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Psicologia em Revista
versão impressa ISSN 1677-1168
Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.15 no.3 Belo Horizonte dez. 2009
RESUMO DE TESE
Carla de Abreu Machado Derzi*
Universidade de Paris VIII
A descrença no Outro no mundo pós-moderno
Disbelief in the Other in the modern world
La incredulidad en El Otro en el mundo postmoderno
Esta tese, "A descrença no Outro no mundo pós-moderno", visou a investigar as manifestações clínicas contemporâneas inerentes ao cenário atual. A articulação entre as manifestações clínicas na atualidade e o fenômeno histórico exigiu a exposição e a comparação entre a crença no Outro no mundo moderno e a descrença no Outro na nossa época. Esse percurso foi construído com base no olhar da psicanálise, em que o desfalecimento da função paterna hoje se manifesta.
Baseada nessa investigação, a pesquisa conduziu à revisão do conceito de Outro, assim como o seu aprofundamento, até alcançar o estudo sobre a inexistência do Outro na obra lacaniana. A partir disso, a pesquisa subverte a articulação feita por alguns psicanalistas entre a inexistência do Outro e o mundo pós-moderno, propondo uma nova articulação: a descrença no Outro e o mundo pós-moderno. Por que essa subversão? O trabalho responde a essa questão, estabelecendo as diferenças entre a inexistência do Outro e a descrença no Outro. O Outro jamais existiu, a falta de sua garantia é independente de nossa época, sua inexistência é atemporal. Já a descrença é um efeito da estrutura psíquica, o que contribuiu para recolher os efeitos da descrença na clínica atual. Pela pesquisa aprofundada na clínica da psicose, Unglaube, e nas manifestações clínicas atuais, como a depressão, o gozo desbussolado, a angústia e as atuações frequentes no contexto vigente, foi possível estabelecer a objeção necessária entre o fenômeno histórico, o mundo pós-moderno, e a estrutura psíquica, a clínica da psicose, para chegar ao centro vital da pesquisa: pensar as novas estratégias clínicas frente à descrença no Outro, já que, no processo de psicanálise, a crença no sujeito suposto saber é fundamental.
Da impossibilidade de estabelecer-se uma equivalência entre a estrutura psíquica e o fenômeno histórico, chegamos à possibilidade de diferenciarem-se as manifestações clínicas e as maneiras de operar clinicamente entre uma época e outra em razão da descrença. Sendo assim, a metodologia da tese mesclou estudos teóricos com experiências clínicas.
Dois eixos maiores sustentaram a tese. O primeiro se baseou na crença no Outro na Época Moderna com base na teoria cartesiana, em que havia uma instância simbólica que funcionava no lugar do Outro. A crença no Outro mostrava o lugar do Outro sob forma de enigma e, consequentemente, mostrava também que existia uma estratégia estabelecida entre o sujeito e o Outro. Foi a época da primeira clínica de Lacan, em que as manifestações sintomáticas encontraram-se endereçadas ao Outro. Do lado do psicanalista, o complexo de Édipo e a interpretação se caracterizavam como sendo as maneiras eficientes de operar na clínica. A passagem do primeiro eixo da tese ao segundo eixo foi fundamentada pela teoria de Heidegger e vários outros cientistas que denunciaram o limite da ciência, provocando incertezas no próprio saber, abalando, assim, a crença no Outro.
O segundo eixo concerne à Época Pós-moderna, em que nenhuma instância funciona no lugar do Outro, constatando-se que existe descrença no Outro no mundo pós-moderno. O apoio ao pragmatismo de Rorty ilustrou a Época Pós-moderna, mostrando o limite da verdade e negando o método científico, enfatizando o relacional, a contingência e o antiessencialismo. O pós-modernismo é caracterizado, assim, pela descrença na autoridade e pela descrença no saber. O recurso à clínica foi fundamental na direção desses dois eixos, pois não apenas ilustrou a relação entre o Outro e a cultura, mas também aprimorou o lugar do Outro nas suas respectivas diferenças de época, exibindo as mudanças nas manifestações do inconsciente assim como as novas maneiras de estabelecerem-se laços sociais. Na Época Pós-moderna, a clínica do ato analítico e o além do complexo de Édipo são duas estratégias clínicas que nos ajudaram a pensar essa nova arquitetura do mundo: descrença no Outro, pois levam em consideração o objeto a como mais-de-gozar, já que se trata do privilégio do mais-de-gozar como gozo contemporâneo.
A tese conclui que a clínica atual nos obriga a reconhecer o limite da interpretação, pois essa clínica situa-se na estrutura do "não todo". Antigamente, a estrutura era sustentada pela função paterna, caracterizada pelo "todo", pois a presença da exceção permitia a constituição do "todo". Portanto se deve levar em consideração o gozo feminino, pois este presentifica o real em jogo e ilustra a contingência inerente ao nosso mundo atual: o "não todo". O mundo atual exige que o pai exerça a sua função de perversão, pois é pela via do desejo e do amor que a exceção transcendente pode ser instaurada nos nossos dias.
Fazer um percurso pelas manifestações clínicas atuais aproximando-as do gozo feminino permitiu não somente situar a clínica atual, mas promover a saída dos modos de lidar com o simbólico, a saída dos modos de abordar a falta e a castração e alcançar a clínica do gozo, que nos obriga a lidar com a clínica do nada e do vazio. Na clínica do nada, pela presença do objeto a, a falta falta. A clínica da atualidade, clínica sem amarragem na ordem fálica, aponta-nos que o real insiste em denunciar uma impossibilidade no tratamento. O sujeito, no mundo atual, encontra-se no exílio sem recurso ao Outro, o que provocou pensar nas funções do Pai neste contexto, já que nos remeteu a um campo além da ordem fálica.
* Doutora pelo Departamento de Psicanálise na Universidade de Paris VIII, orientador: Gérard Wajcman; mestra pelo Departamento de Psicanálise de Paris VIII, professora adjunta III pela PUC Minas, psicóloga, psicanalista. E-mail: carladerzi@gmail.com.