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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.22 no.3 Belo Horizonte set./dez. 2016

https://doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2016V22N3P558 


ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9523.2016V22N3P558

 

Descrição de contingências durante a leitura de histórias e o comportamento de crianças: um estudo exploratório

 

Effects of the description of contingencies during story reading on children's behavior: an exploratory study

 

Descripción de contingencias durante la lectura de historias y el comportamiento de niños: un estudio exploratorio

 

 

Christiana Gonçalves Meira de Almeida*; Ana Claudia Moreira Almeida-Verdu**; Maria Regina Cavalcante***

 

 


Resumo

O estudo investigou os efeitos da descrição de contingências durante a leitura de histórias sobre o comportamento de crianças entre 8 e 10 anos. No grupo 1, duas crianças foram expostas à uma história com desfecho positivo para o comportamento-alvo de pegar doces antes da festa (A) e, em seguida, outra história com desfecho aversivo (B). No grupo 2, outras duas crianças foram expostas às mesmas histórias na ordem inversa. No grupo 3, três crianças ouviram duas histórias (C e D) sobre festa de aniversário, mas sem menção do comportamento-alvo. Após cada leitura, as crianças eram deixadas em situação similar à descrita nas histórias. A frequência de comportamentos direcionados aos doces foi registrada, sendo maior após a leitura da história A do que após a leitura da história B. Sugere-se que a descrição das contingências durante a narração das histórias controlou o desempenho subsequente dos participantes.

Palavras-chave: Controle instrucional. Leitura. Comportamento verbal.


Abstract

The present study investigated the effects of the description of contingencies during story reading on the behavior of children 8 to 10 years of age. For group 1, two children were exposed to the reading of one story (A) which described the target behavior of a boy who grabbed party candy before the birthday party began. Next, children read another story with aversive consequence for that behavior (B). For group 2, the same stories were presented in inverse sequence. For Group 3, three different children were exposed to two new stories (C and D) about a birthday party. The children were presented with a real situation similar to the stories. The frequency of target behaviors directed toward the candy was higher after the reading of Story A than after the reading of Story B, which suggests that the description of the contingencies during story reading controlled participants' subsequent performance.

Keywords: Instructional control. Reading. Verbal behavior.


Resumen

El estudio investigó los efectos de la descripción de contingencias durante la lectura de historias sobre el comportamiento de niños entre 8 y 10 años. En el Grupo 1 dos niños fueron expuestos a la lectura de un historia con desenlace positivo, para el comportamiento de un niño que cogía los dulces antes de la fiesta (A) y, más tarde, fue presentada otra historia con desenlace aversivo( B). En el Grupo 2, otros dos niños fueron expuestos a las mismas historias en orden inverso. En el Grupo 3, tres niños escucharon dos historias (C y D) sobre fiesta de cumpleaños, pero sin hacer mención del comportamiento "coger dulces". Después de cada lectura, los niños eran dejados en situación similar a la descrita en las historias. La frecuencia de comportamientos dirigidos a los dulces fue registrada, siendo mayor después de la lectura de la Historia A que de la B. Se sugiere que la descripción de las contingencias durante la narración de las historias controló el desempeño subsecuente de los participantes.

Palabras clave: Control de instrucción. Lectura. Comportamiento verbal.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Muitos profissionais da saúde e educação adotam o contar histórias para fins terapêuticos e de ensino. Afirma-se que histórias oferecem modelos de comportamentos de resolução de problemas em inúmeras situações (Vasconcelos, Silva, Curado, Galvão, Naves, Barreiros & Arruda, 2006). Por ser considerada uma prática importante para diversas áreas do conhecimento, faz-se necessária a investigação de como e sob que circunstâncias a leitura de histórias pode controlar o comportamento da audiência.

Para a compreensão das consequências que podem manter a prática de contar e ler histórias, tanto na perspectiva de quem as conta quanto na de quem as lê ou ouve, a proposta skinneriana de comportamento verbal é particularmente relevante. Skinner (1978) propôs que o comportamento verbal é um operante modelado e mantido por suas consequências. A diferença básica entre o comportamento verbal e os outros operantes (não verbais) está no fato de que o comportamento verbal não opera diretamente sobre o ambiente físico, mas sobre um ambiente social.

Skinner (1978) descreveu as categorias de operantes verbais com base nas relações de controle que estabelecem com eventos antecedentes. Foram elencadas as categorias elementares e os operantes de segunda ordem. As categorias elementares são:

a) tato, operante controlado por um objeto ou evento não verbal (ver um córrego e dizer água);
b) mando, operante controlado por uma necessidade (pedir água quando está com sede);
c) ecoico, controlado pela palavra ditada e tem correspondência ponto a ponto com ela (dizer água logo após alguém ter falado água);
d) intraverbal, controlado por um comportamento verbal antecedente e não guarda correspondência pontual nenhuma com o comportamento verbal que o antecede (dizer água logo após alguém perguntar "O corpo humano é formado por 60% de qual substância?");
e) textual, é controlado por um estímulo textual, impresso (dizer água diante do texto ÁGUA);
f) transcritivo, produto do comportamento motor e pode ter correspondência pontual com o estímulo textual que o antecede (cópia) ou não ter correspondência convencionada pela comunidade com o estímulo auditivo que o antecede (ditado). Skinner descreveu o autoclítico como um operante de segunda ordem, pois se trata de um comportamento verbal que pode alterar outro comportamento verbal; por exemplo, dizer que a água está fresquinha ou está contaminada, ou ainda, que está fervendo pode, certamente, alterar o comportamento da audiência em relação à água. As obras literárias estão repletas de operantes verbais elementares e de segunda ordem.

Na perspectiva de quem escreve, dar-se-á destaque ao operante de mando. Skinner (1978) sugere que há certas formas de comportamento literário repletas de mandos; alguns dirigidos especificamente ao leitor. Por exemplo, mando por atenção ("Leitor, casei-me com ela") ou mando solicitando ao leitor um comportamento verbal específico ("Chamem-me Ismael"). Se textos literários podem conter, entre outros operantes verbais, operantes de mandos, é fortalecida a ideia de que descrições presentes em textos podem controlar, de modo especial, o comportamento do leitor.

Arantes e Rose (2009) fazem a análise comportamental de obras literárias e peças teatrais. Ao analisarem "Otelo", de Shakespeare, os autores argumentam que os personagens descritos se comportam obedecendo aos mesmos controles e sob as mesmas contingências a que estariam expostas pessoas reais em situações naturais. A análise é fomentada também por Skinner (1978), que utilizou amplamente exemplos literários para ilustrar relações de controle sobre o comportamento verbal.

Considerando que obras literárias trazem descrições verbais de contingências que vigoraram e controlaram o comportamento dos personagens, é possível que, na perspectiva do interlocutor, mais especificamente da audiência, a descrição das contingências presentes em um texto possa controlar o comportamento subsequente, adquirindo uma função de regra ou instrução. É preciso, no entanto, compreender as condições nas quais esse controle é efetivo.

Compreende-se controle por regras como uma relação entre o comportamento apresentado por um ouvinte e um antecedente verbal (instrução) emitido por um falante, que descreve uma contingência para o comportamento desse ouvinte (Catania, 1999). Embora, no escopo da análise do comportamento, haja diferentes compreensões para o entendimento de "regras" (Albuquerque, 2001; Teixeira Júnior, 2009), neste trabalho, o termo regra será compreendido como descrições verbais de contingências, ou seja, regras especificam determinadas relações funcionais entre eventos (Skinner, 2004).

Na área de pesquisas sobre comportamento governado por regras, muitos trabalhos foram conduzidos com o objetivo de identificar os desempenhos dos participantes em situações de apresentação de regras coerentes e, ou, discrepantes das contingências. Em várias dessas investigações, as instruções eram apresentadas de modo direto, ou seja, eram descrições dirigidas ao participante sobre comportamentos de selecionar estímulos de comparação mediante a apresentação de um modelo, em tarefas de discriminação condicional (Albuquerque & Paracampo, 2010; Albuquerque, Reis & Paracampo, 2010; Albuquerque & Silva, 2006; Braga, Albuquerque & Paracampo, 2005; Oliveira & Albuquerque, 2007; Teixeira Júnior, 2009). Foi observado que o comportamento de seguir regras depende de muitas variáveis, como a correspondência ou não com a contingência que descreve o valor do reforço, a presença de um observador, o histórico de seguir regras, entre outras.

As histórias infantis, com frequência, incluem descrições de contingências não necessariamente dirigidas ao leitor. Muitas regras são dirigidas aos personagens das histórias ou ficam implícitas em certos enunciados (e.g., "Chapeuzinho desobedeceu à sua mãe, mudou de caminho e foi surpreendida pelo Lobo Mau" ou "Branca de Neve aceitou frutos de estranhos e acabou envenenada"). Vasconcelos et al. (2006), visando a instrumentalizar pais e educadores para conversar com crianças sobre comportamentos apropriados e inapropriados em diversos contextos, descreve contingências vividas por personagens de contos de fada. A proposta é utilizar as histórias infantis como um instrumento para descrição de contingências, de modo a auxiliar crianças a serem capazes de descrever um determinado comportamento, sua ocasião e suas consequências em curto e longo prazo. Em caso de comportamentos que apresentam consequências aversivas, a análise das contingências vividas pelos personagens pode possibilitar a descrição de quais seriam os comportamentos alternativos que poderiam produzir mais consequências reforçadoras para o personagem e para o grupo.

Apesar de a descrição de contingências ser mencionada como uma importante possibilidade de promoção de autoconhecimento, é necessário compreender quais são os efeitos da descrição de contingências de personagens de histórias infantis sobre o comportamento de um leitor.

Até o presente momento, ainda são escassos os estudos experimentais que visam a avaliar se contingências descritas em histórias podem controlar o comportamento do leitor. Uma exceção importante é o estudo de Heffner (2003), desenvolvido para examinar experimentalmente o quanto histórias guiam comportamentos, facilitando a aquisição da resposta-alvo desejada. Sessenta e seis estudantes universitários foram expostos à leitura de histórias de corrida entre dois ratinhos em um labirinto, um lento e um mais ágil. Na primeira história, o ratinho lento era o ganhador, já na segunda história, o rato vencedor era o mais rápido dentre os dois. Os participantes foram distribuídos, aleatoriamente, em três grupos: o grupo 1 leu as histórias e respondeu a um questionário que descrevia os comportamentos dos personagens e suas consequências (formulação da regra); em uma das histórias, o sujeito lento e tranquilo ganhava a corrida com o auxílio de uma bússola e, em outra, o sujeito mais rápido era o ganhador; o grupo 2 fez a leitura de histórias sem formulação de regras; o grupo 3 não fez a leitura de histórias e respondeu à tarefa subsequente apenas com instruções mínimas.

Após a fase da leitura das histórias ou instruções mínimas, os participantes de Heffner (2003) eram solicitados a executar uma atividade no computador, na qual respostas de pressionar uma tecla poderiam produzir ou não pontos que seriam posteriormente trocados por dinheiro. As respostas geravam pontuações em diferentes esquemas de reforçamento (misto ou múltiplo) que alternavam entre si, ora a tarefa exigia uma quantidade fixa de respostas, ora exigia uma taxa baixa de respostas para que fossem liberados pontos. Para um grupo de participantes, foi solicitado ler a história, responder a um questionário que descrevia o contexto, o comportamento do personagem e sua consequência antes de ser submetido às mesmas atividades de reforçamento misto ou múltiplo do grupo anterior. Sua hipótese era de que o procedimento de responder um questionário que descrevesse os aspectos mais importantes da história, após a leitura desta, poderia facilitar a construção de regras mais acuradas, ou seja, com maior probabilidade de controle sobre o comportamento não verbal.

Contrariando a hipótese de Heffner (2003), os participantes que responderam ao questionário tiveram um desempenho inferior ao grupo de participantes que apenas leram a história e foram submetidos aos esquemas de reforçamento. Os participantes nos grupos 1 e 2, ou seja, que leram as histórias com e sem formulação de regras específicas, ganharam mais pontos e discriminaram de forma mais adequada os componentes do esquema de reforçamento em vigor do que os participantes que não foram expostos a nenhuma história. Esse estudo produziu alguns resultados empíricos que fundamentaram a hipótese de que histórias podem exercer controle sobre o comportamento.

Craveiro (2009), por sua vez, avaliou o efeito da exposição continuada a histórias infantis sobre a frequência e o tempo de envolvimento em comportamentos que seriam relevantes à aprendizagem escolar. Quatro crianças entre 7 e 8 anos participaram do estudo. Os comportamentos de copiar a tarefa, responder ao exercício e entregar o caderno para receber o visto do professor foram selecionados, e a ocorrência de emissão dos comportamentos foi registrada para se obter uma linha de base. A fase experimental era composta de linha de base e seis fases nas quais eram lidas histórias diferentes. Cada fase era iniciada com a leitura de uma história, seguida do registro de ocorrências dos comportamentos-alvo. As histórias apresentavam regras descritivas das consequências positivas da emissão dos comportamentos selecionados e das consequências negativas da emissão de comportamentos incompatíveis com aqueles selecionados. Os resultados demonstraram que a exposição continuada às histórias foi eficiente para instalar e aumentar a frequência dos comportamentos-alvo selecionados.

Considerando-se a escassez de estudos a respeito dos efeitos da descrição de contingências sobre o comportamento de crianças, este estudo pretendeu explorar, em uma amostra de crianças brasileiras de idade escolar, se o comportamento subsequente das crianças seria controlado pela descrição das contingências apresentadas durante a leitura das histórias. Para tanto, foi analisado o desempenho que sucedia à leitura das histórias, quando as crianças eram expostas à situação similar à descrita, e se diferentes consequências ao comportamento do personagem no final da história influenciaram o modo como a criança se comportaria.

 

Método

 

2.1 Participantes

Participaram deste estudo sete crianças de ambos os sexos com idades entre 8 e 10 anos (M = 9 anos e 6 meses) com bom desempenho em leitura e sem deficiência intelectual aferida pela Escala de Inteligência Wechsler para Crianças - WISC-III (Wechsler, 2002). As características individuais (idade, escolaridade e desempenho do WISC-III) dos participantes e grupo a que pertenceram neste estudo estão descritas na tabela 1. Todos eram alunos de escolas públicas de uma cidade do interior paulista.

 

 

Os participantes foram distribuídos randomicamente em três grupos, sendo dois no grupo 1, dois no grupo 2 e três no grupo 3. O quadro 1 ilustra as principais variáveis manipuladas nos três grupos.

 

 

2.2 Materiais e condições de coleta

Foram utilizados brinquedos diversos, tais como jogos e miniaturas de madeira. Também foram utilizados materiais de papelaria (lápis de cor, tesoura, folhas sulfite branca e canetas hidrocor). Duas histórias adaptadas de Cerviglieri (2007a, 2007b) foram utilizadas para ambientação das crianças à sala de coleta de dados. Outras quatro histórias foram escritas especificamente para o estudo e adotadas na fase experimental, apresentadas em folhas impressas A4; duas histórias (A e B) apresentadas para os participantes dos grupos 1 e 2; outras duas histórias (C e D) para os participantes do grupo 3 (Almeida, 2007). De acordo com o quadro 1, para os grupos 1 e 2, o que mudou foi a ordem de apresentação das histórias.

Também foram necessárias seis folhas sulfite. Em cada uma, havia uma pergunta com três alternativas ilustradas, com uma descrição escrita por extenso logo abaixo de cada figura, das quais uma deveria ser escolhida como a resposta correta (Almeida, 2007). Esses materiais, inicialmente, estavam dentro de uma pasta sobre uma das cadeiras da sala. As sessões foram registradas por uma Filmadora Sony DCR-DVD 110 e material de mídia no formato DVD.

Todo o procedimento foi realizado no Centro de Psicologia Aplicada da Universidade Estadual Paulista, campus de Bauru. A sala para a aplicação do WISC-III era de atendimento individual, contendo apenas mesas e cadeiras. A sala utilizada para as fases de ambientação e procedimento experimental tinha proteção acústica e espelho de observação unidirecional.

 

2.3 Procedimentos

A seleção dos participantes foi iniciada após aprovação do Comitê de Ética (Processo 1820/46/01/07). O primeiro contato foi feito por telefone com os responsáveis pela criança. A experimentadora convidou a criança a participar de uma pesquisa que avaliaria o repertório de leitura de histórias e outros aspectos do desenvolvimento. Todos os responsáveis assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Antes do início das sessões, foi questionado aos pais se as crianças gostavam de brigadeiros e solicitado aos pais que evitassem doces no dia das sessões experimentais.

 

2.3.1 Fase de ambientação

Essa fase tinha como finalidade familiarizar a criança ao ambiente experimental e aos procedimentos adotados, verificar sua capacidade de ler histórias e responder a questões referentes a elas, além de selecionar crianças com desempenho intelectual equivalente. Para isso, o participante ficava em uma sala de atendimento infantil, onde podia escolher alguns dos brinquedos ou jogos. O tempo de brincadeira livre variou entre 20 e 30 minutos. Em seguida, era solicitado à criança que lesse uma história de Cerviglieri (2007a, 2007b). Não havia tempo estipulado para o encerramento da leitura.

Como forma de avaliar a atenção e compreensão da história, a pesquisadora utilizou o procedimento descrito em Almeida (2007), realizado imediatamente após a leitura de cada história. O procedimento consistia em mostrar três figuras à criança e fazer as seguintes perguntas:

a) "Qual desses personagens estava presente na história?";
b) "O que o personagem da história fez?";
c) "O que aconteceu com o personagem da história?". Não havia consequências diferenciais para acerto e erro.

Após a resposta da criança para cada pergunta, a experimentadora emitia a vocalização "Aham!" e apresentava a nova pergunta ou, no caso da pergunta final, apresentava o próximo passo do procedimento. Para continuidade na pesquisa, o participante deveria acertar todas as respostas.

 

2.3.2 Fase experimental

A princípio, serão descritas as características comuns dos procedimentos adotados nos três grupos. Posteriormente, serão descritas as especificidades de cada um deles.

O procedimento geral consistiu em solicitar à criança que lesse uma história com temática de festa de aniversário. As crianças poderiam ler a história em voz alta ou silenciosamente. Após a leitura, havia uma avaliação da compreensão da história por meio de perguntas. A estrutura das perguntas era semelhante à que foi apresentada na fase de ambientação:

a) "Aonde o personagem principal foi?";
b) "O que o personagem da história fez?";
c) "O que aconteceu com o personagem da história?".

Ao acertar todas as questões, tinha-se uma confirmação objetiva da compreensão dos principais elementos da história, relevantes para este estudo: o contexto, a resposta e a consequência dessa resposta. Do mesmo modo, como na fase de ambientação, não havia consequências diferenciais para as respostas de escolha.

Na sequência, a experimentadora comunicava que haveria uma festa surpresa para um(a) funcionário(a) da instituição e pedia à criança que ajudasse nos preparativos. Em seguida, tirava os doces de uma caixinha e dizia que faltavam os papéis decorativos dos doces. A pesquisadora, com o pretexto de pegar os papéis, deixava a criança sozinha por cinco minutos em situação simulada semelhante à da história contada. Não era feita recomendação alguma à criança sobre o que ela deveria fazer no período em que a pesquisadora estivesse ausente. Os comportamentos dos participantes eram registrados com o auxílio de uma filmadora e por meio de observadores localizados em uma sala ao lado do ambiente experimental, equipada com espelho de observação unidirecional. Decorridos cinco minutos, a experimentadora voltava para a sala, solicitava que o participante a auxiliasse colocando os doces nos papéis decorativos e então pedia para que os doces fossem contados.

Após um período de atividades lúdicas que envolvia a confecção de um cartaz para ser colocado na festa de aniversário e que foi adotado como intervalo entre as histórias, o participante era instruído a ler uma segunda história com a mesma temática. Esse intervalo variou entre 15 e 30 minutos. O critério para o fim do intervalo era o fim da confecção do cartaz. De forma semelhante ao ocorrido após a primeira história, a compreensão da leitura era avaliada pelo procedimento descrito anteriormente. A pesquisadora se retirava novamente da sala por cinco minutos, com o pretexto de pegar as bexigas para enfeitar a sala. Decorridos cinco minutos, a pesquisadora voltava à sala e solicitava novamente a contagem dos doces para colocá-los em uma bandeja.

Terminada a fase experimental propriamente dita, a pesquisadora e o participante terminavam os preparativos da festa e realizavam a "festa surpresa". O aniversariante normalmente era uma pessoa que estava atrás do espelho de observação registrando os comportamentos da criança. Para mais informações, a descrição detalhada das histórias em cada grupo encontra-se em apêndice.

Ao final da sessão, era perguntado aos pais se a criança havia comido doces no dia da realização do experimento. De acordo com o relato dos pais, todas as crianças estavam privadas de doces.

 

2.4 Análise dos dados

As análises foram feitas por dois observadores por meio das filmagens e com o uso de um protocolo de registros com operacionalização e descrição dos comportamentos a serem observados. As filmagens foram avaliadas com base nas seguintes categorias:

a) pegar ou não os doces e
b) comportamentos direcionados aos doces: apenas olhá-los, apenas tocá- los ou olhá-los e tocá-los, simultaneamente, por até cinco segundos. Comportamentos direcionados aos doces foram analisados com base em sua frequência. Foi computada a frequência de comportamentos dirigidos aos doces. Cada vez que a criança emitia esses comportamentos por até cinco segundos, era contabilizado um comportamento direcionado aos doces. Assim, se a criança olhasse para os doces por três segundos, era contabilizado olhar para os doces uma vez. Se a criança olhasse para os doces por oito ou dez segundos, eram contabilizados dois comportamentos direcionados aos doces. Todas as sessões de todos os participantes foram submetidas à análise de concordância de acordo com Kazdin (1982), e a porcentagem de acordo entre observadores obtida foi de 98% para os comportamentos de tocar e olhar os doces.

 

3. RESULTADOS

Todos os participantes apresentaram 100% de acerto nas três perguntas referentes à compreensão das histórias lidas, tanto na fase de ambientação quanto na experimental. Em relação ao comportamento-alvo, embora as histórias A e B relatassem comportamentos de pegar e comer os doces, nenhuma das crianças apresentou esse comportamento enquanto estavam sozinhas na sala, mas todas comeram os doces no momento da festa; da mesma forma, todas apresentaram algum comportamento direcionado aos doces em, pelo menos, um dos períodos em que foram deixadas sozinhas. Os resultados foram analisados de acordo com a média de comportamentos direcionados aos doces em cada condição e de acordo com a frequência de comportamentos direcionados aos doces emitidos por cada criança, subdivididas de acordo com cada grupo, conforme ilustra a figura 1. Os resultados são exibidos na ordem de apresentação das histórias em cada condição.

 

 

De forma geral, foi registrada maior média de comportamentos direcionados aos doces quando a situação simulada era precedida pela história que não descrevia consequência aversiva para o comportamento de pegar doces (média de 0,5 na condição 1 e 2,5 para a condição 2). Por outro lado, os comportamentos dirigidos aos doces tiveram médias menores quando a situação simulada era precedida pela história que descrevia consequências aversivas para o comportamento de pegar os doces antes da festa. Esse resultado sugere que as histórias apresentadas controlaram o comportamento subsequente de crianças (média de 5 para condição 1 e 9 para condição 2).

No grupo 1, observa-se que Natália e Karina apresentaram 5 comportamentos direcionados aos doces, após a leitura da história A, sem consequências aversivas. A frequência diminuiu após a leitura da história B, com consequências aversivas, para 0 e 1, respectivamente.

No grupo 2, Jeniffer e Lilian apresentaram respectivamente 3 e 2 comportamentos direcionados aos doces no total, após a leitura da história B, com consequência aversiva para o comportamento de pegar os doces. A frequência total aumenta para 6 e 12, após a leitura da história A, sem consequências aversivas para o comportamento de pegar os doces.

No grupo 3, que funcionou como controle, os três participantes apresentaram maiores frequências de comportamentos direcionados aos doces após a segunda história (D).

Tanto a análise da média por condição quanto a frequência absoluta para cada participante ilustram, de maneira robusta, a variação dos comportamentos na situação simulada conforme os desfechos das histórias que as precedem.

 

4. DISCUSSÃO

Tanto no grupo 1 quanto no 2, a frequência de comportamentos direcionados aos doces foi maior após a leitura da história com desfecho positivo e menor após a leitura de história com desfecho aversivo. Esses resultados sugerem que a leitura das histórias e das contingências nelas descritas, com os diferentes desfechos, permitiu que as crianças formulassem regras e que estas regras interferissem sobre as contingências em vigor.

Essa afirmação é subsidiada pelos resultados positivos (100% de acertos) nos testes de compreensão da história lida pelo participante, conforme descrito nos resultados (era solicitado que a criança apontasse onde o personagem principal estava, o que ele fez e o que aconteceu depois de sua ação), e pela mudança do comportamento, conforme as contingências descritas nas histórias para os dois grupos.

Com as perguntas formuladas nos testes de compreensão, tem-se uma possibilidade de descrição da contingência em vigor na história. Essa característica de procedimento se assemelha a um dos componentes do estudo de Heffner (2003) que, ao observar os efeitos de histórias sobre comportamento não verbal, apresentou um questionário de perguntas abertas para avaliar a compreensão da história. Embora avaliar se o responder questões que descrevam contingências apresentadas em histórias poderia facilitar ou não a formulação de regras não tenha sido o objetivo deste trabalho, essa é uma variável importante que pode controlar o comportamento direcionado aos doces. Por outro lado, a própria leitura da história poderia oferecer condições de formulação de relações funcionais entre as respostas dos personagens e suas consequências. Assim, embora não tenha sido solicitado aos participantes deste estudo que descrevessem regras relacionadas ao tocar ou não tocar os doces na condição simulada, o comportamento direcionado aos doces variou em razão dos desfechos apresentados nas histórias; isto é, alterando o desfecho da história, os comportamentos dirigidos aos doces se apresentavam de forma diferente: mais dirigidos aos doces ou menos dirigidos a estes (mexendo em outros objetos deixados na sala). Para estudos futuros, sugere-se investigar se o uso de perguntas sobre a história torna mais provável a emissão de comportamentos, tais como descritos na própria história.

Tanto nos estudos de Heffner (2003) quanto neste estudo, as histórias descreviam o comportamento de um personagem. Embora não houvesse nada que sinalizasse que as contingências descritas na história deveriam vigorar na situação simulada da sessão experimental, esta era sempre muito semelhante à história lida. Por isso, a leitura de histórias com consequências distintas para os comportamentos de pegar e não pegar doces antes da festa também afetou, de forma diferente, os comportamentos na situação simulada semelhante a cada uma das histórias.

Ainda que as histórias construídas para esse estudo, em especial as histórias A e B, que descreviam o comportamento da criança de pegar os doces, pudessem evocar comportamentos relacionados a contingências coercitivas 1 na história pré- experimental do sujeito (por exemplo, pegar, sem pedir, algo de outra pessoa pode ter consequências aversivas para o sujeito, como ser preso ou castigado), a história A, sem contingência aversiva, descrita na fase experimental, era incompatível com as regras descritas por essas agências de controle. Mesmo assim, pode-se levantar a hipótese de que a história prévia das crianças pode ter interferido no desempenho de pegar ou não os doces durante a situação experimental.

Considerando-se que as agências de controle usam, demasiadamente, contingências aversivas, crianças maiores provavelmente tiveram experiência maior com contingências coercitivas e, por isso, teriam desenvolvido meios mais eficazes de discriminação de estímulos do ambiente que poderiam sinalizar consequências aversivas para o comportamento de pegar os doces (Sidman, 2003).

Os participantes deste estudo tinham idade entre 8 e 10 anos, e já possuíam um repertório verbal bem desenvolvido, o que pôde ser observado durante as atividades deste estudo. A amostra em questão era capaz de seguir instruções para a realização das atividades no WISC–III; nas fases de ambientação e experimental, elas foram capazes de emitir comportamento textual e demonstrar compreensão. Será que, se os participantes fossem crianças com idades menores e, consequentemente, com menor repertório verbal, elas teriam desempenho diferente? Robles e Gil (2006) avaliaram o seguimento de instrução em razão de diferentes repertórios de ouvinte e falante com crianças de 27 a 32 meses de idade e discutiram possibilidades de desenvolvimento do repertório instrucional de crianças no seguimento de instruções específicas. Uma sugestão de investigação futura seria narrar histórias para crianças menores, seguidas por procedimentos de verificação da compreensão e pelos demais procedimentos que foram administrados neste estudo.

O fato de as crianças do grupo 3 também não pegarem os doces fortalece a hipótese de que o simples fato de mencionar o comportamento de pegar algo que não é seu já remeta à história pré-experimental e às suas consequências aversivas. Tais consequências podem diminuir a probabilidade de emissão de comportamentos direcionados aos doces. Contudo o fato de apresentarem uma frequência de comportamentos direcionados aos doces, maior do que a frequência desses mesmos comportamentos para as crianças do grupo 2, fortalece o papel dos desfechos aversivos nas histórias sobre a baixa frequência do comportamentoalvo nos participantes do grupo 2 e da ausência desses desfechos sobre a alta frequência dos comportamentos-alvo sobre os participantes do grupo 3.

Uma sugestão para controlar essa interferência seria, em estudos futuros, a utilização de histórias que narrem comportamentos que não tenham relação com regras sociais tão fortemente estabelecidas por essas agências de controle e em situação mais naturalística. De acordo com as sugestões de Cavalcante (1999) e Craveiro (2009), a investigação do controle instrucional em contextos naturais pode auxiliar na ampliação da compreensão de comportamentos verbalmente controlados em diferentes contextos. Outros estudos sobre controle de estímulos também apontam a urgência do desenvolvimento de procedimentos próximos aos contextos naturais (Oliveira & Gil, 2008; Rehfeldt, 2011; Souza & Pontes, 2007; Silva & Souza, 2009).

Por outro lado, a análise realizada sobre a variação dos comportamentos direcionados aos doces nos dois grupos experimentais e no grupo controle parece ter coerência com as contingências nela descritas, demonstrando que as histórias A e B, com descrição de consequências distintas para o comportamento de "pegar doces antes da festa", influenciaram a frequência do comportamento de manipular os doces. Essa discussão é fortalecida pelo fato de as frequências dos comportamentos de manipular os doces serem maiores sempre que as consequências aversivas não estão presentes, independentemente da ordem de apresentação; além disso, no grupo controle (grupo 3), quando nenhuma consequência aversiva está presente na história, a frequência de comportamentos dirigidos aos doces tende a aumentar.

Heffner (2003) sugere que, em alguns contextos, a história exerce função de controle para o desempenho dos participantes. Os resultados deste estudo são consistentes com essa sugestão. Considerando que histórias podem controlar diferencialmente determinados comportamentos, esses resultados subsidiam experimentalmente a proposta de que, na perspectiva de quem produz a história, escrever ou ler pode ter função de tatos (quando descrevem eventos ocorridos) ou de mandos (quando estão sob controle de operações motivacionais).

Na perspectiva do ouvinte ou leitor, as histórias podem ter função de uma instrução, pois histórias são estímulos verbais que podem controlar determinados comportamentos (Heffner, 2003). Esses achados trazem indícios empíricos de que histórias podem ser usadas como instrumento educativo (Nery, 2012; Vasconcelos, 2012). Contudo ainda são necessários estudos relacionados a características das histórias e outros aspectos do ambiente em que são lidas ou contadas.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou contribuir para a compreensão de algumas funções da leitura de histórias sobre o comportamento dos leitores. Sugere-se que textos literários podem ter função de instrução para determinados comportamentos. Trata-se de um estudo exploratório e, portanto, muitas questões ainda precisam ser mais bem investigadas como as características do texto que têm função instrucional e os contextos nos quais um texto pode ter essa função.

Entende-se que elaborar um estudo que se assemelhe às condições naturais pode ser útil para ampliar o conhecimento sobre essa temática, embora o grande número de variáveis aumente a probabilidade de que muitos aspectos não controlados exerçam influência sobre os resultados. Assim, ressalta-se a importância da continuidade de investigações nessa direção e que possibilitem revisões pormenorizadas do procedimento, com um número maior de participantes, para melhor operacionalização da resposta-alvo.

De forma geral, este estudo contribuiu para o desenvolvimento de metodologias experimentais que se assemelhem a contingências naturais para a compreensão de comportamentos governados por regras, em especial, aquelas presentes em histórias infantis.

 

Referências

Almeida, C. G. M. (2007). Efeitos de contingências descritas em histórias sobre o comportamento de crianças. (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Bauru.         [ Links ]

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APÊNDICE A

Grupo 1 - A primeira história (A) apresentada nesse grupo descrevia um episódio em que um garoto estava ajudando nos preparativos de uma festa de aniversário. Por um instante, ele se viu sozinho diante dos doces e decidiu comer alguns deles antes do início da festa. Ao fim da história, a festa ficou muito bonita, incluindo a mesa com os doces. A segunda história (B) tinha os mesmos personagens, o mesmo contexto e os mesmos comportamentos do personagem principal, ou seja, pegar os doces antes da festa. A diferença entre elas era que, nessa segunda história, a descrição do comportamento de pegar os doces antes da festa era seguida de uma consequência aversiva para a atitude do personagem, ou seja, havia a descrição de que a ação do garoto foi descoberta e as pessoas da festa ficaram zangadas, pois a mesa do aniversário ficou feia.

Grupo 2 - Assim como no grupo 1, foram apresentadas as histórias A e B que descreviam o comportamento do garoto de pegar os doces de uma mesa de aniversário antes de uma festa. Contudo, nesse grupo, as histórias foram apresentadas em ordem inversa, ou seja, primeiramente foi apresentada a história que relatava a ocorrência de uma consequência aversiva para o comportamento do personagem (história B) e, depois, a história em que o comportamento de pegar doces não era seguido por uma consequência aversiva (história A).

Grupo 3 – Consistiu na mesma sequência de passos, porém os participantes foram expostos a outras duas histórias com temáticas semelhantes (eventos de uma festa de aniversário, tais como brincadeiras, presentes e hora de cantar os parabéns), sem referência alguma aos comportamentos de pegar os doces e as consequências que os seguiam.

 

 

Texto recebido em 7 de outubro de 2013 e aprovado para publicação em 18 de maio de 2016.

 

 

* Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos, São Carlos-SP, Brasil. Endereço: Rua Bela Vista, 1379 - Bairro Monte Alegre, Ribeirão Preto-SP, Brasil. CEP: 14051-070. E-mail: chris_gma@hotmail.com.
** Professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru-SP, Brasil. E-mail: anaverdu@fc.unesp.br.
*** Professora doutora do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru-SP, Brasil. E-mail: mregina@fc.unesp.br.
1 Compreende-se como coerção contingências que sinalizam consequências aversivas para o comportamento (Sidman, 2003). Em agências de controle, como escola, governo e religião, é possível identificar alguma regra relacionada a não pegar algo que não lhe pertence. No governo, temos leis que descrevem as penalidades para furto, assalto. Na religião, podemos citar a Bíblia Sagrada, onde se encontra o versículo "Não furtarás". Na escola, podemos encontrar mensagens semelhantes em regras de convivência. Sendo uma regra presente nas principais agências de controle, é possível compreender o alto poder coercitivo das possíveis consequências dessa ação.

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