word Association Test | Martinho Jr. et al. (2012) | Aspectos comunicativos | Ausente |
Escala de Memória de Weschler – WMS-III | Martinho Jr. et al. (2012) | Aspectos cognitivos | Favorável |
Questionário de lateralidade de Annett | Martinho Jr. et al. (2012) | Habilidades motoras | Ausente |
Global Assessment Scale – GAS | Martinho Jr. et al. (2012) | Funcionamento global | Ausente |
Global Assessment of Functioning – GAF | Martinho Jr. et al. (2012) | Funcionamento global | Ausente |
World Health Organization Psychiatric Disability Assessment Schedule – WHODAS 2.0 | Martinho Jr. et al. (2012) | Qualidade de Vida | Ausente |
Quanto aos construtos avaliados, a maioria dos instrumentos tinha como foco a avaliação de aspectos relacionados à qualidade de vida do paciente esquizofrênico e de seus familiares e cuidadores (n=9; 27,3%). Ademais, foram encontrados três instrumentos (9,1%) para avaliação de personalidade; outros quatro (12,1%) para avaliação de aspectos psicopatológicos da esquizofrenia; quatro instrumentos (12,1%) focados em avaliar aspectos cognitivos; dois de aspectos relacionados ao funcionamento global (6,1%); dois sobre avaliação do nível de recuperação após o início do tratamento (6,1%); dois (6,1%) para avaliação de aspectos da comunicação (e.g., fluência verbal); dois (6,1%) de aspectos do comportamento social; dois (4,9%) de abuso de substâncias relacionados ao quadro; um (3%) de satisfação do atendimento de familiares em ambulatórios de psiquiatria; um (3%) sobre o nível de adesão ao tratamento da esquizofrenia e, por fim, um (3%) que avaliava a destreza e outras habilidades motoras, comparando o desempenho das duas mãos.
Como pode ser constatada pelas descrições dos construtos avaliados, a maioria dos instrumentos encontrados é voltada para a aplicação com o paciente (n=29), contudo, foram encontrados quatro instrumentos que podem ser utilizados com familiares e outras pessoas próximas ao paciente, especificamente a Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares (FBIS-BR), a Family Questionnaire – Versão Português do Brasil, a Schizophrenia Caregiver Quality of Life Questionnaire (S-CGQoL) e a Escala de Avaliação da Satisfação dos Familiares em Serviços de Saúde Mental – SATIS-BR.
Entre as publicações, foram identificados estudos de adaptação e validação de instrumentos estrangeiros para o contexto brasileiro (n=4) e/ou de estudos de investigação das propriedades psicométricas para escalas já utilizadas em contexto brasileiro (n=4), além de estudos de construção e validação de instrumentos (n=1). Os outros quatorze estudos formaram uma amostra de estudos correlacionais; estudos transversais que investigaram algumas características de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia ou de familiares, como comportamento social, ajustamento social, sobrecarga emocional, qualidade de vida e estudos de casos que avaliavam a evolução do tratamento por meio do uso de instrumentos.
Sobre as características psicométricas dos instrumentos, nove estudos apresentaram evidências de validade e precisão. No caso do Teste de Rorschach, três estudos buscaram investigar evidências de validade do instrumento para o diagnóstico da esquizofrenia. Vieira e Villemor-Amaral (2015) buscaram reunir evidências de validade do Teste de Rorschach no sistema R-PAS para o diagnóstico da esquizofrenia e encontraram evidências de validade convergente a partir de associações positivas das variáveis Ego Impairment Index (r=0,84) e Thought and Perception Composite (r=0,85) com os escores totais da Magical Ideation Scale. Os autores também encontraram evidências de validade de critério, usando comparações entre um grupo de pacientes com esquizofrenia e um grupo de não pacientes. O grupo de pacientes com diagnóstico prévio de esquizofrenia apresentou médias significativamente diferentes do grupo de não pacientes em diversas variáveis do Rorschach no sistema R-PAS que apontam para prejuízos de ordem relacional, emocional, perceptiva e do pensamento. Resende e Argimon (2011) também apresentaram evidências de validade das variáveis do Rorschach no Sistema Klopfer com o diagnóstico de esquizofrenia da CID-10. Foram observados coeficientes de correlação de Kendall variando entre |0,22 – 0,75| entre os critérios do CID-10 e distintas variáveis do Rorschach, inferindo-se que o instrumento pode ser útil para o diagnóstico da esquizofrenia. Dos oito critérios do diagnóstico da CID-10, apenas o critério de alucinações persistentes não apresentou correlações com nenhuma das variáveis do Rorschach, no entanto, os autores ressaltam que esse grupo de sintomas é considerado um dos menos patognomônicos da esquizofrenia. Por sua vez, Marques et al. (2012) realizaram comparações entre pacientes com diagnóstico de transtornos mentais com e sem sintomas psicóticos nas variáveis do Rorschach referentes a percepção adequada da realidade e as áreas de localização. Vale ressaltar que o primeiro grupo da amostra do estudo incluía indivíduos com diagnóstico de esquizofrenia. Os autores verificaram médias significativamente mais baixas em XA% e mais altas em X-% entre os pacientes com sintomas psicóticos, demonstrando evidências iniciais do atlas de localização e da lista de qualidade formal.
Ainda em relação as propriedades psicométricas dos instrumentos, Ferreira Junior et al. (2010) buscaram investigar as evidências de validade da Escala de Avaliação da Cognição em Esquizofrenia (Scors-Br) em contextos clínicos, tendo uma versão para o entrevistador e para o paciente. Em síntese, obtiveram evidências de validade convergente com o teste R1 e o Miniexame do Estado Mental (MEEM). Tanto a versão da SCoRS-BR do entrevistador quanto a do paciente apresentaram correlações significativas com o Teste R1 e com o MEEM, variando entre |0,28 – 0,51|. Sobre os índices de fidedignidade, obtiveram índices de consistência interna (alfa de Cronbach) para o escore total de 0,85 (versão paciente) e 0,88 (versão entrevistador) e de precisão de duas metades de 0,80 (versão paciente) e 0,81 (versão entrevistador). Tais resultados são satisfatórios, no entanto, ainda são evidências iniciais de validade e fidedignidade, sendo necessário mais estudos com esse fim.
Pessotto e Primi (2018) buscaram encontrar evidências de validade de critério com o teste de Wartegg para identificação da esquizofrenia comparando duas amostras (com e sem diagnóstico de esquizofrenia). Em síntese, das 55 variáveis existentes no instrumento, sete apresentaram diferenças significativas entre os grupos, com destaque para a má qualidade formal (FQ-) e movimento humano (M), demonstrando assim, evidências de validade do teste de Wartegg.
Martini et al. (2012) adaptaram, validaram e verificaram a fidedignidade do Inventário de Habilidades de Vida Independente – Versão do Paciente (ILSS-BR/P). Os autores encontraram correlações estatisticamente significativas do escore total da ILSS-BR/P com as pontuações das escalas Síndromes Positiva e Negativa total (PANSS, r=-0,32; p<0,001), Escala de Depressão de Calgary (r=-0,18; p=0,010), Global Assessment of Functioning (GAF, r=0,477; p<0,001), Impressão Clínica Global (CGI, r=-0,409; p<0,001), The World Health Organization Quality of Life (WHOQOL, r=0,216; p=0,006) e Escala de Autoestima de Rosemberg (r=0,275; p<0,001). O instrumento também apresentou evidências de validade discriminante entre amostras de homens e mulheres. Em relação a fidedignidade, obteve um alfa de Cronbach de 0,80 para toda a escala e, entre os dez domínios, os indicadores variaram entre de 0,23 a 0,98, o que revela possíveis problemas na confiabilidade dos escores de alguns fatores da escala.
Silva et al. (2017) adaptaram a Recovery Assessment Scale – RAS para o contexto nacional e descreveram evidências de validade baseadas em testes avaliando cons-trutos relacionados entre o escore global da RAS e as escalas Questionário de Autoavaliação do Funcionamento Ocupacional (SAOF), ILSS-SR, PANSS, Escala de Depressão de Calgary, GAF, CGI e WHOQOl-brief. Quanto às evidências de validade baseada na estrutura interna, uma análise fatorial exploratória apontou para uma estrutura fatorial distinta da proposta por estudos de adaptação para outros contextos, como o da Austrália (McNaught et al., 2007).
Vieira et al. (2016) buscaram adaptar a Magical Ideation Scale (MIS) para o contexto brasileiro. Os autores realizaram comparações entre pessoas com e sem o diagnóstico de esquizofrenia no que se refere a presença de pensamentos mágicos e relataram médias maiores do grupo de pacientes na pontuação total da MIS com elevado tamanho de efeito (d=3,85; p=0,001), o que aponta para evidências de validade de critério da escala. No entanto, os autores reforçam que essas são apenas evidências iniciais de validade para a MIS.
Franco e Villemor-Amaral (2012) investigaram evidências de validade convergente das constelações (i.e., conjuntos de variáveis que informam sobre possíveis distúrbios e disfunções psicológicas) do Teste de Zulliger (ZSC) no Sistema Compreensivo com o diagnóstico obtido com a Entrevista Clínica Estruturada para os Transtornos do DSM (SCID). Comparando uma amostra de pacientes esquizofrênicos e outra sem diagnósticos prévios, encontraram diferenças significativas em três indicadores. Entretanto, os autores alertam que o ZSC pode ser pouco útil para a classificação em diagnósticos nosográficos, sendo mais adequado como ferramenta para compreender melhor o funcionamento psíquico dos indivíduos, independente da presença ou não de um transtorno específico.
Em relação à faixa etária da amostra e do público-alvo dos instrumentos, destaca-se que a maioria dos estudos foram elaborados com amostras de pacientes adultos, entre 18 e 60 anos, com diagnóstico anterior de esquizofrenia e usuários dos serviços públicos de saúde mental (e.g., Centros de Atenção Psicossocial e Residências Terapêuticas). Algumas pesquisas incluíram em suas amostras membros da família do paciente e cuidadores (Bandeira & Guimarães, 2016; Sales & Monteiro, 2015; Soares et al., 2019; Zanetti et al., 2012; Zanetti et al., 2018).
Não obstante, alguns estudos apresentavam amostras clínicas e não clínicas para análises comparativas. Três estudos compararam grupos clínico e controle (Martinho Jr. et al., 2012; Pessotto & Primi, 2018; Vieira et al., 2016), tendo como grupo clínico, pacientes com diagnóstico prévio de algum transtorno do espectro da esquizofrenia e como controle, pacientes sem diagnóstico psicológico. Além destes, um estudo (Franco & Villemor-Amaral, 2012) usou como grupo clínico, uma amostra de pacientes esquizofrênicos com o transtorno obsessivo-compulsivo; e como controle, pacientes sem diagnósticos de transtornos mentais. Ademais, Marques et al. (2012) contou com três amostras distintas: pacientes com algum transtorno psiquiátrico sem a presença de sintomas psicóticos (e.g., transtornos depressivos, transtornos bipolares, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, fobias específicas, fobias sociais, transtorno obsessivo-compulsivo); pacientes sem quaisquer diagnósticos; e pacientes com transtornos psiquiátricos com a presença de sintomas psicóticos (e.g., esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, depressão com sintomas psicóticos, transtorno bipolar com sintomas psicóticos).
Discussão
A presente revisão teve como objetivo identificar instrumentos validados para o contexto brasileiro que possam ser relevantes para a avaliação da esquizofrenia, trazendo contribuições no sentido de auxiliar psicólogas (os) na escolha dos instrumentos de psicodiagnóstico. Em termos gerais, foi possível identificar um número expressivo de instrumentos que podem ser utilizados no psicodiagnóstico de pacientes com esquizofrenia, com destaque para o Teste de Rorschach e a Escala das Síndromes Positiva e Negativa.
Boa parte dos instrumentos encontrados (apesar de apresentarem evidências de validade e dados na literatura científica) não é de uso específico do (a) profissional de psicologia e não possuem status de avaliação no site do SATEPSI. A (o) psicóloga (o) deve, sempre que possível, privilegiar o uso de fontes fundamentais de informações, como as entrevistas e os testes psicológicos com parecer favorável pelo SATEPSI, no entanto, outros instrumentos podem servir como fontes complementares de informação em um processo psi-codiagnóstico, contanto que possuam fundamentação na literatura cientifica e não firam os princípios éticos da profissão (Conselho Federal de Psicologia, 2018). Entretanto, vale ressaltar que a(o) psicóloga(o) deve estar atenta(o) às limitações quanto à qualidade das informações fornecidas e à necessidade de comparação dos dados com outras fontes de informação.
Entre os instrumentos identificados, apenas a Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares (FBIS-BR) foi desenvolvida no contexto brasileiro. Assim, constata-se que a maioria dos instrumentos citados nas pesquisas é adaptada de outros contextos, o que sugere a falta de instrumentos desenvolvidos especificamente para a realidade brasileira. Como uma das vantagens da adaptação de instrumentos, Pacico (2015) aponta a facilidade de produzir comparações transculturais, em contrapartida, a validade de conteúdo pode vir a ser afetada, pois a expressão de um traço latente varia de uma cultura para outra. Nesse aspecto, a falta de instrumentos nacionais é uma questão a ser ressaltada, pois esses instrumentos estrangeiros, por mais que apresentem evidências de validade e de precisão, podem muitas vezes não conseguir captar de forma confiável as características e nuances da população brasileira. Elkis (2016) complementa que essa ausência de instrumentos nacionais, apesar de ser uma lacuna, é uma janela de oportunidade para aqueles interessados em se aprofundar nas escalas de avaliação da esquizofrenia no país.
Foi verificada a predominância de instrumentos voltados para a avaliação de adultos, demonstrando que há uma lacuna de instrumentos e de pesquisas para a avaliação de aspectos da esquizofrenia em crianças e adolescentes. Além disso, a maioria dos instrumentos não tinha como foco específico a avaliação de sintomas da esquizofrenia, nem foram inicialmente desenvolvidos para serem utilizados unicamente com esse público-alvo, como é o caso do teste de Rorschach. Os instrumentos, em geral, podem ser utilizados para avaliar caraterísticas secundárias, como alterações na cognição, personalidade e aspectos da qualidade vida. Tais construtos devem ser investigados no psicodiagnóstico de pacientes com esquizofrenia como já indicado por Silva e Belmonte-de-Abreu (2016).
No entanto, muitos dos instrumentos identificados para avaliar a personalidade já possuem um histórico de uso com pacientes psicóticos, como o Teste de Rorschach e o Teste de Zulliger, tendo sido validados com essas amostras, apesar de o seu uso original não ter sido concebido para esses transtornos (Abreu Faria et al., 2019). Ressalta-se também a possibilidade de mais instrumentos que avaliem outros transtornos que são abarcados por esse espectro (Valença & Nardi, 2021), dado que boa parte dos resultados investigava apenas amostras de pacientes com esquizofrenia.
A maioria dos instrumentos é voltada para a utilização com o paciente, porém identificaram-se também escalas e questionários direcionados à família e aos cuidadores de pacientes esquizofrênicos, os quais podem fornecer dados relevantes no planejamento e desenvolvimento do processo psicodiagnóstico, como a Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares (FBIS-BR), o Schizophrenia Caregiver Quality of Life Questionnaire (S-CGQoL) e o Family Questionnaire. A investigação junto à família e/ou cuidadores permite preencher lacunas de informação sobre a histórica clínica e de tratamento, e o uso desses instrumentos também permite obter informações relacionadas à qualidade das relações familiares e outras variáveis ambientais envolvidas, expandindo o leque de investigação do psicodiagnóstico e possibilitando a elaboração de intervenções e recomendações mais contextualizadas com a realidade e dinâmica familiar (Silva & Belmonte-de-Abreu, 2016).
Sobre os construtos avaliados, os resultados encontrados corroboram os achados de Silva e Belmonte-de-Abreu (2016) que denotaram a importância de avaliar aspectos cognitivos e de personalidade no psicodiagnóstico da esquizofrenia. Identificou-se a predominância de instrumentos que avaliam aspectos da qualidade de vida, como o Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida (WOOQOL-BREF), o Questionário de Autoavaliação do Funcionamento Ocupacional (SAOF), a World Health Organization Psychiatric Disability Assessment Schedule, o Inventário de Habilidades de Vida Independente (ILSS-SR/P). Tais instrumentos podem servir como fontes complementares de informação no processo psicodiagnóstico, mas, além disso, podem ser úteis para estabelecer o prognóstico e para verificar a efetividade e a qualidade de uma intervenção. Outras possibilidades de uso são a avaliação da melhora na qualidade vida e das relações sociais após o início do tratamento e a verificação do nível de adesão ao tratamento medicamentoso com o uso da escala Morisk-Green.
Quanto as propriedades psicométricas dos instrumentos, a maioria dos estudos utilizou procedimentos de validade de critério, os quais são formas reconhecidas de indicar o potencial do instrumento de diferenciar pessoas com e sem diagnósticos relacionados aos construtos avaliados por ele. No entanto, apesar dos resultados sugerirem que instrumentos como o teste de Wartegg e o Zulliger conseguiram diferenciar grupos de pessoas com e sem o diagnóstico de esquizofrenia, observa-se variações em indicadores específicos dos testes que ainda carecem de maior aprofundamento teórico, bem como de outros estudos empíricos que possam verificar se tais diferenças se apresentam em outras amostras. Vale ressaltar que, nos casos da Escala de Avaliação da Cognição Esquizofrenia (Scors-Br) e da Magical Ideation Scale, os próprios autores ressaltam que os instrumentos apresentam apenas evidências iniciais de validade para o uso com pacientes esquizofrênicos, demandando mais estudos de refinamento.
Destaca-se ainda que boa parte dos estudos não informaram indicadores de precisão dos instrumentos. Zanon e Filho (2015) apontam que a fidedignidade é uma propriedade fundamental para a validade de um teste, nesse sentido, a falta dessas informações pode prejudicar o processo de avaliação psicológica, no sentido de que esses resultados podem não representar bem o construto de interesse.
Os resultados da presente revisão podem servir como orientação para o planejamento e a escolha de técnicas para o psicodiagnóstico da esquizofrenia. Contudo, salienta-se que o profissional tenha cautela ao utilizá-los, uma vez que a escolha e a aplicação de instrumentos e escalas na avaliação psicológica deve sempre ser pautada em critérios, como a adequação em relação ao objetivo da avaliação, ao construto avaliado, ao público-alvo e ao contexto de avaliação (Schneider et al., 2020). Além disso, o profissional deve-se atentar também aos detalhes de cada instrumento, analisando a possibilidade de uso no processo, aprofundando o conhecimento sobre os procedimentos de aplicação, a fundamentação teórica e as características psicométricas.
É importante reconhecer que o presente estudo apresenta algumas limitações, como o uso exclusivo de descritores em português. Assim, podem existir pesquisas publicadas em outros idiomas que foram elaboradas por pesquisadores brasileiros e que incluam amostras nacionais, mas que não foram identificadas a partir das estratégias de buscas utilizadas nesta revisão. Além disso, sabe-se que o processo de avaliação psicológica deve abranger outras técnicas e métodos de informação para além do uso de instrumentos e escalas, contudo, fugia ao escopo deste estudo reunir outros recursos. Sugere-se que estudos futuros possam investigar e identificar recursos auxiliares para o psicodiagnóstico da esquizofrenia e de categoriais afins.
Tais limitações não invalidam os resultados encontrados. Acredita-se que os objetivos propostos foram alcançados e que os resultados contribuem na orientação de profissionais que atuem no psicodiagnóstico de pacientes esquizofrênicos, indicando instrumentos e seus respectivos objetivos de avaliação nesse contexto, subsidiando, assim, uma prática galgada nos princípios científicos e éticos da psicologia.